Revista Dentística on line - ano 9, número 19, 2010.
ISSN 1518-4889 www.ufsm.br/dentisticaonline
Bispo, LB. Resina composta nanoparticulada
RESINA COMPOSTA NANOPARTICULADA: HÁ SUPERIORIDADE NO SEU
EMPREGO?
Nanoparticle Composite: Is there superiority in its use?
Luciano Bonatelli Bispo1
Resumo
As resinas compostas têm sido empregadas com múltiplas finalidades em Odontologia Adesiva: restaurações diretas,
cimentação de peças protéticas, colagens, reparos, entre outras. Constitui o material mais democrático em devolver a
estética e função perdidas, desde que, suas limitações inerentes sejam respeitadas. A evolução cosmética e artística de
tais materiais suplanta as limitações antes intransponíveis na prática clínica. Em poucas décadas a tecnologia usada
na produção de tecidos sintéticos, na cibernética e na indústria alimentícia, agora, traz vantagens na produção dos
materiais dentários, especificamente, nas resinas compostas. Este trabalho tem o objetivo de apresentar as resinas
compostas nanoparticuladas, suas vantagens, suas limitações, bem como, suas dúvidas quanto à biocompatibilidade.
Palavras-chave: resina composta; nanotecnologia; materiais dentários
Abstract
The composed resins have been used with multiple purposes in Adhesive Dentistry: direct restorations, cementing of
prosthetic pieces, collages, repairs, among others. It constitutes the most democratic material in returning the
aesthetics and function lost, since, their inherent limitations are respected. The cosmetic and artistic evolution of such
materials supplants limitations before insurmountable in practice clinic. In few decades the technology used in the
production of synthetic fabrics, in the cybernetics and in the provision industry, now, it brings advantages in the
production of dental materials, specifically, in composed resins. This work has the objective of presenting nanoparticles
composites, their advantages, their limitations, as well as, their doubts as for biocompatibility.
Keywords: composite; nanotechnology; dental materials
Introdução
O prefixo “nano”, em grego, significa “anão”. Um
nanômetro significa a bilionésima parte do metro, ou
ainda, um milionésimo de um milímetro. Assim, um ser
humano de seis pés de altura, aproximadamente 1,82m (1
pé é igual a 30,38cm), em média, é constituído de 2
bilhões de nanômetros; o diâmetro de um fio de cabelo
humano tem 75.000 nanômetros; uma bactéria da espécie
Escherichia coli tem 2.000 nanômetros; o DNA (ácido
desoxirribonucléico) tem 2 nanômetros; enfim, tudo pode
ser quantificado por essa escala. Consequentemente, o
termo nanotecnologia, surgiu da Engenharia Molecular e
se refere ao uso de unidades básicas da escala de
nanômetros para melhorar a performance de produtos. Na
indústria automobilística, nanopartículas cerâmicas
reforçam a pintura automotiva e a torna mais resistente às
intempéries climáticas. A memória de circuitos
nanométricos permite maior armazenamento e expansão
da memória “flash” com mais músicas no MP3,
diminuindo seu tamanho. A velocidade de processamento
nos celulares possibilitou a compactação de câmeras e
acesso ilimitado à Internet. Os tecidos tecnológicos da
indústria têxtil permitiram, através da escala nano, a
incorporação de micro cápsulas com ingredientes
refrescantes, conforme a produção de suor por parte dos
atletas (SANTOS, 2009). A incorporação de
nanopartículas de prata por atomização nos desodorantes
também tem função antibacteriana, evitando-se o mau
cheiro durante a transpiração. Cremes hidratantes e
Doutor em Dentística - FOUSP
antienvelhecimento
têm
tido
componentes
nanoparticulados para penetração em profundidade na
pele. Na construção civil, nanotubos de carbono são 100
vezes mais resistentes que o aço. A nanoencapsulação
pode produzir sorvete com 1% de gordura, ao contrário
dos convencionais 15% (SUTTON, 2009). Enfim, a
revolução promovida pela nanotecnologia chegou à
Odontologia (MITRA & HOLMES, 2003), inicialmente
na indústria dos materiais dentários, com a produção das
resinas compostas nanohíbridas com tamanho médio de
partículas inorgânicas entre 100 nanômetros a 0,7
micrômetros (1 micrômetro é igual a 1.000 nanômetros).
Recentemente, de 2003 até hoje, no Brasil, são produzidas
resinas nanoparticuladas, com 100% de partículas
inorgânicas nanométricas da ordem de 20 a 75
nanômetros. O objetivo deste trabalho é apresentar as
resinas compostas nanoparticuladas, suas vantagens, suas
desvantagens, bem como seus eventuais riscos biológicos
advindos da manipulação em ínfima escala nanométrica.
Histórico
MICHAEL BUONOCORE, em 1955, através da
observação do pré-tratamento superficial para pintura das
chapas componentes dos cascos de navios, desenvolveu o
condicionamento ácido do esmalte dentário, com o
emprego, à época, de ácido ortofosfórico a 85%,
permitindo a união mais duradoura da resina acrílica aos
tecidos duros, o que constitui, o Marco da Odontologia
Adesiva que conhecemos até hoje.
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RALPH LEE BOWEN, em 1962, conseguiu unir a baixa
alteração da resina epóxica com sua união ao metacrilato
de glicidila, permitindo uma rápida polimerização como a
da resina acrílica até então utilizada, criando uma resina
híbrida, proveniente do éster do Bisfenol A, dando como
formação o monômero conhecido como BISGMA
(Bisfenol dicetona do éter do glicidil dimetacrilato).
Ainda,
aproveitando-se
da
concepção
de
PAFFENBARGER et al., em 1953, adicionou partículas
inorgânicas à mistura, apesar da fraca ligação existente.
Esta frágil união fez com que os pesquisadores buscassem
uma substância com a capacidade de unir as fases. Então,
BJORKSTEN & YAEGER, em 1952, descreveram a
silanização superficial das partículas de carga, tornandoas hidrófobas, pelo metacriloxi-propil-trimetoxi-silano,
que tem a propriedade de possuir um radical orgânico; e,
em outra extremidade da molécula, um radical inorgânico,
intermediando assim, como ponte, a reação de
copolimerização dos grupamentos metacrilatos do agente
com os monômeros. Esse tratamento já era usado na
produção de plásticos.
Atualmente, a variação no tamanho das partículas
inorgânicas trouxe modificações em muitas propriedades
físicas das resinas compostas, principalmente pelo
aperfeiçoamento dos agentes de ligação (silanos) entre a
matriz resinosa proveniente de BOWEN e a carga
disponível. Poderíamos classificar os compósitos atuais,
diante do tamanho das partículas inorgânicas em: resinas
compostas convencionais ou de macropartículas com
tamanho médio de carga de 8 a 15 micrômetros
(inexistentes no mercado). Resinas de micropartículas de
0,04 a 0,4 µm. Resinas híbridas com tamanho médio de
0,04 a 5 µm. Resinas compostas microhíbridas com 0,04 a
0,7 µm. Ainda, resinas nanohíbridas, que são
microhíbridas com nanopartículas adicionadas da ordem
de menos de cem nanômetros até partículas maiores de
0,7 µm; e, finalmente, resinas nanoparticuladas que
contêm 100% de nanopartículas todas abaixo de 100 nm,
geralmente entre 20 a 75 nm (ANUSAVICE, em 1998;
REIS et al., em 2007).
Discussão
Como componentes de uma resina composta podemos
citar os principais: a matriz orgânica, as partículas de
carga inorgânica e o agente de união silano. Temos ainda,
secundariamente, conservantes, corantes e inibidores de
polimerização.
A matriz orgânica facilita a combinação de matiz, croma e
valor, é um agente aglutinante, além de conferir
propriedades reológicas à massa. Entretanto, carrega as
desvantagens de possuir alto coeficiente térmico linear de
expansão e contração, possui alta contração de
polimerização, possui alta sorção de água, possui baixas
propriedades mecânicas e possui baixa estabilidade de
cor. Logo, o ponto frágil das modernas resinas compostas
continua a ser a Fórmula de BOWEN, com quase
nenhuma modificação da original, o que persiste com as
nanoparticuladas atuais. Nenhuma resina polimeriza em
sua totalidade, consequentemente os problemas de
sensibilidade pós-operatória pela contração de
polimerização, a presença de monômeros residuais, a
perda de cor pela hidrólise e a degradação da matriz
Bispo, LB. Resina composta nanoparticulada
orgânica com a ingestão de produtos de baixo pH
(potencial hidrogeniônico- alimentos como vinho tinto,
energéticos e isotônicos, suco de frutas cítricas,
refrigerantes à base de cola e vinagre) ainda são um
problema difícil de ser controlado.
Os agentes de união, ou silanos utilizados, têm a
capacidade de transmitir homogeneamente as tensões
mastigatórias entre a matriz e a carga, unindo-as.
Aumentam a estabilidade hidrolítica, bem como a cor
com o decorrer do tempo clínico de uso. Mas, podem
sofrer hidrólise, aumentando também as tensões de
contração de polimerização.
As partículas inorgânicas de carga têm a particularidade
de melhorar e aumentar as propriedades mecânicas.
Possuem baixo coeficiente de expansão e contração
térmica linear, reduzem a contração de polimerização;
adicionalmente, são bem mais inertes que a matriz
orgânica. Todavia, produzem rugosidade, influenciando
enormemente o polimento e o brilho superficial,
dificultando a passagem da luz. A inovação das resinas
nanoparticuladas está na silanização individual das
partículas de carga (que constitui segredo do fabricante),
formando os chamados “nanoaglomerados”, ou seja,
massas de partículas homogêneas que impedem sua
soltura ou desgarramento como acontece com as
microhíbridas. As partículas de carga esféricas de
dimensões diminutas favorecem a acomodação,
pegajosidade durante a manipulação clínica e o polimento
e brilho que ganharam muita similaridade ao conseguido
com as microparticuladas quando eram usadas como
última camada nos trabalhos de excelência ditos
imperceptíveis (BARATIERI et al., 2010; BUSATO,
2006; FAHL JR, 1996; FAHL JR, 1997; FAHL JR, 2000;
FAHL et al., 1995; WATANABE, 2009). Quanto ao
percentual de carga em volume, permanece o mesmo do
obtido com as híbridas e microhíbridas, ou seja,
aproximadamente 60 a 66% (ANUSAVICE, 1998; REIS
et al., 2007). São resinas de uso universal, podendo ser
empregadas em dentes anteriores e posteriores. Suas
propriedades físicas permanecem as mesmas das
microhíbridas: contração de polimerização, sorção de
água e solubilidade em meio aquoso, radiopacidade e
combinação de cor (MITRA & HOLMES, em 2003).
Particularmente, as propriedades mecânicas, tais como:
resistência à compressão, resistência à flexão e ao módulo
de elasticidade, dureza superficial, desgaste (que já era
semelhante ao desgaste promovido ao esmalte) e
acabamento e polimento; permanecem inalterados em
comparação às microhíbridas (YAP et al., 2003; YAP et
al., 2004b; YAP & WEE, 2002; YAP et al., 2004a). Aqui
vale, entretanto um pormenor: a lisura superficial foi
melhorada pelas próprias características estruturais das
minúsculas partículas de carga inorgânica.
Propriedades ópticas do esmalte natural humano podem
ser mimetizadas com as resinas compostas: translucidez,
opalescência, halo opaco, contra-opalescência, textura e
fluorescência. Translucidez é definida como um gradiente
entre transparência e opacidade, dependente da espessura,
principalmente em regiões cristalinas mineralizadas.
Opalescência é a propriedade pela qual o esmalte aparenta
diferentes colorações sob orientações diversas dos raios
de luz. Halo opaco é uma linha opaca presente no limite
incisal, geralmente de coloração alaranjada, como
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consequência de um fenômeno óptico de total reflexão da
luz pelo seu ângulo de incidência ser maior que o ângulolimite do esmalte. A contra-opalescência é o causador do
“alaranjado” na ponta dos mamelos dos elementos
anteriores, explicado pelos diferentes graus de refração e
reflexão de ondas luminosas na estrutura adamantina. A
textura dá a “topografia microscópica ou macroscópica”
da superfície do dente com suas sombras, depressões e
elevações características. A fluorescência torna os dentes
mais brancos e brilhantes na luz do dia; é definida como a
iluminação produzida por fonte de luz ultravioleta (baixo
comprimento de onda), geralmente luz negra,
imperceptível à olho nu, sendo três vezes mais
proeminente na dentina do que no esmalte, promovida
pela excitação de moléculas orgânicas, tais como:
piridinolina, a timina e o triptofano (BARATIERI et al.,
2008; VANINI et al., 1996). Todas essas propriedades
ópticas puderam ser aperfeiçoadas pela natureza das
partículas nanométricas esféricas, homogêneas e
minúsculas, que favorecem os fenômenos de reflexão,
dispersão, refração; enfim, efeitos “camaleônicos” de
mimetização da restauração artificial com “o belo” natural
(BARATIERI et al., 2008; BARATIERI et al., 2010;
FAHL JR, 1996; FAHl JR, 1997; FAHL JR, 2000; FAHL
JR et al., 1995; VANINI et al., 1996; WATANABE,
2009).
Apesar da comodidade, apenas uma empresa no Brasil,
produz e comercializa as resinas com sua totalidade
composta por nanopartículas, diferentemente dos Estados
Unidos e Europa em que outros produtos são
comercializados com tal apelo. Apesar das vantagens, o
custo de tal material ainda é alto, devendo-se pesar a
relação custo X benefício.
Cuidado deve ser prioritário não só na escolha das
características estéticas e cosméticas de uma resina, mas
nos aspectos relacionados à biocompatibilidade, requisito
negligenciado nas modernas pesquisas odontológicas. A
imunotoxicidade dos compostos que possuem HEMAhidroxietilmetacrilato, como as resinas e adesivos
dentinários, está comprovado, pelas alterações que
produzem nos monócitos (células do sistema imune que
intermedia as respostas inflamatórias crônicas e
imunológicas). Os monócitos secretam substâncias que
influenciam e controlam outras células. O HEMA altera a
habilidade secretória do monócito, produzindo mudanças
não-letais, porém tóxicas na resposta imune, com
consequências biológicas significativas, podendo mudar a
capacidade do monócito de direcionar uma resposta
imune quando estimulado (ANUSAVICE, 1998;
LOGUERCIO et al., 2007; WATAHA, 2005). Para
alguns a utilização das nanopartículas são vistas com
otimismo. Para outros, o uso de partículas menores do que
100nm pode ser um risco por atravessarem as barreiras do
corpo, entrar em células e na corrente sanguínea. Assim
metais presentes nos alimentos para combaterem
nanobactérias podem penetrar no nosso organismo?
Conforme o Dr. QASIM CHAUDHRY do “UNITED
KINGDOM CENTRAL SCIENCE LABORATORY”
nanopartículas inaladas podem penetrar no sistema
nervoso. Estudos animais mostram que nanopartículas
podem causar inflamações como o amianto. O “SWISS
FEDERAL INSTITUTE OF TECHNOLOGY” afirma
que as nanopartículas são extremamente reativas
Bispo, LB. Resina composta nanoparticulada
(SUTTON, em 2009). Apesar disso, não é claro que
nanopartículas possam ter um impacto tóxico para o
corpo.
Se a nanotecnologia não for rejeitada pelo público, mais
de 2 trilhões de dólares serão gastos até 2014 no consumo
de produtos modificados por essa revolução (SUTTON,
em 2009).
Conclusão
A verdadeira linha de produção científica dos novos
materiais dentários não tem saído dos laboratórios
acadêmicos, mas dos laboratórios próprios das
companhias que desenvolvem e aprimoram os produtos
com sugestões catedráticas. Aos clínicos não cabe apenas
a melhora ou piora nas vendas, mas, sobretudo, o estudo e
a elucidação sobre o comportamento físico e biológico
dos novos materiais em seus pacientes.
Os requisitos de uma resina composta ideal para uso na
Odontologia são: translucidez, transparência, opacidade,
opalescência,
estabilidade
de
cor,
estabilidade
dimensional, resistência mecânica e à abrasão,
adesividade ao dente, impermeabilidade e insolubilidade
aos fluidos bucais, ser atóxica, insípida, inodora,
coeficiente térmico linear tanto de expansão quanto de
contração próximo aos tecidos dentários, ser passível de
reparo, biocompatível e, por fim, apresentar baixa
possibilidade de manifestação de cáries secundárias.
Nenhum material atingiu todos os requisitos até o
momento, as propriedades têm melhorado, no entanto,
acompanhamentos de longa instância ainda são
necessários para predizer com confiabilidade o
comportamento dos compósitos frente às variáveis do
meio bucal.
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Contato com o autor: [email protected]
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