Expedição Jalapão 2.003
Período: 10 a 19 de janeiro/03 (10 dias)
Total Kilometragem: 4.805 km
Total litros diesel: 516 litros
Total fotos: 570 fotos
Participantes:
• Hellmut Vietor (Pé de Coelho)
• Fredi Hochheim (Tigrão)
• Ana Hochheim (Tigra)
• Carlos Soares (Carlão)
• Carlos Henrique Machado Sobrinho (Soró)
Sugestão de título para a matéria: ‘ZEQUINHAS DE PRIMEIRA VIAGEM’
Viajar, a gente já viajou bastante. Mas, de jeep, ou melhor, LAND ROVER, um senhor jeep e, como
“zequinhas”, foi nossa primeira vez! E foi muito bacana... Só a Maria (a corajosa pickup D-20,
companheira de todas as nossas aventuras) é que deve ter ficado um pouco triste...
DIÁRIO DE VIAGEM
SEX 10/1 – São Paulo
Exatamente às 05:00 da matina, deixamos São Paulo. Yesss! Só por isso, já valeu à pena! Lá
vamos nós: Carlos, outro Carlos (o Soró), Hellmut (o Pé de Coelho), Fredi e Ana + 2 Land Rovers
sarados com guincho, âncora, pá cabos, rádio PY, radinhos Walk-Talk, GPS, equipamentos de
camping, 3 bombonas extras de 20 litros para combustível, ferramentas, um montão de comida e
água, equipamento fotográfico, 65 CD’s para ouvir e mais um montão de tralhas... Nossa, o carro
do Pé está lotado!
Que delícia – pé na estrada! Primeiro, o “tapetão” da Bandeirantes, depois, as plantações a perder
de vista da Anhanguera! E pedágios – muitos pedágios pra sair do Estado de São Paulo. Que
coisa... Passamos por 8 nos primeiros 450 km (quase 1 a cada 50 km)
O dia está lindo e quente! Agora estamos chegando em Uberaba. Também, assim que saímos do
Estado de São Paulo, pra variar, a estrada deu uma piorada, mas ainda está maravilhosa, em vista
do que imaginamos que nos espera pela frente: Jalapão, o maior deserto brasileiro, em época de
chuva brava!
Vimos alguns sites de dicas na Internet, mas não há quase divulgação.
Soró ficou ancioso e não dormiu a noite toda. Ana também não porque teve que deixar umas
coisas em ordem antes da viagem. Acabou virando a noite. Chegamos cedo a Uberaba (11:00h).
Até aqui, estrada ótima, duplicada e tudo o mais. A estradinha que liga Uberaba a Uberlândia já vai
ficando piorzinha.
Quente! O calor começa a apertar. Pronto! Já estamos em Goiás. Paradas para esticar as pernas,
molhar a cara e o corpo, abastecer os carros, fazer um pip’s, mas nada de almoço. Nossa meta é
dormir à luz dos discos voadores, em Alto Paraíso.
Troca de turnos no volante. Fredão assumiu o comando do Land, todo imponente! Soró também.
Roda, roda e nada – “550 km, 1.050 km – pára um pouquinho, descansa um pouquinho, 1.330
km...”
Mas, como longe é um lugar que não existe, aí vamos nós!
No caminho, o delicioso bolo de limão da Dona Inge, mãe do Pé (Pé ou Pé de Coelho é o apelido
concedido ao Hellmut, após a sucessão de vitórias no jogo de vollei – todos diziam que ele dava
sorte, qdo na realidade, ele batia um bolão...)
Pegamos nossa primeira chuva e vimos alguns acidentes na estrada. Em Brasília, pegamos um
trânsito razoável, no Eixo Monumental. Mais espetacular que construir uma cidade no meio do
cerrado é ver um trânsito caótico na hora do rush brasiliense.
Continuamos tocando. O cansaço tá batendo... Finalmente, às 21:00h, aos 1.330 km (16 horas de
viagem), chegamos a Alto Paraíso – delícia de cidade! Nos alojamos na Pousada do Sol e fomos
comer uma pizza deliciosa (melhor que São Paulo) na Pizzeria 2.000. Depois, apesar do “bercinho
inspirador”, uma bela noite de sono pesado e um bom trato.
SÁB 11/1 – Alto Paraíso/GO
Banhão, bom café da manhã, música tranqüila de cítara – hummmmmmmmmmmm... Aqui é tudo
muito zen! Tinha até um pica-pau mansinho. Araras, maritacas...
Voltaremos para ver tudo isso e curtir a região mais zen do Brasil. Por enquanto, vamos perseguir
nosso objetivo maior – o Jalapão! Pé na estrada, solzinho chubi-dubi... 26º C. 1.400mts de altitude.
Clima gostoso mesmo. Fredão deu uma aula de meteorologia . Enquanto isso, a dupla de Carlos
sumiu...
Passamos por uma cidadezinha chamada Teresina de Goiás. Estamos descendo de novo – agora,
por exemplo, já estamos a 358 mts, com uma temperatura de 35º C – o abafadão já começou a
pegar de novo (variação de quase 10ºC em alguns poucos minutos...) Bacaninha esse aparelho do
Pé (altímetro com termômetro e barômetro). Após Campos Belos, encontramos um motor-home
cheio de pescadores, com uma frase bem legal na traseira: “Não sei aonde estou indo, mas sei
que estou no meu caminho”. É quase um “keep walking” by Jonnhy Walker...
Na única sombra do caminho, às margens do Rio Manuel Alves da Natividade, um pit-stop para
comer. Xi! Tinha uns caras pelados no rio. Tava rolando um “camping-churras-pagode”, com fogão
de 4 bocas de verdade... Foi a vez de comermos o famoso pão de mandioca do Dilson. Tava uma
delícia e matou quem estava nos matando. Seguimos em frente, Ana dirigiu toda-toda o Land!
Puxa! Muito bom mesmo esse carro! Além de robusto, é macio, silencioso, confortável e anda feito
um bicho! Você toca a 120 km/h e nem sente... Foi um barato qdo passamos pelas cidadezinhas
onde não acontecem muitas coisas – parece que viramos o assunto da próxima semana inteira!
Após a Chapada da Natividade, foram nossos últimos 16 km de asfalto. Yessss! Pra alegria geral,
caímos na terra – habitat natural dos Lands! Já era fim de tarde e pegamos uma iluminação muito
gostosa... Só achamos um pouco estranho a cor da água acinzentada dos riozinhos que
começamos a atravessar – dizem que é por causa da chuva. Até agora, quase nada de chuva.
Puxa! Estamos no Norte do Brasil, bem far away... Tocantins!
O GPS é bárbaro! Na estada principal, haviam várias bifurcações não sinalizadas – é claro...
Algumas largas e marcadas – dava pra confundir legal. Pra nossa sorte, o super equipado Carlos
havia marcado todos os pontos (latitude/longitude) sugeridos no site dos caras de Embu que
vieram para o Jalapão. Não tinha erro! Era só seguir a direção das setinhas!
Já sem a luz do dia, demos uma paradinha para ver as estrelas – quantas!!! E a lua (C de
crescente), muito linda! Ao redor, centenas de vagalumes completavam o show. O coaxar dos
sapinhos, o exibicionismo dos morcegos e muitas corujas na estrada. Tudo ficando mágico! Vimos
também siriemas e uma esperta raposinha – que bonitinha...
Pronto! Chegamos em Ponte Alta do Tocantins, porta de entrada para o Jalapão! Fomos comer no
melhor restaurante-boteco da cidade, o Beira Rio, na frente da bela ponte alta, onde a galera mais
afoita salta do trampolim (que doideira...) O rio tem correnteza forte e não parece ser tão fundo.
Depois de agüentar um “mala” que se achava o tal, comemos um tambaqui-caranha, com arroz,
feijão, saladinha, macarrão e carne de sol bem salgada (tomara que seja daquelas que vimos nas
cidades anteriores dentro dos mosquiteiros, pelo menos...). É isso e pronto. Dormimos na Pousada
Planalto, aparentemente, a melhor da cidade, com boa acomodação e preço justo.
Dom, 12/1 – Ponte Alta do Tocantins
Café da manhã com buriti. Demos uma organizada no porta-malas (já estava uma “zona” – qto
mais tralhas, mais bagunça...) para encher os galões de diesel, pois não tem muito posto por aqui
e finalmente, vamos entrar no Jalapão. Aí vamos nós!
Pelo GPS, chegamos onde acreditávamos ser a Cachoeira de Sussuapara. O-ôh... A trilha não
está batida e o mato é um bocado agressivo. Tem alguma coisa errada... Atravessamos o riozinho
de água transparente e idem. Mosquitinhos em ação. Procura, procura e, nada de trilha. Só mato
fechado e muito bicho nos picando. Desistimos. Os 2 Carlos retornaram a Ponte Alta para pegar
um guia – a gente acaba perdendo menos tempo, além de saber das particularidades locais –
assim fica + fácil. Enquanto isso, Pé, Fredi e Ana ficaram num lugar onde talvez seja um ponto de
testes para jeeps atravessarem riozinhos, 2 rodas, etc. O Rallie dos Sertões passa por aqui!
Os meninos voltaram com o Sr. José Bonifácio – o “tiozinho”, de 70 anos – provavelmente, o guia +
experiente da região, que, apesar de não ter as 2 mãos, escreve perfeitamente (letrinha bonita), já
fez coisas do arco da velha, usando apenas os 2 braços e é uma lição de vida!
Primeira cachoeira – Sussuapara – um belo cânion muito agradável! Parece ser moradia de
duendes... Depois, fomos para a Cachoeira do Lageado, que tem um poção muito show, com
fundo de areia e águas transparentes. Tem uma “ducha” muito forte. Pra chegar lá, o terreno é um
misto de areia fina com muita água. Encalhamos 3 vezes em menos de 50 metros. Foi nosso
primeiro atoleiro. Primeiro, o Carlão ficou no meio de um lamaçal relativamente besta. A gente deu
risada e adivinhe – caímos feito patos numa cratera de muita lama, onde o Tiozinho arrebentou
seus chinelos Hawaianas – dava pra enfiar a perna inteira dentro da camada de lama... É época de
chuva no Jalapão!
Só que, com 2 Lands, pá e guincho, não se passa aperto num lugar destes... Em 10 minutos está
tudo resolvido... Enquanto o zequinha Fredi cavava pra tirar um pouco de lama, o outro zequinha
Soró trazia o cabo de aço do guincho e a zequinha Ana registrava toda empolgada suas primeiras
fotos de atoleiro - muito legal! Carlos comandava o guincho e Pé, o acelerador. Fácil –
extremamente fácil!
A cachoeira vale à pena! E, por enquanto, não precisa pagar para entrar...
Na volta, ajudamos uma Toyota, que caiu na mesma cratera que o Pé cavou mais um pouco. Dava
até dó... Esse guincho do Carlos é tudo! Sem ele, nem nós, nem a Toyota, nem ele próprio sairia
das grandes valetas de erosão e dos atoleiros.
Partimos então, para a Cachoeira Brejo da Cama, que fica na Fazenda Bom Retiro. Essa vale à
pena só pelo banho de águas profundas. Precisa pagar ($3/ps) – dizem que é pra consertar a
estrada, que está bem ruim, já faz tempo. É longinho – aliás, como tudo aqui no Jalapão...
A dupla de Carlos se afastou por causa da poeira e acabou passando direto numa das bifurcações
do caminho. Toca a voltar e correr atrás deles...
Fomos terminar o dia na Lagoa Azul, onde Fredi ensaiou uma pescaria com sua super vara
profissional. As trairas não devem gostar de iscas artificiais prateadas gigantes. Além do que, deu
tudo errado, a linha embolou várias vezes, até enroscar nos galhos. Tivemos que sair correndo por
causa da chuva, aliás, que chuva!!!
Toca... Aqui, as distâncias são bem diferentes. 150 km (de terra, lama ou areião) não são nada...
Toda vez que perguntávamos pro Tiozinho: “tá longe”? “É longe...” “Longe quanto?” “Uns 25 km...”
1 hora depois: “Quanto falta?” “25 km...” E o pior: na terra com crateras de erosões ou no areião
bravo, até os 25 km viram 105... brincando...
Após uma estrada de pedras que cortam os pneus, chegamos na Pousada Jalapão (estrada para a
Cacheira da Velha). Fujimos, pois a diária era R$ 130,00 por pessoa... é o famoso Tri-Agro, que
dizem que já foi entreposto de cocaína. A estrutura é forte no meio daquele nada...
Toca... Areião, chuva, muuuuuuita chuva. Pegamos um atalho de areião fofo que lembrava um
safari na África. A paisagem estava diferente. Noite escura, chegamos ao “Camping da Maria” no
Rio Novo, que nada mais é que uma escola com 18 alunos e 1 professora de 1ª a 4ª série, que
mora em Mateiros, a 43 km...
Lá encontramos Mônica, uma mulher bastante corajosa que enfiou os 3 filhos dentro de um
Corsinha 1.000 muito valente e já está na estrada há quase 1 mês, acampando e curtindo a vida,
pelos caminhos da Chapada Diamantina e do Jalapão! Eles armaram a barraca dentro da Escola.
Após montarmos nosso acampamento (segundo o Pé, é muito melhor acampar que dormir numa
pousada-mokifo), Pé e Soró cozinharam um delicioso macarrão. Ana e Fredi foram dar uma banda
no Rio Novo, que tem uma praia muito bonita. O luar estava simplesmente lindo! Noite fresquinha,
sem mosquitos, sem barulho – que delícia! Só o chão que estava um pouquinho duro. Na
madrugada, Ana perdeu o sono e fez umas fotos de estrelas, mostrando o movimento de rotação
da Terra. Nossa! Que céu maravilhoso!
Seg,13/1 – Rio Novo
Acordamos literalmente com as galinhas, bem no meio do galinheiro. Banho gelado de rio, café da
manhã, multirão de arrumação, compra de artesanato de capim dourado (esse foi o “pagamento”
por nos ceder o espaço p/ acampar) e lá vamos nós para as dunas – o cartão postal do Jalapão.
Pena que o tempo não está lá aquelas coisas. Pra caminhar, vai ser legal, mas pra fotografar, um
céu azul ajudaria bastante...
Os 2 Carlos deram carona para a “Família Aventura” do Corsinha, que só conseguia rodar pela
estrada principal. Os 5 km de areião são bravos...
Logo de cara, cruzamos com Gerard Moos – aquele francês que deu a volta ao mundo (algumas
vezes) em um planador, em um bimotor, etc. Estavam acampados naquele lugar maravilhoso ele, a
esposa e seu Land com barraca. Ele não precisa de mais nada... Imagine como foi o pôr e o
nascer do sol naquelas dunas...
As dunas proporcionam um visual especial. Areia escura, meio vermelha e grossa, lagos, areia
“que engole” (movediça) e vegetação de Cerrado. Show!
Ficou fácil de entender como as dunas se formaram. Uma nascente na beira de uma chapada.
Leva a areia beirando a serra na direção do contra-vento. O vento predominante insiste em
empurrar pacientemente a areia de volta, formando um morro com 30 metros de altura até cair
no riozinho que reinicia o passeio da areia cada vez mais limpa.
Passamos então por Mateiros, uma cidade um tanto abandonada, com pontes precárias, ruas
muito esburacadas até pra jeep. No único posto, só tinha uma bomba de diesel (R$1,95/litro,
enquanto em SP, custa R$ 1,10). Demos um tempinho e nem sinal de alguém para abastecer... As
casas são muito simples e não vimos nenhuma estrutura (hotel, restaurante, etc).
Desencanamos e fomos para o Fervedouro, que é uma nascente dentro de um bananal. Água
cristalina e quente, brotando da areia, fervilhando, não deixa ninguém afundar. (Enitra 6. Pesoua
digada veisi).
Não muito longe dali, fica a Cachoeira da Formiga, com águas transparentes, cipozinho de Tarzan
para cair na água (se você tiver sorte de não dar de cara com a árvore).
De lá, seguimos para São Félix do Tocantins, onde o Tiozinho é rei! Só tem 1 orelhão, que
funciona por micro ondas – e só de vez em quando – infelizmente, não foi dessa vez... Aliás, a
coisa + difícil do Jalapão é telefonar... Celular, nem pensar...
Essa foi nossa pior noite: o Tiozinho nos arrumou um mokifo com paredes furadas, telhas
desencaixadas, portas que não fecham e só encostam com um peso atrás, banho gelado coletivo,
caixa d’água dentro do quarto (em cima da cama), um converseiro danado até tarde, calorzinho
arretado e muito, mas, muuuuuito mosquito. Só dentro do mosquiteiro furado, Ana contou 12
pernilongos bem gordos. Que inferno! Por outro lado, tem o maior estoque de pinga já visto. Uma
parede inteira de garrafas com todo o tipo de ervas! E como esse povo bebe!... Eles estão sempre
com uma garrafa de 51 na sacolinha de plástico, porque é mais fácil de carregar...
Fredão tá meio mal por causa da chacoalhação...
Ter 14/1 – São Félix do Tocantins
Reforçamos o fraquíssimo café da manhã com nossas comidinhas de bordo. Nessa cidade, não
chega nem a Coca Cola (pelo menos, não vimos)... Só tem um tipo de Fanta Laranja da Magali,
ruim demais... Conhecemos os filhos e netos do Tiozinho. Um deles tem 8 filhos e acabou de
“embuchar” a mulher de novo. Perguntei: “como você dá conta de criar tanto filho?” E ele: “Deus
ajuda e é assim mesmo...” O Carlos ficou conversando com ele até tarde na noite anterior, na
pousada. Lá pelas tantas, não entendendo nada do que ele falava, de tão enrolada que era a
língua (quase um dialeto, eu diria), o Pé, que acompanhava a conversa, foi dormir. Mais tarde,
chega o Carlos e a pergunta básica rolou: “você entendeu o que ele falava?” No que o Carlos
responde: “Nada” “E o que você ficou fazendo 1 ½ h na mesa com ele?” Este é o Carlos...
Conhecemos um barbudo muito figura – o Nasa, de Alto Paraíso. Ele já viu muitos discos
voadores. É o próprio iluminado (da Profecia Celestina). Nós “ainda não estamos preparados.”
No posto de saúde, os remédios são grátis. Aproveitamos para pegar pomadinha cicatrizante +
curativo para o corte do Fredi. A Ana não agüentava mais ver a bicharada entrando pela ferida do
seu “Tigrão”.
Algumas fotos dos locais, o cangaceiro... A família do Tiozinho + o enrolado da noite anterior
pegaram uma carona com o Carlos para visitar a madrinha. Mais um teste do botãozinho do “F” do
Carlão: o homem não pára de falar e... se ao menos entendêssemos o que ele diz...
Passamos pelo Morro da Catedral, que lembra Monte Roraima, com seu formato de mesa. Aliás,
por aqui tem umas pedras assim muito interessantes.
Visitamos o outro Fervedouro, maior e mais preservado. Não está nos roteiros mais divulgados.
Talvez seria melhor continuar assim. Depois, fomos dar um abraço na D. Anastasilha, a madrinha
que, na verdade, criou o Tiozinho. É outro ritmo, outra vida, outro papo...
Em seguida, fomos ver a Barra do Rio do Sono x Rio Novo. Quase os mosquitos não deixam.
Moruins, muriçocas, pólvora, borrachudos, mutucas e mais alguns que nem imaginamos – eles
quase nos carregam... É engraçado que no Jalapão, tem lugar que não tem nada e tem lugar que
dá de 50 a 0 em Ilha Bela...
Nos livramos dos “malas” e toca... No caminho, numa estrada que liga nada a parte alguma, uma
daquelas pontes cinematográficas de concreto – 2 pistas com acostamento super bem acabadas.
Todas as anteriores, ou eram de madeira e muito precárias, ou se passava pelo rio mesmo.
Estranho, não?
Mais cascalho, mais terra, mais areião. Estamos dando a volta no Jalapão. Aqui, roda-se muito
dentro do carro. Nas estradas, muitos pássaros – alguns, infelizmente, suicidas, araras azuis e
vermelhas, mocós, lagartos, etc. E muito Cerrado preservado – isso é legal!
Cortamos caminho, rumo à Cachoeira da Velha. Mais uma vez, o trajeto lembra África. O pescoço
e a coluna começam a reclamar. Rodamos por uma estradinha arenosa, pelo sertão a dentro,
passamos veredas, paisagens fantásticas isoladas no mundo. De repente, voltamos à Estrada
Principal, rodamos mais um pouco, entrada para a Fazenda Tri-Agro. 8 km após o Hotel,
chegamos à Cachoeira da Velha – um capricho da natureza! Lembra Foz do Iguaçu em miniatura.
Um volume de água gigantesco (ainda mais com essa chuvarada toda). É o Rio Novo em toda sua
magnitude! Rio abaixo, está a praia da Velha, que é linda e gostosa. Refrescante. Tem correnteza.
Os meninos foram dar um rolê de bote inflável. Fredão e Pé viraram... Ana entrou de roupa e tudo.
Paraíso! Muito 10!
Como as distâncias são longas e já está quase na hora da Ave Maria, abastecemos os dois
tanques com o diesel reserva (o Pé já estava na reserva).
Pé na estrada, fim de tarde, chuvinha nossa de cada dia... É uma pena que estamos voltando pra
Ponte Alta. À noite, comemos um feijãozinho tropeiro amigo com churrasco no restaurante-boteco
na frente da Rodoviária. Estava uma delícia! Aqui, os lugares não são bonitinhos, mas têm uma
comidinha boa! Telefone continua sendo a coisa mais difícil de encontrar. Quando se encontra um
orelhão, geralmente não funciona. Cartão telefônico é coisa que não existe. Celular – pra que
serve isso???
De volta ao ponto de início, fica uma sensação estranha no ar. Demos a volta no Jalapão. E o que
afinal distingue este lugar de todos os demais por onde já passamos? O Jalapão está preservado!
Rio limpos, protegidos da ganância dos agricultores e pecuaristas tradicionais devido à pobreza do
solo. De uma forma suigeneris, a natureza espantou os destruidores, tirando ela mesma, as
riquezas de lá. Paira no ar uma mensagem assustadora: se as coisas continuarem desta forma,
algum dia, somente num deserto encontraremos os ecosistemas em seu estado natural.
Qua, 15/1 – Ponte Alta do Tocantins
Não adianta acordar cedo, que a gente enrola um monte e acaba saindo tarde. Tiozinho apareceu
para dar dicas de como chegar na Pedra Furada, pois de lá, já vamos seguir viagem. Na
despedida, uma lágrima em seu rosto demonstrou o quanto ele aparentemente curtiu esses dias
de aventura com a gente, apesar de quase não comer, não descansar e não dormir por causa do
ronco do Soró... Bacana mesmo!
Na saída, uma imagem nos faz lembrar da dureza desta terra. Na agência funerária da cidade, o
estoque de urnas pequenas (infantis) é maior do que as grandes (adultos). Para quem vive em
São Paulo, as estatísticas de mortalidade infantil não assustam. Já para quem mora em Ponte Alta
do Tocantins, ser adulto, antes de mais nada significa ser um sobrevivente.
Abastecemos, trocamos o óleo e pé na estrada. Ana está meio jururú.
Tentamos inutilmente achar a trilha para Pedra Furada. Mas é tudo muito confuso, sem sinalização
(no máximo, um saco plástico amarrado num galho de árvore), sem rastros de outros carros, com
árvores caídas na estrada, nenhuma alma viva para se perguntar... Desistimos e começamos a
voltar pra casa.
De volta ao asfalto. No caminho, um incrível visual de uma serra, perto de Arraias. Ao som de Pink
Floyd Pulse e com uma belíssima iluminação de fim de tarde... Meu Deus! Que lindo! Tudo, a
caminho de Alto Paraíso! Ao anoitecer na estrada, estávamos atentos, ainda sob forte influência de
nosso amigo super místico Nasa, procurando por luzes, que poderiam certamente ser discos
voadores. Pelo visto, infelizmente ainda não estamos preparados...
Chegando na cidade, fomos direto pra Pizzaria 2000 e nos deliciamos com aquelas pizzas
maravilhosas da família paulista (só podia ser, né...). Combinamos um passeio para o dia seguinte
com Herbert – o filho da dona da pizzaria – para a trilha mais bonita, selvagem e radical da
Chapada dos Veadeiros: o Vale dos Macacos! Ele não nos cobraria nada, iria só pelo passeio e
levaria o violão pra tocar um Pink Floyd pra gente! ‘Tão, vão bora’!
Qui, 16/1 – Alto Paraíso
Após uma ótima e revigorante noite de sono na Pousada do Sol (os quartos mais novos são muito
bons), tomamos aquele belo café da manhã, ao som de cítara e outros instrumentos esóticos, com
incenso perfumado. Já estamos entrando no clima zen de Alto Paraíso...
Soró foi buscar o Herbert, enrolamos mais um bocado e nos fomos para o Vale dos Macacos. Após
uma trilha quase radical, daquelas de meter a roda na lama, muita erosão, reduzidas nas ladeiras
abaixo, riozinhos altos, cheios de pedras para atravessar, crateras saradas, ao longe, fortes
cacheiras de rios temporários, araras escandalosas, algumas porteiras para abrir e fechar,
pagamos $5/ps, estacionamos os carros e seguimos por uma trilha de mato meio fechado até
chegar na 1ª cachoeira, muito bonita, por sinal. Parece que faz tempo que ninguém vem pra cá ou
não estamos na trilha certa.
Atravessamos o rio pelas pedras escorregadias em meio à correnteza e descemos pelas pedronas
ao lado da cachoeira. Até aí, rolou uma “adrenalinazinha” suave; foi muito bom, apesar de um
pouco perigoso. Subimos novamente e pegamos outra trilha descendo. Em determinado ponto,
demos um tempo por causa da chuva: além de ficar tudo escorregadio, aqui ocorrem muitas
trombas d’água, qdo chove forte na cabeceira do rio, ele “vem” com tudo, muito rapidamente,
arrastando tudo o que tiver às suas margens...
Estávamos 6 pintos molhados, a chuva diminuiu, decidimos continuar. O grande problema é que
Herbert, nosso amigo/”guia” (que não é guia) tinha muita boa vontade, mas não muita experiência
no caminho. Nossa impressão é que ele começou a inventar uma trilha doida pelo mato, depois,
pelas pedras. E aí, foi ficando muito perigoso, pois estava tudo muito escorregadio, muito lodo,
pedras soltas e uns bichos estranhos de floresta. Tudo isso, numa p. pirambeira de uns 50 metros
+ uns 90 metros de queda d’água...
Ana realmente pensou que ia morrer quando escorregou numa pedra solta e tentou se segurar
num galho seco de árvore. O galho não agüentou o peso e simplesmente quebrou... “Gelei e
comecei a descer rapidamente pirambeira abaixo – na minha frente, nada – comecei a ver tudo
branco – a paisagem, as pedras, a vegetação – tudo branco – imagino que o cérebro pressente o
perigo, libera adrenalina e dá uma anestesiada no corpo – sei lá... quando, de repente, Deus – só
pode ter sido Ele – colocou uma árvore forte na minha frente, que eu abracei como pude, com
moxila pesada nas costas e pendurada numa árvore – ufa! Pelo menos, estava salva! Fiquei mal,
minha perna tremia que nem vara verde e não não tinha mais pique pra continuar”. Músculos
cansados, vários tombos e escorregões, a pele toda ralada, chuva, frio, medo, sensação de
estarmos perdidos – puxa! Foi meio punk. A gota d’água foi qdo Pé, ao se segurar numa árvore,
balançou o galho com uma toca de marimbondos. Os bichos vieram quentes em cima do Soró, que
estava logo atrás. Que desespero! Ele deve ter tomado umas 30 picadas na cabeça, costas,
braços e barriga. Soró e Ana, ficaram no meio do caminho, sentados na única pedra relativamente
plana do trecho, enquanto os demais desceram para ver a bela cachoeira - Fredi diz que foi umas
das mais bonitas da Chapada.
Dava medo de passar a noite ali naquele mato – pra onde olhássemos, víamos tocas (talvez de
cobras), tinha umas aranhas enormes. E o Soró inchando cada vez mais – graças a Deus ele não
é alérgico... Os olhos já não abriam direito, a boca torta, já falando estranho, a voz engrossou, as
orelhas, da cor de uma cereja madura. E a gente ali, no meio daquele buraco. Demoraria bastante
até acharmos a trilha + 40 km de lama e buracos + 15 km de asfalto até chegar em Alto Paraíso –
já pensou? Administrar o pânico é fundamental numa situação destas... Soró só conseguia lembrar
do cavalo que morreu amarrado, picado por marimbondos. Ele reclamava muito de dor e não via a
hora de sair dali. Os meninos sumiram. Ana gritava por Fredi e nem sinal. Pronto! É o que faltava...
Deus foi tão bom, que logo nos encontramos, subimos e caímos fora. O GPS nos ajudou a achar
os carros – que alívio...
Na pousada, tudo molhado e sujo. Nada melhor que um banho quentinho e tratos nos
machucados. No SPTV (fazia tempo que não assistíamos ao noticiário, ainda mais de São Paulo),
descobrimos que São Paulo está debaixo d’água, pra variar...
Jantamos numa churrascaria e não vimos nenhum OVNI.
Podemos agradecer a Deus não ter acontecido algo grave neste passeio. Coisas do Brasil.
Somente aqui podemos encontrar perigos reais preservados nas trilhas. Em qualquer outro local,
todos os perigos estariam sinalizados ou devidamente cercados.
Sex, 17/1 – Alto Paraíso
Mas, só chove, chove, chove, chove – ôôhh. As pererecas estão em festa! Tem uma cantando
dentro do nosso banheiro – que gracinha! Acordamos bem tarde e fomos tomar café com aquele
som transcendental e a chuva... Combina - e muito! Ana teve um insight sobre ontem (na trilha) e
conversamos longamente com Sol, o dono da pousada, que, certamente é um iluminado,
desprendido, zen, etc, etc. Essas coisas martelam nossa cabeça para mudarmos de vida. Quando
será que estaremos preparados???
Quando a chuva deu um tempo, os meninos saíram para o Pq. Nacional da Chapada dos
Veadeiros. Soró e Carlão arrumaram as coisas, pois provavelmente, de lá, já iriam direto para
Itaúnas/ES. Que droga termos que nos separar... Certamente, eles farão muita falta: o Carlão, todo
bonzinho, apreciador de Pink Floyd, companheiraço de viagem, que a cada dia nos surpreende e
Soró, o bom “monstro das noites de terror do Play Center” – você já conheceu alguém que
trabalhou como monstro no Playcenter??? Ele e suas estórias divertidíssimas, seu jeito engraçado
– não tem um dia que a gente não dê muita risada com o Soró! Sniff .
Ana quis dar um tempo na vila, que é muito especial. Depois de tudo o que rolou ontem, melhor go
shopping. As lojinhas e as pessoas acabam te deixando muito tranqüilo, zen, parece que vc. entra
em outra dimensão... Até mapa astral rolou...Alto Paraíso é a cidade alternativa. Ao lado do CAT
(Centro de Atendimento ao Turista), tem a Associarte, uma feira hippie, com todos os malucos da
cidade, inclusive a japonesa Iomi e seu filhinho. É um barato, aqui todos têm nomes mudados. A
galera se veste diferente, toca um violão, ou violino, ou cítara... O semblante das pessoas é tão
tranqüilo...Parece que rola uma paz mesmo e uma energia muito diferente. Ninguém precisa de
muito pra viver aqui. Conhecemos alguns músicos, poetas e alternativos diversos. Aqui, quem
manda é a Mãe Natureza! Isso não é lindo???
Fim do dia. Êba!!! A dupla de Carlos voltou!!! ☺ Pra variar, fomos para a Pizzaria 2.000, desta vez,
com a Família Aventura (aquela do Corsinha, no Jalapão), que reencontrou os meninos perto do
parque. Herbert e Ana arranharam um violão. Os meninos contaram que apesar de o parque estar
fechado devido às chuvas, eles fizeram a trilha do Janelão, de 6 a 8 km. Apesar de não muito
longa, é uma caminhada forte, com várias subidas e descidas; a trilha do Janelão é uma vitrine do
parque - deu pra ver os 2 saltos (80 e 120) de frente e algumas outras corredeiras. Lá, mora o Seu
Manoel, um tiozinho muito figura, antigo garimpeiro, com estórias fantásticas e engraçadas, além
de curas milagrosas através – adivinhe – da cachaça... Depois, Vale da Lua, que pode ser visitado
em apenas 40 minutos. Formações que têm tudo a ver com o lugar...
Sáb 18/1 – Alto Paraíso
Café, despedidas, pit-stop no posto. Nossa! Como é triste uma separação... E o pior é que, desta
vez, é pra valer: cada um, ou melhor, cada jeep para o seu lado. Os dois Carlos vão atravessar a
Bahia e descer para Itaúnas. Pé, Fredi e Ana voltarão pelo mesmo caminho, passando por Caldas
Novas. É notável que o Pé está morrendo de saudades da família – seu filhinho teve até febre – ôh
judiação... E assim foi. Snif de novo ...
Decidimos tocar até Caldas Novas, onde locamos um apartamento com piscinas de água quente,
sauna, etc. $70 para 3 pessoas. Muito bonzinho. Dá pra cozinhar. E assim fizemos. Passamos
algumas horas de molho na água quente – que delícia! É muito relaxante... Depois, cozinhamos
(afinal, sobrou um mundo de comida), jantamos, vimos um pouco de TV e cama. Pé não está muito
bem. Dor de estômago. Tomou só uma sopinha.
Dom 19/1 – Caldas Novas – São Paulo
Mais um dia de pauleira; acordamos bem cedo, tomamos café, consertamos um pneu furado e
toca... É o próprio PÉ na estrada mesmo!
Chegamos em casa, em paz e salvamento, graças a Deus, no final da tarde. Grande viagem!
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Expedição Jalapão 2.003 Período: 10 a 19 de janeiro/03 (10 dias