mestres da cardiologia “Vida para mim, eu a encontro na cardiologia” Ex-presidentes no banco da classe Um dos papas da eletrocardiografia brasileira, José Bocanegra Arroyo, por sua maneira inusitada de dar aulas, ainda é adorado por seus ex-alunos, entre os quais os maiores cardiologistas do país. É tão querido, que um celebrado cirurgião o parou na rua uma vez para apresentar a namorada, a quem explicou: “foi ele que me ensinou como me vestir”. E era verdade: o ex-aluno nunca esqueceu a “bronca” que levou durante uma aula, por estar usando sapato sem meias. Peruano de Trujillo, Bocanegra cursou a Faculdade de Medicina de San Fernando e, em 1953, faltando oito meses para se formar, ganhou uma bolsa de estudos para a Escola Paulista de Medicina. O reitor o proibiu de viajar, porém, porque o benefício era para médicos graduados. Só cedeu quando soube que, ainda estudante, Bocanegra já era professor. O futuro médico veio trabalhar com Silvio Borges. Apaixonou-se pelo Brasil – e por uma brasileira com quem se casou – e os seis meses programados tornaram-se dois anos. De volta ao Peru, defendeu tese sobre estenose pulmonar e fez o primeiro cateterismo em Cuzco. Ele teria continuado no seu país de origem não fosse o sogro que mandou duas passagens para o casal passar o Natal no Brasil. “Achei estranho que a Sonia levasse tanta roupa para uma viagem curta. Ela já estava com segundas intenções, não tinha se adaptado bem”. Nessas “férias”, Bocanegra foi convidado para ficar na Universidade de São Paulo, com João Tranchesi e Luiz Décourt. “Era um tempo heróico, em que o cardiologista fazia de tudo”, a profissão ainda não se segmentara. Muito ligado à SBC, José Bocanegra Arroyo orgulha-se de ter tido como alunos dois presidentes da entidade, Rafael Leite Luna, e o atual, Antonio Carlos Palandri Chagas. “O Chaguinhas insiste muito na educação continuada e está certíssimo”, garante, que, mesmo aposentado, continua a freqüentar a antiga ‘Paulista’, hoje Federal. Pouco mais tarde, o médico foi chamado pela “Paulista” e ficou eufórico, pois chegara há três meses, sem perspectiva, e agora tinha que optar entre as duas mais importantes faculdades de Medicina do Brasil. “Optei pela ‘Paulista’, onde me sentia em casa. Ganhei com o Fulvio Pillegi o primeiro prêmio da ‘Provas Recordati’. O trabalho foi publicado nos Estados Unidos e acabei nomeado chefe do ambulatório de cardiologia”, relembra. Logo em seguida, depois de recusar a chefia do Departamento de Eletrocardiografia, assumiu a Cardiologia Infantil e do Método Gráfico, que englobava a área. Às tardes, clinicava. Chegou a atender mais de 15 pacientes por dia e orgulha-se de ter as fichas de 23 mil deles. Muito grato à sua segunda pátria, há poucos anos, Bocanegra soube que as oportunidades não foram por acaso. “Um amigo revelou que, nos primeiros tempos na ‘Paulista’, o professor Jairo Ramos determinara que cuidassem muito bem do peruano, pois acreditava e apostava nele”. Bocanegra lamenta apenas que só tenha sabido da recomendação após a morte de Jairo, a quem não pôde agradecer como gostaria. Hoje, aos 81 anos, trabalha menos, mas parar de clinicar não está nos seus planos. “Vida para mim, eu a encontro na cardiologia”. À esquerda, Bocanegra com sua esposa Sônia. À direita, Bocanegra e seus estagiários. Jornal SBC 85 - Jan/Fev 2008 37