AVALIAÇÃO DA PERDA DE MASSA APÓS FERVURA DO AGREGADO CALCINADO DE RESÍDUO DE MINERAÇÃO Marcio Aurelio Friber 1; Daniel Corrêa Galhardo2; Antonio Carlos Rodrigues Guimarães³ RESUMO A grande quantidade de resíduo gerado pela produção de minério de ferro em minas de Minas Gerais, está fazendo com que as mineradoras venham buscar maneiras mais sustentáveis para sua disposição. Sem qualquer reutilização, estes materiais acabariam por encontrar o caminho dos aterros sanitários. Maneiras mais sustentáveis como a utilização destes resíduos na construção civil e na construção de estradas está sendo cada vez mais pesquisada, resultando assim tanto na diminuição da disposição destes resíduos na natureza, como na redução da exploração de minerais naturais, além de gerar uma possível redução no custo das obras, viabilizando assim o reaproveitamento deste resíduo em obras de engenharia. Foi analisada nessa pesquisa a potencialidade quanto à degradação da adição do resíduo de mineração em argilas, visando a fabricação de agregados graúdos sintéticos para utilização em camadas de pavimento como base, sub-base e capa de rolamento. Nesta pesquisa foram realizados ensaios de caracterização física do resíduo e da argila, confecção dos agregados calcinados em temperaturas que variaram de 800ºC à 1100ºC e análise destes agregados visando analisar a degradação dos mesmos, através do ensaio de perda de massa após fervura. Os ensaios de perda de massa por fervura apresentaram valores dentro dos limites estabelecidos por norma, menores que 10%, para temperatura acima de 900ºC, sendo que o agregado produzido à partir da mistura argila-resíduo apresentou perda de massa muito menores que os produzidos com argila pura à partir de 1100ºC. ABSTRACT The large amount of waste generated by the production of iron ore in Minas Gerais mines, is causing mining companies will seek more sustainable ways for their disposal. Without any re-use, these materials would eventually find their way from landfills. More sustainable ways in which the use of waste in construction and in road construction is being increasingly investigated, resulting in reducing the disposal of this waste in nature, as in reducing the exploitation of natural minerals, and generate a possible reduction the cost of the works, thus enabling the reuse of this waste in civil works. Was assessed in this study as to the potential degradation of the addition of the clay mining residue, aiming at manufacturing of synthetic coarse aggregate for use in pavement layers as base and sub-base bearing cup. In this research were conducted physical characterization assays of the residue and clay, calcined aggregate of cooking temperatures ranging from 800 ° C to 1100 ° C and analysis of these aggregates in order to analyze the degradation thereof by weight loss after boil test. The loss of mass by boiling tests showed values within the limits set by standard, less than 10% for temperatures above 900 ° C, and the aggregate produced from residue-clay mixture showed much lower weight loss than those produced by pure clay starting at 1100 ° C. INTRODUÇÃO A exploração de recursos minerais que promovem o desenvolvimento da economia e da sociedade, mas que também geram sobrecarga enorme de rejeitos pode poluir o ambiente de forma irreversível. Portanto, utilização abrangente de resíduos/rejeitos é importante para salvar os recursos naturais, melhorando ambiente e para o desenvolvimento sustentável. A falta de jazidas naturais em algumas partes do país faz com que os agregados sejam transportados por grandes distâncias, aumentado do custo da obra, além de sobrecarregar a malha rodoviária, prejudicando as pistas de rolamentos e aumentado à poluição devido à emissão de gases poluentes. Mesmo quando há ocorrência de jazidas naturais próximas aos centros urbanos, a exploração pode ser preocupante ou até mesmo negada pelos órgãos competentes, pois a atividade de pedreiras requer o uso de explosivos e detonantes. Conforme Ribeiro et al (2007), entende-se por agregado artificial de argila aquele proveniente da transformação de um solo ou folhelho argiloso, previamente processado, em um material inerte e com resistência mecânica satisfatória a uma determinada finalidade. Os agregados artificiais se tornam uma alternativa para a construção civil quando, os impactos ambientais causados pela exploração de agregados naturais ou a distância das pedreiras ou portos de areia para o mercado consumidor, por exemplo, apareçam como gargalos na cadeia produtiva. Por outro lado, a qualidade dos serviços não pode ser comprometida com uso dos agregados artificiais, logo, torna-se essencial a comprovação técnica para o uso destes agregados. A mais significativa reação termoquímica que ocorre na produção de agregados sintéticos não expandidos é a expulsão da água a partir dos minerais argilosos. Esta expulsão de água, normalmente designado desidratação completa, parece ser uma reação irreversível (pelo menos sob quaisquer condições de ambiente que são possíveis para a utilização destes agregados na construção de estrada). Devido à importância aparente desta reação química na produção de agregados sintéticos, um ensaio foi concebido para indicar a quantidade de completa desidratação que ocorreu durante o processo de queima, basicamente este é um dos ensaios que avalia a resistência dos agregados sintéticos à degradação. Chama-se o teste de perda de massa por fervura, envolve cozinhar os agregados sob a água em uma panela de pressão típica de cozinha e, em seguida, agitação intensa em água. A agitação na água dispersa-se os materiais e também produz alguma perda de abrasão semelhantes à abrasão que ocorre no ensaio de abrasão Los Angeles (Ledbetter et al, 1971). Com objetivo principal de desenvolver um critério de aceitação recomendado para os agregados sintéticos para uso em todas as fases de construção de rodovias, o Texas Transportation Institute, durante a década de 60, criou várias normas, inclusive para avaliar a degradação do agregado sintético. Uma destas normas para avaliar a degradação do agregado sintético é o ensaio de perda de massa após fervura, que foi adaptado pelo extinto DNER, hoje DNIT, e introduzido nas normas brasileiras. ARGILA CALCINADA Os estudos sobre argila calcinada no Brasil tiveram início no começo dos anos 80, através do extinto DNER, hoje DNIT. Uma Visita técnica realizada por um engenheiro da equipe do DNER aos Estados Unidos, mais precisamente nos estados do Texas e Louisiana, foi uma etapa importante deste estudo, pois nos anos de 1963 e 1964 foram realizados nestes estados vários trechos experimentais de pavimentos flexíveis com o emprego na base de uma mistura de 70% de agregado calcinado e 30% de areia siltosa, sendo constatado que durante o monitoramento destes trechos até o ano de 1968, apresentaram um bom desempenho. Esta visita gerou algumas conclusões que auxiliaram na elaboração de algumas normas no Brasil, adaptadas do Texas Highway Department. (Batista, 2004) Os primeiros trabalhos foram desenvolvidos em disciplinas de Iniciação à Pesquisa no IME, utilizando amostras de solos de Urucu (AM). Nesse primeiro trabalho buscava-se extrair resultados capazes de atender os anteprojetos de normas e instruções de ensaios trazidos pelo IPR/DNER, baseados na experiência dos EUA sobre o assunto, conforme Tabela 1. (Cabral, 2011) Tabela 1 - Ensaios do Texas Highway Department e adotados pelo DNER (1981). Método Título do Ensaio DNER-ME 222/94 Agregado sintético fabricado com argila - desgaste por abrasão Argilas para fabricação de agregado sintético de argila calcinada DNER-ME 223/94 seleção expedita pelo processo de fervura Agregado sintético de argila calcinada - determinação da perda de DNER-ME 225/94 massa após fervura Cabral (2005) utilizou em sua metodologia o diagrama de Winkler para avaliar a potencialidade da argila para fabricação do agregado sintético de argila calcinada. O uso do diagrama de Winkler para orientação no estudo da composição granulométrica de massas cerâmicas foi proposto por Pracidelli e Melchiades (1997), com a justificativa de que uma massa cerâmica não pode ser constituída somente de argilas plásticas, porque pode apresentar grandes dificuldades na produção dos artefatos cerâmicos, tanto na conformação das peças, como na secagem e queima. A Tabela 2 apresenta a composição granulométrica para cada tipo de artefato cerâmico. Tabela 2 - Composição granulométrica dos produtos da cerâmica vermelha Fonte: Pracidelli e Melchiades (1997) No diagrama de Winkler (Figura 1), a granulometria do material deve se enquadrar nas regiões “A”, “B”, “C” ou “D”, sendo a região mais indicada a “B”, pois a região “A” apesar de gerar um agregado de melhor qualidade, o controle tecnológico deverá ser mais rigoroso, principalmente em relação a temperatura. Já as regiões “C” e “D”, apesar de conseguir produzir um agregado de argila calcinada de qualidade satisfatória, deverão ser necessárias temperaturas mais elevadas. Figura 1 - Diagrama granulométrico de Winkler Fonte: Pracidelli e Melchiades (1997). MATERIAIS E MÉTODOS O agregado sintético calcinado foi fabricado utilizando dois tipos de misturas, uma mistura de argila-resíduo e outra somente com argila. Foi realizada a caracterização física e química do resíduo, utilizando ensaios de granulometria, densidade real, limite de liquidez, limites de plasticidade e EDS (energy dispersive Spectrometry). Os resultados da caracterização física estão apresentados na Tabela 3, resultado do ensaio de EDS está demonstrado na Figura 2. A granulometria do resíduo apresentou um percentual de 95% passante na peneira nº 200. Através do ensaio de EDS, observamos a presença de ferro no resíduo. Tabela 3: Resultados da caracterização física Ensaio Resultado Limite de liquidez (%) 20 Limite de Plasticidade (%) 14 Índice de Plasticidade (%) 6 Densidade Real 3,93 Figura 2: Resultado EDS do Resíduo. A argila foi fornecida pela Cerâmica Marajó, localizada na região de Tanguá-RJ, e apresentou um limite de liquidez de 39%, limite de plasticidade de 22%, Índice de Plasticidade de 17% e densidade real de 2,60. A argila é de cor clara e do grupo da Caulinita. A representação da granulometria da argila no diagrama de Winkler, apresentada na Figura 3, mostrou que a argila tem um potencial cerâmico adequado, conforme Pracidelli et al. (1997). Figura 3: Granulometria da argila representada no Diagrama de Winkler O percentual utilizado na mistura foi de 15% em peso de resíduo e 85% em peso de argila. Esta mistura apresentou limite de liquidez de 32,6%, limite de plasticidade de 20,5%, Índice de Plasticidade de 12,1% e densidade real de 2,80. A representação da granulometria da mistura no diagrama de Winkler está apresentada na Figura 4. Figura 4 - Granulometria da mistura representada no Diagrama de Winkler A extrusão ocorreu em uma maromba elétrica, com seção hexagonal de 1cm de lado e umidade para extrusão, tanto da argila pura como da mistura, foi de 22%, próximo ao limite de plasticidade. Após a extrusão, a barra foi cortada em agregados que variaram de 5 mm a 15 mm de comprimentos. Foi criado dois grupos de amostras, as amostras do Grupo M, referente á mistura, e as amostras do grupo A, somente da argila pura, conforme Figura 5. O passo seguinte foi a secagem dos agregados ao ar livre por sete dias em bandejas metálicas. A calcinação foi realizada em forno tipo mufla com quatro patamares de temperatura, 800ºC, 900ºC, 1000ºC e 1100ºC, com taxa de aquecimento de 30ºC/min, tempo de patamar de 30 minutos e desligamento do forno para resfriamento. Figura 5: Amostras do Grupo A e Grupo M O ensaio de perda de massa por fervura foi realizado colocando os frascos com as amostras e 200cm³ de água destilada dentro de panela de pressão convencional, preenchida com aproximadamente 2cm de água destilada, conforme Figura 6(a). Após 15 minutos de fervura , Figura 6(b), os frascos são retirados da panela e resfriados à temperatura ambiente. (a) (b) Figura 6: Realização do ensaio de perda de massa após fervura O ensaio prossegue realizando a agitação mecânica por 30 minutos, conforme Figura 7. Em seguida a amostra é lavada em peneira de 0,42mm de abertura, com cuidado para não perder material, e o passante é seco em estufa. Figura 7: Agitador mecânico RESULTADOS E DISCUSSÃO A Figura 8 apresenta a comparação do ensaio de perda por fervura os grupos A e M, mostrando que a partir da temperatura de 1050ºC, aproximadamente, a perda de massa após fervura do Grupo M é menor que a do Grupo A. A Figura 9 mostra a aparência dos agregados antes e depois do ensaio, comprovando o desgaste provocado pelo contato dos agregados no agitador segundo LEDBETTER et al.(1971) , dando aspecto mais arredondado nas arestas dos agregados. Figura 8 - Resultados ensaio de perda de massa após fervura nas amostras A e M Figura 9: Agregados antes e depois do ensaio A Tabela 4 apresenta os resultados do ensaio de perda de massa após fervura, comparando com a norma DNER-EM 230/94 – Agregados sintéticos graúdos de argila calcinada, e mostra que todos os resultados se enquadraram nos limites expressos em norma. Nota-se que a o resultado do Grupo M para temperatura igual à 1100ºC é muito inferior comparando com o Grupo A. Tabela 4: Resultados do ensaio realizados nos agregados calcinados Grupo Amostra A M A800 A900 A1000 A1100 M800 M900 M1000 M1100 Ensaio perda de massa após Fervura Resul. 3,21% 2,52% 2,38% 1,11% 6,16% 2,90% 2,61% 0,82% Norma <10% <10% <10% <10% <10% <10% <10% <10% Tanto do grupo A como do Grupo M, podemos observar um patamar de desgaste entre as temperaturas de 900ºC e 1000ºC. Fazendo uma comparação com os resultados de Cabral (2005) e de Moore (1969), para argila clara, podemos observar algumas particularidades em comum, conforme Figura 10. Infelizmente Cabral (2005) realizou ensaios somente em agregados com temperaturas até 1000ºC, impossibilitando a comparação após esta temperatura. Além do patamar mencionado, a mesma inclinação da curva antes de 900ºC é observada após 1000ºC em todas as amostras, exceto as de Cabral (2005) que não prosseguiu para temperaturas acima de 1000ºC. A curva para o ensaio de perda de massa após fervura em agregados sintéticos calcinados com argila clara tem uma grande tendência de comportamento similar às curvas encontradas nesta pesquisa. Figura 10: Comparação dos resultados para o ensaio de perda de massa após fervura de agregados sintéticos CONCLUSÕES Este artigo avaliou a degradação dos agregados graúdos sintéticos calcinados fabricados à partir de uma mistura resíduo-argila para utilização em camadas de pavimentos. Dos resultados pode-se concluir que: • Os resultados dos testes indicam que estes agregados têm um grande potencial para a utilização em construção de rodovias em muitas áreas do mundo, não onde há abundancia de agregados naturais pétreos, mas em locais onde as argilas necessárias para a produção de agregados sintéticos são abundantes. • A adição do resíduo de mineração à argila, à temperatura de 1100ºC, mostrou a potencialidade que este resíduo pode causar em argilas que não estão aptas para a fabricação de agregados graúdos sintéticos. • A tendência de curva observada no ensaio de perda de massa após fervura para agregados sintéticos calcinados, fabricados a partir de argila clara, pode auxiliar na definição da temperatura de queima de futuros trabalhos. A perda de massa, no patamar entre temperaturas de 900ºC e 1000ºC, pode ser um ponto de partida para avaliar a temperatura de queima a ser adotada, pois pela curva apresentada, se a perda de massa nesse patamar for superior ao indicado em norma, < 10%, a fabricação do agregado necessitaria de uma grande demanda de energia, o que pode tornar inviável. REFERÊNCIAS BATISTA, F. G. S., 2004, Caracterização física e mecanística dos agregados de argila calcinada produzidos com solos finos da BR-163/PA. 2004. 159 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Transportes) – Instituto Militar de Engenharia. CABRAL, G. L. L., 2005, Metodologia de produção e emprego de agregados de argila calcinada para pavimentação. 358 p. Dissertação de Mestrado, Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CABRAL, G. L. L., 2011, Utilização do agregado artificial de argila calcinada em Obras de pavimentação e aperfeiçoamento da tecnologia. 216 p. 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