XIII SEMINÁRIO OBSCOM/CEPOS
11 de dezembro de 2014, São Cristóvão - Sergipe
HISTÓRICO DO ESPECTADOR DOS JOGOS DE FUTEBOL NO BRASIL: DA
ELITIZAÇÃO AMADORA ÀS NOVAS FORMAS DE EXCLUSÃO DAS ARENAS
MULTIUSOS
Anderson David Gomes dos SANTOS¹*, Irlan Simões da Cruz SANTOS²
¹ Professor do polo Santana do Ipanema/Campus Sertão da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Graduado em Comunicação Social,
jornalismo, pela UFAL, mestre no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS) e membro do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS). [email protected].
² Jornalista graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Sergipe.
Nos estudos do futebol, dentro das mais variadas vertentes teóricas nas Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas nas quais está contemplado, há duas questões de importante
distinção que correspondem aos aspectos culturais relacionados ao esporte: o jogar e o torcer.
O primeiro aspecto, do jogar, deve ser entendido como a prática lúdica de um jogo que
passou pela criação de normas que o configuram enquanto esporte. Foi do desenvolvimento
da normatização e da apropriação do futebol que se gerou a sua prática profissional, com a
criação de uma série de produtos e uma verdadeira indústria em torno do jogo. Em paralelo,
desenvolve-se uma cultura lúdica popular relacionada à prática, seja de forma amadora ou
através do acompanhamento enquanto espectador do que ocorre nos torneios oficiais.
O torcer segue o processo histórico e as fases de aprimoramento na apropriação do
jogo enquanto uma atividade que nasceu e se desenvolveu no sistema capitalista. Assim, em
diferentes momentos históricos, o “público de estádio” será repensado e ressignificado,
aparecendo formas de torcer que podem, inclusive, atrapalhar os interesses econômicos dos
atores envolvidos na gestão deste esporte.
Passando pelo momento inicial e pelo momento final, percebemos duas etapas com
um elemento parecido: o afastamento de torcedores de classes menos favorecidas, agora
representado pelo aumento no valor do custo de ida ao estádio, numa nova etapa de extensão
da mercantilização do jogo, cujo objetivo é seguir gerando mercadorias e mais recursos a
partir de uma prática esportiva cada vez mais próxima do simples entretenimento.
O “público família” é um termo sempre citado quando do debate sobre qual modelo
ideal de espectadores do futebol, porém, o mais pobre deles não está contemplado no novo
projeto de futebol que se desenha com as arenas multiuso. Entretanto, foram poucos os
momentos históricos que ele esteve. Os torcedores mais pobres sempre foram obrigados a se
amontoar em espaços ditos “populares”, ainda que pouco tenham se queixado.
Vale voltar à Inglaterra para ver a repetição de determinados processos. No início do
século XX, destacou-se o arquiteto Archibald Litch na elaboração dos projetos dos primeiros
estádios pertencentes a clubes. Sua projeção definia setores mais confortáveis para membros
da direção e seus convidados integrantes da elite; setores melhores para a classe média
capacitada a pagar um valor maior pelos ingressos; e, por fim, os terraces, onde ficavam
amontoados atrás dos gols os que pagavam menos, oriundos da classe trabalhadora.
Esse modelo de divisão de classes por setores se espalhou pela Europa e inspirou os
primeiros estádios no Brasil, refletindo diferentes formas de acompanhar os jogos, do
comportamento mais festivo e barulhento ao torcedor com reações momentâneas. Nesse
ambiente é que surgem as gerais, os setores populares que criaram culturas torcedoras
notavelmente festivas, onde os mais pobres se amontoavam em locais de péssima visibilidade,
mas que poderia dar aos clubes o status de “clube de massas”, importante para atrair novos
torcedores. É deste setor que se retira o que Damo (2006, p. 41) define como clubismo, que
mantém a paixão por este esporte para além do evento-espetáculo da Copa do Mundo FIFA,
que ocorre apenas a cada quatro anos:
[...] sistema complexo caracterizado pela adesão afetiva dos torcedores aos
clubes de futebol, tendo como desdobramento a constituição de comunidades de
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sentimento. Essas, por seu turno, são responsáveis por desenvolver nos
indivíduos uma dada percepção estética do jogo, caracterizada pelo
engajamento, de modo que já não se pode dizer que quem vai ao estádio o faz
como se estivesse indo ao teatro ou ao cinema, pois a um estádio não se vai para
ver um jogo, mas para torcer pelo time que representa o clube do coração.
Como uma das atividades culturais presentes no atual modo de produção societário, o
esporte, o futebol em particular por ser o de maior recepção, vai se transformando com as
alterações do capitalismo, com novos avanços de mercantilização e a consequente mudança
nas práticas culturais que estejam neles envolvidas.
Agora, como ocorreu na Europa, o processo que gerou a presença dos recursos do
broadcasting como indispensáveis nas receitas dos clubes foi abrindo pequenos espaços para
mudar algumas questões em torno do jogo, de maneira a criar um ritual que minimante unifica
os modelos de apresentar o jogo ao público, este em maior quantidade através dos meios de
comunicação, passando a ser prioridade por quem organiza o jogo.
O futebol brasileiro passa atualmente por uma etapa de mudanças ligada às exigências
da FIFA por estádios que atendam a determinado padrão por conta da Copa do Mundo FIFA
Brasil 2014. Seja por reforma ou através da construção de novos estádios, o conceito de Arena
Multiuso é o que passa a predominar, com cadeiras em todo o espaço, além de outras questões
estruturais e de organização, com novas opções de mercadorias a serem ofertadas nestes
locais (de restaurantes a academias de musculação e espetáculos musicais).
A partir das discussões aqui estabelecidas, este artigo se propõe a analisar, do ponto de
vista de um relato histórico, a presença dos torcedores nos estádios de futebol, tentando
entender como se deu este desenvolvimento que, curiosamente, apresenta uma elitização na
sua etapa inicial e estaria apresentando caminhos semelhantes em sua mais nova etapa de
mercantilização, com o aumento do custo de ir ao estádio.
Este relato parte de uma análise crítica das informações obtidas através de uma revisão
bibliográfica que perpassa estudos e pesquisas das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas,
que partem da visão do eixo teórico-metodológico da Economia Política da Comunicação,
abrindo espaço para a interdisciplinaridade que o marca. Partindo de textos publicados por
pesquisadores da EPC sobre esportes (casos de BOLAÑO, 2003; SANTOS, 2013), até chegar
a trabalhos que discutem especificamente o modelo de torcedores (consumidores) que se é
buscado (ALM, 2014; CRUZ, 2005), além de pesquisas de mercado e de estudos de base para
análise do futebol.
Assim, traçando este caminho que tratam de alguma forma de diferentes momentos de
estruturação, mercantilização e espacialização do futebol e sua determinação enquanto
indústria, muito graças à presença da Indústria Cultural, esta proposta de trabalho
desenvolverá os seguintes movimentos: explicitação da apropriação na normatização elitista e
a organização dos torcedores na fase inicial; a importante etapa de espacialização iniciada nos
anos 1970 graças à transmissão ao vivo pela televisão e os acordos mercadológicos a partir da
FIFA; e a etapa contemporânea, da necessidade criada de arenas multiuso em torno de novos
interesses da indústria do futebol e das indústrias culturais, cada vez mais importantes para a
manutenção do jogo e da atenção sobre ele.
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Histórico do espectador dos jogos de futebol no Brasil