UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA MESTRADO EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS MANOEL LUIS MELO IMPORTÂNCIA DAS ESCOLINHAS DE FUTEBOL NA FORMAÇÃO DO JOVEM ATLETA EM CAMPINA GRANDE - PB JOÃO PESSOA – PB JUNHO DE 2008 MANOEL LUIS MELO IMPORTÂNCIA DAS ESCOLINHAS DE FUTEBOL NA FORMAÇÃO DO JOVEM ATLETA EM CAMPINA GRANDE - PB Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre no curso de Educação de Jovens e Adultos da Universidade Federal da Paraíba. Orientador Prof. Dr. Wilson Honorato Aragão JOÃO PESSOA – PB JUNHO DE 2008 MANOEL LUIS MELO IMPORTÂNCIA DAS ESCOLINHAS DE FUTEBOL NA FORMAÇÃO DO JOVEM ATLETA EM CAMPINA GRANDE - PB Banca Examinadora Examinado em ___ de __________ de 2008 ____________________________________________ Orientador Prof. Dr. Wilson Honorato Aragão _____________________________________________ Examinador Prof. Dr. Iraquitan de Oliveira Caminha _____________________________________________ Examinador Prof. Dr. Orlandil de Lima Moreira _____________________________________________ Suplente Prof. Maria da Salete Barbosa de Farias Jamais poderia concluir esta dissertação de Mestrado, sem a ajuda e colaboração de mãos amigas, que se estenderam para mim. (Manoel Luis Melo) Dedico A todos que direta ou indiretamente estiveram envolvidos no processo de elaboração desta dissertação. AGRADECIMENTOS A minha esposa Leninha, pela paciência e por estar ao meu lado desde o início desta jornada. Ao professor Dr. Wilson Honorato Aragão, por me possibilitar dar mais este importantíssimo passo em minha vida. Ao professor Chateaubriand Pinto Bandeira Júnior, pelo apoio, incentivo e ajuda nos momentos mais difíceis de minha vida. Aos professores Drs. Iraquitan de Oliveira Caminha e Orlandil de Lima Moreira, pela compreensão e sensibilidade na conclusão desta pesquisa. A professora Dra. Marinalva Freire da Silva, presidente de la Associación de Professores de La Espanhol de Paraíba. Ao professor Luiz Antônio Zaluar, da Associação Brasileira de Técnicos de Futebol – ABTF, Rio de Janeiro, pela amizade e contribuição ao meu crescimento pessoal. Ao jornalista Franklin Robson Melo da Silva, pela colaboração e incentivo a novos conhecimentos. Aos atletas e ex-atletas profissionais, que gentilmente se colocaram à disposição para realização das entrevistas, fornecendo informações imprescindíveis para a conclusão deste estudo. Enfim, pedindo desculpas se fui traído pela memória, agradeço a todos os demais amigos, alunos e professores que contribuíram com sua parcela para a finalização deste trabalho. A todos, Meu muito obrigado! RESUMO Os atletas brasileiros até um passado não muito distante aprendiam a praticar o futebol nas ruas ou nos campinhos de várzea. Mas o futebol que tantos valores revelou nestes espaços virou refém do desenvolvimento urbano, e a cada dia mais vem sendo praticado e desenvolvido no ambiente das escolinhas de futebol que estão espalhadas pelo País. Por essa razão, é que a pesquisa sobre esse tema tem como objetivo analisar a importância das escolinhas de futebol na formação dos jovens atletas de Campina Grande. Trata-se de uma pesquisa exploratória com abordagem quantiqualitativa, baseada no método indutivo, que teve instrumento de coleta de dados uma entrevista com vinte atletas que passaram pelas escolinhas de futebol locais. Os resultados das análises realizadas sobre o material coletado permitiram a confirmação da importância do papel que têm as escolinhas na formação dos ex e novos atletas, fato comprovado pelos resultados da consulta que ratificam a contribuição destas para a sua formação como atletas, cidadãos de caráter e dignos de respeito, merecedores de uma oportunidade que ainda na infância lhes é tirada, resultado da própria condição social da família. Diante disso, percebeu-se que se tais escolinhas fossem assistidas financeira e pedagogicamente, poderiam se transformar num grande espaço para a formação de grandes atletas e/ou homens que, ao invés de ficarem expostos à criminalidade das ruas, passariam a encher os estádios do mundo com torcedores os aplaudindo. Palavras-chave: Futebol. Formação dos atletas. Escolinhas de futebol. ABSTRACT The Brazilian athletes to a not too distant past learned to carry the football in the streets or in campinhos of lowland. But the game that so many values revealed in these spaces become hostage to urban development, and each day more is being practised and developed in the environment of the day football that are spread throughout the country. For that reason is that research on this topic aims to analyze the importance of football day in the training of young athletes from Campina Grande. This is an exploratory research with quantitative and qualitative approach, based on inductive method, which took tool for data collection an interview with twenty athletes who have spent the day for local football. The results of analyses on the material collected, allowed the confirmation of the importance of the role that day in the training of former and new athletes, a fact confirmed by the results of the interview that ratify the contribution to their training as athletes, citizens of character and worthy of respect and a place in the sun to them drawn in childhood by their condition of life that have just social the family. Given this, realized that if such day be assisted financially and pedagogically, instead of being exposed to street crime, would fill the stadiums in the world with the fans cheering. Keywords: Football. training of athletes. Escolinhas football. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Suélio Lacerda bicampeão pelo São Paulo Futebol Clube..................................... 47 Figura 2 - Celso Fio jogando na Suíça.................................................................................... 48 Figura 3 - Marcelinho Paraíba no Flamengo........................................................................... 49 Figura 4 - Fábio Bilica na Seleção Brasileira.......................................................................... 51 Figura 5 - Orientação sobre comportamento dos atletas dentro e fora de campo.................... 53 Figura 6 - Robinho e Ronaldinho................................................................................................. 58 Figura 7 – Meia Kaká do Millan, Itália..................................................................................... 58 Figura 8 - Atletas realizando alongamentos antes de treino tático.......................................... 63 Figura 9 – Atletas em palestra sobre drogas no SAFEPB....................................................... 69 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Idade dos atletas entrevistados............................................................................. 46 Gráfico 2 - Origem dos clubes em que os atletas atuam......................................................... 52 Gráfico 3 - A importância da escolinha na vida dos atletas.................................................... 60 Gráfico 4 - Importância das escolinhas no combate às drogas............................................... 67 Gráfico 5 - A importância das escolinhas no combate à exclusão social................................ 78 SUMÁRIO CAPÍTULO 1 - 1INTRODUÇÃO........................................................................................ 11 1.1 A relação com o objeto de estudo...................................................................................... 11 1.2 Contextualizando a temática.............................................................................................. 15 CAPÍTULO 2 - BREVE HISTÓRICO DO FUTEBOL E SUA CHEGADA AO BRASIL.................................................................................................................................. 22 2.1 Do futebol de rua do passado às escolinhas de futebol da atualidade............................... 24 2.2 A importância das escolinhas de futebol na atualidade..................................................... 28 2.3 O futebol como fator de valorização da cidadania e vetor do crescimento pessoal.......... 30 2.4 Um olhar sobre a indisciplina na formação do atleta do futuro......................................... 35 CAPÍTULO 3 – A IMPORTÂNCIA DAS ESCOLINHAS DE FUTEBOL NA VISÃO DE ATLETAS E EX-ATLETAS DE CAMPINA GRANDE – PB................................... 46 CONSIDERAÇÕES.............................................................................................................. 87 REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 90 APÊNDICE............................................................................................................................. 93 11 CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO 1.1 A relação com o objeto de estudo A inspiração para pesquisar sobre a importância das escolinhas de futebol veio da nossa experiência de vida, marcada inicialmente por uma infância pobre no bairro de São José, em Campina Grande – Paraíba, e posteriormente por uma carreira ascendente no futebol que teve início no Treze Futebol Clube (PB), e serviu como ponto de partida para superação dos problemas que nos afetavam, e culminada por passagens por clubes como Alecrim (RN), Itabaiana (SE), Ferroviário (MA), Sampaio Correia (MA), Flamengo e River (PI), Botafogo e América (PB), Sergipe (SE), CSA e ASA (AL). Para sobreviver com a minha família, investi nos estudos, concluindo o Ensino Médio. Em seguida, aprovado no vestibular para Comunicação Social da Fundação Universidade Regional do Nordeste – FURNe, hoje Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, em 1979, a duras penas consegui concluir o curso, mesmo ano em que fui aprovado no vestibular de Licenciatura Plena em Educação Física, também pela Furne. Ainda em 1979, fui convidado pela diretoria do Treze Futebol Clube para exercer a função de treinador das divisões de base, cargo que assumimos e já no primeiro ano à frente dos juniores conseguimos ser campeões. No início da década de 1980, transferi-me para os juniores do Campinense Clube, arqui-rival do Treze, clube no qual havíamos sido campeões no ano anterior, e após algumas conquistas, resolvi escrever minha autobiografia, através do livro “Futebol, Arte de Um Nômade”. Após conquistar o título de campeão paraibano, como preparador físico, em 1979/1980 pelo Campinense, fui mandado embora. Desempregado, viajei para o Piauí, mais especificamente para Teresina, onde consegui me destacar durante o tempo em que lá permaneci e acabei sendo convidado pela Associação de Garantia ao Atleta Profissional do Futebol do Piauí – AGAP-PI, através do seu presidente Duílio, para participar do 1º Curso de Técnico de futebol do Brasil, no Rio de Janeiro. 12 No Rio de Janeiro, depois de fazer teste físico e de conhecimentos gerais, fui aprovado junto a mais 29 atletas. A experiência adquirida no curso, através do contato com atletas renomados de clubes do Sul do País e da Seleção Brasileira, a exemplo de Nilton Santos, Felix, Altair, Silva, Calazans, Miguel, Franz, Dutra e Pampoline. Essa convivência nos levou a publicar outra obra intitulada “A difícil missão de comandar”. A partir da minha formação profissional como técnico de futebol no Sul do País, na Escola de Educação Física do Exército, comecei a lecionar em vários educandários e estagiar em clubes profissionais, período muito importante para minha formação intelectual, pois participei de dezenas de cursos, simpósios e outros eventos sobre futebol em várias capitais brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Brasília e Paraná. Regressando ao Nordeste, para labutar como treinador do Alecrim Futebol Clube, e prestes a concluir o curso de Educação Física, consegui transferência para a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), onde terminei o curso superior em 1984, e em seguida, fui responsável pela monitoria das disciplinas Futebol I e II na UFRN. Nesta mesma época, passei a lecionar a disciplina Educação Física no Colégio Agrícola de Ceará-Mirim. Em 1985, fui tentar a sorte em Porto Velho (RO). Já no 3º dia, após ter distribuído meu currículo na Universidade Federal de Rondônia, Secretarias do Governo Estadual e Clubes de Futebol, fui contratado para lecionar as disciplinas Futebol de Campo I e II, e Treinamento Esportivo no curso de Educação Física da Universidade de Rondônia - UNIR, e também, para atuar como jornalista pela Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo de Rondônia. Durante a nossa permanência em Porto Velho, desenvolvemos vários projetos esportivos, a exemplo do Projeto Bola Cheia, que objetivou implantar dez núcleos esportivos nos subúrbios da capital rondoniense, patrocinados pelo governo estadual. Momento este que marcou a nossa iniciação à frente das escolinhas de futebol, e nos inspirou para publicarmos mais dois livros, intitulados “Aprenda a Jogar Futebol” e “Futebol com Humor”, respectivamente. 13 Em julho de 1985, a UNIR escolheu dez professores para cursar pós-graduação “latu sensu” em Metodologia do Ensino Superior, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), em Belo Horizonte (MG), da qual participamos e concluímos em julho de 1987. Ainda na Capital rondoniense, trabalhamos como técnico de futebol nas equipes profissionais e juniores do Ferroviário, Moto Clube, Mixto e Ipiranga, além de treinarmos a seleção principal, oportunidade em que disputamos o campeonato brasileiro e fomos vicecampeões da chave Norte. Em 1989, após ter sido eleito coordenador do curso superior de Educação Física, fui redistribuído para o cargo de professor retide de 3º grau, onde passamos a lecionar a disciplina de Educação Física, nas modalidades de Futebol de Campo e Futsal, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Campus III, em Bananeiras. Transferido de Porto Velho para Bananeiras, na Paraíba, a nossa primeira missão foi reativar a Associação de Garantia ao Atleta Profissional – AGAP-PB, fundada por nós em 1991, entidade esportiva que defende e assiste socialmente os atletas e ex-atletas profissionais e seus dependentes. Neste mesmo ano, agora como presidente da AGAP-PB, fomos até Brasília e conseguimos trazer de lá, para uma visita a Paraíba, o presidente da Federação das Associações dos Atletas Profissionais – FAAP-DF, o atleta tricampeão do mundo Wilson Piazza que para cá veio com a tarefa de oficializar, de fato e de direito, a AGAP-PB. Após a oficialização da AGAP-PB, a entidade passou a receber verba mensal que serviu para financiar projeto social “Futebol Também se Aprende na Escola”, cuja meta principal não apenas esportiva, mas social, pois visava tirar das ruas crianças em situação de risco, ajudando na formação cultural e social das mesmas. A implantação do projeto social “Futebol Também se Aprende na Escola”, veio beneficiar centenas de crianças e adolescentes, na faixa-etária de 07 a 17 anos, além de contribuir para o emprego de ex-atletas de futebol (sócios da AGAP-PB), que passaram a atuar como instrutores de futebol, responsáveis pela formação de jovens valores para o esporte local e nacional, projeto este que acabou sendo estendido para outras regiões da Paraíba, a exemplo de Bananeiras. 14 Após sua implantação no campus III da UFPB, em Bananeiras, além de atender a comunidade universitária local, o projeto também atendia às crianças das cidades circunvizinhas, como Solânea, Araras, com a única exigência de que estivessem matriculadas no ensino regular em seus respectivos Municípios. Para que o nosso trabalho alcançasse o sucesso almejado, fazia-se necessário qualificar os 14 (quatorze) instrutores para que estes pudessem oferecer a formação adequada aos alunos matriculados no referido projeto, oportunidade que veio com a participação destes no curso de Futebol da Escola de Educação Física do Exército, no Rio de Janeiro, para onde foram levados com todas as despesas pagas pela AGAP-PB. Após serem diplomados, os professores passaram a pôr, em prática, as suas novas funções, como técnicos de futebol, em diversos bairros de Campina Grande, além da cidade de Bananeiras. O resultado do sucesso do projeto social “Futebol Também se Aprende na Escola”, veio com a revelação de diversos talentos oriundos dos subúrbios de Campina Grande e Bananeiras, a exemplo de Marcelinho Paraíba, Fábio Bílica, Glauber Gomes, Léo Oliveira, Luciano Amaral, Franklin, Nêgo, André Luiz, Ranieri, Ziquinho, Adriano, Ítalo, Túlio, Felipe, Tony, Hulk, Igor, Júlio César, Suélio, Luciano Paraíba, Isaias, Alix, Rômulo, e muitos outros em plena atividade atualmente. Em 1999, visando fortalecer e apoiar a carreira dos atletas e ex-atletas de futebol profissional da Paraíba, fundamos o Sindicato dos Atletas de Futebol da Paraíba – SAFEPB. Nesta oportunidade, a meta principal do SAFEPB era orientar seus associados a estudarem enquanto atuavam nos seus clubes de origem, pois como a carreira de futebol é curta, dura em média de 10 a 20 anos, muitos que não conseguiam alcançar o sucesso esperado, poderiam, através dos estudos, obter uma outra profissão e assim ter alguma perspectiva em relação ao futuro. Atualmente, o SAFEPB possui uma boa estrutura para a formação de jovens atletas em futebol de campo e conta com o trabalho de professores (ex-atletas) diplomados que semanalmente estão em atividade nos subúrbios locais, visando oferecer aos jovens a 15 formação necessária para a prática do futebol e o exercício da cidadania, hoje uma exigência da grande maioria das equipes do Brasil e do mundo. Campina Grande é reconhecida nacionalmente como um celeiro de grandes talentos para o futebol, e a prova disso está nas chamadas “peneiras”1 que anualmente realizamos em nossa cidade, onde sob os olhares de empresários e representantes de clubes de grande porte do futebol nacional vários atletas são revelados, fato que mostra que tais revelações estão associadas ao trabalho que vem sendo realizado há anos nas escolinhas de futebol locais, e como se percebe tem dado bons frutos. O resultado da experiência obtida com o trabalho realizado nas escolinhas da UFPB, campus III, e de Campina Grande, foi a publicação de mais quatro obras esportivas, intituladas “Futebol para Todos”, “Vocabulário Popular e Humor do Futebol”, Futebol Também se Aprende na Escola”, e a mais recente “Abecedário do Futebol”. Foi com base na experiência acima citada, contando com a colaboração de alguns atletas que dela fizeram parte, que procuramos demonstrar no decorrer desse estudo, a importância que têm as escolinhas de futebol na formação do jovem atleta. 1.2 Contextualizando a temática Boa parte das crianças e jovens brasileiros sonha um dia poder ser um atleta profissional de futebol. Muitos até procuram se espelhar em outros atletas que jogaram ou estão jogando por vários clubes do Brasil e do mundo. Na intenção de unir a paixão que sentem pelo futebol à perspectiva de um futuro melhor para si e suas famílias - já que muitos são de origem pobre - muitos deles passam a praticá-lo vendo-o como um caminho mais rápido de conseguirem sucesso e independência financeira. Para isso, muitos acabam recorrendo às escolinhas de futebol para se aperfeiçoarem nas técnicas desse esporte e assim adquirirem a formação necessária que possa levá-los um dia a ser um atleta profissional. 1 Segundo a bibliografia especializada, é uma seleção realizada para se escolher dentre um grupo de atletas, um ou alguns que vão jogar numa determinada agremiação esportiva. 16 Copiadas da Europa para o Brasil, as escolinhas espalharam-se por todo País e se desenvolveram, algumas não apenas com a finalidade de revelarem novos talentos para o futebol, mas também oferecer às crianças que delas participam a oportunidade de ocuparem seu tempo com uma atividade que possa evitar que estas venham a seguir pelos caminhos da delinqüência juvenil que tanto têm ameaçado a vida de muitos meninos e/ou jovens pelo Brasil afora. Como mostra Scaglia (2006), as escolinhas ganharam espaço com a expansão imobiliária que acabou provocando o desaparecimento de muitos campos de várzea existentes nas médias e grandes cidades brasileiras. Implantadas como alternativa para a formação de novos atletas para o futebol brasileiro, as escolinhas fizeram com que o futebol, que antes era jogado de forma aberta e espontânea nos campos de peladas espalhados pelo Brasil, passasse a ser praticado em locais quase sempre fechados - muitos deles sob a responsabilidade de exatletas - que viram nisso uma oportunidade de poderem repassar aos seus alunos o que aprenderam dentro do futebol, e também uma forma de explorarem lucrativamente essa atividade. Assim, o futebol que antes era praticado por puro divertimento, com o passar dos anos, foi-se profissionalizando e se tornando produto de exportação do Brasil para toda parte do mundo, abrindo-se a partir daí uma porta para que muitos jovens, a maioria oriunda da classe menos favorecida, pudessem por meio dele desfrutar da oportunidade de poderem vencer as adversidades que enfrentavam, e muitos ainda enfrentam atualmente. Além de ser uma oportunidade para que os jovens possam mostrar o seu talento e melhorar de vida, as escolinhas são tidas como uma atividade que pode ajudar muitas crianças e jovens a se manterem longe de algumas armadilhas que permeiam o mundo atual, a exemplo da violência, das drogas etc. E foi por meio do trabalho realizado em algumas escolinhas de futebol de Campina Grande, que muitos dos jovens aos quais nos referimos na pesquisa conseguiram chegar ao topo do sucesso, fato que está comprovado nos depoimentos colhidos através das entrevistas que utilizamos para as análises finais deste estudo. Apesar do reconhecimento ao trabalho que é executado no dia-a-dia pelas escolinhas, nunca é demais lembrar que a realidade que separa as escolinhas do sonho de muitos jovens em se tornarem um atleta profissional é dura, e nem sempre corresponde às expectativas 17 iniciais. Daí vem à importância da orientação que é repassada por algumas escolinhas – sejam elas com ou sem fins lucrativos - a exemplo das coordenadas por nós com finalidade meramente social e/ou inclusiva, no sentido de mostrarem aos seus alunos e/ou futuros atletas a necessidade de estudarem enquanto praticam o futebol para que possam ter outra profissão que venha corresponder as suas expectativas, em caso de não realização do seu sonho inicial de serem jogador profissional de futebol. Sem querer entrar no mérito da discussão ideológica em torno da validade ou não das escolinhas com fins lucrativos (criticadas por alguns por serem não-seletivas e visarem mais o lucro do que a formação e o desenvolvimento dos alunos), em relação àquelas de propósito meramente social e inclusivo, a intenção aqui é discutir qual a importância destas escolinhas para a formação do jovem atleta. Apesar da constatação de que existe por parte de algumas escolinhas a preocupação em orientar os jovens para a conquista da cidadania, algumas até exigindo como pré-requisito para a aprendizagem do futebol que seus alunos estejam matriculados na educação formal, vale ressaltar que não existe nenhum estudo que possa confirmar esse interesse, coisa que procuramos obter através do histórico fornecido por alguns atletas que iniciaram suas carreiras nas escolinhas locais, cujos depoimentos serviram de base para as discussões realizadas nesse estudo. Diante da falta de respostas para esta questão é que se norteou a realização desta pesquisa junto a algumas escolinhas da cidade de Campina Grande – PB, que funcionam nos bairros de José Pinheiro, Malvinas, Prata e São José, todos de Campina Grande – PB. A escolha das referidas escolinhas se deu pela nossa experiência pessoal no trabalho que nelas vimos realizando há mais de 20 anos, que as têm transformado em grandes exportadoras de talentos para o futebol do Brasil e do mundo. Trata-se de um trabalho sem fins lucrativos, que atende uma média de 200 jovens, a cada ano, a maioria carente e sob ameaça de risco social, residente em áreas periféricas de Campina Grande – PB. Na metodologia da pesquisa, procuramos destacar alguns aspectos indispensáveis à sua execução, dentre eles: a) O método utilizado na pesquisa; b) Tipo de estudo; c) Local e 18 período de estudo; d) População e mostra; e) Instrumento para coleta de dados; F) Tratamento e análise dos dados; g) Apresentação e análise dos resultados. O método utilizado foi o indutivo, partindo de aspectos particulares para construir análises sobre a realidade das escolinhas de futebol e sua importância para um determinado segmento social. Admitindo-se os limites desse método e de sua capacidade de generalização, considerou-se o contexto social em que a presente pesquisa foi realizada. Cabe esclarecer que a partir do método indutivo, buscou-se levantar dados que pudessem nos levar a compreensão sobre qual a importância das escolinhas de futebol para formação do jovem atleta, procurando detalhar vários aspectos que envolvem a formação pessoal e profissional do atleta, seu comportamento e caráter, além da disciplina. Trata-se de um estudo de caráter exploratório com abordagem qualiquantitativa. Quanto ao aspecto qualitativo da pesquisa, Neves (1996) afirma que em certa medida, os métodos qualitativos se assemelham a interpretação de fenômenos que empregamos no nosso dia-a-dia, que têm a mesma natureza dos dados que o pesquisador emprega em sua pesquisa. Tanto em um como em outro caso, trata-se de dados simbólicos, situados em determinado contexto; revelam parte da realidade ao mesmo tempo que escondem outra parte. Para o autor, nas ciências sociais, os pesquisadores, ao empregarem métodos qualitativos estão mais preocupados com o processo social do que com a estrutura social. Em relação à abordagem quantitativa, Trindade (2003) afirma que esta permite ao pesquisador tirar conclusões que não poderiam ser tiradas sem o levantamento e o cruzamento de informações quantitativas. Danton (2002, p. 22), por sua vez, afirma que “o observador, munido de uma listagem de comportamentos, registra a ocorrência dos mesmos durante um período de tempo”. No caso deste estudo, buscou-se levantar dados quantitativos que auxiliassem na análise sobre a importância das escolinhas de futebol na formação do atleta. Diante do exposto e das especificidades do objeto desse estudo, considerou-se necessário fazer a união de dois modelos de análise: qualitativo e quantitativo, para compreender aspectos sócioeconômicos e aspectos ligados aos valores e opiniões dos sujeitos 19 da pesquisa. Modelos estes que proporcionaram uma visão mais ampla das questões que envolvem a importância das escolinhas de futebol na formação dos atletas do futuro. A pesquisa foi realizada no período de outubro de 2007 a junho de 2008, na cidade de Campina Grande – PB. A escolha deste local se deu em razão de nossa atuação já há mais de vinte anos com escolinhas de futebol, tempo que nos serviu de experiência para prosseguir trabalhando na formação de vários atletas que se destacaram, e outros que atualmente se destacam no futebol brasileiro e mundial, e nos levaram assim a poder transcrever todo o nosso aprendizado no presente estudo. A população analisada diz respeito aos atletas e ex-atletas de futebol profissional que passaram por algumas escolinhas de futebol locais, boa parte deles, inclusive, ainda em pleno exercício do futebol por várias equipes do Brasil e do exterior. Para Silva e Menezes (2001), a população ou universo da pesquisa representa a totalidade de indivíduos que possuem as mesmas características definidas para um determinado estudo. No entendimento de Richardson (1999), trata-se de um conjunto de elementos que possuem determinadas características similares. A amostra correspondeu a um total de 20 pessoas selecionadas para a entrevista. De acordo com Belo (2004), a amostra é uma parcela significativa do universo pesquisado ou de coleta de dados. Já para Murakawa (2007), a amostra é uma parte da população retirada segundo uma regra conveniente. Para a coleta de dados foi elaborada uma entrevista semi-estruturada com 05 (cinco) questões abertas, onde se procurou obter, junto aos atletas entrevistados respostas que contribuíssem para viabilização de um diagnóstico sobre a temática da importância das escolinhas de futebol na formação do atleta do futuro. De acordo Bleger (1993) apud Teixeira (2002), a entrevista semi-estruturada permite ao entrevistador uma maior flexibilidade, na medida em que pode se alterar a ordem das perguntas e se tem ampla liberdade para fazer intervenções, de acordo com o andamento da entrevista. No caso específico, procurou-se selecionar pessoas com as quais poderíamos explorar o tema e delas obtermos as informações necessárias para nossas análises. Definidas tais 20 pessoas participantes, como aconselha a bibliografia especializada, elaborou-se com antecedência as perguntas que foram feitas obedecendo a uma ordem previamente estabelecida. A Internet é uma novidade nos meios de pesquisa. Este recurso representa uma revolução no que concerne à troca de informação, pois veio facilitar a busca e a coleta de dados. Através da utilização desse processo informatizado, foram realizadas as entrevistas por meio de e-mails, tendo em vista que boa parte dos participantes entrevistados não estava presente no local da pesquisa. De acordo com o Instituto Qualibest (2008, p. 3), “A entrevista on-line é semelhante a uma entrevista em profundidade tradicional, porém realizada através da Internet.”, cujas vantagens, são: a) O baixo custo de realização; b) Abrangência nacional; c) Agilidade no recrutamento; d) Possibilidade de exibição de imagens, textos, links, vídeos, gráficos e embalagens; e) Comodidade para a participação do pesquisado; e f) As transcrições instantâneas das entrevistas. Para o tratamento dos dados bibliográficos, foi utilizado o recurso do fichamento, que é um instrumento importante na organização para a efetivação da pesquisa de documentos, tendo em vista que ele permite um fácil acesso aos dados fundamentais para a conclusão do trabalho. Sendo assim, dois tipos básicos de fichamento foram utilizados na pesquisa, o fichamento bibliográfico e o fichamento de citações. Os dados foram analisados estatística e qualitativamente a base de números absolutos e percentuais e através da bibliografia especializada. Os dados quantitativos obtidos mediante a entrevista foram relacionados com os dados bibliográficos, visando confrontar a teoria levantada com a prática vivenciada pelos atletas entrevistados. As cinco questões foram elaboradas levando-se em consideração os objetivos pretendidos, onde se procurou explorar algumas questões que envolvem o universo das escolinhas a partir de hipóteses que apontavam para a importância destas para a formação do atleta do futuro. 21 O objetivo geral desse estudo foi analisar a importância de algumas escolinhas de futebol de Campina Grande – PB, a partir dos depoimentos de alguns atletas e ex-atletas que por elas passaram. Especificamente o trabalho objetivou o seguinte: - Fazer um resumo sobre a origem e desenvolvimento das escolinhas de futebol no Brasil e em Campina Grande; - Analisar os aspectos metodológicos e pedagógicos presentes nas escolinhas de futebol; - Mostrar a importância da disciplina na formação dos jovens atletas; -Identificar entre os indivíduos entrevistados, quais os aspectos que mais contribuem/contribuíram para sua formação como atleta e cidadão. O trabalho foi dividido em três etapas. A primeira refere-se à introdução que reúne a justificativa, o problema e os objetivos. A segunda parte referiu-se à fundamentação teórica, que constou de uma revisão bibliográfica sobre o histórico do futebol e outros aspectos a ele inerentes, além de um levantamento sobre o surgimento das escolinhas no Brasil e em nível local, que serviu de base para as discussões realizadas no decorrer do trabalho. Enquanto que a terceira parte foi dedicada à apresentação e análise dos resultados, onde procuramos fazer um paralelo entre a teoria discutida e os dados colhidos juntos aos atletas e ex-atletas entrevistados, para ao final apresentarmos nossas considerações acerca do tema abordado. 22 CAPÍTULO 2 - BREVE HISTÓRICO DO FUTEBOL E SUA CHEGADA AO BRASIL Consolidado na cultura mundial, como afirma Scaglia (1999), o futebol é talvez o esporte mais popular do planeta, amplamente massificado e praticado da mesma maneira ao redor do mundo. De acordo com Scaglia (1999), o estudioso das origens do futebol, o chinês Liu Bingguo, afirma que este esporte teve início na China há 5.000 (a.C), no tempo do imperador Amarelo. Depois de surgir na China e seguir para a Europa, Scaglia afirma que o futebol chegou na América do Sul na metade do século XIX, primeiramente na Argentina, onde era visto como jogo maluco praticado pelos ingleses. Em seu livro intitulado “Jogando com Pelé”, Nascimento (1974) afirma que foi na Inglaterra que o futebol moderno teve sua origem. Segundo ele, no início, havia um pouco de confusão e muita discussão entre os adeptos do futebol jogado com as mãos – o rugby – e o jogado com os pés. Mas, tudo só se definiu mesmo a partir de 1863, quando a turma que preferia o jogo com os pés fundou The Football Association, para uniformizar o uso das regras que naquele ano haviam sido lançadas. Sobre este assunto, Araújo e Didonê (2006) afirmam que o campo de futebol e a sala de aula podem parecer dois universos distintos, mas foi exatamente nos colégios da Inglaterra que as primeiras regras do esporte foram criadas, no século XIX. No Brasil, a história oficial registra que o futebol chegou ao Brasil por São Paulo, no ano de 1894, trazido por Charles Miller, que ao retornar da Inglaterra, onde fora estudar, trouxe as primeiras bolas, uniformes e chuteiras. Entretanto, Araújo e Didonê (2006), afirmam que em 1880, os padres jesuítas do colégio São Luís, em Itu (SP), já incentivavam a prática desse esporte. Para Scaglia (1999, p. 15): “[...] a difusão do futebol pelo Brasil não se deu do centro para sua periferia, mas de quase simultâneos focos disseminadores, ou seja, o futebol se difundiu no nosso país de maneira regional”. 23 Essa disseminação parece explicar a popularização que o futebol alcançou em todo território nacional desde sua chegada, e demonstrar o porquê de o Brasil ter se transformado no país do futebol, que já há algumas décadas, vem exportando atletas para várias partes do mundo. A popularização do futebol propagada pelas várias regiões do país e a difusão fez com que esse esporte começasse a ser praticado pelas camadas mais pobres da população. Witter (1996), apud Scaglia (1999, p. 15), “registra um aumento no número de praticantes em campos improvisados que ladeavam as margens dos rios Pinheiro e Tietê, em São Paulo, dando origem ao futebol varzeano (realizado nas várzeas dos rios)”. Com o futebol se expandindo e cada vez mais conquistando espaço entre a população brasileira, Wilpert (2005, p. 20) informa que “O primeiro jogo importante aconteceu entre os funcionários do Comércio de Nobiling contra o pessoal inglês da Companhia de Gás, da estrada de ferro e do Banco no ano de 1899, perante um público surpreendente de 60 torcedores, vencido pelos ingleses”. Para Wilpert (2005), a institucionalização do futebol brasileiro tem haver com a sua colonização através da história. Baseado no que afirma Souza (2001, p.24) que “a influência da Europa, em especial na Inglaterra, com seus costumes, cultura e modelos nesta sociedade, com o tempo demarcado entre o final do século XIX e início do século XX, não se dá por acaso”, Wilpert afirma que com a invasão de Portugal pela França em 1808, o Brasil ficou para Inglaterra. Diferentemente do que acontecia na Inglaterra, onde o futebol nos colégios era jogado às escondidas, no Brasil foi justamente nos colégios brasileiros que o futebol foi abertamente estimulado, inclusive apoiado pela igreja Católica (ROSERNFELD apud WILPERT (2005, p. 20). Assim, Scaglia (1999) afirma que ao longo das duas primeiras décadas do século XX, os ricos vão se misturando e sendo substituídos pelos pobres, negros, mulatos e, principalmente, pelos operários, que incentivados pelas fábricas construíam campos para atrair e manter os funcionários em seus quadros funcionais, aspecto esse que promoveu um grande avanço no processo de profissionalização. Sendo assim, Scaglia (1999, p. 15) afirma 24 que “em pouco mais de um século de história, o Brasil passa a ser considerado uma superpotência mundial no futebol, conquistando, neste período, quatro títulos mundiais”. Depois de ter se massificado nas camadas mais populares do País, o futebol percorreu um longo caminho para sua aprendizagem pelos brasileiros. segundo Scaglia (1999): As peladas, as rebatidas, os controles e os bobinhos, brincadeiras infantis realizadas nestes locais, pertencentes ao universo da cultura das brincadeiras de bola com os pés, são apontadas por Freire, como as responsáveis pela maneira toda particular do brasileiro jogar futebol. Pois foi brincando com elas que nossos antigos craques aprenderam a jogar futebol. Sendo assim, como afirma Scaglia (1999) e nós concordamos, tendo em vista que também vivenciamos esta realidade em toda a sua plenitude, foi em meio à liberdade propiciada pelas brincadeiras tradicionais infantis que se deu à aprendizagem do futebol durante um longo período da história do futebol brasileiro. Para este autor, até bem pouco tempo atrás, essa era a única maneira de se aprender a jogar futebol no Brasil, e talvez por isso o brasileiro tenha se transformado num dos melhores praticantes deste esporte no mundo. 2.1 Do futebol de rua do passado às escolinhas de futebol da atualidade Os antigos espaços destinados ao lazer das crianças, ao longo do dia, atualmente têm dado lugar para a expansão urbana e imobiliária que vêm mudando cada vez mais a paisagem, antes ocupada pelo futebol de rua e pelos campinhos de pelada, que serviam de diversão para os jovens, para dar lugar a outras atividades que não envolvem mais as brincadeiras do passado. Em outras palavras, as crianças que no passado procuravam os campinhos de várzea ou as ruas para jogar, hoje são obrigadas a procurar as escolinhas de futebol, que como afirma Scaglia (1999, p. 18), “[...] deverão viver um processo de substituição das funções antes atribuídas às ruas e aos campinhos”, razão pela qual um número grande de crianças tem procurado as escolinhas para aprender a jogar futebol, pensando no futuro se tornarem bons atletas. 25 A vivência como coordenador de escolinhas de futebol permite-nos dar o nosso testemunho dessa procura que, a cada dia, aumenta mais nos vários locais onde são ministradas as aulas de futebol para crianças e/ou jovens atletas. Da mesma forma, pode-se afirmar que em grande parte essa procura se deve ao sonho dos garotos de um dia poderem jogar em um grande clube brasileiro ou mesmo do exterior, e por meio do futebol, vencerem as dificuldades que a maioria enfrenta e assim buscarem melhorias para si e suas famílias. A experiência daqueles que trabalham nas escolinhas tem mostrado que o futebol é considerado um atalho importante na vida das crianças, pois através das escolinhas, elas procuram driblar não apenas os adversários por meio do esporte, mas todo um campo cercado de dificuldades e incertezas cuja porta de saída, para alguns, é pelas escolinhas. Apesar de ser reconhecidamente um atalho inquestionável, não se deve esquecer que tais escolinhas não oferecem a todos a certeza do sucesso na carreira futebolística. Por essa razão, é que muitas procuram orientar as crianças para que estudem, visando mostrar que o caminho para conquistar o espaço no futebol é espinhoso e que por isso todos devem antes investir no conhecimento para que no futuro não fiquem apenas com um sonho que não foi possível de se realizar nas mãos. A preocupação com os estudos deve ser um aspecto importante para quem procura uma escolinha de futebol. Em algumas delas, a exemplo daquelas que oferecem o acesso gratuito à prática do futebol, como é o caso das coordenadas por nós, em Campina Grande – PB, estar regularmente matriculado é uma das principais exigências. Porém, outros aspectos devem ser levados em consideração pelos pais ou responsáveis na hora de colocar seu filho numa escola de futebol, dentre eles analisar cada detalhe de suas instalações e não acreditar que o simples contato com ex-jogadores famosos, que muitas vezes comandam algumas escolinhas com fins lucrativos, seja um caminho para o sucesso total. Como se constata, embora nem todos venham a galgar o sucesso desejado no futebol, alguns poderão chegar ao topo e conseguir alcançar seus objetivos. Mas independente de uns chegarem ao topo e outros não, o exemplo mais digno e importante que as escolinhas podem dar é o de contribuir para que as crianças tenham um futuro mais digno. 26 Um exemplo da importância que a escolinha pode ter na vida de um garoto pode ser tirado da história de Anikson Mariano Mendonça, ou simplesmente Mariano, que foi revelado pelo futsal no Esporte Clube Cabo Branco, onde iniciou sua carreira, sagrando-se campeão na categoria fraudinha. Segundo Lima (apud Jornal A União, 2007), Mariano surgiu no cenário do futebol de campo em 2002, quando foi campeão paraibano das escolinhas na categoria pré-mirim, vestindo a camisa do Cabo Branco. No ano seguinte, tornou-se bicampeão e passou a integrar a escolinha do Clube Náutico Capibaribe (PE). E em 2006, o talento do jovem atleta foi descoberto por Severino Ferreira, fundador do Centro Sportivo Paraibano – CSP, de João Pessoa – PB, clube em que se sagrou campeão paraibano sub-13. Seus chutes, as belas jogadas, sua movimentação em campo, a marcação aos adversários, bem como a agilidade com a bola no pé despertaram a atenção do São Paulo Futebol Clube. No entanto, segundo o pai do atleta, Suetônio Mendonça Soares, “o nervosismo fez com que ele Anikson fosse reprovado nos testes”. Após sofrer problemas em outros clubes em que foi apresentado, o atleta foi convidado para fazer testes no Coritiba e já no segundo treino foi confirmado no elenco. Atualmente, o atleta tem contrato com o Coritiba até 2014, podendo negociar seu passe com qualquer outro clube a partir dos 16 anos, porém para que isto ocorra, informa Lima (2007), o clube interessado terá que pagar ao Coritiba Futebol Clube a quantia de R$ 600,00 (LIMA, apud A União, 2007, p. 17). O exemplo de Anikson Mariano e de outros atletas que também sonham com a fama e em fazer um bom contrato profissional pode ser resumido nas palavras do jovem atleta a seguir: “Sei que ainda sou jovem, mas o importante é pensar também na família, pois sei das dificuldades que ela enfrenta. Vou vencer no futebol e tenho certeza que ela terá melhores condições no futuro” (LIMA, 2007, p. 17) Antes, porém, da história recente de Anikson Mariano, no ano de 1999, em matéria intitulada “Esporte traz esperança a crianças pobres”, edição de 26 de dezembro de 1999, do Diário de Pernambuco, Lopes (1999), já mostrava a importância desse tema, afirmando que milhares de crianças carentes estavam começando a virar o placar de um jogo em que nasceram perdendo de goleada para adversários como a pobreza, analfabetismo e falta de 27 perspectiva. Crianças estas, que faziam parte de diversos programas sociais, espalhados pelo País, e que têm no esporte um meio de atraí-las para as salas de aulas, reduzindo os alarmantes índices de evasão e repetência escolar. São os casos dos projetos tipo escolinhas. Capitaneadas muitas vezes por craques dos campos e das quadras, elas dão assistência médica e complementação alimentar, e têm como objetivo principal revelar talentos e oferecer o esporte como uma forma de lazer, tirando crianças e adolescentes das ruas. (LOPES, 1999, p. 4) Dentre os projetos citados por Lopes (1999) à época, estava o Projeto Romarinho, do atacante vascaíno Romário, que atendia a crianças entre 14 e 17 anos, no Rio de Janeiro, dentre outros. Todos estes projetos visavam ao esporte como meio de socialização, motivação e recuperação da auto-estima, aliando a isso atividades pedagógicas, artísticas e culturais, além de um acompanhamento junto aos professores e pais dos integrantes. Mais que garimpar talentos em regiões pobres do País para transformá-los em novos fenômenos, estes projetos devem buscar incentivar a prática da educação. Apesar da afirmação de Scaglia (1999) de que essas escolas são, na sua grande maioria particulares, portanto, dão lucro aos seus proprietários - quase sempre ex-atletas - que, usando os seus nomes e prestígios, atraem as crianças, fascinadas, com sonhos de sucesso e a fama, não tendo, portanto, apenas aquela finalidade social, mesmo assim não se pode negar a relevância do trabalho que elas vêm desempenhando juntos a estas crianças e jovens nas mais diversas regiões do País, como ficou demonstrado nos exemplos acima. No nosso currículo, por exemplo, contam-se mais de 30 anos dedicados à formação de jovens atletas que através do aprendizado nas escolinhas de futebol, diga-se de passagem “gratuito”, conseguiram ganhar o Brasil e o mundo e alcançaram o sucesso, como é o caso de Marcelinho Paraíba, Fábio Bílica, Glauber Gomes e, mais recentemente, o atacante Túlio, contratado pelo Botafogo carioca, atletas que passaram pelas nossas escolinhas nas duas últimas décadas. Daí porque a importância de se procurar saber como e de que formar as escolinhas têm contribuído para a formação das crianças e jovens brasileiros que se aventuram na carreira 28 esportiva para tentar vencer na vida. Para isso, buscar-se-á, a seguir, responder a estas questões e procurar-se-á entender como ocorre esse processo de formação de jovens atletas. 2.2 A importância das escolinhas de futebol na atualidade De acordo com Scaglia (1999), ainda não existem estudos que mostrem a importância do trabalho que vem sendo desenvolvido nas escolinhas de futebol da atualidade, daí porque este autor afirma que: [...] apesar da consciência de que ainda é muito cedo concluir uma avaliação que venha a dizer se escolinhas conseguirão se igualar ao nível de competência da rua e dos campinhos, lançando mão de uma pedagogia que possibilite, através de um processo de ensino-aprendizagem, produzir resultados semelhantes, não temos dúvida em afirmar que essa será a sua tarefa. (SCAGLIA, 1999, p. 18) Em meio à incerteza dos resultados práticos que as escolinhas poderão proporcionar, o autor afirma que o futuro do futebol brasileiro está aí posto. Para ele, não se pode negar que negar a existência, a proliferação, a necessidade e a importância das escolas de futebol para o cenário social e futebolístico de nossa atualidade. Negar a existência e a importância que as escolinhas representam dentro do nosso contexto social, seria o mesmo ignorar as oportunidades que estas têm oferecido aos jovens, no sentido de mantê-los ocupados e longe das armadilhas que o mundo atual os impõe, a exemplo das drogas, da violência e outros vícios que têm arrasado a vida e a carreira de muitos jovens. Aliado a isso, não se deve esquecer que as escolinhas surgiram como uma alternativa à falta de espaço nas grandes cidades, pois sem elas como se poderiam formar novos atletas e dar a estes uma chance de superar os desafios? Apesar de neste cenário, Scaglia ainda ver incertezas, Valentin e Coelho (s/d) vislumbram a certeza de um futuro melhor, pois para eles, nos dias atuais, o futebol se apresenta como um fenômeno de grande importância sociocultural, que é amplamente vivenciado pelo brasileiro em seu dia-a-dia e ressignificado a partir de sua institucionalização e de sua apropriação pelos diversos grupos sociais. Para estes autores, “seja ditado pela competição racionalizada, seja impregnado pelo sentimento lúdico, seja utilizado pelo Estado 29 ou atuando na coesão social, pode-se dizer que o futebol desempenha um papel central na nossa cultura”. Ratificando a importância mostrada acima por Scaglia (1999) e Valentin e Coelho (s/d), em seu estudo Bielinski (s/d) afirma que as escolinhas de futebol surgiram devido à redução das condições naturais para a prática livre e espontânea do futebol, o que provocou a formalização de uma atividade informal, decorrendo daí o surgimento de dois tipos de organização, cada uma dedicada a um intuito específico: a escola seletiva, cujo objetivo é a formação de jogadores, trabalhar com crianças que demonstram um potencial próprio, uma aptidão a ser desenvolvida; e a não-seletiva, que visa possibilitar a prática do futebol a qualquer criança, sem o pré-requisito da sua habilidade inata para o esporte. Para Bielinski (s/d), a escolinha de futebol não-seletiva é um importante caminho para a valorização da qualidade de vida, como sociedade, quer pela oportunidade de assegurar um momento de lazer aberto e não-impositivo às crianças, quer pela sua condição de agenciador concorrente do processo educacional, e quer, ainda como estágio preliminar para o ingresso na Escolinha Seletiva. Ou seja, trata-se de um modelo que não visa exclusivamente à aprendizagem do futebol, mas oferecer outras oportunidades de lazer e ocupação para as crianças. Nesse sentido, Bielinski (s/d, p.136) chama a atenção para cinco aspectos importantes que na sua opinião devem ser lembrados: 1. As normas de convivência social são melhor seguidas pela criança, quando assimiladas na prática esportiva. 2. As escolinhas seletiva e não-seletiva possuem objetivos diferentes, o que acarreta procedimentos administrativos e educativos também diferentes. 3. A atração da criança pela bola chega a ser sublime. 4. A melhor escolinha é a que permite, à criança, ser criança. 5. Para a criança, jogar futebol é pura emoção. Trata-se, portanto, de um momento mágico para o ensino e a aprendizagem. Os aspectos relacionados acima fazem parte de um conjunto de fatores que são apontados pelo autor acima citado e outros especialistas, como essenciais na formação dos jovens atletas que freqüentam as escolinhas de futebol. 30 2.3 O futebol como fator de valorização da cidadania e vetor do crescimento pessoal Uma olhada mais superficial sobre os problemas que afligem as crianças e jovens brasileiros, revela que apesar do esforço que alguns setores da sociedade têm feito para permitir que estes desfrutem de uma vida mais digna, saudável e tenham para isso respeitados os seus direitos, a realidade que permeia as ruas e as periferias das pequenas, médias e grandes cidades brasileiras é outra bem diferente. De forma mais abrangente, o que se nota nas ruas e nas periferias da maioria das cidades brasileiras é que boa parte de nossos jovens convive no seu dia-a-dia com um modelo de sociedade que está ainda muito aquém daquele que todos almejam e reivindicam dos governantes, que é uma sociedade mais justa que privilegie a classe mais pobre, levada a conviver com o abandono e a falta de perspectivas, simplesmente porque não se cumprem as prerrogativas básicas para o cidadão, que são o respeito à pessoa humana e aos seus direitos previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, colocando-os dessa forma à margem do processo social e produtivo, formando assim uma legião de pessoas sem qualquer perspectiva de futuro. Assim, lançados ao abandono e necessitando sobreviver à miséria a eles imposta, muitos jovens caem na armadilha traiçoeira das ruas, mergulham no submundo do crime e das drogas e passam a conviver com toda sorte de mazelas que a desigualdade produzida pela sociedade lhes impõe, formando assim uma legião de delinqüentes marginalizados e sem esperança. Outros, no entanto, apoiados pelo trabalho voluntário de alguns membros da sociedade, solidários à questão do menor do Brasil, acabam encontrando no esporte, especialmente no futebol, uma oportunidade para minimizar seus dilemas. Uma das contribuições nessa direção já vem sendo usada em alguns países, que é a ampliação da jornada escolar reivindicada por alguns analistas. Para Steinbruch (2006), ampliar a jornada escolar é uma necessidade básica no Brasil. Ele cita o caso da Coréia do Sul, que fez uma revolução educacional nos últimos 40 anos, as crianças ficam na escola até 12 horas por dia, das quais sete estudando. Quando saiu da guerra, nos anos 1960, a Coréia do Sul era um país tão pobre quanto o Brasil, com mais de 30% de sua população analfabeta. Lá o analfabetismo está erradicado, 82% dos jovens estão na universidade (20% no Brasil) e o país já chegou ao Primeiro Mundo. 31 A revolução feita na Coréia no período pós-ditatorial pode ser comparada aos anos de ditadura que o Brasil viveu. Seguindo o exemplo e deixando de lado os erros do passado, por que não se copiar o exemplo coreano e investir alto num projeto que ofereça o suporte necessário às nossas escolas e dê as nossas crianças e jovens uma perspectiva de futuro? Dentro desse contexto, o futebol pode ser um importante aliado no caminho da educação e da disciplina dos jovens brasileiros. Sobre isso, Melo (2004) afirma que o futebol contribui e muito para o desenvolvimento físico mental e social da criança e do adolescente, influenciando diretamente no processo de formação da identidade. Para Melo trata-se de um processo que favorece o desenvolvimento da cidadania e dinamiza as atividades de relacionamento humano. Bielinski (s/d), entende que a prática do futebol deve ser analisada quanto ao seu aspecto de agente que concorre com o processo educacional não-formal que se evidencia com mais ênfase na percepção das relações sociais por parte dos seus praticantes: o respeito a normas, ao trabalho em equipe e a importância da dedicação individual, entre outros valores. Diante disso, o autor afirma que “Se considerarmos a visão holística pela qual se deve considerar o todo, mais uma vez o futebol vem-se marcando como elemento efetivo para apoio e reforço do processo educacional” (p. 6). Nesse sentido, professores e educadores devem ter o cuidado de não exigirem das crianças tarefas e desempenhos acima de suas possibilidades, fatos que provocariam sentimentos de fracasso e inferioridade. Isso pode ser equacionado através do professor de educação física e da atividade física/desportiva, por meio do olhar clínico sobre as reais condições físicas do aluno, de onde é possível identificar o potencial e estabelecer os limites individuais ao aluno/atleta em qualquer atividade a que seja submetido. Agindo assim estará o educador contribuindo para sucesso e a elevação da auto-estima da criança e do jovem. Na busca de um modelo de ensino-aprendizagem que atenda os requisitos acima e corresponda às expectativas tanto de educadores quanto de alunos, faz-se necessário estar ainda atento para o que afirma Bielinski (s/d, p. 136) que “A educação é um processo que ocorre através de redes e estruturas sociais. Por meio dele repassa-se o conhecimento dominado pelo ser humano, de uma geração para outra”. 32 Em outras palavras, a educação é instrumento indispensável que toda a sociedade dele necessita para se desenvolver em todos os aspectos e, dessa forma, manter-se integrada e em plena interação diante do contexto social. Daí porque, a preocupação que vem de alguns setores da sociedade, entre eles das escolinhas de futebol, no sentido de contribuir para a melhoria do padrão de educação dos brasileiros. Oliveira (2006), utilizando a frase celebrizada por Noel Rosa em uma de suas imorredouras composições “Samba não se aprende na escola”, afirmou que ela foi transportada para o futebol, donde se criou a crença de que ninguém aprende a jogar futebol. De fato, durante muito tempo ficamos acostumados a ouvir que o jogador brasileiro já nasce craque e que em todo mundo ninguém jamais superaria o Brasil nesse esporte, porque era o melhor e seus atletas já nasciam com esse dom. Com o passar do tempo, e mais atualmente, percebe-se que isso não é verdade. A realidade tem mostrado que futebol é vontade de aprender e prática. A prova da aceitação por alguns da idéia de que craque já nasce feito, no Brasil está, segundo Oliveira (2006), no fato de que quando surge na Europa uma equipe de alto nível técnico, composta de jogadores de incontestável valor, por aqui muitos ficam sem entender como eles podem jogar tanta bola. Outra prova de que futebol é vontade de aprender e prática, pode ser tirada de um exemplo bem próximo de nós, o do futebol equatoriano, cujos clubes e a própria seleção serviram durante muito tempo, como se diz no jargão do futebol de “saco pancada” para clubes tradicionais da América do Sul, a exemplo de Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e outros do exterior, mas que recentemente conquistou com méritos e em pleno Maracanã o título de campeã da Copa Libertadores da América através da Liga Deportiva Universitária contra um clube tradicional do futebol brasileiro, o Fluminense, coisa que nunca havia acontecido antes. A façanha proporcionada pela LDU em pleno território brasileiro mostra que o futebol pode ser sim aprendido. E as escolinhas, mesmo com a crítica de alguns sobre a sua utilização para obtenção de lucro financeiro, ao nosso ver têm um papel fundamental nessa tarefa, já que, 33 como foi mostrado, além dos campinhos de várzea do interior, não resta outra alternativa de se formar novos atletas nas grandes cidades, senão através das escolinhas de futebol. A nossa larga experiência com as escolinhas nos permite afirmar que o futebol mundial cresceu e se desenvolveu contando com a ajuda de atletas brasileiros, a maioria formados em escolinhas, que saíram e saem daqui para servir como modelo para a prática deste esporte em várias partes do mundo, fator que vem provocando críticas por parte de alguns setores ligados ao esporte, de que os que comandam o nosso futebol nada fazem para repensar essa prática que vem sendo apontada como bastante maléfica para os destinos do futebol local. De acordo com Oliveira (2006), o desenvolvimento do futebol nos quatro continentes está relacionado às diferenças culturais que para ele: [...] determinam variantes na formação dos esportistas nas várias partes do mundo. Enquanto a miscigenação racial predomina em nosso meio e permite que apresentemos uma característica toda particular em várias expressões artísticas, como música, dança e futebol, do outro lado do Atlântico encontramos sociedades muito mais rígidas e organizadas que determinam um outro tipo de comportamento (OLIVEIRA, 2006, s/p). Não é por acaso que o futebol é o esporte mais popular do mundo. Pode-se observar que ele está espalhado pelos quatro continentes e em que pesem os contrastes político-sociais que abrangem estas sociedades, o futebol se coloca como algo acima de qualquer ideologia ou sistema político. Trata-se, como alguns especialistas afirmam, de um esporte coletivo, multidisciplinar, socializante e agonístico por excelência, que auxilia na maturação do caráter e da personalidade dos seus praticantes. Todos os grandes atletas passaram por várias fases de aprendizado, aperfeiçoando a técnica natural e assim puderam se tornar craques. Quem convive com o futebol no dia-a-dia sabe que para dominá-lo tem que ser um eterno aprendiz. Quem convive no dia-a-dia das escolinhas sabe que no futebol se estar sempre aprendendo coisas novas, seja uma tática, uma nova técnica, ou um novo recurso que acaba sendo incorporado e utilizado de forma a melhorar a postura, a disciplina e outros aspectos que fazem a diferença num puramente coletivo. 34 Daí a importância da afirmação de Oliveira (2006), que uma escola de futebol deve se fundamentar em uma filosofia prática, nos conceitos de pedagogia2 e da agonística3, através da didática orientada pelos sistemas cíclicos (em que a matéria do curso é vista pelo aluno de uma forma genérica e repetitiva, permitindo que os conhecimentos a qualquer momento estejam sendo estimulados) e evolutivos de formação e educação moral, social e esportiva do jovem atleta. Sendo assim, a prática do futebol deve ser vista como agente que concorre com o processo educacional não-formal, que se evidencia, com mais ênfase, no que se refere à percepção das relações sociais por parte dos seus praticantes: o respeito às normas, o trabalho em equipe, e a importância da dedicação individual, entre outros valores (BIELINSKI, s/d. p. 6). Uma prova da veracidade do que afirmam Oliveira e Bielinski, acima, pode ser observada na própria mudança de comportamento dos atletas adultos da atualidade, que visivelmente se preocupam bem mais com a sua formação moral e social e o respeito às normas, além de outros valores que, inclusive, são uma própria exigência dos médios e grandes clubes do mundo inteiro para contratá-los. Entre os que trabalham diariamente nas escolinhas, essa é uma prática comum, pois visa atender as próprias demandas da sociedade, em especial dos clubes de futebol, que exigem atletas disciplinados, cumpridores de suas obrigações, conscientes de seu papel e de sua condição de agente multiplicador de bom comportamento e, acima de tudo, exemplo de cidadão para as outras gerações. Por isso, Oliveira (2006) defende que a formação deve ser orientada por um currículo em que constem todos os elementos fundamentais e indispensáveis à prática do futebol, além de palestras sobre higiene, primeiros socorros, civismo, ética desportiva e muitos outros assuntos que poderão ser explorados em benefício do indivíduo-cidadão. É preciso 2 A Pedagogia é a ciência ou disciplina cujo objetivo é a reflexão, ordenação, a sistematização e a crítica do processo educativo (Wikipedia, 2008). 3 O caráter agonístico presente nas realizações atléticas imprime ainda maior dramaticidade e plasticidade ao espetáculo esportivo, embora no princípio a agonística fosse como um prolongamento das lutas dos heróis nos campos de batalha, uma vez que também no agón os que disputam fazem uso de vários artifícios bélicos, e, dependendo da contenda, expõem-se à morte, ainda que em tese a agonística não tenha por objetivo eliminar fisicamente o adversário (RUBIO, K, 2008). 35 fundamentar os treinamentos em métodos científicos de preparação física, técnica, tática, psicológica, orientados por um plano diário de trabalho, controlados e avaliados por meio de elementos individuais e coletivos e dosagem de trabalho pelo gráfico de esforço, tudo visando o bom rendimento dos instrumentos na pretensiosa aplicação desse trabalho. Sendo assim, no trabalho de formação do atleta, vários são os objetivos que deverão ser atingidos. Especificamente no futebol, citamos aqueles que consideramos de maior importância, tendo em vista a atual estrutura do esporte, praticado empiricamente pela maioria dos iniciantes e simpatizantes. A doutrinação amadora, um dos principais objetivos do esporte, deve ser feita desde o primeiro contato do jovem com o futebol. Ele deve ser conscientizado de que este, como qualquer outro esporte praticado sob uma orientação capacitada e honesta, só lhe trará benefícios físicos, morais e espirituais por longos anos de sua vida. Para Oliveira (2006), o futebol é antes de tudo um esporte amador e como tal deve ser praticado. A transformação em profissão deve vir com naturalidade, e: Jamais o atleta deverá abandonar seus estudos ou sua formação em outro ramo profissional pela ilusão do futebol como um meio de vida. Pode-se propor desenvolver todas as qualidades para um bom desempenho na prática e elevar o nível técnico de todos os alunos, mas jamais se deve afirmar que se tornarão atletas profissionais. Alguns se destacarão e se aproximarão dessa realidade. Nesse caso poderão ser encaminhados para estruturas mais desenvolvidas e adequadas para que dêem seus últimos passos em direção a esse objetivo. Acompanhar com proximidade a evolução técnica e tática e estimular a filosofia coletiva do nosso futuro futebolista o dotarão de um harmonioso desenvolvimento psicossomático. (OLIVEIRA, 2006, s/p). Além destes aspectos, há também que se discutir sobre a problemática da disciplina, que tanto tem preocupado pais e educadores em todo país. 2.4 Um olhar sobre a indisciplina na formação do atleta do futuro Antes de tratarmos da indisciplina, achamos necessário pesquisar sobre o significado da palavra disciplina, que é o oposto da primeira. Em sua etimologia disciplina significa "educar", "instruir", "aplicar" e "fundamentar princípios morais". Segundo Foucault, a disciplina estende-se a sociedade como um todo, distinguindo-se das formas tradicionais de dominação por não se utilizar da repressão brutal, nem de castigos espetaculares. Em outras 36 palavras, não exige dos indivíduos formas externas de obediência, serviços nem tarefas penosas, ela se dá através de um controle minucioso dos gestos, dos trajetos e do emprego do tempo. Na visão de Foucault (1977), a disciplina tem uma função política, pois permite controlar importantes massas humanas, graças à organização na qual estão circunscritas. A organização da escola e da disciplina escolar são também exemplos de ajuda a esse modelo. Porém, Foucault (1977, p. 153) destaca que “O sucesso do poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame”. Embora não se possa negar o uso dos instrumentos acima citados, em relação à função a qual se refere Foucault não parece ser essa a metodologia aplicada às escolinhas com as quais lidamos no dia-a-dia, já que no nosso entendimento, não existe uma função política, mas sim de aconselhamento sobre comportamentos ideais ou excedentes por parte dos atletas, que são requisitos para que estes adquiram uma conduta ideal - que é uma exigência atual de muitos clubes espalhados pelo mundo - para todos que desejem vestir suas camisas. Em outras palavras, no caso das escolinhas a que estamos vinculados não existe a pretensão de querer levar os atletas, por meio da disciplina, a qualquer tipo de dominação e/ou manipulação de qualquer natureza. E não havendo essa pretensão de se querer manipular politicamente os jovens, não se pode dizer que o uso da disciplina nas escolinhas tenha uma função política. Partindo da compreensão do significado de indisciplina, que é a "desobediência", a "confusão" ou "negação da ordem", podemos dizer então que esta é produto da falta de disciplina. Sendo assim, parece óbvio que onde não se tem disciplina há uma tendência de reinar a confusão, a desobediência às normas, a indisciplina. Mas como nós devemos analisar a questão da indisciplina na atualidade? Inicialmente devemos destacar que a problemática da indisciplina não está restrita apenas às salas de aula, mas a todo o conjunto da sociedade que está relacionado à obediência a padrão de convivência e hierarquia que tem como objetivo manter as pessoas atuando e agindo dentro de uma ordem social previamente estabelecida. 37 Dentro de uma organização social, a disciplina é usada de diversas formas para manter o controle das atividades, a obediência e o respeito à hierarquia pré-determinada. Um dos problemas mais graves decorrentes das questões disciplinares dentro de instituição escolar é indiscutivelmente a violência escolar que no nosso entender é reflexo dos problemas enfrentados pelas pessoas no seu cotidiano dentro das sociedades. Tornou-se algo “normal”, corriqueiro, hoje em dia, ligarmos o rádio ou televisão, abrirmos um jornal ou uma revista e nos dar de cara com a violência explícita. Os próprios meios de comunicação que, pelo menos a princípio, têm o dever de manter a população informada – o que se supõe incluir aí também notícias agradáveis, amenas, construtivas até acabaram por desenvolver uma “cultura da desgraça alheia”. “Notícia boa não vende”, parece ser uma regra disseminada entre todos, a tal ponto que desrespeitam a integridade moral e física das pessoas e chegam ao absurdo de criar programas que têm como prioridade trazer para dentro de nossas casas as barbaridades do ser humano –, ou seja, já que brigam, xingamse, batem-se, expõem-se em suas formas mais vis em todo canto de rua, e de graça, por que não fazer isso na televisão, em horário nobre, à frente de milhões de telespectadores, arriscando-se a ficar famoso(a) e a ganhar um punhado de reais? É a total e completa banalização da violência. Diante desse quadro, é possível afirmar que os professores não se sentem confortáveis em defender em suas aulas a justiça, a eqüidade, o respeito e a dignidade humana, se seus alunos vivem em um contexto social contraditório, pois são bombardeados com informações que mostram que a corrupção, o tráfico de influências e a impunidade são banais, notadamente, quando se referem aos denominados “crimes do colarinho branco”. Podemos até tentar explicar dizendo que violência sempre existiu, é da natureza humana. Quem é adepto da Teoria da Evolução das Espécies4 há de encontrar, pesquisando, exemplos “magníficos” de violência do homem contra o homem ainda na pré-história. Por outro lado, podemos tentar explicar, também, alegando à explosão demográfica, e êxodo rural, o inchamento das cidades, as desigualdades sociais, a má distribuição de renda, o 4 A teoria da evolução, também chamada evolucionismo, afirma que as espécies animais e vegetais, existentes na Terra, não são imutáveis. 38 desemprego. Afinal, em maior ou menor grau, esses e muitos outros aspectos são fatores que contribuem para a violência, explicando e até, muitas vezes, justificando-a e como desencargo de consciência, culpamos a sociedade. “É a sociedade!”, dizemos nós, mas não como uma forma de culparmos a todos nós, ou responsabilizarmos a todos nós por uma solução; é muito mais uma tentativa alienada de nos escondermos atrás de algo impessoal. É quase como se disséssemos: a minha parte eu faço: eu guardo o meu ouro, eu tranco a minha casa, o meu carro tem alarme, a minha rua tem vigia e dez mil cães a nos proteger, e eu ainda dou esmolas. O resto é com o governo. Ele que faça mais cadeias, que aprove a pena de morte etc. O nosso cinismo é tanto que chegamos ao ponto de ficar aliviados quando a televisão nos mostra o “tipico bandidão”: cabelos desgrenhados, olhos vermelhos, barba por fazer, negro, feio. É o famoso “cara de bandido”. Porém, quando o “bandidão” que entra pela nossa casa a dentro – através da televisão ou pessoalmente – não passa de uma criança, um menino de 12, 14 anos. E quando este menino é filho de um deputado ou juiz? Isso tem acontecido com uma freqüência espantosa, ultimamente, tanto nas ruas como nas escolas. São meninos espancando meninos, meninos esfaqueando meninos, meninos baleando meninos; meninos sendo assassinados por seus próprios colegas, pelos motivos mais fúteis. E os professores não estão livres deste terror. Excluindo as drogas, sobre as quais tratamos num capítulo do livro Futebol Também se Aprende na Escola, publicado em 2004, pela Edições CFT, acreditamos que as maiores violências sofridas pela escola e pelos seus integrantes são as internas, advindas, na sua grande maioria, do seu próprio corpo discente. São os alunos os principais promoventes de danos físicos e materiais na escola: carteiras são quebradas, paredes são pichadas, banheiros são depredados, meninos são feridos etc. E o que fazer diante desse vandalismo inaceitável? Vamos impor mais leis, punições mais rígidas, reprimir mais duramente, procurando adiar uma solução que se faz mais do que urgente com medidas apenas paliativas que, no final, servem somente para agravar ainda mais o problema? Ou vamos, de fato, tentar agir, compreender, envolvendo todos os segmentos e interessados – a sociedade, em suma – a fim de construir uma solução paliativa e duradoura? A violência, assim como o respeito às normas, tem uma dimensão individual e outra social que se intercruzam e devem ser consideradas. Para Foucault (1977, p. 52): 39 [...] a disciplina deve ser fundada na idéia de direito, e não no poder das normas. Mas isso depende dos próprios pedagogos. Depende da filosofia em que se inspira sua prática, da concepção de Estado e de educação sobre a qual se baseia sua prática. Daí, o interesse de uma filosofia crítica das ciências e das técnicas pedagógicas, que permita destacar os pontos de vista dos quais elas provêm e o uso que delas se faz. Tão importante quanto discutir as raízes históricas da problemática da relação entre disciplina e indisciplina na escola brasileira, é preciso compreender como se funda o respeito às regras do desenvolvimento de cada indivíduo. A construção do respeito a tais regras representa uma possibilidade de explicação dos motivos que levam crianças e adolescentes a desrespeitarem levianamente as normas de convívio social e “optarem” pela indisciplina, lembrando que isso pode perfeitamente desembocar no surgimento da violência. A questão básica que se discute em âmbito acadêmico principalmente é sobre quais os limites a ser impostos aos alunos e qual o papel da escola nessa relação. Imaginemos uma sociedade na qual cada pessoa agisse como bem lhe conviesse, ou seja, uma sociedade sem leis que regulamentassem a convivência mútua. Nessa sociedade, haveria sinais de trânsito, mas somente os respeitaria quem quisesse; haveria impostos, mas somente os pagaria quem sentisse vontade; haveria médicos, professores, motoristas, agricultores, ou seja, todo tipo de profissional, mas somente trabalhariam quando bem entendessem; haveria até mesmo um governo, representantes do povo, mas somente agiria como tal a seu bel-prazer. Uma sociedade como a demonstrada acima assim não sobreviveria, o caos a destruiria em pouco tempo. Dessa forma, compreendemos que para uma sociedade existir, desenvolverse, sobreviver, é necessário haver comportamentos determinados, normas, leis que a organizem e às quais todos estejam sujeitos. Nesse caso, quem foge à regra incorre em desobediência, em indisciplina. Dessa forma, constata-se que as regras são criadas para regularem a vida em sociedade e não permitirem que tudo vire uma anarquia como no exemplo mostrado acima. Em outras palavras, as regras, normas e leis existem para fazer com que a sociedade funcione de modo que todos possam usufruir dos bens construídos pelo próprio homem. 40 Embora ratificando o não uso da disciplina como função política, entendemos que fazse necessária a abordagem da disciplina na perspectiva das relações sociais, considerada por Foucault (1977) como fundamental nas relações de poder e de resistência. Diante desta visão, talvez esteja a explicação sobre a falta de bons resultados dos castigos aplicados repetidamente nos mesmos alunos, e às vezes, pelo mesmo professor, durante um, dois, três anos escolares. Por isso, para Foucault o poder da disciplina está na sua função maior de adestrar, que não é o nosso caso no trabalho com as escolinhas. A afirmação que a disciplina fabrica indivíduos pode ser correta, mas que tipo de indivíduo ele fabrica? Essa é questão que deve ser reparada, tendo em vista que nas escolinhas que coordenamos nós não pensamos em fabricar a disciplina, mas tratá-la de forma que os atletas possam dela tirar proveito para sua formação no futebol e na vida. Se para Foucault (1977), na essência de todos os sistemas disciplinares funciona sempre um mecanismo penal, no caso das escolinhas, essa função de penalizar fica em segundo plano, pois o que se procura é orientar o aluno para que possa escolher entre manter o bom comportamento e obter sucesso na profissão, ou agir de forma contrária e perder a oportunidade de poder realizar seu sonho. Esse mecanismo funciona como um repressor, através de toda uma micropenalidade do tempo (atrasos, ausências, interrupção de tarefas), da atividade (desatenção, etc.), da maneira de ser (grosseria), dos discursos (tagarelice), do corpo e da sexualidade. A título de punição são utilizados processos sutis que vão do castigo físico leve a ligeiras e pequenas humilhações. Para Foucault (1977), a punição é tudo aquilo que é capaz de fazer as crianças sentirem a falta que cometeram, de humilhá-las e de confundi-las. Os castigos físicos, para ele, têm a função de reduzir os desvios, sendo essencialmente atos corretivos que visam sempre à restauração da ordem. Contudo, a maneira como se faz esta restauração depende da estratégia de poder dominante em uma determinada época. Foucault chama de poder disciplinar a estratégia predominante de poder da modernidade. Na modernidade, o poder disciplinar é caracterizado pela não corporeidade da pena. 41 Na modernidade, o corpo não é mais castigado publicamente de forma direta. Como a liberdade é o seu valor máximo, retirá-la tornou-se a punição mais utilizada e isso não se pode negar. No entanto, é preciso levar em conta que nem todas as instituições estão obrigadas a utilizar esse tipo de punição, ainda que ela seja imposta pelas relações de poder, o que nos leva afirmar que dependendo do tipo de comportamento expressado pelo indivíduo, ela pode ou não ser utilizada. Na escola, a palmatória foi substituída por castigos que limitam os movimentos e impedem a comunicação com os outros. O objeto da punição é o da reeducação do indivíduo. É por isso que a disciplina traz consigo uma maneira específica de punir e sua especificidade está em produzir docilidade e eficiência, servindo-se da domesticação e moralização. A se admitir essa afirmação, parece que estamos negando os novos paradigmas que regem a sociedade atual em construção que coloca como elemento principal o diálogo para resolução dos problemas, dos menores aos mais graves. Se ainda hoje se constata que os castigos continuam sendo incentivados e aplicados nas escolas, e os diretores, supervisores, professores e alunos se mostram convencidos de que “o castigo é bom porque faz aprender”, é porque o conceito de educação que os orienta impõe-se na sociedade atual. Porém, deve-se observar que há, nas últimas décadas, uma forte orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais e outras novas, de se buscar o diálogo e banir de uma vez por todas o castigo das escolas. A razão para a orientação acima, pode estar no fato de que quanto mais rígida e severa for a construção dos pilares da disciplina, na infância e durante a formação escolar, tanto maior será a exigência com relação a mesma e maiores as dificuldades em adequar as ações disciplinares ao momento em que a criança vive. Nesse sentido, mais do que esperar a transformação das famílias ou de lamentar a falta de limites nos dias atuais, é necessário que o professor faça uma análise dos fatores responsáveis pela indisciplina na escola. Por isso, é nessa linha que o estudo da disciplina e do disciplinamento escolar, a partir dos habitus, pode ser considerado uma alternativa interessante, porque pode contribuir para uma redefinição dos conceitos e representações que o professor possui sobre essa questão. Certamente, a partir dessa visão, suas apreciações e percepções sobre a disciplina e o disciplinamento poderão ser mais adequadas ao momento atual e às crianças, principalmente, 42 que precisam aprender que a ordem, o respeito, a responsabilidade, a cooperação são valores inerentes à disciplina. No ambiente escolar, a prática pedagógica dos professores deve dar condições para que as crianças interiorizem esses valores, não devido ao receio de ameaças e punições, mas através de ações que lhes possibilitem discutir e entender que as regras que fazem parte da nossa cultura são importantes quando se pensa numa sociedade mais justa e solidária. Além da brincadeira e de outras formas de entretenimento que a escola atual vem utilizando como recurso pedagógico, a prática esportiva paralela ao ensino regular é outra atividade que tem ganhado destaque no apoio a atividade docente. As escolinhas de futebol, dentro e fora do ambiente escolar, têm dado uma contribuição muito salutar ao ensino e ao futuro de muitos jovens carentes moradores, na sua maioria, da periferia das grandes e médias cidades brasileiras. Essa constatação não é à toa, pois segundo Scaglia apud Araújo e Didonê (2006, s/p), “A escola foi a primeira instituição a perceber que o futebol tem uma ordem e uma disciplina peculiares. Por isso, sua prática contribui para a formação do cidadão". O jogo serve de justificativa para muitas situações que ocorrem no dia-a-dia do ser humano, e segundo Florezano apud Araújo e Didonê (2006, s/p) a ética, tema transversal importantíssimo, é o tópico mais apropriado a ser discutido. Segundo este autor, basta lembrar que o primeiro passo é acatar as regras. Craques como Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Ronaldo e Robinho somam o talento pessoal e a dedicação a uma postura de companheirismo com relação aos outros membros de equipe, sem jamais humilhar ou agredir os adversários. Os atletas também devotam enorme respeito aos técnicos, tanto que costumam chamá-los de professor! Nos estádios, por outro lado, têm aflorado traços nada nobres do comportamento humano, como o racismo e a xenofobia (nas arquibancadas da Europa, torcedores já foram flagrados imitando sons de macacos e fazendo saudações fascistas, entre outras barbaridades). Nesse sentido, Streapco apud Araújo e Didonê (2006), observa que é saudável ressaltar em sala de aula a importância e o talento de atletas negros, como Leônidas da Silva, 43 o Diamante Negro; Didi, o inventor da folha-seca; Garrincha, o Anjo das Pernas Tortas; e Pelé, eleito atleta do século XX e aclamado por todos como simplesmente o Rei. Nas últimas décadas, diversas áreas do conhecimento desenvolveram estudos para esquadrinhar a paixão do brasileiro por futebol e desvendar como ele ajuda a explicar nossa identidade como nação. No Brasil, grande parte desses jovens sonha em ser jogador de futebol e ganhar o mundo para, através dele, mudarem a sua história de vida e de sua família muitas vezes sofrida. Nesse sentido, o papel das escolinhas de futebol tem sido de grande contribuição, pois no momento em que, esta associa a prática futebolística (principal alvo para realização do sonho de muitos jovens), à sua dedicação e a sua boa participação nas atividades da escola, ela está fazendo com que estes jovens tenham o estudo como uma das ferramentas necessárias para o seu sucesso futuro, seja como atleta de futebol ou um profissional de outra área, já que com o estudo ele terá uma chance a mais em relação à carreira de jogador de futebol que, como nós sabemos, que é muita curta. Para isso, concordamos com Foucault (1977) quando ele afirma que o que importa é estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis, interromper as outras, pode a cada instante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, mediar as qualidades ou os méritos. Com base nessa afirmação, entendemos que a escolinha de futebol é um dos espaços em que nós, enquanto professores, podemos fazer isso sem necessariamente o aluno/atleta estar preso às paredes da escola. Além disso, outra grande vantagem que a escolinha de futebol pode dar no apoio a atividade escolar, é o fato de poder oferecer a criança uma disciplina a céu aberto, tendo em vista que muitas delas utilizam campos de várzea para suas atividades, diferentemente das escolas tradicionais que se utilizam de um ambiente fechado e, teoricamente, mais rígido no sentido disciplinar. Tal constatação nos leva a refletir, que quando o aluno/atleta está em contato com a natureza, tem a liberdade e se sente livre das paredes que cercam muitas instituições de ensino, eles tendem a ter um melhor desempenho e se comportarem de maneira mais disciplinada, ao ponto até de procurarem exercer outras atividades, como a estudantil, sem transformar isso num transtorno ou algo descartável, como ainda ocorre nos dias atuais. Isso porque, mais do 44 que nunca o jovem sabe que estudar e ser um aluno exemplar são condições básicas que boa parte das escolinhas de futebol exige para que estes participem de seus quadros. Em outro sentido e como já foi dito antes, a carreira de jogador de futebol é muito curta, e o mercado de trabalho como em qualquer outra profissão está cada vez mais competitivo devido à revelação de muitos talentos precoces, no Brasil, que são exportados para o futebol europeu. Por estas razões, a formação técnica do profissional é um elemento valorizado pelos clubes e pelos próprios profissionais. Aliado a isso, há a necessidade de incorporação de uma disciplina que possa extrapolar a formação meramente técnica do jogador de futebol, torna-se evidente. Isso ocorre porque se sabe que um jogador com conduta reprovável durante os treinamentos e na sua relação com a sociedade acaba por tornar-se um exemplo negativo prejudicando sua própria imagem, a do clube, patrocinadores etc. Conseqüentemente esse jogador não terá mais espaço no mercado, seu passe será desvalorizado, este fica estigmatizado e acaba ficando à margem. Um exemplo disso pode ser dado no trabalho que se desenvolve hoje nos grandes clubes que tem buscado dar contar dessa demanda, isto é, procurando dar suporte ao atleta desde a sua formação nas categorias de base até a categoria profissional, no que se refere tanto a dimensão técnica quanto cidadã. Normalmente, através do trabalho de uma equipe interdisciplinar, busca-se contribuir para que o jogador seja um atleta consciente de seus atos, de seus direitos e deveres, de sua função para e com a sociedade. Nesse sentido, entendemos que se faz necessário uma prática interventiva e libertadora durante o processo de formação do jogador. Esse processo deve-se iniciar nas categorias de base e potencializar-se na categoria profissional para que o jogador passe de uma atitude limitada pelos padrões de rigidez para atitudes mais conscientes principalmente do seu papel na sociedade e no exercício de sua cidadania. Por esse motivo, é importante que seja trabalhada durante esse processo a formação de um profissional cidadão. Diante disso, os clubes de futebol têm uma função muito importante sobre as questões de poder, controle e formação de seus jogadores que, por outro lado, são formadores de opinião e influenciam centenas de jovens que acabam se tornando seus ídolos. Sendo assim, o 45 conceito de formação e sua abrangência saem da visão micro – (sujeito), para uma visão macro que abrangem as relações do sujeito com a sociedade. Nessa perspectiva, a formação designa as qualidades sociais que a escola e outros modos de socialização dominantes, na sociedade industrial, instauram em seus indivíduos, ao mesmo tempo que desenvolvem competências específicas. Diante disso, fica evidente que todo o processo de formação, na atualidade, precisa considerar a disciplina e a dimensão da cidadania, principalmente porque o processo de formação é constante e permanente assim como o exercício da cidadania deve ser contínuo. Assim, podemos entender a formação, em sua amplitude, como um instrumento capaz de transformar a sociedade e também como um processo de democratização das relações sociais de trabalho e, conseqüentemente na sociedade, na medida em que os sujeitos em formação vão exercendo sua cidadania. Entendendo-se por exercício da cidadania ter direitos civis, políticos e sociais, coisa que, nos últimos anos, tem sido bastante discutida no âmbito político e em instituições como a escola e outras entidades. 46 CAPÍTULO 3 – A IMPORTÂNCIA DAS ESCOLINHAS DE FUTEBOL NA VISÃO DE ATLETAS E EX-ATLETAS DE CAMPINA GRANDE – PB Os depoimentos de 20 atletas e ex-atletas de futebol profissional que passaram por algumas escolinhas de futebol de Campina Grande, foram de fundamental importância para ratificar vários aspectos relatados no decorrer do Referencial Teórico, contribuindo, assim, para a realização de uma análise mais detalhada acerca da importância das escolinhas na formação dos jovens atletas aprendizes do futebol. A primeira questão analisada, representada respectivamente pelos gráficos 1 e 2, teve como item abordado à idade dos atletas, e os clubes em que atuaram ou atuam com respectivo País de origem. Como se verá a seguir, a maior parte dos alunos das escolinhas tem idade entre 15 e 25 anos, e a maioria deles atuam em equipes do futebol brasileiro. Sobre isso, cabe ressaltar que o contato com os atletas e ex-atletas de futebol participantes da pesquisa foi realizado através de telefone, por e-mail e/ou pessoalmente. Gráfico 1 – Idade dos atletas entrevistados 10% 40% Fonte: Elaboração própria 50% 15 a 25a 26 a 35a 36 a 40a 47 Para se ter uma idéia da faixa etária de idade dos atletas e a origem do clube em que atuaram ou atuam atualmente, inicialmente o gráfico 01 mostra que dos 20 entrevistados, 10 ou 50% têm idade entre 15 a 25 anos de idade, 08 ou 40% têm de 26 a 35 anos, e apenas 02 ou 10% estão na faixa etária entre 36 a 40 anos. Dentre os ex-atletas entrevistados que passaram pelas escolinhas e conseguiram se destacar no futebol nacional e internacional, estão Suélio Lacerda, atualmente técnico de futebol, Celso Fio que atuou durante muitos anos na Suiça, além de Glauber Gomes, Marcelinho Paraíba e Fábio Bilica ainda em atuação por equipes do Brasil e da Europa. Figura 1 - Suélio Lacerda bicampeão pelo São Paulo Futebol Clube Fonte: Arquivo próprio. Suélio Lacerda, 40 anos de idade, atualmente técnico de futebol, iniciou sua carreira esportiva em nossas escolinhas, saindo depois para atuar em equipes como o Campinense Clube – PB, Matsubara – PR, Puebla – México, Ponte Preta – SP, Botafogo – RJ, Bahia – BA, tendo conseguido grande destaque a ponto de ser contratado para o São Paulo, onde acabou se sagrando bicampeão do Mundo, em 1993. 48 Como produto das escolinhas locais, na década de 90, Suélio atuou no meio-de-campo do São Paulo ao lado de estrelas com Raí, Muller, Macedo, Elivelton, Cafu, Antonio Carlos entre outros. Na época, ele foi comandado pelo técnico Telê Santana e, em 1991, conquistou dois títulos: o Campeonato Paulista e o Brasileiro. Porém, o maior de todos os títulos foi o de campeão do mundo pelo São Paulo, em Tóquio, Japão. Figura 2 - Celso Fio jogando na Suíça Fonte: Arquivo próprio. Celso Fio foi outro atleta que se destacou no cenário internacional. Tendo iniciado sua carreira nas nossas escolinhas, este atleta atuou em diversos clubes do Brasil e da Europa, mais precisamente da Suíça, onde acabou se naturalizando. Na suíça Fio, como era mais conhecido, jogou por quase uma década por clubes como o Sion, o Etóile-Carouge e o Cervete, onde foi campeão por várias vezes, encerrando sua carreira no ano de 1994. 49 Figura 3 - Marcelinho Paraíba no Flamengo Fonte: Arquivo próprio. Seguindo os passos de Suélio e Celso Fio, outro que goza de grande destaque no futebol nacional é o atleta Marcelinho Paraíba, atualmente jogando no Clube de Regatas Flamengo. Também revelado pelas escolinhas de base, esse atleta foi mais longe chegando a vestir a camisa da Seleção Brasileira, o que foi motivo de muito orgulho para os paraibanos, que depois de Mazinho, ex-lateral esquerdo que defendeu a Seleção nas copas de 88 e 92, não via um atleta local defender o selecionado nacional. Jogando no circuito internacional, mais especificamente por equipes do futebol alemão, Marcelinho conseguiu a consagração que muitos atletas que freqüentam as escolinhas desejam. Consagração essa que acabou lhe rendendo até um convite para participar de um filme realizado pela cineasta carioca Ana Azevedo, que em fevereiro de 2005, foi selecionada para 50 participar do “Talent Campus Festival de Berlim”, optando por rodar um filme sobre o futebol com o qual concorreria às premiações do certame em 2006. Declaradamente amante do futebol, Segundo o Jornal A Palavra (2005), Ana Azevedo passou a pesquisar sobre a prática desse esporte na capital alemã e para sua grata surpresa, logo percebeu que seria impossível dissociar a figura de Marcelinho Paraíba do futebol jogado na Alemanha. Recentemente, através de uma negociação feita com o seu ex-clube, o Wolfsburg, Marcelinho Paraíba retornou ao Brasil, desta feita para defender as cores do Clube de Regatas Flamengo, considerado um dos clubes mais tradicionais do País, onde vem se destacando como um dos seus principais jogadores. Além de Marcelinho Paraíba, outro que também é fruto das escolinhas de futebol locais e que conseguiu se destacar no cenário nacional e ainda atua no futebol internacional é o atleta Fabio Bilica (Figura 4). 51 Figura 4 - Fábio Bílica na seleção brasileira Fonte: Arquivo próprio. Depois de passar por diversas escolinhas de futebol, em Campina Grande – PB, o atleta seguiu para a Bahia, onde foi revelado para o mundo pelo Esporte Clube Vitória. Do Vitória, Bílica, como é mais conhecido, foi negociado para o Venezia, da Itália, onde conseguiu grande destaque, sendo por isso convocado para a Seleção Brasileira, onde atuou na Copa do Mundo de Sidney, nos Estados Unidos. Depois de atuar por equipes da Romênia e França, Bilica atualmente está jogando no futebol turco. No entanto, informações veiculadas pela mídia nacional dão conta de que Bilica vem sendo pretendido por alguns clubes do Brasil, o que poderá trazê-lo de volta para atuar no País. 52 Assim como os atletas apontados acima, outros que estão em evidência na atualidade jogando pelo Brasil afora e/ou no exterior, são: Túlio Show, do Botafogo – RJ; Glauber Gomes, do Desportivo Santa Clara de Portugal; Givanildo Hulk, considerado atualmente a maior estrela do futebol japonês, sendo inclusive pretendido, já há algum tempo, pelo São Paulo Futebol Clube; Raniere, que atua pelo futebol espanhol e já defendeu as cores do Treze Futebol Clube, de Campina Grande; Luciano Paraíba, que já atuou em Cingapura e atualmente joga pelo Campinense Clube. Gráfico 2 - Origem dos clubes em que os atletas atuam 30% Europa e Ásia Brasil 70% Fonte: Elaboração própria. O gráfico 02 revela que dos 20 atletas consultados, 14 ou 70% atuaram ou atuam em clubes brasileiros. Enquanto 06 ou 30% jogam atualmente em clubes do continente Europeu e Asiático. Os resultados revelam vários aspectos observados no âmbito das escolinhas que fazem parte do trabalho sócioeducacional que vem sendo realizado pelo autor desse estudo, há trinta anos, em Campina Grande e cidades circunvizinhas, das quais muitos dos atletas que participaram da entrevista já vivenciaram algumas experiências aqui mencionadas, quando de lá saíram para ganhar o mundo. 53 Um destes aspectos refere-se à contribuição que as escolinhas oferecem à preparação e conscientização dos jovens atletas, no sentido de fazerem com que eles possam conquistar o espaço tão desejado no futebol, procurando se manterem alertas quantos aos desafios que irão encontrar em sua vida pessoal e profissional, principalmente com relação às drogas, o álcool e outros vícios, além da falta de disciplina e da violência que têm comprometido a carreira de muitos atletas pelo mundo afora. Contribuição essa, oriunda da orientação sócioeducacional e psicológica que os alunos iniciantes na prática futebolística desfrutam nas escolinhas, como mostra a figura 5. Figura 5 - Orientação sobre comportamento dos atletas dentro e fora de campo Fonte: Arquivo próprio. Uma das críticas que mais se ouve, hoje em dia, é em relação à precocidade com que os jogadores brasileiros andam deixando o País para jogar em clubes pelo mundo afora. Sobre isso, especialistas e técnicos de futebol, a exemplo de Vanderley Luxemburgo, atualmente treinador da Sociedade Desportiva Palmeiras, afirmam que o surgimento de craques no futebol brasileiro tem se tornado algo cada vez mais raro, devido ao êxodo precoce verificado nos últimos anos. Tal afirmação de Luxemburgo reflete no que afirmou Perón (2006, s/p), que não existia à época nenhum grande craque atuando no Brasil, fato que se confirma atualmente. 54 A grande preocupação de todos que militam no futebol é que estamos revelando e vendendo muitos jogadores (alguns de qualidade duvidosa), mas a maioria de boa qualidade técnica que vai cedo para a Europa. Esta é uma das razões que muitos especialistas apontam para que o aparecimento de craque mesmo esteja ficando cada vez mais raro. Se pararmos para pensar, desde a conquista da Copa 2002, só Robinho foi revelado craque realmente. Enquanto desde o início deste século, apenas Kaká faz parte da lista. O reflexo dessa falta de revelação no futebol brasileiro está na Seleção Brasileira. Pode não parecer, mas sem muitas opções, Parreira teve de usar Cafu e Roberto Carlos, que já têm mais de dez anos como titulares absolutos da Seleção que disputou a Copa de 2006. Segundo Perón (2006, p. 1): A situação atual pode ser comparada com o início do declínio do futebol uruguaio. Bicampeão da Copa do Mundo, o país teve no final da década de 1970 e início 1980 um êxodo monstruosos de jogadores, que começaram a sair do país cada vez mais jovens, e o futebol do Uruguai deixou de ser uma potência, para ser uma seleção que luta para conseguir vagas em Mundiais de futebol. É lógico que nossa população é quase 60 vezes maior que a do país vizinho e a nossa extensão territorial é infinitamente maior, mas o exemplo uruguaio deve servir de alerta ao nosso futebol. Perón (2006) aponta vários motivos para a falta da formação de craques no nosso futebol. A primeira razão está na exportação cada vez mais cedo dos nossos jogadores para o exterior, o que representa um perigo muito grande para a carreira destes, pois a maioria dos jovens que vão para o Velho Continente cedo fracassa não por não jogar futebol, mas sim por não ter experiência ou maturidade para viver longe do Brasil. Apesar dessa constatação, sabe-se que não há estimativa de quantos atletas o Brasil vem perdendo e vai continuar a perder nesta situação. Sem deixar de citar os que são enganados por empresários e são obrigados a viver em situação precária na Europa, sendo na volta obrigados a parar de jogar. Em relação a isso, Perón (2006) cita o caso de Nilmar, revelado pelo Internacional do Rio Grande do Sul. “Ele é o típico jogador que tem potencial, mas foi muito cedo para a 55 Europa. Se não fosse o retorno ao Corinthians, sua carreira sofreria, após o seu mau desempenho no Lyon, um sério risco de ser prejudicada, ou interrompida”. Em outras palavras, afirma-se que se não fosse sua volta ao Brasil, ele poderia jogar em times de segunda linha da Europa. Além disso, há também outra versão que revela que: São muitos os pais que pagam para que seus filhos, mesmo pernas-de-pau, sejam aprovados, em detrimento de muitos futuros craques. A denúncia do goleiro Félix, campeão do mundo em 70, no México, define muito bem porque não há mais jovens craques, salvo raríssimas exceções, tais como o meia Kaká, do São Paulo. "Eles (treinadores) recebem dinheiro dos pais para que os filhos sejam aprovados ou entrem no time. Às vezes, um menino tem potencial, mas, se não pagar, fica de fora. Infelizmente, é assim que funciona. Os dirigentes não tomam nenhuma atitude. Simplesmente se omitem. E aí tudo se agrava, pois o problema acaba se tornando um dos maiores motivos para a falta de renovação no futebol. Nem sempre os melhores conseguem espaço, prejudicando os mais pobres, de onde saem os maiores talentos. O resultado é o futebol se afundando cada vez mais, não só pela corrupção e bagunça, mas também pela presença de jogadores inexpressivos na maioria dos próprios grandes clubes". (CARVALHO, 2002, p. 5) Não se trata de impedir que os atletas sigam para a Europa e ganhem dinheiro, mas está na hora de dirigentes e empresários pensarem na carreira dos seus jogadores. Seria muito mais vantajoso que os jogadores ficassem mais tempo no Brasil, ganhassem experiência e maturidade e aí fossem para a Europa. Além de terem mais chances de fazer sucesso na Europa, eles poderiam ser vendidos por quantias mais elevadas (PERON, 2006, p. 1). Pensando nisso, quase que semanalmente se ouve nos comentários de rádio e TVs os comentaristas defendendo alguma posição da Confederação Brasileira de Futebol – CBF, no sentido de tentarem criar mecanismos que impeçam que jovens talentos brasileiros sejam exportados desde cedo, sem o treinamento e a qualificação necessária para vários clubes espalhados pelo mundo. De acordo com Perón (2006), outro fator que inibe o surgimento de novos craques é a decadência das divisões de base de alguns times que sempre foram celeiros de jogadores. Para ele, os clubes deixaram de lado a formação de atletas para se tornarem casa de jogadores de empresário. Sem falar no final de futebol de várzea, que era uma grande escola, onde os jovens aprendiam muito de futebol. Diante disso, este autor afirma que “[...] ainda seremos 56 por muito tempo o País do futebol, mas já está na hora de se tomar alguma providência, pois neste ritmo, em menos 30 anos, não seremos os melhores do mundo”. Outra razão para isso pode estar na acusação que alguns setores ligados ao futebol fazem de que o futebol arte está acabando. Desde que alguns treinadores decidiram trocar o futebol arte, rico em jogadas espetaculares e dribles desconcertantes que deixava qualquer torcedor extasiado, pelo modelo europeu baseado na objetividade aliado à velocidade, que muitos especialistas vêem como burocrático e sem muita graça, é que o nosso futebol foi decaindo até chegar ao que é hoje: apenas o futebol como é praticado no resto do mundo. Também tem sido bastante criticada por alguns analistas a falta de retorno financeiro para o País com as transferências de jogadores para o exterior. Essa constatação pode ser tirada da experiência com atletas locais que são revelados nas escolinhas daqui e negociados para a Europa e outros continentes, com contratos com valores irrisórios que na maioria das vezes não dão um retorno satisfatório para o Brasil. De acordo com Nery (2007), apesar de o futebol brasileiro ter exportado, no primeiro semestre de 2007, quase 600 jogadores, o volume de dólares que entrou no país entre janeiro e junho com a transferência de atletas para o exterior não chegou a US$ 50 milhões, segundo o Banco Central. Na opinião de Alves apud Nery (2007, s/p), “O aumento das transferências não se reflete em dividendos para os clubes, porque "a maioria dos jogadores que saem atualmente são muito jovens e muitas vezes não têm nenhum valor comercial". Para Alves, os clubes estrangeiros estão apostando cada vez mais nos adolescentes, com baixo valor comercial. Além disso, diz o autor “[...]muita gente sai sem vínculo com clubes e vai para times muito pequenos, de Países do segundo e terceiro escalões". Só para se ter uma idéia, Nery (2007) informa que nos seis primeiros meses de 2007, a exportação de atletas para o exterior rendeu US$ 49,8 milhões para os clubes brasileiros. Na média, cada jogador deixou o País para atuar em times estrangeiros por um valor de aproximadamente US$ 8,3 mil. Segundo este autor, o valor médio destas transferências está bem abaixo do registrado nos dois últimos anos. 57 Em 2005, por exemplo, 804 jogadores deixaram o Brasil para jogar no exterior, o que rendeu US$ 159,2 milhões (US$ 19,8 mil por atleta). Enquanto eu em 2006, 851 atletas se transferiram para clubes de 86 Países, incluindo alguns, como Líbia, Uzbequistão, Ilhas Faroe, Chipre, Vietnã, Tailândia, com pouca tradição. As vendas renderam, segundo o Banco Central, US$ 131 milhões (valor médio de US$ 15,4 mil). Diante destes números que, como se vê, crescem a cada ano, o que mais impressiona é a falta de ação das autoridades, e principalmente dos que fazem o futebol brasileiro que parecem assistir a tudo de camarote, como se isso não tivesse tanta importância para o País. Não há, no Brasil, nenhuma legislação que proteja as equipes. “Os jogadores terminam os contratos e vão embora. Não representam nenhum ganho para os nossos clubes”. A razão para essa distorção é a Lei Pelé, que acabou, em 2001, com a chamada Lei do Passe, que mantinha os jogadores presos aos clubes, transformando-a no que é hoje, um vínculo de contrato, e eles (jogadores) só esperam terminar para irem embora" (KOFF apud NERY, 2007). Parece inegável que houve um certo prejuízo para o futebol brasileiro com a Lei Pelé, já sem o passe preso às equipes muitos atletas adquiriram o direito de ir para o clube que quisessem, ficando assim mais expostos aos olheiros que mais tarde se transformariam em empresários. Por outro lado, será que não faltou também das autoridades um estudo mais aprofundado sobre a referida lei, no sentido de vislumbrar os efeitos que alguns de seus dispositivos provocariam em nosso futebol e a partir daí tomarem uma providência que pudesse coibir o êxodo anunciado? O fato é que: “Esse problema do êxodo de jogadores brasileiros para o futebol internacional é um fato real. Na década de 80, só deixavam o País os atletas consagrados, mas, a partir de 2000, começou o êxodo mesmo de jogadores desconhecidos e jovens”, (KOFF apud NERY (2007, s/p). Atualmente impressiona a quantidade de jogadores brasileiros que vão e vêm do futebol pelo mundo afora, o que ratifica as constatações e a preocupação de Perón e Alves em relação às transferências e que pouco resultado tem dado ao Brasil, a não ser um prejuízo incalculável, se levarmos em consideração que estas negociações não trazem quase nenhum 58 retorno financeiro para o País, e o que é pior: têm comprometido o surgimento de novos talentos na velocidade como ocorria há algumas décadas atrás. De acordo com Nery (2007, s/p), dados da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), mostram que o primeiro semestre de 2007 quebrou o recorde de transferências para o exterior. Segundo a CBF, o maior êxodo de atletas aconteceu em 2003, quando 858 deixaram o País para jogar em clubes estrangeiros. Em 2003, a exportação de atletas rendeu ao país US$ 72,8 milhões. Após o fim do passe no futebol brasileiro em 2001, o menor volume de dólares registrado com a transferência de atletas aconteceu em 2002, com apenas US$ 66,6 milhões (665 jogadores). (NERY, 2007, s/p) Como se percebe, trata-se de um negócio bastante lucrativo que aparentemente dá a impressão que envolve mais o interesse financeiro, tanto de atletas como de clubes e empresários, do que a preocupação com a difusão do futebol brasileiro no exterior. Figura 6 - Robinho e Ronaldinho Fonte: Portal Terra, 2006. Figura 7 – Meia Kaká do Millan, Itália Fonte: Reuters/G1 (2007). 59 Diante disso, Nery (2007) informa que poucos foram os clubes brasileiros que obtiveram bons lucros em transações de atletas para o exterior. Segundo ele, em 1998, o São Paulo recebeu do Bétis (ESP) US$ 32 milhões pelo atacante Denílson, e em 2005, o Real Madrid (ESP) desembolsou US$ 30 milhões para tirar o atacante Robinho do Santos. Mesmo jogadores de ponta como Kaká, afirma este autor, “[...]foram negociados por valores abaixo do valor de mercado. Em 2003, o Milan (Itália) contratou do São Paulo o meia-atacante por US$ 8,25 milhões, valor considerado baixo pelos próprios dirigentes milanistas”. Se atletas de ponta do futebol brasileiro são negociados por valores bem abaixo do valor mercado, como afirma Nery, por aí dá para se ter uma idéia do valor que os outros que não são de ponta são negociados com a maioria dos clubes estrangeiros. Um fato que comprova as palavras de Nery, é que: “[...] após a contratação de Kaká, que se tornou em pouco tempo um dos principais jogadores do clube italiano, o presidente do Milan e ex-primeiro-ministro da Itália, Sílvio Berlusconi, disse: "Foi a maior contratação da história do Milan. E a preço de banana”. Diante do exposto, cabe entre nós uma reflexão sobre como deve ser voltado o papel das escolinhas diante da falta de craques mencionada pelos autores acima, e a enorme demanda do futebol mundial pelos atletas brasileiros que partem cada vez mais cedo em busca da sobrevivência no exterior. No caso específico dos atletas participantes desta pesquisa, a maioria com passagem pelas escolinhas de futebol sob o nosso comando, pode-se ter claramente a constatação do que afirmam os autores acima, acerca da saída cada vez mais cedo de jovens atletas brasileiros para jogar em gramados internacionais, como é o caso dos aqui entrevistados que atualmente atuam em equipes da Europa e da Ásia e certamente já viveram as experiências como as relatadas por Perón (2006) e Nery (2007), respectivamente, fato que se poderá comprovar com mais clareza de detalhes no decorrer das questões tratadas na entrevista. 60 Gráfico 3 - A importância da escolinha na vida dos atletas Boa formação de base 15% Educação e formação cidadã 5% 40% 10% 10% Bom comportamento e disciplina Aprendizagem dos fundamentos do futebol 20% Formação profissional e do caráter Combate às drogas e a exclusão social Fonte: Elaboração própria. Na questão acima, quando perguntados sobre a importância de futebol em suas vidas, os atletas apontaram alguns aspectos que justificam essa relevância, a saber: a) boa formação de base; b) educação e formação cidadã; c) bom comportamento e disciplina; d) aprendizagem dos fundamentos do futebol; e) a formação profissional e do caráter; f) combate às drogas e a exclusão social. De acordo com o gráfico 03, com base na afirmação dos atletas, 40% deles afirmaram que o futebol foi de grande relevância para a formação de base, 20% apontaram a educação e a formação cidadã, 10% destacaram o bom comportamento e a disciplina, outros 10% responderam a aprendizagem dos fundamentos do futebol, 15% a formação profissional e do caráter e, por fim, 5% atribuíram a importância das escolinhas no combate as drogas e a exclusão social. Como se percebe, a partir dos dados das entrevistas, a maioria dos atletas atribui a importância das escolinhas para a formação de base e aprendizagem dos fundamentos do futebol. Porém, somados todos os outros aspectos destacados pelos entrevistados, pode-se 61 observar que essa importância divide espaço com os aspectos sociais, comportamentais e do caráter humano, o que ratifica a contribuição a que alguns especialistas se referem em relação ao papel das escolinhas de futebol na orientação e formação dos jovens atletas, a exemplo de Valentin e Coelho (2005, p. 1) que afirmam: [...] o futebol tem se mostrado um fenômeno de grande relevância sociocultural e é, também, amplamente vivenciado pelo brasileiro em seu cotidiano e ressignificado a partir de sua institucionalização e de sua apropriação pelos diversos grupos sociais. Seja ditado pela competição racionalizada, seja impregnado pelo sentimento lúdico, seja utilizado pelo Estado ou atuando na coesão social, podemos dizer que o futebol desempenha um papel central na nossa cultura. Quando se trata da formação do atleta, deve-se atentar para o fato de que aqui não se está querendo dizer que a escola de futebol substitui a escola regular, não. O papel desempenhado pelas escolinhas é de oferecer um apoio orientacional, no sentido de tentar incutir nos jovens em fase de aprendizagem padrões de condutas essenciais ao seu desenvolvimento como pessoa humana, principalmente, e como futuro atleta profissional, tendo em vista que os clubes atuais cada vez mais estão preocupados com um tipo de atleta com conduta exemplar em todos os sentidos. Por outro lado, Melo (2004) afirma que a importância de se estudar o desenvolvimento motor aplicado aos diferentes esportes reside no fato de se procurar diferenciar e escolher as melhores metodologias a serem utilizadas na iniciação de cada faixa etária. Para Melo (2004), a aprendizagem como uma mudança interna, via de regra, fica guardada na memória tal como foi repetida, traduz pelos gestos específicos realizados pela criança após as aulas, como o profissional atuou. Ou seja, o desempenho da criança reflete seu processo e seu desenvolvimento com o aprendizado (Figura 6). Nesse sentido, a bibliografia especializada observa que a criança começaria a ter condições para chutar aos 4 anos de idade, pois este gesto seria um “movimento fundamental” que é possível após a realização eficaz dos movimentos ditos rudimentares. Contudo, os estágios de desenvolvimento sofrem interferência no meio ambiente, logo na nossa cultura imaginamos se o chute seria um gesto que estaria ligado aos movimentos rudimentares. 62 A cultura do futebol é tão forte que qualquer criança, menino ou menina, ganha bem cedo uma bola. Independente do objeto, todos nós já nos percebemos chutando chapinhas, pedras, latas etc. Willians e Wickstron (1983) afirmam que para dominar o chute são necessários dois pré-requisitos: 1) assumir a posição de equilíbrio num só pé; e 2) ser capaz de correr. Não é necessário que a criança tenha 4 anos de idade para executar um chute eficiente. O mais importante é saber como está cada criança em relação aos pré-requisitos citados, no caso de se fazer exigência de desempenho. Outro fator imprescindível é ensinar o movimento certo, principalmente para os iniciantes com mais de seis anos. Uma vez aprendendo o gesto, corrigi-lo é mais difícil. Deixar que a criança execute certas tarefas seguindo os estímulos que recebe é a melhor maneira, se ela for orientada durante a execução. A teoria do movimento oralmente e mesmo visualmente transmitida para a criança não tem valor. Ela e muitos de nós precisamos experimentar, vivenciar com todo corpo para aprender, do contrário o armazenamento só ocorrerá nas memórias sensoriais, não envolveremos a memória motora. O futebol é uma atividade esportiva e física que, no Brasil, especificamente, não precisa de muito sacrifício para ser ensinada. Para aprendê-la, a criança precisar ter prontidão, motivação, experiências anteriores, maturação e inteligência e saber selecionar a metodologia, atentando para os seguintes aspectos: Prontidão. Sabemos que algumas das bases para esta prontidão, o nosso dia-a-dia oferece para a criança, como os exercícios físicos e outras atividades que exigem dela habilidade e agilidade. Motivação. Embora esta não seja uma tarefa fácil, quando adquirimos motivação, só precisamos mantê-la. Experiências anteriores. São raras as crianças que nunca chutaram uma bola ou nunca viram jogo pela TV. Maturação e inteligência (Nível de normalidade genético) - não modificamos com nenhum esporte. Logo, o futebol teria vantagem ao ser ensinado, cabendo ao professor escolher a melhor estratégia. 63 Selecionar a metodologia. Não é difícil, basta levar em conta as características da aprendizagem. Além do mais, o futebol é um esporte eclético que reúne em si as seguintes características: a) é global, pois aprendemos com todo corpo e o movimento todo. Isso não quer dizer que não se deva dividir os gestos, mas no momento da realização, o ser humano realiza o movimento; b) é gradativo, já que se aprender do mais simples para o mais complexo; c) é dinâmico, porque envolve uma troca de conhecimentos entre alunos e professores; é mais eficaz se houver movimento (seja ele qual for); d) é cumulativo, pois o que se aprendeu antes será somado ao novo; e) é pessoal, ninguém aprende por outro, temos que vivenciar. Além do mais, somos diferentes, logo “não existe receita de bolo”. O treinamento técnico e tático é outro aspecto indispensável ao jogador de futebol em todas as fases do aprendizado ao mais alto nível. O treinamento técnico se apresenta como fundamental na vida da qualquer jogador de futebol, pois é através dele que são apresentadas as técnicas do futebol, ao passo que no treinamento tático são treinadas as jogadas estratégicas a serem utilizadas durante a realização dos jogos. Figura 8 - Atletas realizando alongamentos antes de treino tático Fonte: Arquivo próprio. 64 Os fundamentos do futebol deverão ser permanentemente exercitados no exercício da profissão de jogador de futebol. O passe, o controle, a condução, o drible, a finta, o chute e o jogo de cabeça são a matéria prima do jogador. Na carreira de um verdadeiro profissional, a busca pela perfeição faz parte do seu caminho. Um médico cirurgião não pode deixar de se atualizar tecnicamente, o mesmo se aplica ao músico e assim sucessivamente. Da mesma forma, o atleta precisa se especializar para que possa conseguir o sucesso almejado, e as escolinhas se destacam como um importante aliado nessa especialização, pois é através dela que ele pode adquirir o domínio das técnicas e as orientações necessárias para exercer a sua profissão. Ninguém pode indicar um método único e preciso de ensinar e/ou aprender futebol. Pois segundo nossa visão, cada um aprende de modo diferente do outro. Contudo, se observamos alguns aspectos, podemos no geral dizer que: a) quem decora, memoriza, não aprende; b) Só há vontade de aprender algo quando nos desperta a curiosidade, o interesse, ou se há necessidade ou um desafio a vencer; c) Só se conhece bem quando se observa, informase e se conclui por conta própria com o uso da percepção e do raciocínio; d) O que se aprende racionando e concluindo jamais se esquece; e) O comparar uma coisa com outra, vendo as semelhanças e as diferenças, faz funcionar o raciocínio e a percepção; f) Não interessa muito a definição e o conceito de algo, mas que se saiba identificá-lo e usá-lo (quando se sabe usar e identificar, por conta própria, cada um consegue conceituar e definir a seu modo). Com base nisso, o mais indicado é partir do geral, do fato real para o teórico, para o conceito, para a definição - fazer com que o aprendiz chegue a eles por si próprio. É importante ensinar o geral, que é básico, deixando o específico e a exceção como aprimoramento. Quem aprender o que é um boi, depois por si verificará que há bois chifrudos e mochos, pequenos e grandes, com ou sem corcova. Quem aprender a telefonar, depois telefona em qualquer aparelho, com qualquer número, discando ou digitando. E, para avaliar o aprendizado, pedir o básico é o fundamental. Pedir, por exemplo, que se mostre o que é caneta, não sendo necessário que se identifique tipo ou marca. Quem sabe o que é caneta, percebe o específico ou se aprofunda quando quiser. 65 Se atentarmos para estes pontos, ao ensinar, faremos despertar o interesse ou a curiosidade; mostrar e chamar a atenção para o que se quer ensinar, comparando coisas para que se leve à percepção, observação e o raciocínio; fazer com que o aprendiz raciocine e conclua por conta própria ou junto com quem ensina; deixar que o aprendiz, no final, formule o seu conceito e defina. Então, não é bom definir e conceituar mostrando depois os exemplos. É bom reprisar para fixação o que já foi ensinado antes. É bom explicar o sentido das palavras que aparecem ou vão sendo ditas, estabelecendo relação com outras. Depois é exercício para treinamento e fixação. Se aplicarmos esse processo, atingiremos outro principal objetivo: ensinar a pensar, a raciocinar, a aprender para aprender sempre qualquer coisa pela vida afora. Porém, sem disciplina na escola, em casa, nos estudos, em qualquer coisa, só se perderá tempo. A atividade esportiva é reconhecida e aceita como um elemento importante na formação do jovem. O esporte contribui para o desenvolvimento físico harmonioso da criança, prepara-a fisiologicamente para o esforço, auxilia no seu equilíbrio físico e psíquico, participa na formação da sua vontade, do seu caráter e favorece a sua adaptabilidade social. Por isso, a educação moderna deve, além disso, preparar a criança para os seus descansos, para quando for jovem e adulto. Para que o homem, durante toda a sua vida, pratique esporte, deve adquirir este hábito e gosto desde a infância. A formação moral, intelectual e física do indivíduo, qualquer que venha a ser mais tarde sua responsabilidade na sociedade, exigira paralelamente um equilíbrio em relação às disciplinas que deverão refletir no conteúdo dos programas e dos horários estabelecidos. Daí a importância em se determinar limite razoável para o total dos horários consagrados às disciplinas intelectuais. Entretanto, ainda mais importante é que um terço a um sexto do emprego total do tempo seja reservado à atividade física, que deve ser diminuída à medida que a criança for 66 crescendo. Uma grande parte dessa atividade deve ser orientada para o esporte, aumentando a proporção com a idade da criança. Diante do exposto, e levando em consideração a nossa experiência na formação dos jovens em escolinhas de futebol, é valida a observação de que a formação intelectual física, moral e cidadã do indivíduo, qualquer que possa ser mais tarde sua responsabilidade na sociedade, exige equilíbrio das diversas disciplinas que fazem parte do conteúdo dos programas das escolinhas de futebol. Este pensamento é comungado por Zaluar (2008), que afirma que o futebol atual exige dos atletas um maior desempenho físico e técnico, bem como uma maior capacidade intelectual. Para ele, a necessidade global de um melhor nível intelectual dos indivíduos atletas e praticantes é evidente, e a atuação dos professores e treinadores na educação desses jovens atletas se torna muito importante. “Hoje os atletas de futebol têm um nível muito melhor, mas ainda precisamos melhorar muito, pois depois que esses atletas param de jogar, o que farão em suas vidas profissionais?” (ZALUAR, 2008, p. 01). Daí se percebe a importância do trabalho das escolinhas de futebol na atualidade, que na visão de Zaluar (2008, p. 1): conta com quatro aspectos importantes: Em primeiro lugar as escolinhas de futebol vêm suprir uma deficiência geográfica da falta de locais para a prática de futebol. Não existem mas tantos campos e agora com as quadras e campos de grama sintética com escolinhas vêm dar mais oportunidades a prática de futebol. Em segundo lugar, essas escolas abrem grandes portas para a utilização de ex-jogadores como professores e treinadores, passando assim um pouco de sua experiência aos novos atletas. É importante frisar a necessidade de preparação acadêmica desses profissionais, que esses ex-atletas participem de cursos e palestras antes dessa nova atuação profissional. Como terceiro aspecto cito o desenvolvimento físico e técnico completo dos atletas e a diminuição das deficiências dos jogadores. Podemos visualizar Kaká, Ronaldinho Gaúcho e Alexandre Pato como oriundos das escolinhas, jogadores com muito poucas deficiências físicas e técnicas. O quarto e talvez mais importante aspecto nessa atuação das escolinhas de futebol é na formação e educação do indivíduo. Muitos desses jovens que estão nas escolinhas, talvez não cheguem a ser jogador profissional, e as escolinhas são um meio de educar esses jovens para obterem sucesso fora do mundo do futebol. 67 Sendo assim, Zaluar (2008) observa que para o Brasil conquistar a excelência tão almejada é preciso aprimorar os treinamentos dos nossos atletas, desenvolver os conhecimentos de nossos treinadores, melhorar as qualidades técnicas de nossos jogadores e educar mais nossos jovens atletas e para ele, as escolinhas são o principal meio para conseguir esse objetivo. Outra questão apontada pelos entrevistados e propositalmente deixada para a discussão a seguir, por se tratar de assunto da terceira pergunta da entrevista, diz respeito à importância das escolinhas de futebol no combate às drogas, sobre a qual trataremos no gráfico seguinte. Gráfico 4 - Importância das escolinhas no combate às drogas 25% 45% 30% Manter os atletas ocupados Orientar sobre as drogas Educar para a vida contra o vício Fonte: Elaboração própria. De forma unânime, os atletas se manifestaram positivamente quanto à importância da escolinha de futebol no enfrentamento à problemática das drogas. Como mostra o gráfico 4, dentre os entrevistados, 45% são da opinião de que as escolinhas ajudam a manter os jovens ocupados e longe das drogas. Para 30% deles, a 68 importância está na orientação e no aconselhamento sobre o mal que as drogas podem trazer para o indivíduo, e 25% disseram que as escolinhas educavam o atleta para a prática do esporte e da cidadania, mantendo-o longe do vício. Para a sociedade brasileira, em particular, as drogas têm sido consideradas umas das maiores ameaças aos jovens nos dias atuais. Apesar dessa constatação, deve-se ressaltar que a problemática das drogas não se trata de um problema originário dos dias atuais. Pelo contrário, desde os primórdios, alguns grupos sociais já utilizavam produtos alucinógenos em seus rituais. De acordo com Guedes (2002), a questão mais grave das drogas é que geralmente o primeiro contato com ela ocorre normalmente na fase de formação intelectual mais importante da vida do cidadão, que é a adolescência. Para o autor, dentre os motivos que levam a esse envolvimento estão a curiosidade, a solidão, os problemas familiares, as angústias, a falta de segurança no futuro, dentre outros, que acabam fazendo com que os jovens ingressem no mundo das drogas. Em meio a esse envolvimento, os especialistas afirmam que são as amizades que mais têm preocupado os pais dos adolescentes, que se vêem diante de um dilema ainda sem resposta: como saber com quem seus filhos estão andando e o que andam fazendo em suas ausências. Refletindo sobre essa questão, Guedes (2002) afirma que o ser humano, desde criança, tenta fugir da realidade, quando esta não está de acordo com suas perspectivas individuais. “Na infância, faz uso das fábulas, na adolescência, dos ídolos e, quando adulto, dos sonhos de um mundo perfeito” (2002, p. 10). Para o autor, é nesta última fase que o jovem busca a fuga mais avassaladora que é o caminho terrível das drogas. A busca de respostas para as questões que envolvem as drogas, os adolescentes e suas famílias é um dos principais objetivos que têm levado muitos especialistas do assunto a apontarem a participação dos jovens em algumas atividades esportivas, como essenciais para sua formação e, principalmente, a fuga de certos vícios que podem levar a destruição da pessoa, como é o das drogas, por exemplo. 69 Sobre isso, a resposta dos atletas entrevistados confirma a afirmação dos estudiosos que as escolinhas de futebol representam um espaço alternativo que, se não representa a solução definitiva para o problema, pelo menos tem contribuído para oferecer orientações e aconselhamentos essenciais para dar um futuro melhor para os jovens e suas famílias. Figura 9 – Atletas em palestra sobre drogas no SAFEPB Fonte: Arquivo próprio. Em estudo anterior, Melo (2004) tratou de mostrar a importância da orientação e do aconselhamento sobre determinados vícios para a formação dos jovens das escolinhas, a exemplo das drogas, licitas ou ilícitas, como a maconha, o crack, a cocaína, o tabaco e o álcool que representam um grande risco para a juventude. Nesse sentido, o autor ressalta a importância de se realizar palestras rotineiras com os jovens, a exemplo das que são por ele realizadas com freqüência (Figura 9). A preocupação que constantemente vem sendo manifestada pela mídia, ou mesmo através de órgãos ligados à educação e a saúde, serve de alerta sobre a problemática das drogas. A razão para essa preocupação está na percepção de que o que antes parecia ser um problema relacionado apenas a alguns grupos sociais, hoje se reflete em toda sociedade, exigindo de todos um grande esforço no sentido de compreender melhor o tema e buscar soluções que possam ajudar no combate a este mal que tem afetado grande parte da juventude brasileira especialmente. 70 Conhecer melhor sobre que drogas são essas é essencial para que se tenha noção do perigo que elas representam e de como as escolinhas e outras instituições envolvidas na solução do problema podem contribuir, através da orientação, do aconselhamento ou de outros mecanismos de controle do problema. A maconha, considerada ao lado do crack como a droga de uso mais comum entre os adolescentes na primeira fase de suas vidas adultas, é a mais usada pelos jovens de 15 a 17 anos, ao menos na classe média-baixa. Para alguns, ela provoca dependência física, mas para outros, ela é inofensiva. Reconhecida como a porta de entrada para o uso de outras drogas, entre elas a cocaína, o crack e tantas outras, a maconha se massificou e se constituiu num grave problema de saúde pública. E embora nas últimas décadas, alguns setores da sociedade venham defendendo a liberação das drogas para uso medicinal e terapêutico, para alguns especialistas, os malefícios da maconha se manifestam a longo prazo, depois que as pessoas consumem a droga por muito tempo. Segundo Gikovate apud Melo (2004, p. 207), “o grande problema da maconha é que ela é usada nos primeiros anos da puberdade e na adolescência, justo numa das fases mais importantes da juventude em que estão sendo formados a personalidade e o caráter do jovem”, motivo pelo qual se justifica a importância da orientação que as escolinhas têm oferecido aos seus alunos no decorrer de suas passagens por estas. Outro aspecto, que muitos estudiosos e especialistas do assunto fazem questão de enfatizar, é que além de prejudicar a memória, coisa grave para quem está em fase de estudo e de aprendizado, a maconha interfere na formação do sentido moral da pessoa, no seu sentido de responsabilidade e de dever. Na visão de Gikovate (2004, p. 208), a maconha faz “bons meninos” virarem um pouco “bandidos”, e o estudante médio ficar preguiçoso de vez. [...] faz o jovem que não gosta de levantar cedo ficar na cama até o meio-dia sem nenhum remorso. A maconha acaba com o remorso em geral, e isso é o fim do sentido moral”. O sentido moral a que se refere Gikovate (2004) significa exatamente que existe dentro de nós um mecanismo que consegue frear certas ações, ações estas que podem 71 provocar a dor do remorso. Caso não existisse tal mecanismo, não haveria limites internos para o controle de nossas ações. Em outras palavras, esse sentido moral é um dos principais aspectos representativos da nossa imagem e da formação de nossa personalidade, que são elementos essenciais para que nos aceitemos e sejamos aceitos pelos outros como pessoas dignas de conviver em sociedade. Diante do exposto, pode-se afirmar que o uso da maconha é péssimo para os jovens, porque além de levá-los a quererem fugir de suas responsabilidades e de encararem os desafios próprios da fase adulta, faz com que a sensação de covardia e de incompetência se transforme em qualidade diante das dificuldades. Apesar de ser verdadeira a constatação de que muitos jovens que não se sentem à altura da disputa, buscam nas drogas uma forma mais fácil de superarem as dificuldades da vida, na prática, constata-se que essa não é a maneira mais racional de conseguir tal objetivo. Pelo contrário, a bibliografia especializada mostra que as drogas têm levado muitas pessoas a um mundo de solidão, tristeza e melancolia que quase sempre se consome num sofrimento quase interminável. Preocupação igual e cada vez mais crescente tem ocorrido em relação ao crack. Assim como a maconha, a cocaína e outras drogas que têm assustado a população das médias e grandes cidades brasileiras, o crack tem sido considerado como outro perigo à vista para a vida dos jovens. Derivado da cocaína, mais barato e com efeitos muito parecidos com ela, o crack é considerado a bola da vez entre a juventude. Surgido nos anos 80, o crack é uma pasta branca que se fuma em um cachimbo pequeno, similar aos usados, nos anos 60, para a maconha. Embora ainda não se tenha relato de sua incidência no meio futebolístico, a prevenção e o trabalho de orientação realizado ainda na formação dos futuros atletas nas escolinhas parece ser, por hora, a melhor indicação. O consumo do crack é maior que o da cocaína, pois é mais barato e seus efeitos duram menos. Por ser estimulante, ocasiona dependência física e, posteriormente, a morte por sua terrível ação sobre o sistema nervoso central e cardíaco. 72 Devido à sua ação sobre o sistema nervoso central, o crack gera aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da pressão arterial, dilatação das pupilas, suor intenso, tremores, excitação, maior aptidão física e mental. Os efeitos psicológicos são euforia, sensação de poder e aumento da auto-estima. A dependência se constitui, em pouco tempo, no organismo. Se inalado junto com o álcool, o crack aumenta o ritmo cardíaco e a pressão arterial o que pode levar a resultados letais. A cocaína5, da qual se originou o crack, é uma das drogas mais consumidas entre os jovens atualmente. Segundo Gikovate apud Melo (2004), trata-se da droga mais badalada e consumida pelos jovens e os artistas, que são seus ídolos. Em relação a esta e outras drogas, Gikovate apud Melo (2004) afirma que lançar mão da cocaína e de outras drogas para poder se divertir, como muitos jovens costumam fazer, pode representar um desastre para suas vidas. Isso porque, o efeito euforizante que causa êxtase e vicia pode trazer a curto, médio e longo prazo, prejuízos irreparáveis a saúde da pessoa. Sobre o exposto, Gikovate apud Melo (2004) afirma que do ponto de vista humano, afetivo e social, a droga é um desastre. Quem passa a noite bebendo e consumindo estas substâncias não estará em boas condições para o trabalho no dia seguinte. O resultado disso é que, com o passar do tempo, os malefícios aparecerão, e uma carreira que, na prática, teria tudo para dar certo, pode ser completamente destruída. Além das drogas acima, também conhecidas como drogas ilícitas, outras cujo consumo tem crescido bastante entre os jovens são as chamadas drogas lícitas, como o tabaco, o álcool e alguns medicamentos que, segundo os especialistas, fazem tanto mal quanto as drogas ilícitas. 5 A cocaína é um alcalóide (produto extraído das folhas de uma planta chamada Erythroxilon coca encontrada principalmente em países da América do Sul e Central). Também é conhecida como coca, pó dourado, neve ou "senhora" (http://psicoativas.ufcspa.edu.br/cocaina.html). 73 Entre as drogas licitas, o tabaco é comprovadamente uma das que mais tem preocupado as autoridades de saúde, tanto pelos seus efeitos agudos como pelos crônicos, como pela redução da capacidade de rendimento físico que ela provoca nos fumantes. Isso, porque de acordo com Gikovate apud Melo (2004), o consumo do fumo aumenta o esforço respiratório, devido a certos fatores imediatos que duplicam ou triplicam a resistência à passagem do ar, através das vias respiratórias. Além dos efeitos acima, Gikovate apud Melo (2004) afirma que outro igualmente nocivo consiste em que o máximo de carbono produzido na combustão do tabaco ocupa entre 5 a 6% da capacidade de hemoglobina para transportar oxigênio. Porcentagem que pode subir para 10% nos fumantes inveterados. Além disso, a “descarga” nos tecidos do oxigênio que o sangue transporta também encontra obstáculos. Os pequenos vasos sanguíneos da periferia se contraem, ou seja, diminui o seu calibre (vasoconstrição), o qual se manifesta por uma ligeira elevação da pressão sangüínea e um aumento da sensibilidade do frio nos dedos. Para quem pratica alguma atividade esportiva, o ideal seria não fumar antes de exercitar e nem após. Ou então deixar de fumar para sempre que é o mais recomendado pelos especialistas. Caso encontrem alguma resistência em parar de fumar, os amantes do futebol e mesmo de outros esportes deveriam seguir os conselhos de Gikovate apud Melo (2004, p. 208) que orienta para o seguinte: [...] atente para esses cuidados: os efeitos imediatos e mais graves do tabaco no aparelho respiratório incidem diretamente sobre a circulação coronariana, cuja maior susceptibilidade está no coração que tende a sofrer transtorno de ritmo. Esses dois efeitos, unidos aos mencionados anteriormente, constituem boas razões para advertir as pessoas que sabem ou suspeitam de que sofrem transtornos do ritmo cardíaco (arritmias), para que tomem cuidados ao fazerem exercícios físicos intensos ou prolongados, depois de terem fumado. A mínima margem de segurança entre o consumo do tabaco e o exercício, deve ser de 20 minutos. Assim como o tabaco, o alcoolismo também é outra droga que desenvolve uma intoxicação crônica repetida e pode resultar em conseqüências físicas, psíquicas e sociais para o indivíduo. O consumo freqüente de álcool pode causar danos irreparáveis ao organismo humano. E, segundo a bibliografia especializada, tudo isso tem início quando o álcool é absorvido no 74 sistema digestivo e passa para a corrente sangüínea. Pelo sangue, o álcool vai a todo o organismo, principalmente ao cérebro, desestabilizando o sistema nervoso central. Segundo Gikovate apud Melo (2004), a sua ingestão contínua, a princípio, gera uma sensação agradável que é substituída pelo entorpecimento, tonteira, instabilidade, perturbações estomacais. Esse processo leva em média uma hora para cada unidade de álcool ingerida e é cumulativo. Isto é, duas unidades levariam duas horas e assim por diante. O álcool puro existente em cada dose de bebida, corresponde a aproximadamente nove gramas. Cada tipo de bebida tem uma concentração diferente de álcool por volume. Assim, um copo de chope ou uma cerveja equivale a uma dose de uísque, vodka, gim, rum ou cachaça, que por sua vez é igual a uma taça de vinho ou cálice de xerez6. Para o homem, o limite máximo recomendado é de 21 unidades distribuídas nos dias da semana. Para a mulher, esse limite é de 14 unidades por semana. Essa diferença se dá porque o homem possui maior quantidade de água no organismo do que a mulher. Ao se distribuir pelos líquidos orgânicos, o álcool apresenta maior concentração no indivíduo que possui menor quantidade desses líquidos. Este limite só é válido para os indivíduos não-alcoolistas. Em relação a isso, é importante lembrar que mesmo dentro desses limites de segurança para o organismo, sempre que se ingerir qualquer quantidade de bebida alcoólica, há uma diminuição dos reflexos, predispondo o indivíduo a acidentes de todo tipo, desde uma simples queda ou esbarrão num móvel, até graves acidentes industriais ou automobilísticos. Para Gikovate apud Melo (2004), embriagar-se em eventos especiais ou nos finais de semana não é sinônimo de alcoolismo, porém se isso se repete freqüentemente pode indicar uma tendência que, com o passar do tempo, tem levado muitos a se tornarem alcoólatras. Nesse sentido, pode-se observar que tanto as drogas licitas quanto as ilícitas podem causar ao homem problemas físicos, psíquicos e sociais, a exemplo de desajustes no lar, como a separação conjugal, perda de emprego, incapacidade de desempenhar papéis sociais, endividamento, acidentes de trânsito e demandas legais, distúrbios psíquicos, com 6 Tipo de cálice onde é servido o Xerez, ou Jerez, vinho fabricado na Andaluzia. Esse vinho é ideal para beber antes das refeições, muito usado como aperitivo e também na culinária (ClickFulano.com, 2008, p.1). 75 empobrecimento da auto-imagem, perda de memória, problemas de orientação temporal e espacial, delírio alcoólico, desestruturação da personalidade, ciúme patológico, alienação, demência; doenças físicas, como hepatite, cirrose hepática, inflamação dos nervos dos braços e pernas, problemas do coração, disfunções do pâncreas, gastrites e úlceras estomacais, deficiências vitamínicas, traumatismos, redução da coordenação motora, impotência sexual e lesões cerebrais. Com base nas informações dadas acima, pode-se ter uma idéia do tamanho da preocupação que envolve vários setores da sociedade, em especial as famílias que diante de um problema tão grave e de difícil solução como parece ser esse, vêem nas escolinhas de futebol uma esperança para que seus filhos possam escapar do perigo que representa as drogas nos dias atuais. Nesse sentido, as respostas dadas pelos atletas apontam para uma atividade de apoio ao trabalho coletivo aliado à orientação no sentido de promover a valorização do indivíduo, de forma que todos possam ser ajudados na superação dos traumas e sofrimentos a que muitos ficam submetidos desde a infância, a exemplo do problema das drogas que podem ocorrer no decorrer da vida. Além desse papel orientador atribuído às escolinhas, outro aspecto destacado pelos sujeitos entrevistados foi com relação à sua função socializadora, que como se pode observar no decorrer desta análise, engloba a problemática da exclusão social e da formação do caráter que não se trata de uma preocupação recente, mas já de algumas décadas. Para se entender o significado dessa função socializadora e dos aspectos a ela associados, cabe ressaltar o que afirmam Vallentin e Coelho (2005, p. 186) que “a preocupação pedagógica em gerir e controlar os hábitos e o estilo de vida dos jogadores de futebol brasileiros surgiu a partir da derrota do Brasil na Copa do Mundo de 1966, realizada na Inglaterra”. Segundo estes autores, o motivo apontado pelos treinadores e a mídia esportiva para a derrota massacrante da Seleção Bbrasileira, na Copa de 1966, foi o insuficiente preparo físico e os maus hábitos, vícios e demais hedonismos apresentados pelos jogadores. A partir daí, teve origem a preocupação das comissões técnicas em procurarem se manter vigilantes em relação ao estado físico, comportamental e emocional dos atletas, desde 76 a sua inicialização no futebol. Tal preocupação, como se pode constatar através dos depoimentos dos atletas consultados, foi de fundamental relevância para a manutenção do controle sobre certos hábitos e deficiências que acabavam influenciando negativamente no desempenho destes dentro de campo. Tal função foi designada às escolinhas, sobre o que Florenzano afirmou o seguinte: No discurso de técnicos de campo, preparadores físicos e jornalistas esportivos, a premente necessidade de consertar insuficiências, combater vícios, tirar defeitos do jogador brasileiro constituem objetivos que podem ser satisfeitos de modo mais adequado se arrostados desde a tenra idade, e sem interrupção ao longo de toda a série que o jovem pretendente à profissão de atleta deve percorrer. Na verdade, confere-se às categorias de base uma missão por demais nobre, cujo comprimento as técnicas corretivas nelas desenvolvidas encarregam-se de assegurar (FLORENZANO, 1998, p. 37). Posto o desafio, essa ação vigilante da parte dos que atuam no universo do futebol já vem sendo aplicada pelos coordenadores de escolinhas durante os treinamentos que são realizados semanalmente. E na prática, o que se observa é que elas têm surtido bons resultados, já que muitos jogadores formados nessas categorias de base já saem de lá conscientes de que para vencerem no mundo do futebol não basta apenas serem bons jogadores, é preciso ter boa conduta e se manterem afastados de certos vícios que podem destruir para sempre a carreira de um atleta. A partir do que afirma Florenzano, e levando em consideração as afirmações de Vallentin e Coelho (2005), pode-se perceber a importância atribuída às categorias de base, cujo trabalho que vem sendo realizado por várias delas, [...] apresentam-se como possibilidade de sanar os vícios e defeitos dos jogadores antes de se apresentarem às equipes federadas, bem como manipular seus corpos de forma que os mesmos alcancem o elevado patamar de força física exigido pelo modelo mundialmente adotado pelas equipes federadas, conhecido como "futebol-força" (VALENTIN apud COELHO, 2005, p.186) Em outras palavras, os atletas que passam pelas escolinhas acabam encontrando nelas um suporte psíquico-social que acaba refletindo sensivelmente no seu desenvolvimento e, conseqüentemente em suas carreiras, tendo em vista que quando passam a atuar profissionalmente já chegam lá moldados e cientes do papel que têm de exercer se quiserem alcançar seus sonhos. 77 Embora não seja essa a única e definitiva solução para este e outros problemas que afetam diretamente a juventude em nosso País, não se pode negar que as escolinhas representam um atalho importante para quem deseja sair dessa fuga muitas vezes sem volta, em busca de um mundo real que pode oferecer ao jovem chances de superar seus problemas e as deficiências que porventura venham surgir no decorrer de suas vidas. Por isso Vallentin e Coelho (2005, 186), vêem a escolinha como “[...uma forma de compreender o percurso através do qual os pretendentes à profissionalização terão que passar, sendo, por vezes, imbuídos de normas e regras”. Um exemplo simples dessa preocupação com a problemática das drogas foi dado em 1995, quando os organizadores do 2º Campeonato de Futebol Infantil de Favelas do Rio de Janeiro publicaram, com o apoio da Confederação Brasileira de Futebol – CBF, da Arquidiocese e da ONG SóRio, o Guia do Atleta, onde afirmavam que o esporte podia ser o maior aliado, por via pacífica, na luta contra as drogas. Caminho esse que, segundo os organizadores, já provou ser bem mais eficaz que punições e proibições severas. Para os idealizadores do evento acima citado, através do exercício físico (seja ele qual for), crianças e jovens são atraídos para um novo habitat, para uma convivência em grupo marcada pela solidariedade. Um ambiente em que as necessidades de respeitar os limites estabelecidos e as regras de competição acabam se tornando um aprendizado essencial ao processo de desenvolvimento humano. De acordo com o Guia do Atleta (1995, p. 04): É um estilo de vida marcado pela disciplina e pelo prazer: ao conviver em grupo com pessoas que têm um objetivo comum, a criança tende a se sociabilizar e a absorver as coisas boas daquela comunidade. Para agüentar a rotina diária dos exercícios, automaticamente terá que rever seus hábitos. Aumentará a sua necessidade de descanso e, ao mesmo tempo, diminuirá seu tempo livre. E por fim, terá uma rotina de treinamento, com acompanhamento médico e até psicológico quando necessário. A teoria ganha corpo na prática: os resultados podem ser comprovados na comunidade da Mangueira, por exemplo, onde há nove anos é desenvolvido um mega projeto olímpico, que conseguiu praticamente zerar o número de menores infratores do morro. Paralelo a isto aumentou o seu nível de escolaridade. Assim, ela é hoje a comunidade do Rio com o menor número de jovens infratores e o maior número de alfabetizados. Um grande gol dos esportes. 78 Em resumo, o Guia mostra que os jovens que praticam esporte aprendem a ganhar e a perder e a conviver em equipe. Isso tudo, num ambiente que une ludicidade a responsabilidade. Essa mesma experiência vem sendo vivenciada por nós ao longo de quase trinta anos dedicados às escolinhas de futebol, onde podemos constatar a importância deste espaço no combate a certos vícios e a exclusão social que afetam a vida de muitos atletas. Entretanto, não podemos tomar como exemplo apenas a nossa experiência pessoal nessa área e simplesmente ignorar os estudos teóricos de grande relevância de outros autores que tratam desse tema. Em outras palavras, apenas reconhecermos a nossa prática não é suficiente para ratificar a importância do futebol como instrumento de combate às drogas e a exclusão social, é preciso levar em consideração o que outros especialistas afirmam em relação ao tema, e procurar saber dos próprios atletas o que eles pensam a respeito do assunto, como está demonstrado no decorrer desta análise. Gráfico 5 - A importância das escolinhas no combate à exclusão social 0% 100% Sim Não Fonte: Elabora própria. O gráfico 05 mostra que os 20 entrevistados, ou 100%, ratificaram a relevância que representam as escolinhas de futebol no combate a exclusão social que aflige a vida de grande 79 parte dos jovens que para estas se dirigem em busca de uma oportunidade de subirem na vida e conquistarem a cidadania. Diante da relevância antes mencionada das escolinhas para a formação do indivíduo, que envolve aspectos como a orientação para educação, comportamento e disciplina que igualmente são aspectos indispensáveis para a formação do caráter, constatamos que as escolinhas acabam contribuindo, de fato, para o combate à exclusão social. As razões para esta dedução se justificam pela constatação que grande parte das escolinhas de futebol fica localizada nas periferias das grandes e pequenas cidades do País e quase todas surgem com um objetivo comum: dar às crianças e jovens a oportunidade de terem um futuro mais digno e conquistarem a cidadania através do futebol. É fato que o papel que as escolinhas vêm desempenhando é fruto da crise econômicosocial que o País vem enfrentando, há décadas, marcada principalmente pela má distribuição de renda que faz com que uns poucos tenham muito e a maioria sobreviva sem quase nada. Esse contraste acaba provocando uma imensa desigualdade social que acaba deixando muitas famílias à margem da sociedade, ou excluídas socialmente. Quem lida no dia-a-dia das escolinhas tem plena consciência de que as crianças e jovens que para lá se dirigem, vão em busca de uma oportunidade de crescerem dentro do futebol e, através dele, poderem lutar por dias melhores para si e seus familiares. Fato esse comprovado nas entrevistas com os atletas e ex-atletas que unanimemente ratificam as afirmações acima. Para todos os entrevistados, as escolinhas representaram à válvula de escape de um mundo de abandono social e de pobreza, para outros de conquistas e realização pessoal e profissional. Mesmo os atletas que não conseguiram essa conquista são afirmativos em ratificar o papel das escolinhas na superação das desigualdades sociais a eles impostas. Tal constatação se concretiza nas palavras de Deccache-Maia (1998), quando ele afirma que as escolinhas de futebol surgem como uma alternativa que reúne atrativos, como oferta de uma atividade que faz parte do universo simbólico de quase todas as pessoas do sexo masculino; atividade que congrega tanto o aspecto lúdico como o profissional, uma vez que se 80 acredita ser possível iniciar uma carreira no mundo do futebol; segurança no que se refere a seu local de funcionamento, possibilitando a convivência com outros jovens, muitos dos quais vizinhos. De acordo com Deccache-Maia (1998), não se pode perder de vista que o futebol, em nosso País, tem um forte apelo junto aos jovens e muitos buscam ingressar em escolas de futebol independentemente de outros aspectos. Entretanto, com o decorrer do tempo, esse apelo passou a agregar em si não apenas o mero interesse em jogar futebol, mas a oportunidade dos jovens de obterem sucesso como atletas profissionais, no nosso entendimento como alternativa a exclusão social a que muitos vivem submetidos. A exclusão social é, pois, resultado do estado de pobreza e miséria a que muitos jovens se acham submetidos e que, muitas vezes, torna-se um entrave ao seu desenvolvimento pessoal e profissional. E o que ocorre diante disso é que, achando-se, muitas vezes, sem a oportunidade de crescerem e se desenvolverem como homem e cidadão, muitos acabam caindo na armadilha da criminalidade e provocando sua própria destruição. Segundo Spozati (2000), a exclusão social é um tema bastante discutido, nos dias atuais, e são necessários vários recortes para entendê-la, já que se trata de um fenômeno, de um processo, uma lógica, que possui várias interpretações e uma gradação de situações. Recortes estes que permitem afirmar que a exclusão social é relativa, cultural, histórica e gradual, significando que ela pode variar de País para País, em diferentes momentos de um mesmo País, como também variar em sua graduação em um mesmo momento. Na visão de Delfin Neto apud Wilpert (2005), a exclusão divide-se em grupos sociais (minorias étnicas, religiosas e culturais), gênero, termos de opção sexual, idade, aparência física, universo de trabalho, do sóciocultural, da educação, da saúde, do social como um todo. Embora seja, um conceito bipolar, ou seja, a exclusão social opõe-se à inclusão, para Spozati (2000), não há um "estado puro" de exclusão, mas esta é sempre relativa a um dado padrão de inclusão. Na visão de Wilpért (2005), exclusão e inclusão social são conceitos dialéticos, polarizados, simétricos, que constituem uma das grandes preocupações da sociedade atual. 81 Segundo ele, a inclusão social se apresenta como um processo de atitudes afirmativas, pública e privada, no sentido de inserir no contexto social mais amplo todos aqueles grupos ou populações marginalizadas. Para isso, Sawaia (apud Wilpert, 2005, p. 56) observa que “basta construir teorias para induzir ações transformadoras, já que uma das dimensões do processo de inclusão social é a inclusão escolar”. Em outras palavras, deve-se levar a escolarização a todos os segmentos humanos da sociedade, com ênfase na infância e na juventude, na construção de uma consciência cidadã. Constata-se que a inclusão social é o compromisso fundamental, norteador de ações e concepções pedagógicas da Educação Física escolar e a partir desta, toda e qualquer manifestação e divulgação da cultura corporal e movimento. Para isso é preciso que se adote uma perspectiva metodológica de ensino e aprendizagem que busque o desenvolvimento da autonomia, a cooperação, a participação social e a afirmação de valores e princípios democráticos (WILPERT, 2005, p. 56). Com base neste conceito, destaca-se o que afirma os PCN´s (1998) que: O lazer e a disponibilidade de espaços públicos para as práticas da cultura corporal de movimento são necessidades essenciais ao homem contemporâneo e, por isso, direitos do cidadão. Os alunos podem compreender que os esportes e as demais atividades corporais não devem ser privilégio apenas dos esportistas profissionais ou das pessoas em condições de pagar por academias e clubes. Dar valor a essas atividades e reivindicar o acesso a centros esportivos e de lazer, e a programas de práticas corporais dirigidos à população em geral, é um posicionamento que pode ser adotado a partir dos conhecimentos adquiridos nas aulas de Educação Física. Desta forma, como avalia Wilpert (2005, pp. 56-57) “se inclusão significa garantia dos direitos do cidadão, se a prática do futebol é utilizada intensamente para o lazer, sendo o lazer um direito do cidadão”, deduz-se que o futebol tem um grande potencial de interação e inclusão social. Neste sentido, tendo-se a escola como um caminho para tomada de consciência para inclusão social, o autor indaga qual a clientela alvo dessa educação inclusiva? Para ele a resposta seria, não necessariamente, pobres, negros, pardos, crianças, idosos, mulheres, homossexuais, portadores de incapacidades e deficiências físicas e mentais; mas aquela 82 desfavorecida economicamente ou alvo de estigmas sociais de toda ordem, originária da periferia dos grandes centros urbanos e das zonas rurais. Diante disso, Wilpert (2005) conclui que a inclusão social é a garantia da participação do indivíduo em todo e qualquer ambiente social que o cerca. E sendo as escolinhas de futebol um espaço contextual de ensino do futebol, segundo o autor, elas se apresentam como uma possibilidade bastante interessante para o exercício da inclusão, da oportunidade, da garantia dos direitos para todos. Em outras palavras, quando falamos em questão social no esporte, devemos levar em consideração a importância da atividade esportiva, que vem modificando a realidade de milhões de crianças e jovens que vivem em estado de miséria e exclusão social por todo o País. Muitos projetos aproveitam o fato das crianças gostarem de alguma atividade para mantê-las ocupadas, evitando que elas sejam desviadas para o mundo do crime. O mais importante é transformar as crianças em cidadãos brasileiros. Daí a constatação sobre o que afirma Wipert (2005) que a implantação de escolinhas de futebol em comunidades carentes surge como uma garantia à acessibilidade e a inclusão das crianças na sociedade e ainda como um instrumento valioso no combate às drogas e à ociosidade entre os jovens. Levando em consideração este princípio, o Jornal Imprensa Popular, de 17/05/2008, publicou uma matéria em que o presidente da Federação de Futebol do Estado de Rondônia, Heitor Costa, afirma que mesmo estando afastado da política partidária, há vários anos, não perdeu seu ímpeto em participar das ações voltadas para a promoção da cidadania e da inclusão social. De acordo com o Jornal acima, acreditando não existir outra alternativa para “a construção de um futuro melhor e menos violento” que não seja a inclusão social, o presidente da FFER advoga a idéia de que tanto os prefeitos como o próprio governo do Estado podem, a um custo muito baixo, “espalhar escolinhas de futebol nas cidades onde a exclusão social do jovem seja maior” promovendo, através dessas escolinhas, a inclusão social. 83 [...] o desejo de Heitor é ver funcionando no vários municípios – e especialmente em Porto Velho – várias escolinhas onde os alunos-atletas não paguem nada por esta prestação de serviço social. Na opinião do presidente da FFER, “enquanto as administrações não criar estrutura nas regiões periféricas” poderiam utilizar aquilo que já existem, “como os diversos campos de futebol de algumas agremiações” ou até terrenos baldios que poderiam ser usados para esta prática (JORNAL IMPRENSA POPULAR, 2008, s/p). Na opinião do presidente da FFER, o mais popular dos esportes entre os brasileiros tem o poder de nutrir nas crianças e nos adolescentes que o praticam a esperança e a vontade de uma carreira com a perspectiva de sucesso profissional e financeiro. Heitor reforça a importância da prática do futebol destacando que, pela disciplina, ele promove a cidadania e, conseqüentemente, a convivência comunitária e a inclusão social. Afirmando que já houvera à disposição do prefeito Roberto Sobrinho para contribuir com um programa nesses moldes, Heitor orienta que a prática da escolinha deveria ser uma alternativa para o horário livre da escola e que poderia ser desenvolvida com cada grupo pelo menos duas vezes por semana. Na opinião do J.I.P (2008, s/p), o projeto de escolinhas imaginado por Heitor Costa propunha um relacionamento estreito com as famílias do chamado estudante-atleta, através dos dirigentes da escolinha, uma parceria com os pais desses meninos e adolescentes, onde seria proporcionado um acompanhamento do desenvolvimento do garoto, seja como estudante, como cidadão ou como jogador de futebol. Entretanto, o presidente da FFER observa que o trabalho, nesse sentido, não precisa ficar restrito à modalidade de futebol de campo, podendo também ser ampliado para o futebol de salão. Na visão do dirigente, nestas escolinhas poderiam ser revelados jogadores para os clubes profissionais de Rondônia e de outros Estados. Mas, segundo ele, o resultado mais empolgante de um programa desse gabarito é dar aos jovens uma alternativa para a boa convivência social. O negócio é buscar, na comunidade, meninos que apresentam problemas de relacionamento com a sociedade, trazendo-os para a prática do futebol. Mas o J.I.P (s/d) ratifica que Heitor Costa não perde as esperanças de ver empresas de Rondônia apoiando, de forma mais decisiva, o futebol do Estado, principalmente em iniciativas como as das escolinhas. Para ele, cada vez mais os consumidores passam a 84 prestigiar empresas que demonstram responsabilidade social, deixando de prestigiar aquelas que “não estão nem aí com os problemas da comunidade”. Para Heitor (2008, s/p): O dia que os empresários de Rondônia descobrir que “investir no futebol ajuda a melhorar a imagem da empresa”, a situação do esporte vai ser outra no Estado. Mas, enquanto as empresas resistem a assumir o seu papel na responsabilidade de revelar atletas e construir personalidades de cidadãos conscientes, quem deve tomar as rédeas dessa iniciativa é o poder público. E para isso, concluiu Heitor, “podem contar com toda ajuda possível da Federação de Futebol do Estado de Rondônia”. Diferente da visão acima, Mariano (2004), observa que o futebol se torna uma droga social, quando a maioria da população volta sua atenção nos times (fantoches sociais) e esquecem dos problemas, os quais impedem o crescimento do País. Assim como no futebol, onde, muitas vezes, o poder econômico fala mais alto, essas pessoas são derrotadas pelo time da elite do país. Segundo Mariano (2004, s/p): [...] os meios de comunicações por sua vez, dão mais importância para os poderosos, para as religiões e mais ainda para o futebol. Ajudando assim, na formação da imagem do Brasil como o país do futebol, do carnaval e da bagunça geral. O Brasil é um país de muitos, mas não de todos! Enquanto o Brasil exclui os menos favorecidos, não deixando eles participarem do seu desenvolvimento econômico. Ele também vai sendo excluído das maiores potências econômicas. Em parte, a afirmação de Mariano (2004) é verdadeira, mas não se pode negar que o Brasil tem futebol tipo-exportação, devido a grande quantidade de atletas talentosos brasileiros que estão espalhados pelos quatro cantos do mundo, como mostra o gráfico 2 que igualmente revela que foi e é através desse mesmo futebol que muitos conseguiram (e ainda conseguem) vencer a pobreza em que viviam mergulhados e alcançaram o topo do mundo. Ao nosso ver, o que mais importa, nos dias atuais, é o papel que o futebol tem representado como importante instrumento de inclusão social e não apenas de alienação como deixa transparecer Mariano (2004). Diante disso, parece mais coerente a afirmação de Murad apud Chaves (2007), que: 85 [...] o futebol tanto é um misto de necessidades imediatas e práticas de luta como expressão da alegria e arte popular. Há uma sintonia entre o individual e o coletivo dentro e fora dos gramados. É um exemplo daqueles fenômenos complexos pelos quais o conjunto das instituições se exprime, e o todo social pode ser observado. Uma combinação de simbologias por meio das quais podemos estudar o Brasil, revelando culturas e coletividades expressivas das condições humanas. O imprevisível e a improvisação são marcantes no futebol, como a maioria das resoluções populares. Outro aspecto que muitos especialistas afirmam que as escolinhas de futebol têm influenciado bastante diz respeito à formação do caráter dos jovens atletas. Embora a finalidade da escolinha seja, teoricamente, a formação do atleta, no âmbito de sua tarefa, esse parece ser apenas mais um dos muitos papéis que ela desempenha. Tal constatação pode ser tirada das palavras dos atletas e ex-atletas entrevistados, que apontaram como contribuição importante das escolinhas para a formação do seu caráter, a não aceitação das várias formas de preconceito; o combate à desigualdade social; a socialização e a integração dos atletas; a valorização pessoal e a formação do cidadão. A opinião unânime dos atletas é a de que a escolinha foi de importância fundamental no seu desenvolvimento, não apenas como atleta, mas principalmente como cidadãos. Um exemplo disso é o atleta Luciano Paraíba, que afirma que, na escolinha, os jovens aprendem a ter caráter, disciplina, educação e a seguir sua carreira de jogador profissional, que é o sonho de todos que entram numa escolinha de futebol. Igualmente pensa o atleta Túlio Show que, como a maioria, diz que: “[...] esse trabalho me ajudou a ser esse cara que sou hoje, de caráter e responsabilidade.” Um aspecto que deve ser observado, nesta análise, é que as escolinhas têm cada vez mais ajudado a família no seu papel de contribuir com a formação moral e o caráter dos jovens atletas do futuro. Aspecto esse que não deve ser confundido com uma troca de papéis, pois essa é uma função nata e básica da família que não pode ser delegada a qualquer instituição. Ratificando a importância das escolinhas, todos os atletas afirmam que é nelas que o aluno dá os primeiros passos não apenas para aprendizagem do futebol, mas também para obtenção da disciplina, da orientação e formação do caráter, da dignidade, do respeito e da 86 moral que nas palavras de Suelio Lacerda “são virtudes de um futuro atleta e cidadão vitorioso”. De maneira geral, o que se observa na opinião dos entrevistados é que em todos os depoimentos há unanimidade em ratificar o papel atribuído às escolinhas na formação não apenas do atleta, mas do cidadão principalmente. Diante dessa unanimidade e da positividade que permeia a opinião de todos os atletas entrevistados em relação a sua própria formação dentro e fora do campo, fato este que nos leva a concluir que as escolinhas de futebol têm uma participação essencial na formação do caráter das crianças e jovens que delas fazem parte. 87 CONSIDERAÇÕES Desde que o futebol foi trazido para o Brasil e se consolidou como a maior paixão do povo brasileiro, muitas mudanças ocorreram em relação ao próprio comportamento de nossa gente, e principalmente na forma de praticar este esporte. O futebol, que se desenvolveu e tanto talento revelou nos campinhos de rua e de várzea do Brasil, vem, ao longo das últimas décadas, sofrendo com a perda de espaço provocada pela exploração imobiliária que é resultado do desenvolvimento urbano e faz com que este esporte venha sendo praticado e desenvolvido no ambiente das escolinhas de futebol que se espalham pelo País. Apesar da constatação, por alguns, que boa parte destas escolinhas visa o lucro e não exclusivamente o ensino e prática do futebol, como ocorre ainda que em menor escala nos poucos campos que sobreviveram ao progresso urbano e servem, por exemplo, para o trabalho sem fins lucrativos que realizamos junto a jovens de várias idades, parece que alternativa não restava para o futebol brasileiro senão criar novos espaços onde se pudesse treinar e dar prosseguimento ao trabalho de formação dos nossos futuros atletas. Ao mesmo tempo em que as escolinhas foram surgindo, e com o advento da Lei Pelé, que permitiu aos atletas serem donos de seu próprio passe e não mais os clubes, como acontecia antes da referida lei, novos conceitos copiados principalmente do modelo tido por muitos como burocrático, do futebol europeu, foram sendo adaptados ao futebol brasileiro na passagem das décadas de 1990 para 2000, o que acabou provocando muitas mudanças na forma de se fazer e jogar futebol no País. Uma das mudanças apontadas é em relação ao próprio jeito de jogar futebol, que para alguns já não é mais o mesmo de alguns anos atrás, quando por aqui se praticava o chamado“futebol arte”, aquele cheio de malemolência, dribles desconcertantes e jogadas de estética fora do comum, como as protagonizadas por Pelé e companhia na Copa do Mundo de 1970, no México, que foram responsáveis pelo grande crescimento do futebol nacional. 88 Outra mudança ocorrida foi com relação aos próprios atletas que antes se formavam e se desenvolviam dentro dos seus clubes de origem e a eles passavam a servir durante muitos anos de sua carreira e agora se formam nas escolinhas que, muitas vezes, formam os jogadores e, em pouco tempo, negociam-nos (a preço de banana), via empresários ou por elas próprias, para vários clubes interessados na aquisição de jovens talentos. O reflexo da dissolução desse relacionamento fiel e duradouro que havia num passado não muito distante, alguns afirmam que pode ser sentido pela produção de tão poucos craques no futebol brasileiro na década atual, onde se pode destacar como exemplos destes poucos atletas: Káká, Robinho, Ronaldinho Gaúcho e Nilmar. O resultado disso é que os atletas que antes se criavam e davam como se diz dentro do futebol “a vida pelo clube” e “jogavam por amor a camisa”, passaram a lutar por mais espaço e melhoria para suas vidas em outras equipes espalhadas por toda parte além-fronteira, deixando de lado a fidelidade e o apego sentimental, antes existente, em detrimento do seu lado profissional, que passou a ser mais valorizado. Aspecto esse responsabilizado pelos críticos a propalada Lei Pelé. Em outras palavras, aquela imagem do atleta que dava a vida pelo clube, que jogava por amor a camisa foi substituída pelo atleta profissional que visava não mais apenas o lado sentimental que tinha pelo clube, mas a sua melhoria financeira enquanto profissional. Embora alguns analistas, como Wilpert (2005) e Scaglia (1999) admitam que estas mudanças têm haver com a visão distorcida de alguns pais que querem ver seus filhos ricos e famosos e da política mercantilista empregada por alguns coordenadores destas escolinhas, que pensando em levar vantagem financeira mal formam os atletas e já os negociam com clubes em geral do exterior, acreditamos que de maneira geral as escolinhas têm cumprido o seu papel na formação e desenvolvimento dos novos atletas do futebol brasileiro. Esse papel executado pelas escolinhas ganha mais respaldo quando se sabe que, ao contrário das outras que visam também o lucro, boa parte das escolas de futebol não está preocupada com o lucro, mas sim com a formação do homem, do cidadão, como é o caso da grande maioria das escolinhas de Campina Grande, em especial, as que estão sob a nossa coordenação, que tantos atletas já formaram para o futebol brasileiro e internacional, a exemplo de Celso Fio que jogou vários anos no futebol suíço, Suélio Lacerda que foi revelado 89 pelas escolinhas e acabou se sagrando bicampeão do mundo pelo São Paulo, Fábio Bilica e Marcelinho Paraíba que já defenderam a Seleção Brasileira e atualmente brilham na Turquia e Alemanha respectivamente, além de Glauber Gomes que atua em Portugal, Gilvanildo Hulk, no Japão, Luciano Paraíba, atual campeão paraibano pelo Campinense Clube, Túlio Show, que joga no Botafogo do Rio de Janeiro, e muitos outros que estão em atuação pelo mundo. A prova da importância do papel que as escolinhas desempenharam e desempenham na formação dos ex e novos atletas pode ser mostrada nos resultados da entrevista realizada com os vinte atletas que passaram pelas escolinhas locais, que ratificaram a contribuição destas para a sua formação como atleta, cidadãos de caráter, dignos de respeito e de um lugar ao sol, que muitas vezes lhes é sonegado pela própria condição de vida que acabam herdando da família, em geral, pessoas de baixa renda e sem a menor condição de oferecerem-lhes um futuro melhor. Além destas contribuições, outras foram consideradas igualmente de grande importância como a orientação para uma vida baseada na disciplina e longe do uso de drogas que tanto mal tem causado às famílias brasileiras de uma forma geral. Diante de tais constatações, o que se pode observar é que se governo e sociedade se unissem em torno de um projeto para disseminação de escolinhas pelo Brasil afora, muitos dos problemas que hoje o País enfrenta poderiam ser resolvidos. A longo prazo, muitos dos recursos que atualmente são investidos no combate a criminalidade, a violência que campeia solta e no uso de drogas cada vez mais desenfreado no País, poderiam estar sendo revertidos para a formação de homens de bem e com um futuro melhor pela frente que não o de roubar, matar e se prostituir como se vê nos dias atuais. As escolinhas de futebol, se bem preparadas para orientar psicológica e pedagogicamente os jovens, poderão se transformar num espaço não apenas para produção de grandes atletas, mas também e principalmente de homens que não mais iriam superlotar os presídios como se vê agora e sim os estádios de futebol do mundo com o orgulho de serem considerados os melhores do mundo não apenas no futebol, mas na vida. 90 REFERÊNCIAS ARAÚJO, P. e DIDONÊ, D. Bate-bola na escola. Escola on-line. Ed. 192 - mai/2006. Disponível em <http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0192/aberto/mt_129542.shtml>. Acesso em 10/01/2008. BELLO, J. L. de P. Metodologia Científica. Pedagogia em Foco. Rio de Janeiro – 2004. Disponível em <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/met01.htm.> Acesso em 20/12/2007. BIELINSKI, R. P. Escolinha de futebol: ensino com emoção. Rio de Janeiro: Grupo Palestra Sport, [S.d.], 136 p. CARVALHO, W. Fábrica de “craques” leva o futebol ao fundo do poço. In. 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Florianópolis – SC. 2005. 93 APÊNDICE 94 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E ENSINO – PPGE MESTRADO EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Eu, Manoel Luis Melo, aluno do Mestrado em Educação de Jovens e Adultos da Universidade Federal da Paraíba, visando dar continuidade a mais uma etapa de minha dissertação, venho solicitar a sua colaboração no sentido de responder as perguntas abaixo, pelas quais desde já agradeço a gentileza. APÊNDICE 1 1) Qual a sua idade, em que equipe joga atualmente e a que País pertence? 2) Em quais aspectos as escolinhas de futebol foram importantes para sua vida? Justifique. 3) Qual o papel das escolinhas de futebol no combate às drogas? 4) Qual a contribuição das escolinhas no combate a exclusão social? 5) Qual a importância das escolinhas de futebol para a formação do caráter do atleta? 95 ANEXO 96 O JOGADOR BRASILEIRO E SUAS ORIGENS Da “pelada” surge o nosso jogador. Entregue a própria sorte, vai desenvolvendo suas habilidades, até aparecer uma oportunidade de treinar no clube”. O aprendizado começa bastante cedo. O primeiro presente do brasileiro é uma bola e por ação da gravidade ela fica no solo. Talvez por comodidade ou facilidade acharam melhor impulsioná-la com o pé. Como vimos, na mais tenra idade, começa o gosto pelo futebol, favorecido ainda mais por uma bola que não quica a bola de meia. É isso mesmo, uma meia cheia de pano e costurada à mão. É a bola que os garotos mais humildes encontram para jogar. Terrenos baldios, praças, ruas, pátios e outros espaços podem servir de lugar para a iniciação do nosso futebol. Não é preciso muita coisa para se praticar o futebol. Bastam quatro tijolos, quatro camisetas, quatro sapatos ou qualquer objeto que forme o gol. A bola pode ser moderna, passando pela bola de meia, chegando às bolas de papel e chapinhas de garrafa. O que o garoto quer é movimento, liberar as energias é uma necessidade, e o gol uma tentação irresistível. Este trabalho de pesquisa bibliográfica está restrito à análise dissertativa referente a metodologia da iniciação no futebol, onde a realidade esportiva do futebol é excessivamente competitiva, na qual as crianças estão expostas às variáveis dos aspectos físicos, técnicos e táticos que operam sobre o desempenho esportivo. Em relação aos aspectos físicos, as atividades aeróbicas são as mais indicadas para esse nível de idade. Trabalhos multilaterais de longa duração e pouca intensidade. No processo ensino-aprendizagem há uma preparação multilateral do indivíduo, trabalhos de coordenação geral, e a preocupação com o tempo de competição a nível escolar, de forma reduzida ou informal. A iniciação ao futebol é ideal para adquirir habilidades coordenativas motoras básicas. A princípio, o treino técnico deve objetivar a aprendizagem de movimentos e não o gesto técnico específico do futebol. A estratégia ou planejamento tático deve ser simples, sem muitas variações de jogo (defensivas e ofensivas), podendo ser em forma de jogos reduzidos ou elementos e objetivos essenciais ao jogo formal. 97 A ESCOLINHA A escolinha de futebol surgiu como conseqüência da redução das condições naturais para a prática livre e espontânea do futebol, com a formalização de uma atividade informal, decorrendo daí a origem de dois tipos de organização, cada uma dedicada a um intuito específico: a seletiva e a não-seletiva. A escolinha seletiva é aquela que tem por objetivo a promoção de jogadores, o que indica que se trabalhem com crianças que demonstrem um potencial próprio, uma aptidão a ser desenvolvida. A não-seletiva já se concentra em possibilitar a prática do futebol a qualquer criança, sem o pré-requisito da sua habilidade inata para o esporte. O PROFESSOR Já foram vistos alguns aspectos que dizem respeito ao professor de Educação Física em atuação na escolinha de futebol, e ficou muito claro que se trata de um profissional de alta especialização. O professor que atua como orientador na escolinha de futebol, além de ser um especialista em futebol precisa entender de evolução biopsíquica do ser humano, pois vai lidar com crianças ainda em formação. O ESPORTE NA ESCOLA A importância da atividade física na educação dos jovens é reconhecida de há muito. O esporte contribui para o desenvolvimento físico harmonioso da criança, preparando-a fisiologicamente para o esforço, auxilia no seu equilíbrio físico e psíquico, participando da formação de sua vontade, do seu caráter, favorecendo assim a sua adaptabilidade social. A educação moderna deve preparar a criança para as atividades do dia-a-dia quando for jovem e/ou adulto, para que ao longo de sua vida, ela pratique esporte e venha a adquirir o hábito e gosto pelo esporte desde a infância. 98 Muito se fala no futebol brasileiro sobre formação de jogadores, mas pouco se sabe como fazer. Nosso futebol é vítima de um pequeno erro de interpretação, pensa-se que formação seja sinônimo de captação. Há uma valorização exacerbada na detecção de "talentos" precoces. Obviamente devido ao fato de a grande maioria dos envolvidos acreditar cegamente na perspectiva de que jogar bem futebol seja um dom divino ou mesmo uma aptidão inata. A cena que vem à mente como analogia a esse fato é a Serra Pelada dos idos dos anos 80, em que um verdadeiro formigueiro humano escavava o solo para achar ouro. Um observador atento verá que o mesmo acontece no futebol. Um número cada vez maior de "empresários" e procuradores de jogadores saem pelo Brasil aliciando menores e iludindo pais, prospectando jovens e encaminhando-os para clubes maiores, para futuras negociações, de preferência com o exterior. Porém esses empresários só existem porque os clubes também pensam da mesma forma tacanha.Ou seja, abrem as portas para receber meninos captados de todas as partes do Brasil, a troco de porcentagem nas possíveis futuras negociações. Aí termina a função do "empresário" - um intermediário - agora ele só precisa dar um chinelinho, um tênis, um celular para agradar de vez em quando os seus meninos, pois é o clube que arcará com todas as despesas de alimentação, moradia, treinamento, transporte, algumas vezes com escola. E se houver uma negociação, o "empresário" leva em média 30% do valor da empreitada. É um negócio da China, como se diz popularmente. Afinal, ele não tira do bolso 30% todo mês para ratear as despesas no investimento. É como o intermediário na agricultura que não planta, não se preocupa com o tempo, não sofre com as geadas, não tem perdas, só ganhos, sem preocupação com todo o processo do plantio à colheita. Sua preocupação está nas vendas. Não estou querendo dizer que estes "empresários" estejam errados, só acho que eles existem, volto a repetir, porque os clubes não formam. Não sabem formar, não sabem gerir um processo pedagógico de aprendizagem do futebol e se tornam reféns. Não conseguem porque não acreditam que futebol se ensine. Para os clubes, o que está implícito em seus discursos e ações é a fala de que, se ele captar bem (achar a pepita), tudo está resolvido, pois é só deixar o menino talentoso confinado "engordando" nos alojamentos, colocá-lo na vitrine e, à medida que aflora o seu talento nato, espera uma boa negociação. Há clubes e aventureiros que gastam milhões construindo estruturas suntuosas, alojando quase uma centena de jovens potenciais jogadores à espera de peneirarem jóias raras e enriquecerem com apenas uma venda. Porém esses investidores, por ignorarem o conhecimento, não gastam nada na formação de seus treinadores, ou melhor, até gastam, pagando altos salários a ex-jogadores que nunca estudaram o processo de formação, que não entendem nada de pedagogia ou mesmo de desenvolvimento humano, mas têm o capital simbólico que o meio acredita (reforçando e reproduzindo o discurso acima mencionado). Resultado: abrem falência muito rapidamente. Manter uma estrutura de formação é muito cara, e o retorno é sempre em longo prazo.