O futebol no país
do futebol
Waldenyr Caldas*
Ao Celso e Carmen, meus amigos.
á faz tempo que o Brasil é visto e
conhecido entre nós e no exte­
rior como o “país do futebol”.
Esta imagem, no entanto, só se con­
solidaria mesmo após a conquista do
nosso primeiro campeonato mun­
dial, na Suécia, quando vencemos os
anfitriões por 5 a 2, em Estocolmo,
no estádio de Raasunda, em 29 de ju­
nho de 1958. Hoje, após 92 anos da
sua introdução no Brasil (Charles
Muller o trouxe para São Paulo em
1894), o futebol é visto pelos estudio­
sos como uma das três maiores ex­
pressões do nosso povo, ao lado da
religião católica e do samba. Somos
conhecidos como “a maior nação
católica do mundo e o país do fute­
bol com samba na veia”.
Como todo fenômeno social de
grande alcance, o futebol tem sido
sistematicamente tema de debates
em todos os veículos de comunica­
ção. E nessas discussões, é claro, não
faltam as opiniões e as análises de cu­
nho político, social e ideológico. Vis­
to como uma atividade lúdica, al­
guns analistas atribuem a esse espor­
J
* Waldenyr Caldas é sociólogo e professor de
Sociologia da UNESP.
te a perigosa função de desviar a so­
ciedade de seus problemas prioritá­
rios como, por exemplo, o desem­
prego, a má distribuição de renda, a
injustiça social e as precárias condi­
ções de vida de determinados seg­
mentos da sociedade brasileira.
O brasilianista Robert M. Levine,
professor do Departamento de His­
tória na Universidade de New York,
é partidário dessa concepção. Para
ele, o futebol não só é o “ópio do po­
vo brasileiro”, como ainda serve de
instrumento da classe dominante pa­
ra manipular as massas como forma
de sublimar a miséria e as desventu­
ras da pobreza, através do sucesso
meteórico da conquista de um cam­
peonato doméstico ou internacio­
nal. Ele considera, ainda, que o signi­
ficado principal do futebol tem sido
o seu uso pela elite para apoiar a
ideologia oficial e dirigir a energia
social por caminhos compatíveis
com os valores sociais prevalecentes.
Discordo dessas opiniões, que
contam, aliás, com muitos adeptos,
por entender que a questão não se
coloca precisamente nesses termos.
A rigor, todo fenômeno social de
grande ressonância popular (no Bra­
sil, o carnaval e o futebol) possui im­
portância social e política incontes­
tável. Esses elementos, porém, não
nos autorizam a atribuir automatica­
mente um caráter reificador embuti­
do nessas manifestações. Transfor-
O FUTEBOL NO PAÍS...
má-las sempre em “ópio do povo”,
em algo alienante, corresponde a ter
uma visão unilateral e maniqueísta
dos processos sociais. Ora, a coisa
não é bem assim. Posso afirmar, sem
margem de erro, que nenhum clube
de futebol nasceu com o intuito deliberado de ludibriar os interesses sociais e políticos do povo. Aliás, ao
contrário! No Brasil, esse esporte se
introduz precisamente na classe dominante, numa elite extremamente
sofisticada e ávida por aprender a jogar o foot-ball introduzido pelos téc­
nicos ingleses, altos funcionários da
Companhia Progresso Industrial e
fundadores do “The Bangu Athletic
Cub” em 1904, no Rio de Janeiro.
E, ao contrário do que se possa pen­
sar, inicialmente os operários da fábrica Bangu estavam impedidos de
praticá-lo. Até porque a bola era ob­
jeto importado e, por conseguinte,
inacessível a esses trabalhadores. Só
mais tarde é que a própria direção da
fábrica cria o time operário do Ban­
gu, visando, na verdade, o aumento
da produção industrial. Isto porque
ela soubera que na Rússia outra fá­
brica inglesa de tecidos organizava
jogos entre os turnos, para incenti­
var a disposição ao trabalho e seu es­
pírito de corpo.
Esse fenômeno, com efeito, talvez
se circunscreva na idéia de que o futebol teria desempenhado uma fun­
ção narcotizante para incentivar a
produção. Isto é possível, mas é um
expediente que, indistintamente, to­
do sistema político usa. Além disso,
é uma questão evidentemente óbvia:
se houver saúde física e corporal, é
claro, a produção tenderá a aumen­
tar. Ressoa aqui a conhecida formu­
lação do marxismo vulgar, de que o
25
futebol, como qualquer outra mo­
dalidade esportiva, estaria nessas
condições, submetendo a força de
trabalho à tirania do capital. Desse
fato decorreria, então, o rígido con­
trole social empreendido pela classe
dominante e o conseqüente desejo
de manter o establishment.
Pessoalmente, vejo o problema de
forma diferente. Não se trata de pre­
ferência, e sim de entender que o fu­
tebol, como qualquer outro esporte,
não deve ser interpretado de forma
linear. A meu ver, a análise ideológi­
ca que se quiser fazer do futebol de
modo geral, e do futebol brasileiro
em particular, não deve deixar de la­
do o seguinte argumento: não é o fu­
tebol em si, nem enquanto manifes­
tação lúdica nacionalmente consa­
grada, que aliena, que desvia a socie­
dade dos seus problemas mais urgen­
tes. Este fato decorre, isto sim, do
uso ideológico que o Estado possa
fazer desse esporte, como faria de
qualquer outra manifestação que ti­
vesse força popular idêntica.
Nesse sentido é que torna-se im­
procedente em nosso país o caráter
alienante atribuído ao futebol, espe­
cialmente a partir dos anos 70, quan­
do coincidem a conquista do tricampeonato mundial no México com o
auge de autoritarismo militar, perso­
nificado na figura do presidente Médici. Acredito, isto sim, que os des­
portos, entre outras coisas, integram
os aparelhos ideológicos do Estado.
Assim como o Estado autoritário
pode usar o futebol para corroborar
ainda mais o seu poder, no Estado
democrático esse mesmo futebol po­
de dar verdadeiras demonstrações de
amor à liberdade e à democracia. Foi
isso, precisamente, o que ocorreu
26
LUA NOVA
com a “democracia corintiana”.
Um movimento extremamente sé­
rio, meticuloso em suas ações, lide­
rado por Adilson Monteiro Alves,
vice-presidente de futebol e seus
companheiros, Sócrates, Casagrande, Wladimir e outros. Conscientes
do que estavam fazendo e daquilo
que queriam, eles levaram o Sport
Club Corinthians Paulista a atingir o
mais alto grau de liberdade e de auto­
nomia dos jogadores como profis­
sionais da bola. Com uma adesão
quase maciça à sua causa (Biro-Biro
e Leão eram contra) e o apoio exter­
no de colegas de outros clubes, a de­
mocracia corintiana eliminou, pelo
menos no departamento de futebol,
uma estrutura montada em bases au­
toritárias, arcaicas e paternalistas,
cujo resultado redundava sempre no
desrespeito ao jogador profissional.
Quero ainda registrar que, na Amé­
rica Latina, este não é um fato isola­
do. O futebol argentino, por inúme­
ras vezes, se rebelou contra a ditadu­
ra militar e a tirania dos dirigentes de
clubes. O sindicato dos jogadores
nesse país apoiou publicamente a
concentração das mães na Plaza de
Mayo, quando reivindicavam dos
ditadores militares a presença e o pa­
radeiro dos seus filhos que, na verda­
de, sucumbiram ao terror e à tortura
a que foram submetidos.
A democracia corintiana, por sua
vez, transcenderia os muros do Par­
que São Jorge para tornar-se uma es­
pécie de exemplo para outros clubes
que, de alguma forma, e por iniciati­
va dos próprios jogadores, deseja­
vam seguir o modelo político de de­
mocracia no futebol, que havia dado
certo em São Paulo. Foi o caso do
Clube de Regatas Flamengo que, em
pleno Maracanã, durante a campa­
nha para as eleições diretas em 1984,
apoiou a candidatura de Tancredo
Neves. Enquanto os jogadores exi­
biam no gramado faixas alusivas à
vitória de Tancredo, a torcida rubronegra apoiava o time e o futuro pre­
sidente com faixas como “O Fla não
Malufa”. Decepcionada, porém, fi­
cou a torcida do Fluminense, quan­
do soube que os dirigentes do clube
haviam “malufado”.
Em São Paulo, o Corinthians não
só conquistava títulos de campeão
paulista, entre outros, como tinha o
maciço apoio das torcidas organiza­
das para continuar seu projeto de­
mocrático. A democracia corintia­
na, aliás, na pessoa de Adilson Mon­
teiro Alves e de Sócrates, foi mais
longe. Juntamente com Juca Kfouri,
jornalista da revista Placar, elabora­
ram em 1983 um documento intitu­
lado “Profissionalismo no Futebol e
a Estrutura Atual”. Nesse ensaio
eles analisam as precárias condições
do futebol brasileiro, suas mazelas,
justamente a partir da estrutura au­
toritária e arrogante que domina
nosso futebol desde 1933, quando
implanta-se
o
profissionalismo.
Conscientes de que a “grande pai­
xão brasileira” deve ser discutida,
rearticulada e organizada de baixo
para cima, os autores entendem que
o caminho da revolução do nosso fu­
tebol só será possível via Poder Le­
gislativo, quando houver inteira e to­
tal reformulação das leis caducas e
desconexas com nossa realidade,
embora continuem dirigindo nosso
futebol. Por isso, justamente, é que
este documento foi apresentado à
Comissão Parlamentar Permanente
de Esportes e Turismo, que vinha
O FUTEBOL NO PAÍS...
promovendo ciclos de debates sobre
a realidade do desporto nacional. O
objetivo dos autores do documento
era dar sua contribuição para apri­
morar, democratizar e tomar o fute­
bol brasileiro mais humano, não só
ao seu profissional, mas também ao
torcedor, principal responsável por
sua existência. Na ocasião, o deputa­
do Márcio Braga coordenava a Co­
missão de Estudos de Esportes da
Câmara Federal, em Brasília. A seu
convite, Sócrates e outros esportistas
ligados ao futebol prestaram depoi­
mentos sobre a situação do futebol
em nosso país.
Como este documento ficou cir­
cunscrito a um reduzido número de
profissionais e interessados no tema
e não chegou a ser editado, vale a pe­
na citar um pequeno trecho onde es­
clarece bem a contribuição dos auto­
res: “A maneira de entregar o fute­
bol para a sociedade não é tão difícil,
embora trabalhosa. Propomos, para
enriquecimentos posteriores, uma
fórmula consagrada em qualquer re­
gime de liberdade. Uma fórmula que
passe por um Poder Legislativo re­
presentado pelos Conselhos Delibe­
rativos dos Clubes e pelo CND; por
um Poder Executivo representado
pela Diretoria dos clubes, das Fede­
rações e pela CBF; e um Poder Judi­
ciário cujas instâncias seriam a Justi­
ça Esportiva, como ramo da Justiça
comum, e um Tribunal de Contas
Esportivas. Tudo isso como resulta­
do de uma estrutura democrática em
que, no Poder Legislativo, os Conse­
lhos Deliberativos fossem eleitos pe­
los sócios dos clubes e o CND pelos
presidentes do Conselho com votos
ponderados, ou seja, de acordo com
o número de eleitores de cada clube.
27
Da mesma maneira se procederia em
relação ao Poder Executivo, onde as
Diretorias seriam eleitas por voto di­
reto dos sócios dos clubes, as direto­
rias das Federações pelos presidentes
dos clubes com votos ponderados e a
CBF pelos presidentes das Federa­
ções com votos também pondera­
dos, garantindo-se desse modo, em
todos os níveis, a real representatividade de cada clube e Federação”.
O Congresso Nacional, por sua
vez, até hoje não se manifestou sobre
o documento, nem sobre o trabalho
realizado pela Comissão de Estudos
de Esportes da Câmara Federal, ape­
sar dos insistentes apelos do deputa­
do Márcio Braga. Há nos meios es­
portivos (especialmente no futebol
profissional) a esperança de que o as­
sunto volte à baila com as discussões
sobre a Constituinte.
Seja como for, o fato é que a expe­
riência da democracia corintiana
trouxe efeitos positivos, deixando de
ser um acontecimento isolado para
se tornar um movimento mais
abrangente. Hoje a discussão políti­
ca no interior dos clubes é fato con­
sumado. E, mais do que isso, é inte­
ressante notar que os sindicatos dos
Atletas do Futebol Profissional de
São Paulo e Rio têm aumentado
consideravelmente o número de as­
sociados. No mínimo reflete interes­
se e uma convergência maior desses
profissionais, que realmente pare­
cem agora estar empenhados em sa­
nar os problemas inerentes à sua ca­
tegoria profissional. Esta política
sindical, por sua vez, é apenas parte
integrante de um contexto político
maior, onde atua o próprio sindicato
e alguns dos seus associados. Em São
Paulo, durante a campanha política
28
LUA NOVA
para a Prefeitura, ficou implícito o
apoio deste sindicato ao candidato
do Partido dos Trabalhadores,
Eduardo Matarazzo Suplicy. Seu
presidente, Wladimir, juntamente
com Casagrande e Reinaldo (exAtlético Mineiro), incorporaram-se
à campanha de Suplicy através da
mídia, emprestando seu prestígio e
popularidade.
Hoje, no entanto, apesar de ainda
não terem uma visão mais crítica dos
problemas que envolvem o atleta
profissional e o futebol brasileiro, os
jogadores têm procurado os sindica­
tos. Principalmente no Rio e em São
Paulo. Em certa ocasião, conversan­
do com Sócrates, em 1983, ele me ci­
tou alguns dados impressionantes:
dos 3.100 jogadores de futebol pro­
fissional no Estado de São Paulo,
apenas 650 eram sindicalizados. Pior
que isso, porém, foram os dados ci­
tados em seu depoimento ao jorna­
lista Oswaldo Mendes, da Folha de
S. Paulo. Falando sobre o declínio
qualitativo do futebol como espetá­
culo, ele deixa de lado, intencional­
mente, as razões estruturais ligadas à
política dos dirigentes de clubes e das
federações para fixar seu comentário
na condição humana do jogador:
“É preciso não esquecer que, no
Brasil, mais de 60% dos jogadores
de futebol ganham menos que o salá­
rio mínimo. A esses jogadores não
interessa dar espetáculo, mas ganhar
de qualquer jeito”.
Na verdade, Sócrates reportava-se
à questão mais delicada do futebol
profissional no Brasil: como este es­
porte em nosso país exige vitórias a
curtíssimo prazo como condição pa­
ra o atleta manter seu emprego, en­
tão elas têm que ser conseguidas,
ainda que para isso se use da violên­
cia e de outros expedientes, em detri­
mento da qualidade do espetáculo.
Além disso, alguns jovens jogado­
res, esperançosos de se transferirem
para grandes clubes, para a
“vitrine” do futebol, como são co­
nhecidos os centros de São Paulo e
Rio, preferem vender sua força de
trabalho por um preço insignificante
e se manterem explorados pelos clu­
bes à espera de uma grande oportu­
nidade. Essa questão desmistifica a
falsa imagem de que jogador de fute­
bol do Brasil é muito bem pago. Isso
não é verdade. Ao contrário, ele ho­
je (e sempre foi assim) é tão mal pago
quanto qualquer outra categoria
profissional. O que ocorre, isto sim,
é que a elite do nosso futebol real­
mente possui bons contratos de tra­
balho. Mesmo assim, nem sempre
todo o elenco de um grande time é
bem pago. Só alguns o são. Não es­
queçamos, por exemplo, que joga­
dores talentosos e famosos como
Garrincha, Tupãzinho (Palmeiras) e
Veludo (Fluminense), entre outros,
morreram miseráveis. Assim, quan­
do falamos da realidade econômica
do jogador profissional em nosso
país, é necessária muita cautela. Ela
é muito diferente do que prevalece
no senso comum. E mais diferente
ainda da realidade do jogador famo­
so, que já consolidou seu status de
craque, e por isso mesmo “virou o
jogo”, mudando a relação de depen­
dência. Nesse estágio ele não precisa
mais do clube. Ao contrário, o clube
é que depende dele, do seu prestígio
profissional, da sua popularidade e
dos seus gols para aumentar as gló­
rias e o lucro. Nenhum torcedor, por
mais compreensivo que fosse, acei­
O FUTEBOL NO PAÍS...
taria assistir um jogo entre São Pau­
lo e Flamengo vendo, de um lado,
Falcão e Oscar sentados no banco de
reservas e do outro Zico e Sócrates,
no mesmo lugar. Ora, nenhum téc­
nico, por mais seguro que fosse das
suas convicções, correria esse risco.
A pressão dos torcedores e dos diri­
gentes não deixaria os craques fora
do espetáculo. Até porque, por for­
ça contratual, muitas vezes eles são
obrigados a jogar mesmo sem plenas
condições físicas.
Assim, o nivelamento por cima
que se faz da remuneração do joga­
dor de futebol no Brasil, falsa ima­
gem criada pela mídia, escamoteia a
realidade. Hoje, apesar de divorcia­
do das grandes conquistas (e das pe­
quenas também) desde 1970, o fute­
bol brasileiro ainda mantém seu
prestígio internacional, embora seja
visível sua implosão no âmbito do­
méstico. Isto compromete ainda
mais a condição econômica do joga­
dor. A desorganização, a falta de
profissionalismo dos dirigentes e os
interesses político-partidários meno­
res são alguns dos elementos que ar­
rebentaram com a já frágil estrutura
do nosso futebol. Os reflexos disso:
estádios vazios, evasão de bons joga­
dores, crise financeira dos times e a
perda de público para outros espor­
tes de massa, como o basquete e o
vôlei.
Temo, sinceramente, pelos desti­
nos do futebol no Brasil, ao não vol­
tarmos tetracampeões do México.
Nasce, por outro lado, a esperan­
ça tolhida nos últimos vinte e um
anos de autoritarismo militar. Com
a democratização do país e a partici­
pação de todos os segmentos da so­
ciedade nesse processo, o profissio­
29
nal de futebol parece, decisivamen­
te, disposto a participar politicamen­
te, não só dos destinos do país, mas
também das questões que envolvem
seu trabalho de atleta. Assim, certa­
mente, ele estará ajudando a mudar
o perfil sócio-econômico do jogador
de futebol em seu país. Até então, es­
se trabalho sobreviveu de alguns
profissionais isolados mais conscien­
tes que, por algum motivo e a seu
modo, resolveram enfrentar a tira­
nia dos dirigentes. São os casos de
Afonsinho, Paulo Cesar Lima (o
Caju), Tostão e, mais recentemente,
o grupo da democracia corintiana.
Este último, como vimos, preocupa­
do com uma nova consciência políti­
ca e profissional entre os jogadores.
A bem da verdade, e para fazer
justiça, a gênese da democracia co­
rintiana tem muito a ver com o joga­
dor Afonsinho. Famoso por seu ta­
lento profissional, pela coragem
com que enfrentava os dirigentes e,
sobretudo, pelas posições políticas
que assumia, ele sempre agiu com
determinação. Foi, durante os anos
70, o primeiro jogador brasileiro a
questionar publicamente nosso siste­
ma político (em pleno governo Médici) e a denunciar a estrutura arcaica
e autoritária em que se apóia até hoje
nosso futebol. Estudante de Medici­
na e jogador do Botafogo do Rio, ele
abriu processo na Justiça do Traba­
lho em 1974 contra seu clube, pelo
direito de negociar seu próprio pas­
se. Esta atitude foi um marco na
conquista dos direitos do futebolis­
ta. Vitorioso na Justiça, alugou seu
passe para os grandes clubes e con­
clamou publicamente os demais co­
legas a fazerem o mesmo. Em 1974,
foi convocado para integrar a Sele­
30
LUA NOVA
ção Brasileira que disputaria o mun­
dial na Alemanha, mas foi cortado
mais tarde por questões políticas.
Por uma dessas ironias que só se
pode atribuir às coisas do destino,
Afonsinho jogou ao lado de Pelé no
Santos. Digo ironia porque Pelé
sempre foi o avesso político de
Afonsinho. Em 1972, em Montevi­
déu, ao conceder entrevista à jorna­
lista Amália Barran, do jornal La
Opinión, sobre a ditadura militar no
Brasil, Pelé responde: “Não há dita­
dura no Brasil. O Brasil é um país li­
beral, uma terra de felicidade. So­
mos um povo livre. Nossos dirigen­
tes sabem o que é melhor para nós e
nos governam com tolerância e pa­
triotismo”. É ... Pelé sabia tudo de
futebol. Era um verdadeiro mago
com a bola nos pés. Mas...
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