Vira-Latas – Complexo e Cultura no País do Futebol Aglutinador da variedade do país, o Rio é percebido pelos brasileiros como a síntese de características e potencialidades nacionais, espaço aberto a todos os que, aqui chegados, seriam cariocas: o lugar que os estrangeiros invejariam. Ser do Rio não dependeria da naturalidade, mas de um estado de espírito e da adoção de seus modismos. Todos poderiam ser um pouco cariocas mesmo sem residir na cidade, desde que adotassem os padrões cariocas de comportamento (...) o Rio, sem interesses regionais, passou a ser no início do século o microcosmo do Brasil. Carlos Lessa Vira-latas ! Complexo e Cultura no País do Futebol 1. Considerações Gerais Identidade e Alma Brasileira se apresentam como um tema desafiante aos estudantes, profissionais e demais interessados no assunto dentro e fora do país. Um intrigante assunto abordado e discutido em diversas línguas e linguagens nos fazendo aproximar cada vez mais da riqueza e complexidade que é a Cultura e a Alma Brasileira. São múltiplos pontos de vista tecendo uma rede de entendimentos que parecem revelar grandes descobertas e contradições. Mas, enfim, esse é o Brasil! Um país do futuro, do passado e do presente; um povo miscigenado, complexo, alegre e, por vezes, obscuro. O interesse e preocupação pessoal pelo tema é de longa data e seu primeiro registro está documentado quando da na conclusão da especialização em Psicologia Junguiana quando apresentei no trabalho final de conclusão apresentei monografia com o título: O Mundo Encantado dos Desenhos Animados que enfoca os aspectos psicológicos dos desenhos animados de Walt Disney com especial destaque a um personagem específico chamado Zé Carioca. É um trabalho em destaque nos estúdios Disney tendo até rendido outros desenhos e uma longa série de revistas infantis. No roteiro, Disney escreve uma viagem do Pato Donald em visita à América do Sul e, particularmente ao Brasil com a missão de estabelecer laços de amizade. Os personagens do desenho que tem como título Saludos Amigos parecem se apresentar fiéis aos respectivos papéis que desempenham em cada cultura perante a outra. Sabemos que a visita de Disney ao Brasil e muitos outros fatos ocorridos nessa época fazem parte de um contexto histórico e político que nos fazem pensar que “a criação do filme está dentro de um contexto criado de política de boa vizinhança já iniciado desde 1933 quando o Departamento de Estado dos EUA iniciou uma série de investidas à América Latina”. (ANAIS, 2000, p. 212). Jorge Luiz de Oliveira Braga – XXII Congresso AJB – Búzios (RJ) 1 Vira-Latas – Complexo e Cultura no País do Futebol E daí foram elaboradas muitas análises e comentários que constituem o trabalho apresentado em Junho do ano 2000 quando o Rio de Janeiro sediou o II Congresso LatinoAmericano de Psicologia Junguiana. Nessa oportunidade, o tema do congresso foi sobre a Identidade Latino Americana que, de forma apropriada, acabou por servir de contexto para a apresentação, em modalidade de Mesa Redonda, de um trabalho autoral específico com o título: “Brasil 500 anos de Zé Carioca”. Nesse contexto, dentro de uma das seções de discussão que privilegiava a questão: “A Persona que a América Latina mostra a si-mesma e ao mundo” foi apresentada uma longa análise sobre os aspectos simbólicos do tema em questão assim como a transformação sofrida pela imagem do personagem de Disney quando, nas séries das revistas infantis, passou a ser apresentado como alguém de má índole, mal falado e, por isso, carreando para si grande parte dos pressupostos e estigmas que pairavam sobre a identidade do carioca. Zé Carioca, o personagem brasileiro na Disney, era inicialmente produzido nos Estados Unidos em quadrinhos, em tiras de jornais e depois passado para o Brasil. Porém, por volta dos anos 70, os estúdios Disney deixaram de produzir material referente ao Zé Carioca e a Editora Abril, de São Paulo, continuou produzindo todo o material aqui no Brasil. O personagem foi caracterizado como malandro, folgado, golpista, que gosta de enganar a todo mundo, passar cheques sem fundos, bancar vivo em cima dos outros e paquerar muitas mulheres. Provavelmente, todas essas características foram muito mais adquiridas aqui no Brasil do que colocadas pela Disney em sua criação, pois estas se apoiavam na visão que o paulista tem do povo carioca. Quando Disney quando veio ao Brasil, gostou muito do povo carioca e não teve a intenção de caracterizar o personagem desta forma. (ANAIS, 2000,p. 213). O amigo do Pato Donald, o Zé Carioca, como é comumente conhecido no Brasil, ficou tão popular que estrelou em dois longa-metragem e cartoons tendo conseguido também ter sua própria tira de jornal. Nessa oportunidade já queria ter trazido essa discussão tendo em vista que a proposição de Nelson Rodrigues sobre o brasileiro e o Complexo de Vira-Latas se apresenta “com se” fosse uma designação mítica e atemporal. Buscar a compreensão desse complexo cultural partindo das representações coletivas do imaginário social, inicialmente apresentada por Disney e, posteriormente desenvolvida pela Editora Abril, possibilitou dar alguma sustentação à complexidade do fenômeno na medida em que as consideração tecidas permitiram a criação de uma ótica transdisciplinar, certamente mais adequada à discussão e ao valioso olhar Junguiano. Continuando a busca de compreensão e conhecimento sobre a Cultura e a Alma Brasileira me propus a lançar outro olhar sobre um indescritível incômodo que é a sensação de inferioridade e menos valia, acompanhada de um desesperador pessimismo e uma visível dificuldade de assumir-se diante de qualquer coisa considerada ou supostamente mais forte ou Jorge Luiz de Oliveira Braga – XXII Congresso AJB – Búzios (RJ) 2 Vira-Latas – Complexo e Cultura no País do Futebol desenvolvido que assola cada brasileiro e que vem sendo, magistralmente, chamado de complexo de vira-lata. Um complexo cultural fielmente descrito e enunciado pelo gênio literário de Nelson Rodrigues. Diante de sua reconhecida importância e genialidade na leitura dos aspectos mais significativos da cultura nacional e da sua mordaz crítica ao futebol, do qual foi um grande entusiasta, é possível perceber a relevância e adequação desse tema para a compreensão da fenomenologia da Cultura e Alma Brasileira. Nos apropriamos do termo “Complexo de vira latas” para que seja possível o dialogo com a Psicologia de Jung a partir da concepção de “Inconsciente e Complexo Cultural”, como uma singular possibilidade de amplificação do tema, até então visto apenas no âmbito literário, auto-punitivo e informativo. A ideia é descobrir as raízes arquetípicas, mítica e simbólica de algo que tanto nos incomoda. Entretanto, não posso deixar de considerar que o placar de Brasil e Alemanha na ultima Copa do Mundo não tenha sido um fato, por demais tentador, para trazer como um forte argumento a favor desse enunciado. Os jogadores chorando no hino, os apagões da defesa, o ataque insipiente, o meio de campo pífio aliado a um “técnico branco” com cara de bravo e atitude infantil que atua como um papai “reclamão” que abriga sua impotência e inadequação quando faz dos seus “bonecos de pau” também impotentes perante a outro homem branco europeu. Mas, como dizia Nelson Insisto: para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão. 2. O Complexo de vira-latas Nelson Rodrigues lança em 31/05/1958, em sua ultima crônica antes da estreia do Brasil na Copa de 1958, o termo Complexo de Vira-latas que segundo o autor: Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: — e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: — porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos. Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica mais de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender lá na Suécia. Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: - para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão (RODRIGUES, 1993, p. 61) Jorge Luiz de Oliveira Braga – XXII Congresso AJB – Búzios (RJ) 3 Vira-Latas – Complexo e Cultura no País do Futebol O termo inicialmente se referia ao trauma sofrido pelos brasileiros quando da copa em 1950 quando a seleção brasileira foi derrotada por 2 x 1 pela seleção Uruguaia no final da Copa do Mundo. Para o autor, o brasileiro se colocaria voluntariamente como inferior em face do resto do mundo em face desse episódio, porém estendeu-se até os dias de hoje no sentido de denunciar um tipo de atitude do brasileiro que se colocaria voluntariamente “como se “ fosse inferior diante do resto do mundo em face desse episódio. É curioso pensar que uma discussão tão importante sobre um delicado assunto como esse possa ter suas raízes em um fato traumático ocorrido com o “escrete nacional” em uma Copa do Mundo realizada no Brasil em 1950. No entanto, o autor e sua obra nos atestam a cada instante dessa competência assegurando-nos que essa escolha representa uma das mais fiéis expressões da alma brasileira e que, por esse motivo, possibilita, em toda sua extensão, a identificação e recolhimento de textos, que se aproximam da essência dos valores e fenômenos nacionais. O texto não se caracteriza como uma discussão cuja essência é o futebol brasileiro da época e nem mesmo articula qualquer ligação causal com a política nacional ou internacional na medida em que dá continuidade à visão que o próprio autor tem sobre esse esporte no país. O futebol é para ele uma das mais expressivas representações da alma brasileira e por isso se mostra dotado de uma fenomenologia tão própria e singular que quase poderíamos considerala “como se” fora uma mitologia. Para o autor, o futebol no Brasil faz o papel da ficção e compõe e é composto pelo Imaginário Social com seu caráter mítico e simbólico. Nelson Rodrigues, com sua habilidade, sensibilidade e inteligência, pode criar esse universo simbólico muito bem retratado em a “A Pátria de Chuteiras”, onde se pode ver, substancialmente, a essência do que é necessário para tratar esse assunto. Conforme já mencionado, a discussão não é sobre o desempenho do escrete nacional e nem mesmo se limita ou se inscreve no âmbito do esporte. Consideramos, para referencia, alguns textos específicos para certificar dessas afirmações em sua obra O Brasil em Campo onde é mostrado uma inequívoca sensibilidade e entendimento do Imaginário Social que sustenta o Brasil. Outra obra também citada em pequenos trechos com intuito de re-criar o universo de significados do autor é “À sombra das chuteiras imortais” que traz substancialmente a essência da essência que se deseja para tratar o assunto. Jorge Luiz de Oliveira Braga – XXII Congresso AJB – Búzios (RJ) 4 Vira-Latas – Complexo e Cultura no País do Futebol Ainda com referencia ao tema temos outra coletânea muito rica em ricas considerações que é “O Brasil em Campo” de onde selecionei três pérolas que irão fornecer a sustentação adequada para o tratamento do tema que são: • “No Brasil, o futebol é que faz o papel da ficção” de uma surpreendente atualidade que nos permite usar o futebol como representação simbólica específica. • “Narciso às avessas, que cospe na própria imagem” onde surge uma discussão específica sobre o complexo de vira-latas • “Quem ganha e perde nas partidas é a alma” onde aborda os aspectos psicológicos do torcedor. Esse sentimento e o famigerado complexo de inferioridade, além de Nelson Rodrigues, também constituem a preocupação de outros autores e escritores como: Monteiro Lobato, Roquette Pinto e Humberto Mariotti e até mesmo, recentemente pelo então ministro Celso Amorin. Já nas décadas de 20 e 30 o tema e as razões da suposta inferioridade já eram discutidos quando Monteiro Lobato apontava a miscigenação como raiz de todos os males nacionais mostrando-se extremamente preocupado com o destino dos brasileiros e, por isso, revelando-se profundamente pessimista no que diz respeito ao potencial do povo. Era comum pensar e considerar que os brasileiros teriam algum tipo de comprometimento de potencial cultural tendo em vista viverem geograficamente em regiões onde o clima quente e úmido pudesse influenciar negativamente ao desenvolvimento do país. Um elemento usado em suas histórias é o Jeca Tatu que, depois de curado, vem a ser um cidadão próspero e empreendedor. 3. Os Complexos Culturais Sobre os Complexos Afetivos A teoria geral sobre os complexos de tonalidade afetiva tem seu início com as primeiras experiências de Jung no hospital público de Zurique valendo-se do teste de associação de palavras e é uma das descobertas iniciais mais significativas de Jung. A partir desse experimento Jung publicou diversas obras a respeito tendo sido pioneiro nessa aplicação de testes psicológicos. Em seu Volume II das Obras Completas ( Estudos Experimentais ) relata suas contribuições aos "Estudos diagnósticos de associações", cujas principais experiências foram realizadas, sob a sua direção, na clínica psiquiátrica da Universidade de Zurique, a partir de 1902 e publicados entre 1904 e 1910. Contem também outros estudos incluídos referem-se aos trabalhos de "Pesquisas Psicofísicas" (1907-1908). Jorge Luiz de Oliveira Braga – XXII Congresso AJB – Búzios (RJ) 5 Vira-Latas – Complexo e Cultura no País do Futebol Freud mais tarde apropria-se do termo complexo e faz uso desses na psicanálise haja vista a tão conhecida expressão complexo de Édipo, sendo que faz uso pela primeira vez em sua conferência A psicanálise e a determinação dos fatos nos processos jurídicos” 1 editada no volume IX das Obras Completas por Freud. O complexo é, em grande parte das vezes, um núcleo inconsciente por ainda não estar tão carregado de energia para que possa ser percebido com certa autonomia, ou seja, com uma vontade própria. No entanto, pode bloquear em medida maior ou menor o fluxo da libido na psique, principalmente no Ego, mantendo relativamente a coesão com a totalidade da estrutura psíquica. È um dos grandes responsável pelas gafes, descuidos, esquecimentos e outros pequenos sintomas que sempre geram complexos embaraços. Pode atuar como um “segundo eu” em oposição ao “eu consciente” e dessa forma, dissociar a experiência imediata colocando a pessoa entre duas verdades, dois mundos ou dois fluxos de tendências opostas e irreconciliáveis com uma ameaça constante de desrealização e despersonalização. Tal fato é notado em determinadas formas coercitivas de neurose com ansiedade e pânico. Outra característica importante dos complexos é a sua capacidade de inflação e enfraquecimento do “eu”. Pode ocorrer uma inflação de um complexo de tonalidade afetiva que gera um eclipsamento do eu consciente gerando também grande possibilidade de dissociação. O complexo mantem em torno de si um forte campo análogo a um campo magnético que arrasta o “eu” subjugando-o e devorando-o. Nesse caso, podemos nos referir a uma identificação parcial ou completa do “eu” com o complexo. Esse fenômeno é muito bem observável, por exemplo, em homens inflacionados por um complexo materno ou em mulheres na mesma condição com complexo paterno. Inconscientemente as palavras, opiniões, desejos e aspirações da mãe ou do pai apoderam-se do seu “eu” fazendo dele o seu porta-voz. Naturalmente, essa identidade entre complexo e “eu” pode existir em diversos graus e ocupar apenas partes do “eu” ou a sua totalidade ou também em diversas formas de psicose ligadas a uma perda total ou parcial do “eu”. Outra forma de experimentar a ação dos complexos é através do fenômeno da projeção, como qualquer outro conteúdo inconsciente. Segundo Jacobi (1990): 1 FREUD, Sigmund. Gradiva de Jensen e outros trabalhos – Vol IX das Obras Completas. Rio de Janeiro:IMAGO, 1969. p. 105. Jorge Luiz de Oliveira Braga – XXII Congresso AJB – Búzios (RJ) 6 Vira-Latas – Complexo e Cultura no País do Futebol Quando o complexo inconsciente é tão fortemente “ejetado”, que adquire o caráter de uma entidade — com frequência, até mesmo ameaçadora — que se aproxima do indivíduo vinda de fora e se apresenta como uma característica de objeto da realidade externa, surgem então sintomas, como os que podem ser observados, por exemplo, nas ideias de perseguição, na paranóia, etc. Nessa circunstância, esse objeto tanto pode fazer realmente parte do mundo externo como pode ser também um objeto que se acredita vir do mundo externo, mas que, na verdade, é um “objeto” de alucinação, oriundo do interior da psique, como, por exemplo, espíritos, ruídos, animais, sons, figuras internas, etc.; e o consciente tem conhecimento do complexo, mas apenas de forma intelectual; por isso, aquele continua atuando com toda a sua força original” ( p. 24) Enfim, podemos perceber a tensão interna na psique e o valor e importância do amadurecimento de cada um desses elementos para as condições de estabilidade na psique. Ainda citando Jacobi (1990): Ser um adulto amadurecido significa reconhecer as diferentes partes da psique como tais e saber relacioná-las entre si de maneira justa. Para chegar a um concurso harmonioso dessas partes da psique, é indispensável primeiro saber distingui-las e delimitá-las entre si. Isso permite que as influências e irrupções do inconsciente possam ser distinguidas do que o consciente já esclareceu, quer dizer, que elas já não possam mais ser confundidas com isso. Portanto saber discernir é a condição prévia não só de um eu pessoal e que não se repete dentro de sua delimitação, mas, no fundo, é também a condição prévia de qualquer cultura superior. ”(p. 26) Sobre o Inconsciente e os Complexos Culturais Conhecendo a natureza e a dinâmica dos complexos apresentada em sua Teoria Geral dos Complexos poderíamos dizer que existem Complexos Culturais que tem causado sensíveis alterações individuais e de grupo ao longo do tempo. O complexo cultural também pode possuir a psique de um indivíduo ou mesmo de um grupo, levando-os a pensar e sentir de maneiras que podem ser muito diferente do que eles pensam que deveria sentir ou pensar. O que sabemos é que o que conhecemos sobre a ação dos complexos culturais é que nem sempre nos levam a atos considerados como politicamente corretos. O que é importante compreender nesse é a existência um nível de complexos que estão além das dimensões individuais e são experimentados psiquicamente em um determinado grupo. A esses complexos que tendem a se agrupar em torno de um núcleo arquetípico e são compartilhados por indivíduos dentro de um coletivo identificado chamamos de "complexos culturais". São carregados de ideias e imagens comuns a um grupo e são compartilhados por indivíduos dentro de um coletivo identificado. Quando se trata de compreender os aspectos Psicopatológicos e emocionais que envolvem grupos, tribos e nações tudo isso é muito importante para compreender esses comportamentos. Jorge Luiz de Oliveira Braga – XXII Congresso AJB – Búzios (RJ) 7 Vira-Latas – Complexo e Cultura no País do Futebol Assim sendo, faz-se necessário pensar a existência de um nível de inconsciente que podemos chamar de “cultural” como uma dimensão entre o coletivo humano e o individual. Um contexto imagético e simbólico pleno de padrões culturais regidos pela memória da história à qual estamos inseridos e que auxilia profundamente na formação de mítica e ritualística do processo de desenvolvimento em indivíduos. Joseph Henderson chamou a essa dimensão de "inconsciente cultural". A elaboração do nível cultural da psique de Henderson tornou um espaço maior para o mundo exterior de vida em grupo para encontrar um lar no mundo interior do indivíduo e permitiu que aqueles imersos no mundo interior de reconhecer mais plenamente o valor profundo da psique, na verdade, acordos para o mundo exterior da experiência cultural coletiva. (HENDERSON 1990, p. 102) A teoria do inconsciente cultural de Henderson também é parte integrante do arcabouço teórico da psicologia analítica. Entende-se que os complexos pessoais e complexos culturais não são os mesmos mas se misturam, interagem e se afetam mutuamente guardando algumas características como: • • • • • Expressam-se em comportamentos repetitivos com forte carga emocional ou reatividade afetiva como seu padrão natural. Resistem aos esforços para torná-los conscientes e permanecem, em sua maior parte, inconscientes. Acumulam experiências que validam sistematicamente seu ponto de vista criando um cofre de memórias ancestrais. O complexo pessoal e cultural age em função de forma involuntária, autônomo e tende a afirmar um ponto de vista simplista, que substitui todos os dias ambiguidade e incerteza com atitudes fixas, muitas vezes hipócrita, para o mundo. Os complexos pessoais e culturais ambos têm núcleos arquetípicos; ou seja, eles expressam tipicamente atitudes humanas e estão enraizadas em ideias primordiais sobre o que é significativo, tornando-os muito difícil de resistir, refletir e discriminar. Os Complexos culturais são baseados em experiências históricas frequentemente repetidas que se enraizaram na psique coletiva de um grupo e na psique de cada um dos membros de um grupo, e eles expressam valores arquetípicos para o grupo. Como tal, os complexos culturais podem ser pensados como os blocos de construção fundamentais de uma sociologia interior. (SINGER,2010. p. 6) Jorge Luiz de Oliveira Braga – XXII Congresso AJB – Búzios (RJ) 8 Vira-Latas – Complexo e Cultura no País do Futebol 4. Amplificando o tema Podemos identificar que o tema requer amplificação e análise tendo em vista que ao contrário do que se pode pensar essa designação “vira-latas” pode não ser pejorativa tendo em vista que o cão vira-latas ser normalmente um cão afável, de rua e que se satisfaz com o pouco que lhe dão, ou mesmo com o que não lhe dão, mas que de algum modo consegue o que precisa no dia-a-dia. Concessões mínimas, pequenas sobras, são para ele grandes vantagens. É o animal amigo do cotidiano sem dono nem moradia fixa e que está nas ruas com seu caráter amistoso lembrando em alguns aspectos um pouco do que Ribeiro Couto chama de Homem Cordial. Em termos gerais se equivaleria ao indivíduo solícito, hospitaleiro, afável, mais guiado pelos sentimentos e emoções do que pela razão. E essa postura chamada de "cordial" parece ser identificada e como um traço marcante dos povos ibéricos e latino-americanos. No entanto, parece haver no mestiço ou mesmo no miscigenado um incômodo e desconforto em não ser branco conforme aponta Gilberto Freire em uma crônica especial no Jornal do Comércio de 15/03/00. É uma dura constatação perceber que a década de 20 e 30 marcaram com extrema brutalidade a Cultura e a Alma Brasileira com os ideais Sanitaristas e Eugênicos e todas as manifestações e observações coletada sobre o mal da mestiçagem. A importação da cultura europeia nesse período trouxe junto aos costumes, culinária, comércio, etc a ideia do Homem Branco como raça pura e superior. Importou-se essa tradição cultural e com ela seus respectivos complexos culturais. Querer fazer do Rio uma nova Paris dos trópicos é um assuntos complexo e delicado pois requere um desvendamento das políticas publicas da época que imaginavam poder afastar a pobreza e a miséria dos centros comerciais e urbanos. É uma discussão com muitas nuances pois teríamos que nos aprofundar sobre as representações existentes em outras regiões do pais, como norte, nordeste, etc de onde, certamente, obteríamos grandes descobertas. No entanto, os nossos maiores traumas parecem estar mesmo antes dessa referida época na medida em que, cordialmente, possamos ter nos colocado como o “bom silvícola” de natureza dócil e pacífica, quase em um estado de um criança. E essa inocência pode nos ter feito se entregar aos conquistadores nossos próprios irmãos e, divididos em facções em nossa casa. O que fica, a partir do estudo e análise de nosso caráter, é a imagem de uma passiva atitude, de perversa inocência que, como já apontamos anteriormente, nos fez submeter ao Jorge Luiz de Oliveira Braga – XXII Congresso AJB – Búzios (RJ) 9 Vira-Latas – Complexo e Cultura no País do Futebol colonizador-opressor, fazendo-nos passar como inocentes vítimas do mundo. Tal disposição, que ainda nos faz agir com o infantilismo característico do arquétipo do eterno imaturo ou puer aeternus é o elemento principal dessa reflexão. Todos esses aspectos encontram na obra de Gambini e Lucy Dias referencias contundentes sobre a gênese do Homo Brasilis conforme também o faz na obra de Sérgio Penna. Nossa baixa auto-estima nos fez vender a alma em troca de um simples espelhinho e hoje estamos certos que, ainda que furássemos nossos olhos, tal qual Édipo, não seria possível esquecer a “miséria de espírito que nos abate”. Além do alto custo histórico-existencial e das muitas vidas desperdiçadas temos agora que suportar a maior das consequências que é a despersonalização de nossas culturas e a consequente pulverização de nossa identidade. As promessas, programas, boas intenções e outros engodos, seja lá de que lado venham, foram os principais instrumentos de sedução que fizeram com que abríssemos as portas para a dissociação cultural, familiar e individual que vivemos em nossos dias. O que fica, a partir do estudo e análise de nosso caráter, é a imagem de uma passiva atitude, de perversa inocência que, como já apontamos anteriormente, nos fez submeter ao colonizador-opressor, fazendo-nos passar como inocentes vítimas do mundo. Tal disposição, que ainda nos faz agir com o infantilismo característico do arquétipo do eterno imaturo ou puer aeternus é o elemento principal dessa reflexão. Encontramos uma interessante discussão sobre essa questão em Pascal Brucner, quando em seu livro “A Tentação da Inocência”, aponta que : Chamo de inocência essa doença do individualismo que consiste em querer escapar às consequências dos seus atos, essa tentativa de gozar dos benefícios da liberdade sem sofrer nenhum dos seus inconvenientes. Ela desenvolve-se em duas direções, o infantilismo e a vitimização, duas maneiras de fugir da dificuldade de ser, duas estratégias da bem-aventurada irresponsabilidade. Na primeira, a inocência deve ser considerada paródia da despreocupação e da ignorância da infância; ela culmina na imagem do eterno imaturo. Na segunda, ela é sinônimo de angelismo; significa ausência de culpa, incapacidade de cometer o mal e se encarna na imagem do mártir autoproclamado Ainda, neste mesmo ponto de vista, podemos ver que esse infantilismo conjuga uma incessante busca de segurança, uma desmedida avidez e a necessidade de ser sustentado sem ter qualquer obrigação ou responsabilidade. Em nossas culturas o infantilismo é mantido através do culto ao consumismo e o divertimento. Jorge Luiz de Oliveira Braga – XXII Congresso AJB – Búzios (RJ) 10 Vira-Latas – Complexo e Cultura no País do Futebol Já a vitimização refere-se à ideia do Terceiro Mundo como um eterno inocente nas mãos de um grande culpado que é o mundo ocidental. Ainda segundo Brucner : Se às vezes o infantilismo e a vitimização se entremeiam eles nunca se confundem. Distinguem-se entre si como o leviano se distingue do grave, o insignificante do sério. No entanto, eles consagram o paradoxo do indivíduo contemporâneo, excessivamente preocupado com sua independência mas ao mesmo tempo a exigir cuidados e assistência, que deseja combinar a dupla linguagem do não-conformismo com a da exigência insaciável. E assim como a criança, que por sua fraca constituição dispõe de direitos que perderá ao crescer, a vítima, por sua desgraça, merece reconforto e compensação. Brincar de criança quando se é adulto e de miserável quando se é próspero é buscar vantagens imerecidas, colocar os outros em posição de devedores em relação a si próprio. 5. Comentário finais Os comentários e conclusões finais apontam para as raízes e fundamentos do sentido e significado desse tão doloroso e importante estigma na alma brasileira. O tema surge na literatura e, através das associações e da amplificação psicológica continua se faz possível o entendimento e compreensão do que Nelson Rodrigues enunciou e denunciou. Foram necessárias associações diversas que apontaram para diferentes direções, mas que constituíram uma rede de sustentação para um tão doloroso entendimento e por isso estamos, por esse ponto de vista, diante de um grave complexo cultural nacional, identificado e tornado visível a partir do contexto do futebol e do escrete nacional como o cenário onde foi possível se fazer visível essas representações do imaginário social. Através dos aspectos simbólicos e mito-poéticos da Psicologia Junguiana foi possível articular Quem é o brasileiro de hoje e como surgiu? Essa é a principal questão de Homo brasilis que vem a ser uma obra e, sobretudo uma perspectiva que reúne artigos de geneticistas, historiadores, lingüistas e antropólogos que procuram, sob óticas diferentes, reconstituir aspectos da história da formação da população brasileira. Os artigos consideram que o Brasil representa um verdadeiro ponto de encontro: aqui convivem ameríndios autóctones, povos oriundos da Ásia, colonizadores europeus, sobretudo portugueses e populações negras trazidas da África pelo tráfico de escravos. Da confluência desses povos iniciou-se um processo de mistura gênica que nos levou ao brasileiro atual. Com base na ideia de que linhagens genealógicas ameríndias, europeias e africanas contribuíram para a composição da população brasileira, foi mapeado a população branca do Brasil atual as distribuições dessas linhagens. Amostras de DNA da população do Norte, Jorge Luiz de Oliveira Braga – XXII Congresso AJB – Búzios (RJ) 11 Vira-Latas – Complexo e Cultura no País do Futebol Nordeste, Sudeste e Sul do país foram estudadas com dois marcadores de linhagens genealógicas: o cromossomo Y para estabelecer linhagens paternas (patrilinhagens) e o DNA mitocondrial para estabelecer linhagens maternas (matrilinhagens). Mas será possível conhecer de forma exata o brasileiro atual? A reunião de artigos de diferentes áreas já mostra que a resposta não vem de uma só fonte. Ao fim da leitura, o leitor não deve esperar uma definição rígida e sintética do Homo brasilis. É preciso descrever e celebrar a diversidade e amplificar o sentido e o significado em ser vira-latas, é nossa raça. 6. Referências bibliográficas que serão utilizadas; Anais do 2. Congresso latino-americano de psicologia junguiana,São Paulo:Paulus,2001. GAMBINI, Roberto e DIAS Lucy.Outros 500 – Uma conversa sobre a alma brasileira.São Paulo:SENAC,1999. JACOBI, Jolande. Complexo,arquétipo e símbolo. São Paulo: Cultrix,1990. JUNG. C. G.Obras Completas.Petrópolis:Vozes. KALSCHED, Donald.O mundo inteiror do trauma:defesas arquetípicas do espírito pessoal. São Paulo:Paulus, 2013. RODRIGUES, Nelson. A pátria de chuteiras.Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 2013. ____.Brasil em campo.Rio de Janeiro:Nova Fronteira,2012. ____.À sombra das chuteiras imortais. São Paulo: Cia. das Letras, 1993. SINGER, Thomas et KIMBLES Samuel.Contemporary Junguian perspectives psyche society.New York:Brunner-Reoutledge,2004. Jorge Luiz de Oliveira Braga – XXII Congresso AJB – Búzios (RJ) 12