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O PARAÍSO AMEAÇADO
Não é por acaso que Alagoas e Maceió, são denominados de “Oásis do Nordeste” e
“Paraíso das Águas”. No Nordeste, Alagoas destaca-se com a menor porção de terras
incluídas no semi-árido e no polígono da seca, mesmo assim, compensada pela presença
do Rio São Francisco e uma das melhores pluviosidades do semi-árido. Na outra vertente,
a Atlântica, a natureza foi demais caprichosa com Alagoas, dando-lhe a condição de verter
a maior parte das águas que brotam da terra, desde a as escarpas do cristalino e dos
contrafortes do Planalto da Borborema até aos exutórios das dezenas de rios e riachos,
que deságuam distribuídos por toda zona costeira do Estado. Pernambuco em suas áreas
fronteiriças nos oferece as primeiras nascentes desse sistema hídrico nas duas vertentes,
porem, pouco pode desfrutar desses mananciais, pois a maior parte desses recursos
d’água drena as terras alagoanas. O nosso vizinho Sergipe deixa muito a desejar em tanta
riqueza hídrica, pois não possui o caudal de drenagem que possuímos na vertente São
Franciscana e muito pouco também de mananciais que drenam para o Oceano.
Maceió, não sendo muito diferente do restante da vertente Atlântica, é mais beneficiado
ainda pelo sistema hídrico oriental do Estado. Não fosse uma estreita faixa de tabuleiros
que separam as vertentes principais e divisores de água que separam os rios Pratagy e
Santo Antônio Mirim (ou Meirim) das vertentes da margem esquerda do Rio Mundaú,
poderíamos afirmar que Maceió seria uma “ILHA, cercada de água por todo os lados”.
Começando nossa viagem a partir dos diversos córregos que nascem nas encostas do
Tabuleiro do Pinto, a exemplo dos mananciais que abastecem Rio Largo a partir da Mata
do Rolo, descendo pela margem esquerda do Rio Mundaú, além deste, com seu imenso
caudal, inclusive gerador de energia em Santana do Mundaú e Rio Largo, encontramos os
mananciais da Usina Utinga Leão, que drenam junto com o Mundaú, para uma imensa
planície de aluvião, inundável nos períodos chuvosos, sempre perene nos períodos de
estiagem. Não fosse a deposição de sedimentos ocorridos ao longo do tempo, talvez essa
planície se constituísse da terceira lagoa do Complexo Estuarino-Lagunar MundaúManguaba, ou mesmo uma extensão da Lagoa Mundaú. Descendo, podemos ainda
encontrar o sistema Catolé-Aviação-Carrapatinho e o Rio Satuba, na desembocadura do
Rio Mundaú. Esses cursos d’água da região noroeste da cidade, apesar de toda ocupação
humana ocorrida, ainda se encontram em bom estado de conservação, porem ameaçados
pelo crescimento urbano desordenado. Do lado oeste e sudoeste, a própria Lagoa Mundaú
e seus canais ainda com a influencia indireta do Rio Paraíba, pela Lagoa Manguaba e a
desembocadura do Rio dos Remédios no Canal de dentro. Ainda neste lado encontram-se
o Canal da Levada, o Canal do Bolão e o Rio do Silva, estes mais ameaçados ainda pela
poluição por lixo e esgotos, apesar do ultimo já ter servido ao abastecimento de água de
parte da cidade e abrigar em suas encostas e seus vales, o Parque Municipal de Maceió.
Pelo lado atlântico, a recém denominada Região Hidrográfica do Pratagy inclui todas as
bacias hidrográficas desde o Riacho Reginaldo até o Rio Sauhaçuhy, na divisa de Maceió
com Paripueira e Barra de Santo Antônio. Estes Rios tiveram seus vales escavados nas
superfícies dos tabuleiros, apresentando vales encaixados em forma de “V” e de “U” com
encostas abruptas, em sua maior parte inadequadas para habitação e, em alguns casos,
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até mesmo inadequadas à agricultura e à pecuária pelas altas declividades de suas
encostas, quase sempre apresentando áreas de risco, devido à sua fragilidade geológica,
expostas e suscetíveis aos processos erosivos com a retirada da cobertura vegetal das
encostas.
A seguir apresentamos uma análise breve dos sistemas de conservação ambiental dessas
bacias e dos seus recursos hídricos, análise esta que serviu de fundamentação e
justificativa para aprovação pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos da criação do
Comitê da Região Hidrográfica do Pratagy, o qual depende apenas da formalização por
decreto do Governador do Estado.
Riacho Reginaldo - Salgadinho comprometido, pela ocupação urbana irregular em
áreas de risco e de importância ambiental, processo este que deve ser revertido. Obras de
grande porte previstas para o vale comprometerão ainda mais a conservação dos recursos
hídricos da bacia, tais como: canal em concreto, eixo viário, interceptores de esgotos, etc.
Destaca-se que tais obras deverão ser objeto de Estudos de Impacto Ambiental e Relatório
de Impacto sobre o Meio Ambiente – EIA/RIMA com ampla discussão com a sociedade.
Essa bacia necessita de ações de revitalização ao invés de obras impactantes e
impermeabilizantes. Uma parte das águas da macro-drenagem do Tabuleiro e os efluentes
de esgotos tratados podem ser armazenados no vale do Reginaldo com a construção de
barramentos, servindo para atividades pesqueiras e revitalização do vale para áreas de
lazer, agroecologia, agricultura orgânica e permaculturas.
Riacho Águas de Ferro ou da Anta Gravemente deteriorado pelo lixão de Maceió
situado em suas vertentes, provavelmente contaminado pelo chorume, além de
comprometido com esgotos domésticos, tem suas encostas e vales em acelerado processo
de ocupação urbana irregular em áreas de risco e de importância ambiental, processo este
que deve ser revertido. Seu curso principal que fluía por entre cordões arenosos litorâneos
para a Lagoa da Anta, foi desviado em parte e retificado, tendo seu exutório transferido
diretamente para a Praia de Cruz das Almas. Atualmente está completamente desmatada.
Rio Jacarecica já foi objeto de estudos para reforçar o abastecimento de água de
Maceió, porém hoje sofre os impactos decorrentes da implantação do Complexo do
Benedito Bentes e conjuntos circunvizinhos, com seus vales nas vertentes de cabeceiras
totalmente ocupados irregularmente por favelas, quando estas áreas no projeto do
conjunto eram previstas e são de preservação permanente. O crescimento desordenado da
cidade ao longo da Via Expressa é outro fator de grande impacto ambiental para essa
bacia, além do projeto de Macro Drenagem do Grande Tabuleiro, cuja vazão prevista pela
é incompatível com o vale do Jacarecica, haja vista, que naturalmente a sua
desembocadura vem sofrendo elevado processo de fechamento pelo mar, comprovando-se
através de estudos de que as praias de Jacarecica e Cruz das Almas estão sendo
acrescidas pela deposição de sedimentos trazidos pelas ondas do mar. A poluição por
esgotos domésticos já é visível na parte do Rio Jacarecica próximo ao mar. Intensifica-se
também o processo de deterioração dos seus manguezais. Se medidas drásticas não forem
adotas, já é um forte candidato a ter morte decretada a exemplo do Riacho Reginaldo. Já
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não é mais possível encontrar-se remanescentes significativos de sua cobertura vegetal
original, mesmo nas encostas que são de preservação “permanente”.
Riacho Garça Torta sofre com os impactos decorrentes da implantação do Benedito
Bentes. Vem sendo ocupada principalmente pelo processo de urbanização da faixa
litorânea. A vegetação nativa quase não mais existe, dando lugar a sítios de coqueiros e
árvores frutíferas.
Riacho Doce sofre com os impactos decorrentes da implantação do Benedito Bentes,
tendo implantado no início do seu vale as Lagoas de Estabilização que servem ao
tratamento dos esgotos, cujo efluente final estão sendo lançados em seu vale, sendo
aproveitado por agricultores do vale para irrigação de culturas. No baixo vale, o processo
de urbanização é desordenado e
acelerado, inclusive pelas encostas. Já
serviu
como
manancial
ao
abastecimento
de
água
do
povoamento de Riacho Doce. O
assoreamento do seu baixo vale é
intenso.
São
pouquíssimos
os
remanescentes de sua cobertura
vegetal original, sendo ocupado em
seu médio vale por pomares de
árvores frutíferas em diversos sítios.
Na foto: mesa de cimento soterrada
pelo assoreamento ficando emerso
apenas o tampo
Rio Pratagy tem as vertentes mais distantes em Messias e drena parte de Rio Largo e
Maceió. É o segundo maior curso e volume de água da Região. Abastece parte do
município de Maceió cujo sistema ainda tem previsão de expansão para atender uma parte
mais significativa da cidade. Em 1993 foi realizado pelo Projeto IMA/GTZ o Diagnóstico
Físico Conservacionista, porém sem terem sido implementadas as suas recomendações, a
situação de deterioração ambiental se agravou, havendo perda significativa da vazão do
seu curso principal. No seu vale
encontra-se implantada a Barragem
de Canoas I e prevista a Barragem de
Canoas II, ambas pela Usina Santa
Clotilde. Por estar próxima ao
Benedito Bentes, sofre os problemas
da urbanização, criação intensa de
gado no seu médio vale e
monocultura de cana-de-açúcar em
quase toda extensão. No baixo vale
predominam as plantações de coco e
a urbanização da faixa litorânea. Toda
a bacia e mais uma faixa com largura
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de 1000m (mil metros) ao longo de todo seu divisor de águas constitui a Área de Proteção
Ambiental do Pratagy, de domínio Estadual, porém até o momento sem ter sido efetuado o
seu Plano de Gestão nem implantado o seu Conselho Gestor. Apesar da crescente
deterioração ambiental, a bacia ainda possui significativos remanescentes da Mata
Atlântica. Na foto, uma pedreira sem controle ambiental em suas nascentes.
Os Rios Meirim e Saúde têm suas
vertentes mais distantes em Murici,
drena também Messias, Flexeiras, Rio
Largo e Maceió. É o e maior extensão
e volume de água na Região
Hidrográfica. Sua bacia é ocupada
pela monocultura da cana-de-açúcar
no médio e alto vale e pela pecuária
no médio e baixo vale e pela
urbanização, na faixa litorânea.
Encontra-se em seu vale o parque
sucro-alcooleiro da Cachoeira do
Meirim e já possuiu a indústria de
tecidos de Saúde, hoje desativada. O seu afluente principal o Rio Saúde é uma alternativa
promissora para o abastecimento de água do litoral norte de Maceió e Paripueira, pelo seu
volume e qualidade das águas. Nele
está implantada a Barragem de
Prensas que serve para irrigação da
cana-de-açúcar. Nesta bacia ainda são
encontrados remanescentes de Mata
Atlântica que abrigam espécies
extinção, a exemplo da capivara. Na
primeira foto, nascente do Rio Saúde
na Serra da Saudinha. Na segunda
foto, o Rio Saúde próximo ao deságüe
no Rio Meirim. A Serra da Saudinha,
única elevação do município de Maceió
atrativa das chuvas orográficas é
responsável pela manutenção de suas nascentes principais e já é objeto de vários estudos
e pesquisas que apontam para a sua preservação. Destaca-se ainda que no entorno da
Barragem de Prensas já está sendo implantada uma Reserva Particular do Patrimônio
Natural – RPPN, pela Usina Cachoeira, que poderá ser integrada à Serra da Saudinha e ao
vale do Rio Saúde, para formar uma Unidade de Conservação.
Outros cursos d’água de menor porte completam as riquezas hídricas de Maceió, sendo
eles: o Rio do Senhor, o Riacho da Estiva, o Rio Sauaçuhy – Paraguai, o Rio Feira
e o Rio Sapucaí. Esses, não menos importantes pelas suas extensões, sofrem os efeitos
da ocupação urbana desordenada da faixa litorânea e a monocultura da cana-de-açúcar
nas suas encostas e vales.
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A Bacia Hidrográfica Endorreica do Tabuleiro do Martins e do Pinto drena parte de
Rio Largo e Maceió. Para o ponto mais baixo do tabuleiro, onde hoje estão situados o
Distrito Industrial Governador Luiz Cavalcante e os Conjuntos Habitacionais Salvador Lira e
José Maria de Melo. Nesse ponto, o qual não deveria ter sido urbanizado, as águas pluviais
se acumulavam e com a ajuda da vegetação arbórea da Mata Atlântica, infiltravam-se no
solo recarregando naturalmente o grande aqüífero que mantêm ainda hoje, apesar do
impacto significativo causado pela urbanização, as nascentes e o regime perene dos cursos
d’água anteriormente citados. O polêmico projeto de Macro-Drenagem desta área prevê o
desvio de toda essa água que era infiltrada, para a o Rio Jacarecica, sem que tenham sido
prognosticados os impactos e conseqüências que trará esse volume de água para a calha
do Rio Jacarecica e para sua desembocadura, sem barramentos, na qual já existe
acelerado processo de urbanização. Apesar da implantação das lagoas de retardamento do
Distrito Industrial, Salvador Lyra e Graciliano Ramos, os problemas não foram solucionados
por esse projeto. Esse volume de água deveria ser reintroduzido no lençol freático por
meio de poços de recarga artificiais, e o excedente ser distribuído para barragens que
poderiam ser implantadas nas bacias que esse aqüífero alimenta ao invés de alimentar
apenas o Rio Jacarecica. Note-se que, se em condições adversas de pluviosidade essa
Bacia viesse a transbordar o direcionamento natural seria vertido para o Riacho Reginaldo,
o qual para ser revitalizado necessita de reintrodução de águas no seu leito atualmente
servindo apenas para transporte de esgotos domésticos “in natura”. Com a recarga
artificial do aqüífero do Grande Tabuleiro o Riacho Reginaldo poderá voltar a ter o seu
regime de perenidade e ser revitalizado.
Há de se reconhecer que se todas essas bacias fossem rigorosamente preservadas em
seus vales e encostas, ocupando-se apenas as superfícies dos tabuleiros de forma
planejada ambientalmente, juntas formariam um grande complexo hídrico que barrados os
seus vales e interligados por túneis subterrâneos, seria a grande solução para o
abastecimento de água da Grande Maceió, por muitas décadas, a custos mais baixos do
que tratar água do Rio Mundaú ou transpor águas do Rio Niquim ou mesmo do São
Francisco. Esse sistema faz com que Maceió seja uma das capitais brasileiras que mais
possuem mananciais de água doce próximos da área urbana, porém essa importância não
vem sendo considerada pelos administradores e planejadores da cidade. Nenhuma capital
do Nordeste, à exceção de São Luiz, possui tão valioso patrimônio natural.
A desurbanização e desafetação desses vales e encostas deveriam ser programa prioritário
da administração municipal, removendo as habitações e ocupações existentes
gradativamente e transferindo essa população para áreas de tabuleiros onde as condições
de habitação, transporte, energia, saneamento, e serviços públicos seriam mais favoráveis,
com menores custos e riscos e ao mesmo tempo evitando que novas ocupações venham a
ocorrer principalmente nas encostas e vales ainda preservados, respeitando-se o Código
Florestal que vem sendo descumprido pela municipalidade ao permitir a ocupação das
bordas dos tabuleiros (faixa de cem metros) e das encostas (declividade superior a 45%) e
das faixas marginais dos cursos d’água, áreas estas de preservação permanente “pelo só
efeito da Lei”. É necessário que o Ministério Público interceda no sentido de que o Código
Florestal seja respeitado no município de Maceió.
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Narcelio Robson de Melo
Especialista em Planejamento e Administração de Recursos Ambientais
Arquiteto e Urbanista
Técnico em Saneamento
Diretor Técnico da Cooperativa de Trabalhadores Ambientalistas – Cootram
Chefe do Setor de Controle Ambiental da Companhia de Abastecimento de Água e
Saneamento do Estado de Alagoas – Casal.
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O PARAÍSO AMEAÇADO - ABES