Problemas Matemáticos para
o Século XXI
Listas com problemas matemáticos em aberto algumas vezes aparecem,
principalmente para marcar alguma data especial. Foi este o caso da lista de
problemas proposta por Hilbert [1] em 1900, conhecida como os Problemas
de Hilbert, que marcou a virada do século XIX para o século XX, e mais
recentemente uma lista proposta por Smale [2] em 1998, com a finalidade de
marcar a passagem do século XX para o século XIX.
Na lista original de Hilbert são propostos 23 problemas. Matemáticos do
mundo todo mergulharam na busca de suas soluções. Por sua vez, Smale
propõe 18 problemas sendo que alguns deles apareceram inicialmente na lista
de Hilbert. Enquanto que na lista de Hilbert o entendimento de certos aspectos
topológicos era a ênfase, na lista de Smale este papel é ocupado pela idéia de
algoritmo de tempo polinomial.
A seguir são listados 8 problemas matemáticos em aberto. Entre eles
estão alguns dos mais importantes problemas da Matemática atual. Os
problemas marcados com (*) têm um prêmio de 1 milhão de dólares para a
apresentação de uma solução [3]: A Conjectura de Goldbach (*), A
Hipótese de Riemann (*), A Conjectura de Poincaré (*), A Conjectura
Jacobiana, O 16o Problema de Hilbert, P versus NP (*), As Equações de
Navier-Stokes (*) e A Conjectura de Carathéodory.
[1] http://aleph0.clarku.edu/~djoyce/hilbert/toc.html
[2] S. Smale, Mathematical problems for the next century, Math. Intel. 20.
[3] www.claymath.org/prizeproblems
1
A Conjectura de Goldbach
Os números primos sempre fascinaram o ser humano. A partir de sua
definição simples podemos obter resultados belíssimos, como o Teorema
Fundamental da Aritmética e a existência de infinitos números primos.
No entanto, conhecemos muito pouco a respeito dos números primos.
Por exemplo, os primos da forma p e p + 2 são conhecidos como primos
gêmeos. Assim, 3 e 5, 5 e 7, 11 e 13, 17 e 19 são exemplos de primos gêmeos.
Uma questão que se coloca é a seguinte: Existem infinitos primos gêmeos?
Não se conhece uma resposta para esta questão. Em 1919, Brun provou que a
série formada pela soma dos recíprocos dos primos gêmeos converge, obtendo
B=
∑
1
1  1 1 1 1  1 1 
 +
 =  +  +  +  +  +  + ... = 1,902... .
 p p + 2   3 5   5 7   11 13 
Uma outra especulação a respeito dos números primos nos leva à
seguinte lista
4 = 2 + 2, 6 = 3 + 3, 8 = 3 + 5, 10 = 5 + 5, 12 = 5 + 7, 14 = 7 + 7, 16 = 5 + 11,... .
Parece que todos os números inteiros pares maiores do que 2 podem ser
escritos como sendo a soma de dois números primos. Esta observação foi feita
em 1742 por Christian Goldbach numa carta a Euler.
Conjectura de Goldbach: Todo número inteiro par maior que 2
pode ser escrito como uma soma de dois números primos.
Várias tentativas para a sua demonstração têm sido feitas. Por exemplo,
já se mostrou que ela é verdadeira para inteiros pares menores que 4.1014 . O
caso geral continua em aberto.
2
A Hipótese de Riemann
1 1 1 1
Euler estudou a série ζ ( s ) = 1 + s + s + s + s + ... =
2 3 4 5
∞
∑
n =1
1
, para
ns
inteiros s > 1 (claramente ζ (1) diverge). Uma surpreendente relação entre
ζ (s ) e os números primos foi também estabelecida por Euler,
1
1
1
1
2s
3s
5s
7s
ζ ( s) = 1 + s + s + s + s + ... = s
... ,
2
3
4
5
2 − 1 3s − 1 5 s − 1 7 s − 1
ou seja
ζ (s) =
∏
p
1
,
1 − p −s
onde o produto é tomado sobre os números primos p.
Riemann estendeu a definição de ζ (s ) para todos os números
complexos s, exceto para s = 1, a qual posteriormente passou a ser conhecida
como função zeta de Riemann.
Um zero de ζ (s ) é um número complexo s tal que ζ ( s ) = 0 . Pode-se
mostrar que a função zeta de Riemann tem zeros triviais em − 2, − 4, − 6,....
Utilizando o produto de Euler mostra-se que todos os outros zeros de ζ (s )
estão na faixa crítica determinada pelos números complexos não reais com
0 ≤ Re( s ) ≤ 1 , e que eles são simétricos em relação à reta crítica Re( s ) = 1 .
2
Podemos assim enunciar a Hipótese de Riemann: Todos os zeros não
triviais de ζ ( s ) estão sobre a reta crítica.
Em 1986 foi mostrado que os primeiros 1.500.000.001 zeros não triviais
de ζ (s ) estão sobre a reta crítica. Em 1900, Hilbert listou a Hipótese de
Riemann como um dos mais importantes problemas em aberto da Matemática.
3
A Conjectura de Poincaré
Uma superfície regular (dimensão 2) em R 3 pode ser vista como uma
união de pedaços de planos que foram deformados e colados, de modo que em
cada um de seus pontos faça sentido falar do plano tangente à superfície nesse
ponto. Uma superfície regular é chamada compacta se ela for limitada (puder
ser colocada dentro de uma esfera de raio conveniente) e fechada (toda
seqüência convergente de pontos sobre ela converge para um ponto dela).
Uma superfície regular é chamada conexa se para quaisquer dois pontos sobre
ela, existir uma curva conectando esses pontos, inteiramente sobre a
superfície. Um elipsóide é uma superfície regular, compacta e conexa.
Uma hipersuperfície regular, compacta e conexa (dimensão 3) em R 4 é
uma generalização do conceito de superfície regular, compacta e conexa em
R 3 . Por exemplo, a esfera tridimensional S 3 de raio 1 é definida como sendo
o conjunto dos pontos no espaço R 4 cuja distância até a origem é igual a 1,
{
}
isto é, S 3 = x = ( x1 , x 2 , x3 , x 4 ) ∈ R 4 / x = x12 + x 22 + x32 + x 42 = 1 .
Estamos em condições de formular a Conjectura de Poincaré:
Suponha que uma hipersuperfície regular, compacta e conexa M em R 4
tenha a propriedade de que toda curva fechada sobre ela possa ser
deformada num ponto sem sair da hipersuperfície. Então M pode ser
deformada numa esfera tridimensional S 3 ?
Poincaré estudou o problema acima, exibindo uma resposta afirmativa
para ele. Posteriormente percebeu um engano em sua resposta. A Conjectura
de Poincaré pode ser adaptada para dimensões n > 3 . Smale deu uma resposta
afirmativa para n ≥ 5 , enquanto Freedman deu uma resposta afirmativa para
n = 4 . Ambos ganharam a Medalha Fields.
4
A Conjectura Jacobiana
Consideremos uma aplicação f : R n → R n polinomial, ou seja,
f ( x1 ,..., x n ) = ( f 1 ( x1 ,..., x n ), f 2 ( x1 ,..., x n ),..., f n ( x1 ,..., x n ) ) ,
onde as funções f i , i = 1,..., n , são funções polinomiais de n variáveis.
Sabemos que f é derivável e a derivada de f em cada ponto
x 0 = ( x10 ,..., x n0 ) ∈ R n é uma transformação linear Df ( x 0 ) : R n → R n , a qual
pode ser representada por sua matriz Jacobiana
∂f 1 0 
 ∂f 1 0
( x ) ...
(x )

∂
∂
x
x
n
 1

...
...  .
Df ( x 0 ) =  ...
∂f n 0 
 ∂f n 0
 ∂x ( x ) ... ∂x ( x ) 
n
 1
 n× n
Dizemos que Df ( x 0 ) é não-singular se sua matriz Jacobiana for nãosingular. Neste caso, em particular, Df ( x 0 ) é injetora. Pelo Teorema da
Aplicação Injetora, sabemos que existe uma vizinhança V de x 0 tal que f
restrita à vizinhança V é injetora. Em outras palavras, a injetividade da
derivada de f num ponto garante que f é injetiva numa vizinhança desse ponto.
Estamos em condições de enunciar a Conjectura Jacobiana: Suponha
que uma aplicação polinomial f : R n → R n tenha a propriedade de que
sua derivada em cada ponto seja não-singular. Então f é injetora?
Observemos que o Teorema da Aplicação Injetora garante apenas que f
é localmente injetora, em cada um dos pontos de seu domínio. A partir disso
não podemos garantir a injetividade global.
A Conjectura Jacobiana é um problema em aberto mesmo para o caso
n = 2 . O professor Carlos Gutierrez da USP de São Carlos tem dado
contribuições significativas à sua solução.
5
16o Problema de Hilbert
Os problemas de Hilbert foram anunciados em Paris em 1900, durante o
segundo Congresso Internacional de Matemática.
Apresentamos abaixo uma versão moderna do seu 16o
problema.
Considere uma equação diferencial em R 2
 x ′ = P ( x, y )

(∗) 
 y ′ = Q ( x, y )

onde P e Q são funções polinomiais. Um ciclo limite de (*) nada mais é do
que uma solução periódica isolada, ou seja, é uma solução fechada de (*) tal
que todas as soluções próximas tendam para ela.
Podemos agora enunciar o 16o Problema de Hilbert: É o número K de
ciclos limites de (*) limitado da forma K ≤ d q , onde d é o máximo dos
graus de P e Q, e q é uma constante universal?
Segundo Smale, tirando a Hipótese de Riemann, este é o problema mais
desafiador proposto por Hilbert. Um número muito grande de matemáticos
têm procurado a solução deste problema mas esta, todavia, está muito longe de
ser obtida, mesmo para o caso em que d = 2 .
Mesmo a questão da finitude dos ciclos limites de (*) está longe de
alcançar seu desenvolvimento definitivo. Dulac (1923), Écalle (1992) e
Ilyashenko (1991) deram contribuições ao entendimento deste problema.
6
P versus NP
Um algoritmo é um procedimento para resolver um problema que pode
ser executado por um computador: todo passo é especificado por um
programa. Algumas questões que se colocam são as seguintes: quão eficiente é
um algoritmo para resolver um dado problema? De que modo o número de
cálculos necessários para fornecer uma resposta depende dos dados iniciais?
Para propósitos teóricos procuramos classificar os problemas a serem
resolvidos. Aqui vamos trabalhar com duas dessas classes, sendo que a
principal distinção entre elas está nos problemas que são do tipo P (tempo
polinomial) e aqueles que não são. Um problema é do tipo P se ele pode ser
resolvido utilizando um algoritmo cujo tempo de execução é limitado por
alguma potência fixa do número de símbolos exigidos para especificar os
dados iniciais. Caso contrário o problema é chamado não P.
Podemos provar que um problema é do tipo P fornecendo um algoritmo
que resolva o problema em tempo polinomial. Por exemplo, está na classe P o
Problema do Inspetor de Estradas. Em contraste, acredita-se que o Problema
do Caixeiro Viajante esteja na classe não P, mas isso nunca foi provado.
Coloca-se, então, a seguinte questão: por que é difícil provar que um dado
problema está na classe não P ? A resposta é bastante simples. Você teria que
contemplar todos os possíveis algoritmos e mostrar que nenhum deles resolve
o problema proposto em tempo polinomial.
Agora a classe NP (nondeterministic polynomial time) é composta pelos
problemas para os quais você pode verificar se uma solução proposta é uma
solução em tempo polinomial. Claramente temos P ⊂ NP. Uma conjectura foi
então formulada: P = NP ? É crença de muitos que a classe NP contenha
propriamente a classe P.
7
As Equações de Navier-Stokes
Talvez seja o mais célebre problema em Equações Diferenciais Parciais.
Para entender o seu enunciado precisamos lançar mão de algumas definições.
Aqui R + = [0, ∞) e Ω ⊂ R 3 . Para as funções p : Ω → R e u : R + × Ω → R 3 ,
onde u (t , x1 , x 2 , x3 ) = (u1 (t , x1 , x 2 , x3 ), u 2 (t , x1 , x 2 , x3 ), u 3 (t , x1 , x 2 , x3 ) ) , definimos
∆u como sendo o Laplaciano de u nas variáveis espaciais ( x1 , x 2 , x3 ) , ∇p
como sendo o gradiente da função escalar p, u ⋅ ∇ como sendo o operador
3
∑
1
ui
∂
e v uma constante positiva.
∂xi
As equações de Navier-Stokes descrevem o movimento de um fluido
em Ω ⊂ R 3 . Essas equações devem ser resolvidas de modo a encontrar um
campo de velocidade u e uma pressão p satisfazendo determinadas condições
em t = 0 e no bordo de Ω . As equações de Navier-Stokes podem ser escritas
da seguinte maneira:
∂u
+ (u ⋅ ∇)u − v∆u + ∇p = 0 e div u = 0 .
∂t
O problema que se coloca é o seguinte: As equações de Navier-Stokes,
para um conjunto Ω ⊂ R 3 , têm uma única solução regular para todo o
tempo t ?
Muitos matemáticos têm contribuído para o entendimento deste
problema. Uma resposta afirmativa foi dada para o caso bidimensional. Em
dimensão 3 uma resposta afirmativa foi dada para t em um pequeno intervalo
[0, T ] . A solução deste problema poderá ser um passo fundamental para o
entendimento de problemas ainda mais complicados, como é o caso do
entendimento do fenômeno da turbulência.
8
A Conjectura de Carathéodory
Tomemos uma superfície regular e orientada S em R 3 . Para cada ponto
p ∈ S está bem determinado o plano tangente a S no ponto p (T p S ). Sobre
T p S tomemos a circunferência unitária S 1 centrada no ponto p, determinada
pelos vetores unitários tangentes a S no ponto p. Seja v ∈ S 1 . Chamemos plano
normal a S no ponto p ( Π p (v) ) o plano gerado pelos vetores v e N p , onde
este último é o vetor normal unitário a S no ponto p da orientação escolhida. A
interseção de S com Π p (v) resulta numa curva planar sobre a superfície S,
denominada seção normal de S no ponto p, a qual possui uma curvatura, que
mede o quanto ela se afasta de ser uma reta, chamada curvatura normal de S
no ponto p e denotada por k n ( p, v) . Fixando p e variando v podemos
construir uma função contínua k n ( p ) : S 1 → R . Como S 1 é um conjunto
compacto (fechado e limitado), segue que k n ( p ) tem máximo e mínimo em
S 1 , denotados por k 2 ( p ) e k1 ( p ) , respectivamente. Decorre do que foi
discutido que k1 ( p ) ≤ k 2 ( p ) . Um ponto p ∈ S é chamado de ponto umbílico
quando k1 ( p ) = k 2 ( p ) .
Uma superfície regular S é chamada de ovalóide quando ela for
compacta (veja A Conjectura de Poincaré) e convexa (T p S deixa S de um
lado, para todo p em S). O nome é bastante sugestivo uma vez que em geral
um ovalóide tem o formato de um ovo. Podemos enunciar a Conjectura de
Carathéodory: Sobre todo ovalóide existem pelo menos dois pontos
umbílicos. Na esfera todos os pontos são umbílicos; no elipsóide de revolução
os dois pólos são pontos umbílicos; no elipsóide de três eixos distintos temos
quatro pontos umbílicos; o caso geral continua em aberto.
9
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Problemas Matemáticos para este Século