Práticas de Accountability na Administração Pública Brasileira: existe espaço para este
Instrumento na Saúde Pública Tupiniquim – via Conselhos de Saúde?
Autoria: Tiago José Gonzaga Borges
Resumo
Este artigo objetiva verificar quais são as atuais condições para a inserção de práticas de
accountability no âmbito da Saúde Pública, via Conselhos de Saúde. O ponto de partida surge
do artigo seminal de Ana Maria Campos cujo enfoque é pensar se já possuímos condições
para entender o conceito de accountability no Brasil. Então, buscou-se o alicerce em pesquisas
anteriores para avaliar se os conselhos de saúde possuem essas práticas e se o setor pode ser
considerado accountable. Os achados dessa discussão apontam para a existência de práticas
pontuais de accountability, mas que ainda não dão suporte à segunda hipótese.
1 1. Introdução
A discussão a respeito do tema accountability no contexto brasileiro ainda passa por um
período de fermentação no qual espera-se que o produto final esteja alinhado ao ideal de um
ambiente democrático – propício ao favorecimento de uma relação mais próxima entre Estado
e Sociedade. Todavia, existem fatores que podem ser considerados como entraves pra que este
processo, de fato, se desenvolva. Diante dessas perspectivas, Ana Maria campos em seu artigo
seminal intitulado “Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português?” aborda
justamente o fato de que a Administração Pública Brasileira ainda não possui os aspectos
democráticos necessários para invocar o conceito a accountability.
Por conseguinte, é com base neste brilhante trabalho que surge a questão motivadora deste
texto: existe espaço para instrumentos de accountability na Saúde Pública Tupiniquim – via
Conselhos de Saúde? E, além disso, é possível considerar o nicho de conselhos de saúde como
um setor accountable? Pois bem, para tentar viabilizar um campo de discussão relativo à
questão norteadora desta pesquisa busca-se por meio de uma revisão da literatura pontuar
aspectos que envolvem as condições e problemas que de alguma forma impactam no cenário
da administração pública brasileira, quando abordamos os elementos necessários para que
possamos pensar em como aplicar e melhorar o ambiente para a presença da accountability.
A estrutura do trabalho está dividido em quatro seções, além da introdução. Num primeiro
momento objetiva-se, com base na literatura, verificar quais são as explicações para inserção
da accountability na administração, além das fragilidades existentes no campo que dificultam e
ao mesmo tempo oferecem oportunidade de melhorias para o acolhimento de um ambiente
accountable. No segundo, se discute a evolução dos modelos de administração pública sob a
ótica dos aspectos de accountability. Já no terceiro, procura-se analisar como a Saúde Pública,
na figura dos Conselhos de Saúde, pode ser considerada quando abordada sob o enfoque da
accountability. Neste momento, toma-se como referência para este intento pesquisas anteriores
que avaliaram questões ligadas ao contexto deste instrumento. Por fim, são apresentadas as
considerações finais e possíveis desafios a serem travados.
2. Ensaiando explicações para uma possível inserção da Accountability no contexto
da Administração Pública brasileira. Existem condições para tal?
Uma rápida incursão pela produção teórica a respeito do tema accountability remete ao texto
seminal de Ana Maria Campos, publicado em 1990, na Revista da Administração Pública,
onde é levantado um questionamento acerca da aplicabilidade do termo ao contexto brasileiro.
Como pano de fundo para essa discussão a autora considera, em síntese, que falta aos
brasileiros não o significado, mas sim o conceito de accountability para que, a partir daí, este
possa serentendido, difundido e inserido na administração pública. Logo, surge a necessidade
de se entender quais aspectos influenciam a formulação do referido conceito.
Sob a égide deste pensamento, Campos (1990) credita à Frederich Moshero seu entendimento
inicial de que accountability representa algo similar à reponsabilidade objetiva ou obrigação de
responder por algo.Schedler (1999) afirma que a interpretação do conceito de accountability
traz consigo dimensões e significados diferentes. Existem duas interpretações básicas para que
se possa entender accountability no cenário de política. A primeira delas se refere à capacidade
que os governos têm de dar respostas, entendidas aqui como explicações de seus atos, às suas
obrigações oficiais previamente instituídas – answerability. Já a segunda faz alusão às agências
de accountability (accounting agencies) e a sua capacidade de enforcement para sancionar
aqueles que porventura violarem os deveres públicos (SCHEDLER, 1999). Nesse sentido,
Carneiro (2004, p. 3) afirma que “a noção de accountability, é basicamente, bidimensional:
envolve capacidade de resposta e capacidade de punição (answerability e enforcement).”.
Segundo O’Donnell (2006) a definição de accountability pode também ser trabalhada em uma
perspectiva horizontal onde se tem as práticas de fiscalização exercidas pelos cidadãos e pela
sociedade civil, com o objetivo de constituir formas de controle sobre os agentes públicos.
2 Ainda segundo o autor a accountability vertical ocorre por meio de organismos
institucionalizados que se controlam e se fiscalizam mutuamente, sob a perspectiva de checks
and balances (freios e contrapesos). Além disso, destaca-se a atuação de agências
governamentais que tem por finalidade monitorar e fiscalizar o poder público e seus
respectivos órgãos estatais (O’DONNELL, 2006; REZENDE, 2013).
Todavia, após uma pequena exposição do significado do termo em análise, salienta-se a
necessidade de observarmos quais são os indivíduos que detêm a prerrogativa de
responsabilizar outrem por alguma conduta inapropriada? Como os responsabilizados
ingressam no serviço público? Estes são representantes da sociedade eleitos
democraticamente? Ou são servidores de carreira? Que tratamento se dá a esta diferenciação
em termos de responsabilização? Quais as implicações para condutas que não atendam à
finalidade precípua do Estado? Como se acompanham as atividades dos agentes públicos para
verificar se estão adequadas à conduta desejada? É por meio da prestação de contas destes para
com a sociedade? Estes são questionamentos que permeiam a discussão da atuação da
administração pública quando nos perguntamos para quem o servidor trabalha?
Adicionalmente, queremos saber qual é o canal para que a sociedade saiba que este trabalho
realmente está sendo empregado com a finalidade e o vigor necessário para atender às
demandas sociais. Dentro desse contexto, existem aspectos democráticos incrustados, muitas
vezes de maneira latente, que precisão de estímulos para que sejam, então, incrementados e
melhorados, abrindo, assim, espaço para criação de uma ponte informacional entre governo e
sociedade.
De acordo com Campos (1990, p.4) “Quanto mais avançado o estágio democrático, maior o
interesse pela accountability [...] a accountability governamental tende a acompanhar o avanço
de valores democráticos, tais como igualdade, dignidade humana, participação,
representatividade.”. Não por acaso, a autora se posiciona no sentido de afirmar que o povo já
internalizou a ideia de tutelado pelo poder do Estado e que, por conta disso, não atende aos
preceitos elencados. Campos (1990) conclui seu texto afirmando que ainda não é possível
encontrar uma palavra no português para traduzir accountability, pois a relação da burocracia
brasileira entre Estado e Sociedade não atende à ideia de uma administração accountable, ou
seja, ainda não temos os citados valores democráticos presentes em nossa cultura.
Ademais, a autora traz também como justificativa para este fenômeno a questão dos controles e
articulações políticas aliados à falta de organização da sociedade para exercer controle sobre os
agentes políticos. É possível, então, pensar que grande parte da formação política e da
sociedade está rascunhada pela forma de colonização praticada no Brasil, onde, ao longo de
sua história – na perspectiva de Carvalho (1997) – questões como Mandonismo, Coronelismo,
Clientelismo e outras práticas afetaram diretamente as relações de poder, e, por conseguinte,
fomentaram o distanciamento entre governo e sociedade – tirando de foco a accountability
horizontal.
Cabe acrescentar, por outro lado, que o conceito citado anteriormente por O’Donnell (2006)
com relação a accountability vertical é contradito em virtude de problemas com articulações
políticas, que em certa medida, priorizam a estrutura e os interesses do Poder Executivo em
detrimento dos outros poderes, como aborda Campos (1990), impedindo, assim, o pleno
funcionamento do checks and balances. É neste momento que podemos traçar um paralelo
desmedido entre os poderes. Ao verificar os fatores impeditivos entre a relação Estado e
sociedade, e entre os próprios poderes torna-se imperativo abordarmos questões ligadas aos
dispositivos que poderiam atenuar os entraves mencionados. Pois bem, a ideia da
accountability pode ser abordada, neste contexto, sob duas1 formas, quais sejam:
- das prestações de contas das ações do Estado de modo a permitir a sua avaliação e,
eventualmente, recepcionamento de propostas de correção e melhorias; e
- por meio de um instrumento institucionalizado pela Constituição Federal de 1988 (CF/88)
que prevê a participação do povo nas decisões a respeito de políticas públicas e demais fatores
3 que afetem a sua vida cotidiana – a Ação Popular.
Mota (2006) considera ação popular como um instrumento imprescindível para o exercício da
accountability, tendo em vista que o cidadão comum pode tomar atitudes em prol do interesse
coletivo, em outras palavras, defender o interesse público. Por oportuno, salienta-se que o
conceito de Campos (1990) a respeito da accountability como instrumento democrático é
revigorado por Mota (2006), pois a evolução do estágio democrático é que propicia a aplicação
das práticas objeto deste texto. Logo, consideramos que a ação popular é um avanço neste
estágio. No entanto, a pesquisa de Vianna e Burgos2 (2005) traz uma perspectiva interessante
no que se refere ao panorama de proposição destas. A partir daí, verifica-se que o instrumento
não está sendo aplicado com o propósito de atender ao cidadão comum.
Quadro 1 - Autores de Ações Populares
Tipo de Autor
N
%
Parlamentares
38
33,6
Funcionários públicos
7
6,2
Membros de associações
ou de sindicatos
13
11,5
Advogados
33
29,2
Outros indivíduos
22
19,5
Total
113
100,00
Fonte: Vianna e Burgos (2005).
Análise do quadro acima nos permite verificar que apenas 19,5% das ações populares são
invocadas pelo cidadão comum, outros indivíduos, o evidencia descompasso com a ideia
mencionada por Mota (2006). Vianna e Burgos (2005) afirmam que a ampla presença de
parlamentares nessa conjuntura denota interesses políticos na propositura de ações populares, o
que nos remete a uma ideia de desvirtuamento das finalidades destes indivíduos e uma
contaminação do sistema jurídico por questões políticas – prejudicando, assim, o checks and
balances como citado anteriormente.
Campos (1990, p. 18) ao considerar “às chances de que os cidadãos brasileiros – até aqui
politicamente adormecidos – se organizem para exercer o controle político do Estado;” faz
alusão ao pouco conhecimento do cidadão comum a respeito dos seus direitos e que estes
deveriam se utilizar de todo ferramental disponível para defender o interesse público. Com
efeito, primeiro é preciso dotá-lo de um mínimo conhecimento a respeito das ferramentas que
estão disponíveis em seu favor. Isto mostra que realmente os valores democráticos
mencionados pela autora ainda precisam evoluir para pensarmos em accountability. Em
segundo plano, é necessário transmitir informações que possam ser entendidas e avaliadas pelo
cidadão comum, mas para isso é preciso prestar contas. Diante de um cenário ideal, a ação
popular pode servir como instrumento posterior à análise das prestações de contas para
controlar e corrigir as ações do Estado, caso seja necessário, o que confirma o caráter de
mutualismo destes dois aspectos.
Então, oportunamente, pergunta-se onde está a participação da sociedade no que se refere à
efetivação de políticas públicas do Estado para com ela? Cabe acrescentar, nesta linha, que o
controle social é um movimento que ainda tem muito a oferecer à formulação de um processo
democrático mais sólido e impulsionador do estreitamento da relação entre sociedade e
governo. Entretanto, para que isto possa ocorrer é necessário que, inicialmente, a sociedade
tenha acesso a informações sobre a forma como o governo conduz o seu trabalho por meio da
prestação de contas – considerada aqui como instrumento de accountability – e, além disso,
que o entendimento das informações contidas nesta importante ferramenta possua uma
4 linguagem acessível ao meio social. É a partir deste momento que os controles políticos podem
sofrer algum tipo de influência que os mude para uma formatação focada na entrega de um
bem público de qualidade, que atenda às necessidades do povo e não aos interesses pessoais de
alguns.
A despeito desse cenário, nos cabe promover um momento reflexivo para avaliar se avançamos
em valores democráticos e em seus respectivos desdobramentos. É nesse sentido, que Pinho e
Sacramento (2009), duas décadas após o estudo de Campos, tentaram responder se já era
possível traduzir o termo accountability no Brasil – tomando como referência a análise de
alterações políticas, sociais e institucionais neste intervalo de tempo. Os autores verificaram
que houve avanços “[...] com a criação de novas instituições, fortalecimento institucional em
geral” (Pinho e Sacramento, 2009, p. 1364). Entretanto, os mesmos salientam que ainda existe
um longo caminho a ser percorrido pelo fato de o Brasil, ao instituir um novo valor, não
necessariamente aniquila o anterior – o tradicional.
Em razão dos elementos, superficialmente expostos até aqui, surge a necessidade de se
entender melhor quais são os fatores, vistos como fragilidades, que impactam na forma da
administração pública brasileira ser gerida. Então, toma-se como imperativa uma incursão para
analisar quais são os fatores que constituem e abrem espaço para a discussão a respeito de
melhorias no campo da administração pública. Afinal, toda a reflexão sobre a aplicabilidade do
conceito de accountability no Brasil passa necessariamente pelas características elencadas por
Campos (1990) e retomadas por Pinho e Sacramento (2009), pois só é possível pensar em
operacionalizar a accountability em território Tupiniquim caso haja o alicerce necessário para
tal. Dessa forma, a visão de campo da administração pública é um importante elemento para
instrumentalizar uma base que recepcione práticas de accountability a partir de demandas
emanadas, de fato, pela sociedade.
2.1 As fragilidades no campo da administração pública: espaço para inserção da
Accountability no contexto brasileiro
A definição de campo para a Administração Pública permeia uma série de fatores e
acontecimentos que, em princípio, dificultam o estabelecimento de um consenso a respeito da
formulação de um conceito. Mezzomo e Laporta (1992, p. 1) afirmam que o campo já foi
entendido como campo “à deriva” e que passa por “crise intelectual”, necessitando, assim, de
se afastar do isolamento e buscar uma “nova perspectiva” diante de um ambiente de “tensão e
mudança”. Face ao exposto neste cenário, os autores destacam, ainda, paradigmas que
envolveram a evolução do campo da Administração Pública no Brasil. Incialmente apresentam
a administração com foco na ciência administrativa – onde acordos de cooperação
internacional foram firmados para criar escolas de administração com a finalidade de inserir no
contexto brasileiro princípios administrativos que promovessem maior eficiência do Estado,
quando dominados.
Em um segundo momento, insere-se na discussão o paradigma da administração pública com
foco na ciência política, momento o qual se caracteriza pela transição de um plano
essencialmente político para um sistema democrático, em função dos vários movimentos
sociais. Por fim, os autores destacam o paradigma emergente – onde os movimentos sociais
anteriores abriram espaço para a consolidação de noções de direito e o conceito de cidadania,
dando, assim, maior foco “à prevalência do interesse privado sobre o interesse público”
(MEZZOMO e LAPORTA, 1992, p. 9). Com efeito, nota-se que tanto os fatores internos
quanto externos perpassam momentos de transição em virtude de elementos que precisam,
incialmente, ser entendidos para, de fato, se pensar na administração do bem público como
instrumento de aproximação e cumprimento da finalidade do Estado com a desejada eficiência.
Bourdier (1983) define campo como um universo que além de contemplar o conhecimento,
relaciona as instituições e seus respectivos agentes como produtores, reprodutores e difusores
deste. Ademais, o campo científico na perspectiva do autor denota um espaço onde existe
5 concorrência em relação ao monopólio da autoridade científica – contexto em que a capacidade
técnica e o poder social coadunam um ambiente conflituoso de discussão. Essa conjuntura
depreende fatores políticos vinculados à questão da dominação científica de conhecimento
produzido por pesquisadores que possuem influências em virtude das posições políticas que
ocupam. Sob este prisma, o autor considera que estratégias científicas podem também ser
entendidas como estratégias políticas.
Bourdier (1983), ainda, considera que o campo em uma faceta se remete à ideia de imposição
arbitrária do conhecimento por meio do interesse de classes dominantes; e na outra torna-se
avesso a qualquer elemento arbitrário, dando forma, assim, a mecanismos sociais que seriam
impostos por meio das normas universais da razão. A dicotomia existente no contexto ora
abordado traz consigo um ambiente reflexivo para que meios sejam encontrados com o
objetivo desenvolver o campo da Administração Pública no que tange à formulação de
conhecimento focado nas reais necessidades da sociedade e não de apenas classes dominantes
politicamente influenciáveis.
Sob aspectos ligados ao entendimento do campo, Bogason (2008) considera que existem vários
conceitos sobrepostos com respeito ao ensinamento e às pesquisas dentro do campo da
administração pública. O autor analisa, ainda, que os referidos aspectos podem ser
interpretados como fatores que abrem espaço para embaraçamentos conceituais. Então,
depreende-se que repassar o ensinamento de tal abordagem não se configura em uma tarefa
simplória. Além disso, as novas questões que permeiam o campo da administração pública
explicitam a necessidade de professores universitários irem além do campo da
conceptualização e buscarem questões mais práticas para trabalharem o ensinamento
(BOGASON, 2008). Uma via de escape para isto seria a aplicação de casos de ensino.
Guerreiro Ramos (1993) afirma que os alunos não conseguem identificar os aspectos da
administração pública – entender a área como um todo. Bogason (2008) considera que ao
promover a interação dos alunos com a multiplicidade de fatores existente no campo em
análise tem-se como produto uma nova dinâmica, a saber: menos foco em ações sob o ponto de
vista legal e maior ênfase em medidas que considerem várias perspectivas de avaliação. Isto,
consequentemente, abre espaço para uma discussão relacionada à melhor forma de atender às
demandas que se fizerem necessárias – por parte daqueles que devem ser amparados pela ação
do Estado.
Fadul e Silva (2009) elucidam que a Administração Pública é muitas vezes abordada – sob o
ponto de vista do ensino – por meio de disciplinas específicas e fragmentadas. Segundo as
autoras este tipo de prática pode não contemplar aspectos complexos que deveriam ser
avaliados com base em perspectivas inter, multi e transdisciplinares. Dessa forma, seria
promovida uma análise banhada por maior acurácia ao considerar diferentes visões de campos
do conhecimento – inicialmente pensadas como disciplinas segregadas. Para Casanova (2006)
abordagens que considerem interações entre diferentes campos do conhecimento com objetivo
seguir um mesmo norte estão mais adequadas às complexidades de uma perspectiva
contemporânea.
Na esteira dessas evidências, Fadul e Silva (2010) analisam que a formação, desenvolvimento
e evolução da Administração Pública tem ocorrido de forma a apenas elucidar fatos e demais
acontecimentos que envolvem o campo em epígrafe, quando na verdade deveriam primar pelo
estudo de novas abordagens e perspectivas. Com efeito, os autores depreendem que esse tipo
de tratamento daria maior celeridade ao entendimento de aspectos complexos do campo e, por
consequência, proporcionaria uma produção científica mais alinhada às perspectivas
contemporâneas. Não por acaso, a administração pública não é bem difundida entre os
programas de pós-graduação; e, por conta disso, a promoção de um adensamento teórico nesta
área fica prejudicada (FADUL e SILVA, 2010).
Por oportuno, destaque-se a análise de Fadul e Silva (2010) onde dados levantados a respeito
dos cursos de pós-graduação stricto sensu, no período de publicação do artigo, denotam a
6 existência de 133 cursos em Administração cadastrados na base da CAPES, sendo 73 cursos de
mestrado, 31 de doutorado e 29 de mestrado profissional. No entanto, o que intriga é que
apenas quatro destes tem como área de concentração a administração pública. Diante disso,
Fadul e Silva (2010, p. 7) afirmam que “[...] é pouco provável que se possa desenvolver
maiores aprofundamentos em termos teóricos sobre diversas abordagens possíveis nesse
campo.”. Outro fator levantado pelas autoras é que dos 56 grupos de pesquisas ditos da área de
administração pública, segundo dados do CNPQ, apenas 29 destes realmente podem ser
enquadrados como tal, o que só reforça o panorama incipiente do campo. Não por acaso,
Fadul e Silva (2010) acabam por confirmar a análise de Bourdier (1983) no que tange à
necessidade de criar um ambiente reflexivo para desenvolver mais o campo.
Diante da relevância dada ao campo em discussão, o desenvolvimento dessa área precisa
urgentemente passar por reformulações. Um passo inicial seria a criação de grupos de pesquisa
para fomentar a criação de uma agenda que trabalhasse a perspectiva histórica, devidamente
estruturada e pontuada, com aspectos críticos conjunturais do campo da administração pública
brasileira. Isto iria instrumentalizar novos programas de pós-graduação, e, por consequência,
ampliar e melhorar as discussões teóricas de campo no ambiente acadêmico, e
consequentemente a aplicação da teria no serviço público. Adicionalmente, verifica-se que o
fortalecimento do vínculo entre a academia e a administração pública clama por estímulos, mas
para atender a este chamado as universidades precisam implementar e ampliar linhas de
pesquisa que considerem as necessidades da sociedade. No entanto, o governo deve fazer
frente a este pleito de modo a dotar servidores públicos da visão de campo necessária para bem
gerir, mas para tanto é preciso criar convênios para que as universidades capacitem os
servidores e, de fato, insiram a visão de campo no contexto do serviço público.
Adicionalmente, Kettl (2000) afirma que realmente existe uma dificuldade de produção teórica
acerca do campo da administração pública. Indo mais além, o autor insere – no seio da
discussão de campo –, a questão dicotômica entre administração e política. Como forma de
atenuar esta problemática Kettl (2000) defende que é necessário que haja um elo entre o
produto dos estudos políticos e os melhoramentos, vistos aqui como contribuições do meio
acadêmico, no funcionamento do sistema político. Ademais, cumpre-se salientar que a
administração pública, além da cultura política, é composta por conflitos, instabilidades e
aspirações. Nesse sentido, as relações entre o campo e os referidos fenômenos devem ser
consideradas com a finalidade de promover maior entendimento, inclusive ancorado nas áreas
basilares da ciência política, acerca da conflitosa rede de articulação existente (KETTL, 2000).
A despeito das relações políticas dentro do ambiente da administração pública Weber (1982)
considera que este seria o maior entrave da burocracia. Adicionalmente, o autor afirma que as
relações burocráticas existentes na figura do Estado poderiam ocasionar dois desdobramentos
prejudiciais, quais sejam: as lideranças políticas poderiam renunciar às responsabilidades e
também poderiam deturpar a finalidade das funções políticas dos agentes públicos. Como pano
de fundo para abordagem trabalhada por Weber é necessário trazer à discussão a racionalidade
substantiva e a racionalidade instrumental, pois o uso das atribuições de uma função pública
com a finalidade de apenas cumprir determinações legais e regimentais foge do objeto
finalístico do Estado – prover serviços de qualidade para a sociedade. Para tanto, é necessário
que se questione como o provimento dos referidos serviços está sendo feito à luz dos aspectos
da gestão do bem público.
Diante desta perspectiva, surge o instrumento de accountability como meio para fazer com que
os agentes públicos prestem contas das suas atuações governamentais. Isto pode fazer com que
o foco da prestação de serviços e entrega de um bem público de qualidade estejam mais
alinhados às necessidades da sociedade em geral e não a interesses pessoais de determinados
agentes. No entanto, salienta-se que apenas elucidar fatos, por meio da prestação de contas, não
reduz efetivamente condutas danosas à população, pois é preciso inserir nesta conjuntura a
responsabilização de agentes possuidores de condutas que estejam na contramão da finalidade
7 precípua do Estado. Sob este enfoque, surgem questionamentos sobre quais seriam os meios
para fortalecer este instrumento no âmbito da administração pública – diante das fragilidades
expostas anteriormente.
Como contribuição, é necessário que se pense em meios alternativos para promover maior
transparência, de forma inteligível aos interessados, acerca da conduta do Estado. Por
conseguinte, poder-se-ia estreitar as relações com a sociedade por meio da disponibilização de
informações amigáveis, vistas como inteligíveis, em mídias sociais, pois nem sempre os canais
institucionais, representados pela figura dos relatórios de prestações de contas, conseguem
realmente se fazer claros para aqueles que precisam estar bem informados acerca de políticas
públicas que afetam o seu bem estar social. Logo, propõem-se algo que complemente, mas que
não exclua a importância e a qualidade necessária, por exemplo, nos relatórios de prestação de
contas encaminhados pelas Secretarias Municipais de Saúde aos Conselhos Municipais de
Saúde – representados também por integrantes da população local, parte interessada na
condução da saúde – para mostrar o panorama da gestão pública desta área no município.
Não obstante, Bilhim (2012) aborda a questão de se entender como os gestores organizam e
controlam a multiplicidade de situações e condições que permeiam a gestão de redes
complexas da Administração Pública – onde existem relações enraizadas entre as esferas ética,
política e técnica, no que tange ao processo de gestão. Mais especificamente, o autor considera
que existe uma grande dificuldade em mediar e conciliar o conflito entre a racionalidade
instrumental e substantiva trabalhada por Weber. Sob esse enfoque, Bilhim (2012) discute a
relação entre o gestor da Administração e a cultura organizacional – contexto que leva em
consideração aspectos como valores, crenças e sistema de normas que constituem um
organismo público.
Sob esse prisma, surge o questionamento com respeito ao lado em que a balança pode pesar,
caso analisemos a relação entre gestão e os aspectos da cultura organizacional, ou seja, deve-se
pensar em que medida o gestor possui capacidade de controle – em meio ao ambiente que o
cerca (BILHIM, 2012). Neste sentido, o autor inclui na discussão ora proposta a figura da
meritocracia como fio condutor para que o gestor possa obter sucesso nessa empreitada, pois é
preciso possuir as habilidades necessárias para tal.
No entanto, caso a balança penda para o lado da cultura organizacional e o gestor não assimile;
e, por consequência, não faça frente a esses aspectos, surge a faceta de uma cultura que pode
minimizar a eficiência como cita Bilhim em seu artigo intitulado “Papel dos Gestores na
Mudança Cultural da Administração Central do Estado: o Caso da Meritocracia”. Então, cabe
fazer a seguinte pergunta: como obter servidores capacitados – com visão do campo da
administração pública – e que possam gerir organismos estatais com foco principal nas
necessidades da população?
Eis porque a educação, entendida aqui como meio para instrumentalizar políticas públicas que
realmente atendam às necessidades da sociedade, é o ponto de partida para que a visão de
campo possa promover o adensamento teórico e, por consequência, a gestão da administração
pública tornar-se mais eficiente e efetiva. A partir de então, é possível pensar, inclusive na área
de saúde, em um contexto que proporcione maiores condições para uma aplicabilidade mais
robusta do conceito de accountability no Brasil, como sugestiona Ana Maria Campos ao
considerar que o país ainda não possui as características necessárias para tal avanço. Por este
motivo, Wilson (2005) afirma que o Governo possui movimentos desajeitados, pois a relação
que estabelece que os governantes não são outra coisa senão servidores dos indivíduos dos
quais governam se mostra deturpada. Portanto, verifica-se certa dificuldade da administração
pública em promover uma gestão focada na entrega de um bem público de qualidade àqueles
que são o objeto motivador da existência do Estado.
3. A evolução dos modelos mais contemporâneos de administração pública sob a
ótica da accountability
8 A administração pública, quando abordada na perspectiva do modelo tradicional, começou a
mostrar suas fragilidades no momento em que determinadas características ficarammais
evidentes, a saber:o governo é bastante complexo, muito burocrático, muito ineficiente,
também não possui poder de resposta (prestação de contas), além de ser muito improdutivo
(BENH, 1998). Por conseguinte, surgem necessidades de remodelar e ampliar o norte da
administração tradicional de modo a promover melhorias. Sob esse enfoque, o tópico em
questão se dispõe a elencar características dos novos moldes da administração pública que nos
permitem pensar nos aspectos ligados a accountability como fatores motivadores para
eventuais mudanças de práticas. Para tanto, Benh (1998, p. 1) considera que “precisamos de
uma nova maneira de fazer negócios, um novo paradigma para a gestão de governo”.
Face ao exposto, iniciamos uma breve incursão a procura dos moldesque poderiam restaurar as
fissuras na ponte democrática provocadas pela administração pública tradicional. O primeiro
deles, o New Public Management (NPM), na perspectiva de Pollitt (2004), configura um
sistema ideológico que tem como foco buscar conceitos preconizados no setor privado para
aplicar dentro das entidades do setor público. Dentro de uma linha que defende uma gestão
mais profissional, Hood (1995) afirma que os gestores, além de deverem estar visíveis na
condução das organizações, precisam possuir, em certa medida, poder discricionário. É a partir
de então, que se pode pensar em cobrar a responsabilidade dos gestores no tocante às suas
decisões, quando pensamos em atividades que devem ser desempenhadas para atender às
necessidades da sociedade.
No entanto, Hood (1995) prega que para cobrar e responsabilizar é preciso se ter objetivos bem
definidos e mensuráveis, além de indicadores de sucesso, criados com base nos objetivos
traçados. Porquanto, devemos pensar que os referidos aspectos podem fortalecer o ambiente
para inserção da accountability, haja vista que de posse de objetivos claros a sociedade pode
fiscalizar, acompanhar e cobrar posturas que estejam alinhadas às metas traçadas. Entretanto, é
necessário estabelecer um canal de comunicação para que os usuários do sistema de saúde, por
exemplo, possam visualizar o devido cumprimento dos objetivos – via prestação de
contas.Adicionalmente, Hood (1995) enfatiza que a NPM tem por prioridade os resultados e
não os processos. Logo, ela se utiliza de uma mudança estrutural com o objetivo de
descentralizar o setor público para que as organizações possam ser geridas de forma mais
efetiva. Outro ponto destacado pelo autor é a ideia de se fazer mais utilizando menos recursos.
Já com relação ao Novo Serviço Público (NSP) Denhardt e Denhardt (2007) o consideram
como uma alternativa para uma nova administração pública, suplantando, assim, o modelo
tradicional. Os autores afirmam que existem dois pilares centrais para fundamentá-lo, quais
sejam: promover a dignidade e o valor no novo serviço público; e reconduzir os valores da
democracia, interesse público e cidadania na administração pública. Dentro dessa perspectiva,
existem sete princípios que norteiam o NSP, mas a discussão ora proposta enfatiza o de servir
aos cidadãos e não consumidores, e reconhecer que a accountability não é simples. Em síntese,
o foco agora passa a ser o interesse coletivo e consequentemente se tem maior participação do
cidadão, democracia participativa, inclusive por meio de conselhos gestores e outros tipos de
organizações e instrumentos como, por exemplo, o orçamento participativo (DENHARDT e
DENHARDT, 2007).
Ao entrar, de fato, na questão da accountability, Denhardt e Denhardt (2007) já inicia sua
reflexão afirmando que esta é bastante complexa. Sob este foco, os autores consideram que
para existência da accountability é preciso promover articulações com instituições
democráticas representativas, reestruturação do Estado para captar novas demandas de
participação, publicização de informações e meios para motivar os cidadãos a participarem de
maneira mais efetiva nos espaços públicos – vistos aqui como arenas ditas democráticas. Neste
momento, percebe-se que a intenção dos autores é chamar a atenção para um instrumento que
precisa ser visto sobre várias perspectivas e, mais do que isso, precisa ponderar vários aspectos
que vão das normas e responsabilidades profissionais ao interesse público. É com esse pano de
9 fundo que o desenho da accountability começa a ser instrumentalizado, ou pelo menos,
pensado de forma a contribuir para esta importante ferramenta das relações democráticas.
Bresser Pereira (1998) afirma que o modelo de Administração Gerencial veio com a ideia de
aprimorar as decisões estratégicas do governo e da burocracia; além de oferecer condições que
garantissem a formalidade do contrato e da propriedade. Assim, o autor acreditava que se
promoveria um bom funcionamento dos mercados, e se poderia garantir autonomia e
capacitação gerencial do administrador público. O foco deste ideal prioriza uma administração
voltada para o “cidadão-cliente” e vislumbra também o controle social com forma de legitimar
as observações e correções das ações do Estado.
Nesse sentido, a Reforma do Aparelho do Estado empregada em 1995 objetivou uma gestão
mais eficiente para reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços, focando, em primeiro,
lugar os resultados. Ressalta-se que uma das alternativas para operacionalizar este objetivo foi
promover a descentralização e a redução dos níveis hierárquicos (BRESSER PEREIRA, 1998).
Todavia, o autor considera necessário destacar que existem problemas que são enfrentados
atualmente pela administração pública gerencial no país, como: muitas vezes os objetivos dos
gestores não estão ligados, mesmo sendo possível fazê-lo, não se tem muitos indicadores
confiáveis e norteadores de uma política responsiva e passível de cobrança por parte da
sociedade; programas mal elaborados, falta de gestores capacitados, dificuldade de para
coordenar e avaliar os programas sociais, e tentativas de combate a corrupção. Estes são
exemplos de fatores complicadores que, em certa medida, dificultam a inserção da
accountability no cenário na administração pública atual.
4. É possível verificar práticas de accountability na Saúde Pública?
4.1 Contextualizando a área de saúde e os Conselhos de Saúde
Antes de entrar na questão da saúde, de fato, é importante frisar que as perspectivas de
descentralização tiveram motivação na agenda definida pelos países desenvolvidos para os
latino-americanos – movimento conhecido por Consenso de Washington. A referida influência
traria mais tarde para o contexto brasileiro o foco, primeiro, na descentralização da educação e
da saúde – exemplos mais discutidos nesse período.
O fato de a CF de 1988 ter definido a saúde como direito de todos e dever do Estado fez com
que o Sistema Único de Saúde fosse criado sob o prisma do acesso universal. Com o advento
deste organismo foi um pouco mais trabalhada a noção de controle social e participação da
população. Neste sentido, a ideia de Conselhos de Saúde floresceu da estrutura legal do SUS e
passou a ser pensada como instância que seria responsável por integrar a comunidade no
processo de gestão da saúde local (COELHO, 2007).
Então, a operacionalização do controle social perpassa a questão da accountability. De acordo
com Pacheco (2004, p. 4) esta é “entendida como a obrigação permanente de prestar contas
sobre o uso de recursos públicos, os resultados alcançados, e os critérios de decisão utilizados”.
Consoante a esta perspectiva, existem normativos que trabalham os referidos pontos de uma
forma mais pormenorizada dentro do âmbito da saúde.
Neste sentido, a Lei Federal nº 8.689/93 determina que o gestor do Sistema Único de Saúde
nas esferas municipal, estadual e federal, por meio de suas secretarias de saúde, preste contas
ao Conselho de Saúde de forma trimestral. Indo mais além, a Resolução nº. 333/03, emitida
pelo Conselho Nacional de Saúde, versa sobre a questão do conteúdo a ser destacado nas
prestações de contas, qual seja: andamento da agenda de saúde pactuada; relatório de gestão;
montante, fonte e forma de aplicação dos recursos aplicados; auditorias iniciadas e concluídas
no período; oferta e produção de serviços na rede assistencial.
No entanto, é preciso destacar a edição da Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012,
no seu art. 34, define que a prestação de contas, prevista no art. 37, conterá demonstrativo das
despesas com saúde integrante do Relatório Resumido da Execução Orçamentária, a fim de
10 subsidiar a emissão do parecer prévio de que trata o art. 56 da Lei Complementar nº 101, de 4
de maio de 2000. Ademais, a LC 141/2012 estabelece que os conselhos devem avaliar a gestão
do SUS, a partir de então, quadrimestralmente e emitir parecer conclusivo sobre o
cumprimento dos dispositivos da lei complementar quando da apreciação das contas anuais
encaminhadas pelo respectivo gestor federal, estadual, distrital ou municipal.
A avaliação das prestações de contas é um mecanismo importante para o exercício das
atribuições dos conselheiros em virtude do controle e acompanhamento das ações praticadas
pelo gestor de saúde (GONÇALVES et al., 2010; REZENDE, 2013).
Nesse sentido, nos cabe buscar a origem dos conselhos para entender melhor a sua formação
dentro da área da saúde pública. A etimologia da palavra conselho deriva do latim consilium e
está alinhada ao conceito de deliberação, opinião, parecer, juízo; assembleia de pessoas que
deliberam sobre certos assuntos ou grupo de pessoas que estejam encarregadas de administrar
(GONÇALVES et al., 2011).
Ademais, segundo Gohn (2001) a expressão conselho deriva de um conceito já utilizado desde
a época dos clãs visigodos e se remete à ideia de instrumento que promove a participação
popular. A autora ainda faz menção a conselhos que ganharam notoriedade na história como a
Comuna de Paris, Conselhos operários de Turim, Conselhos do Sovietes Russos dentre outros
na Alemanha.
Em perspectivas contemporâneas, a literatura organizacional norte-americana considera que o
board (conselho administrativo) possui a função de deliberar sobre as questões a ele atribuídas
(CÂMARA, 2003). Para Gonçalves et al. (2011, p. 3) a definição do conceito de conselho
perpassa o significado de alguns termos, quais sejam: i) “board – diretoria; junta; banca;
conselho administrativo”, ii) “Board of directors – conselho de administração”, iii) “Board of
trustees – administradores”, iv) “Accountability – responsabilidade sujeita à prestação de
contas”.
No âmbito do Brasil, o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE, 1995)
trouxe mudanças para promover a reforma da Administração Pública. Dentre elas, o Projeto de
Organizações Sociais é utilizado como instrumento de gestão privada da execução de políticas
públicas. Neste sentido, o controle social se dá por meio da participação da sociedade em
organizações sociais dotadas de Conselhos de Administração – via representantes da
comunidade legalmente constituídos e eleitos pela população.
Câmara (2003) afirma que o Conselho de Administração, previsto na lei das Organizações
Sociais, é considerado como locus de controle social para a execução de políticas públicas. A
autora considera, ainda, que o conselho de administração é a instância máxima para
deliberação, representa o poder público sob a forma de organizações da sociedade civil, exerce
controle sobre políticas organizacionais e fiscaliza a implementação das políticas públicas. Já
para Telles (1999) os conselhos podem ser vistos como “arenas públicas” que podem tornar
evidentes questões relacionadas aos conflitos de demandas sociais e promover visibilidade as
essas questões. Dessa forma, segundo o autor os conflitos de demandas sociais podem permitir
a construção de parâmetros públicos que possam nortear a criação de políticas que afetem a
vida de todos na área de saúde.
A lei 8.142/90 reeditou o artigo que versava sobre a participação da comunidade – que antes
havia sido vetado pela lei 8.080/94 – e instituía a figura dos conselhos municipais, estaduais e
federal. Além disso, promoveu maior autonomia a estas instâncias lhes concedendo o direito de
instituir, via regimento interno, suas normas e atribuições (MOREIRA e ESCOREL, 2005).
Em linhas gerais, cabe salientar que os conselhos de saúde devem deliberar sobre as diretrizes
para o estabelecimento de prioridades para as ações e serviços públicos de saúde pelo
respectivo gestor, dentre outras atividades. A Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de
2012, complementou as atribuições existentes para o controle social na legislação que rege o
SUS. A lei complementar contém dispositivos com atribuições específicas aos Conselhos de
Saúde referentes ao papel exercido pelo conselheiro no processo de fiscalização, avaliação e
11 controle das despesas com ações e serviços públicos de saúde na União, Estados, Distrito
Federal e Municípios. Na perspectiva de Giovanella (2008) instâncias participativas podem ser
consideradas como espaços nos quais os indivíduos podem atuar e conjunto com objetivo de
dar forma aos seus anseios sociais. Portanto, essas instâncias reúnem indivíduos para definir
estratégias, submetidas a um processo de escolha, e para direcionar sua atuação no sentido de
promover o processo participativo.
Face ao exposto nesta seção, retoma-se o conceito empregado por Campos (1990, p. 18) cujo
foco da falta de accountability, visto até então, pode ser explicado pelo “padrão de
relacionamento da entre Estado e sociedade.”. É neste momento que a ideia de participação da
sociedade entra como instrumento que poderia viabilizar e estreitar a relação mencionada, de
forma a promover melhorias. Destaque-se, ainda, que este controle social tem por função
“expandir o número de controladores e a sua representatividade, reforçando a própria
legitimidade do controle” das atividades de saúde pública, por exemplo, em um munícipio, via
representantes da sociedade– conselheiros de saúde (Campos, 1990, p. 18).
4.2 Onde está a accountabilitynos Conselhos de Saúde? Trata-se de um Setor
accountable?
Para trabalhar a perspectiva da accountability dentro do setor de Saúde Pública no Brasil, mais
especificamente nos conselhos de saúde, adotamos neste texto duas perspectivas centrais. A
primeira delas faz referência à participação da sociedade como forma de exercer controle
social e, por conseguinte, reforçar a legitimidade deste controle. Já a segunda perspectiva se
refere ao instrumento da prestação de contas, encaminhado pelas secretarias de saúde aos
conselhos de saúde – que tem como foco municiar os representantes da sociedade,
conselheiros, com informações necessárias para a avaliação da gestão da saúde pública local.
Para tanto, é necessário que estes conselheiros possam entender as informações
disponibilizadas nas prestações de contas, ou seja, elas devem ser inteligíveis e amigáveis.
Com efeito, para que o controle social seja exercido é necessário, primeiro, verificar se existem
condições para tal. É neste sentido, que buscou-se verificar por meio de pesquisas – com o
foco ora mencionado – como se dá a accountability dentro da área de Conselhos de Saúde.
Por oportuno, ressalte-se que as ações populares não serão trabalhadas neste momento, apesar
de constituírem instrumento de accountability, pois não foi possível ter acesso a pesquisas
realizadas com este foco – Conselhos de Saúde. Cumpre-se salientar, adicionalmente, que não
se pretende generalizar a discussão ora proposta para todos estados e municípios que possuam
conselhos de saúde, pelo contrário, objetiva-se abrir espaço para o falseamento de pesquisas de
modo a incentivar trabalhos futuros em variadas localidades, além de promover
questionamentos e indagações dos leitores.
Silva (1999) analisou a amplitude de participação da comunidade no âmbito do Conselho
Municipal de Saúde de Porto Alegre (CMS/POA) com base na percepção dos conselheiros. O
estudo de caso observacional, por meio da análise documental e de conteúdo, resultou em uma
avaliação de que o CMS/POA é ativo, o que implica dizer que este tem iniciativa. Logo,
verificou-se que a comunidade tem uma amplitude de participação aberta (atuante) no conselho
e “avalia as necessidades e controla a utilização de recursos, bem como participa da supervisão
das atividades do gestor.” (Silva, 1999, p. 12). Nesta pesquisa, especificamente, nota-se que a
ponte para democracia rascunhada por Campos (1990) pode ser estabelecida na medida em que
há um estreitamento da relação entre a comunidade e o governo local, ocasionando a
legitimidade do controle das ações do Estado.
Fuks (2005) analisou o processo decisório do Conselho Municipal de Saúde de Curitiba
(CMSC) tomando como referência a participação e a influência política. Além disso, o autor
explorou um modelo fundado na posse de recursos. O resultado verificou que não é possível,
em princípio, atribuir, exclusivamente, a influência política à posse de recursos convencionais.
Então, por conta disso, o autor propôs uma ampliação do modelo para tentar detectar recursos
12 não convencionais. Sob este prisma, foram descobertos fatores que permeiam o contexto no
qual os conselhos estão inseridos e que acabam por contribuir para diferentes tipos de ação e
interação destes. O autor conclui afirmando que existe uma dinâmica de equilíbrio entre
gestores e usuários, os conselheiros, nos debates e deliberações do CMSC, o que caracteriza o
conselho como “uma arena orientada pelo ideal da participação ampliada” (Fuks, 2005, p. 60).
É possível, implicitamente, perceber que a pesquisa realizada por Fuks, um cientista político,
tem como motivações as questões elencadas por Kettl (2000) cujo foco considera elementos da
ciência política para explicar redes de articulações difíceis de serem quebradas. Nesse sentido,
Fuks (2005) ao tentar verificar a hipótese de que essas interferências políticas advêm, em
grande parte, da posse de recursos no CSMC não só não comprovou a hipótese como se
deparou com outra vertente, também preconizada por Kettl, onde a administração pública
recebe influência da cultura política, conflitos, instabilidades e aspirações locais, ou seja, da
formação do ambiente do conselho de saúde. Face ao exposto, nos cumpre salientar que estes
fatores podem interferir na promoção de um cenário favorável à inserção da accountability,
visto que a proposta de controle social por meio da participação pode ficar, em determinados
casos, à deriva por conta da falta de foco nas necessidades do bem comum.
Já Coelho (2007) realizou um estudo com 31 subprefeituras de São Paulo no sentido de
verificar, num primeiro momento, se os Conselhos Locais de Saúde (CLS) possuíam
evidências de uma ampla participação da sociedade ou estavam sob a tutela de grupos que
possuíam vínculos políticos ou com sistemas partidários. Como objetivo secular, o autor
buscou analisar a influência que o gestor da saúde poderia ter nos padrões distintos de
participação. Os resultados mostraram que a gama de participantes nos Conselhos de Saúde é
bem diversificada, com diversas associações, sindicatos, dentre outros, e que a participação não
está necessariamente ligada ao perfil socioeconômico da comunidade. Além disso, verificou-se
que onde os gestores eram mais comprometidos com o ideal de participação e os conselheiros
selecionados por critérios mais transparentes e razoáveis a diversidade de participantes era
ainda maior. Este foi o cenário encontrado em 16 Conselhos Locais de Saúde de um total de 31
– o que acabou confirmando primeira hipótese do estudo.
Resende (2013) analisou o processo de prestações de contas e controle social da Secretaria
Municipal de Saúde (SMS) ao Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Anápolis/GO
utilizando a pesquisa participante para operacionalizar este intento. O autor chegou a um
resultado que, entre outros fatores, indicou que as informações contidas nos relatórios de
prestações de contas eram restritas e que, por consequência, impossibilitavam os conselheiros a
utiliza-las de uma forma confiável no processo decisório – aprovar ou não a prestação de
contas, o que poderia implicar de forma negativa na gestão da saúde pública. Neste caso, é
importante que teçamos um comentário no que diz respeito à característica inteligível que o
relatório deve possuir para que a participação social possa, de fato, promover o controle
preconizado por Campos (1990). Não obstante, o autor afirma que o processo de prestação de
contas sofre influência de questões de ordem política – rascunhadas por regimes
centralizadores e autoritários, ideia abordada por Cotta et al (2010) –, que acabam por criar um
hiato entre a relação Estado e sociedade. Com efeito, pode ocorrer um enfraquecimento da
ideia de democracia, e, consequentemente, uma inserção menos contundente da accountability
na saúde.
Já a pesquisa de Gonçalves et al (2010) analisou se as informações divulgadas ao Conselho
Distrital de Saúde (CSDF) por parte da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES/DF), via
prestações de contas, detinham as características qualitativas da informação necessárias para
que os conselheiros cumprissem a sua função de auxiliar o gestor da saúde pública local a
formular controles e estratégias de execução das políticas públicas desta área. Neste sentido,
foi construído um instrumento para avaliar as prestações de contas dos exercícios de 2003 a
2006. Os resultados evidenciaram a necessidade de melhoria no conteúdo dos relatórios, além
de verificarem, também, a necessidade de se estabelecerem metas e objetivos para o ano
13 seguinte. Desta forma, os autores consideraram que os dois aspectos elencados, se melhorados,
teriam utilidade informacional e, por consequência, ajudariam os conselheiros no cumprimento
de suas atribuições legais. Neste caso, é possível notar que um dos instrumentos da
accountability, a prestação de contas, em determinados casos não consegue ser efetiva por
conta da qualidade informacional que oferece ao indivíduo que for aprecia-la, no caso para um
representante da sociedade. Então, novamente temos um distanciamento entre governo e
sociedade, o que nos remete ao não cumprimento efetivo do controle social. Então, como
cobrar uma boa gestão? No mínimo deve existir um norteador para qualidade da informação.
Na esteira dessas evidencias o questionamento com relação aos conselhos de saúde serem
accountable nos deixa face a face com os avanços pontuais realizados e grandes desafios a
serem travados. Pois bem, diante das limitações deste ensaio, e uma superficial camada de
pesquisas anteriores utilizadas, ainda é possível traçar evidências de que existem comunidades
participativas, o que promove o controle social das ações e políticas públicas da área de saúde,
e norteiam demais esforços neste sentido. Logo, ainda não é possível generalizar tais exemplos
como verdade conjuntural para um país que possui dimensões continentais. Já com respeito à
qualidade da informação presente nos relatórios de prestações de contas é imperioso afirmar
ainda existem muitos passos a serem dados – já que os indicativos iniciais não compadecem de
exemplos norteadores para boas práticas – no sentido municiar os usuários da informação com
o que realmente é necessário para acompanhar, fiscalizar e propor melhorias na gestão da
saúde pública nas esferas federal, estaduais e municipais.
5. Considerações Finais
Este trabalho teve como questão norteadora a verificação de um eventual espaço para a
accountability na administração pública brasileira, mais especificamente, dentro dos Conselhos
de Saúde – considerados aqui como arenas públicas do exercício democrático. Neste sentido,
analisou-se, de maneira restrita, e com necessidade de maior investigação em demais
localidades, que as práticas de accountability ainda precisam de um alicerce democrático mais
sólido para que seja possível explorar os benefícios deste instrumento em um nível mais
elevado. O que seria, então, este alicerce democrático?
Ensaiar respostas para o referido questionamento não se constitui em uma tarefa simplória. No
entanto, é possível rascunhar mecanismos e melhorias de modo a edificar pelo menos a
fundação para este empreendimento democrático. Porquanto, ao adentrar a realidade dos
conselhos de saúde é necessário primar por duas grandes vertentes propulsoras da
accountability, quais sejam:
- promover a participação social num nível em que o controle das ações do Estado seja
realizado por uma ampla e diversificada camada da sociedade; e
- instrumentalizar uma participação efetiva da sociedade por meio da análise de um relatório de
prestações de contas, inteligível e amigável, pois é ele que vai municiar o conselheiro,
representante da comunidade, com as informações necessárias para acompanhar, fiscalizar e
apontar correções para o gestor da saúde local.
Porém, para que os aspectos mencionados possam ser, de fato, verificados devemos considerar
fatores que acabam por atravancar a proliferação de uma ambiente democrático, tido por
Campos (1990) como condição para accountability. Pinho e Sacramento (2009, p. 1343)
trazem novamente à tona os referidos entraves: “sociedade passiva, nepotismo, favoritismo,
privilégios para alguns/poucos [...] autoritarismo, populismo, crise de credibilidade das
instituições, principalmente o Congresso, o padrão casuístico dos partidos políticos, troca de
votos”. São questões como essas que impõem desafios para o pleno exercício da accountability
no serviço público como um todo. O preocupante é que os fatores elencados, em certa medida,
ainda estão presentes na administração pública brasileira.
Indo mais além, não podemos deixar de considerar o pensamento de Lustosa (2006) onde o
autor afirma que para promover uma reforma do estado mais consolidada é preciso ter uma
14 atenção social que possa lidar com as assimetrias que dividem classes sociais e regiões; e levar
em consideração também a formação histórica das bases e raízes sociais para que não façamos
meras replicações de modelos de outros países. Ao analisar esta perspectiva deste trabalho fica
claro que os fatores externos que permeiam os conselhos de saúde possuem características
peculiares que precisam ser verificadas e analisadas à luz de uma visão de campo mais robusta
da saúde pública.
Como possível medida para contribuir para o atual estágio democrático dos conselhos de saúde
poderíamos pensar em uma agenda específica para que esta área priorizasse os dois pilares
sugestionados nestas considerações finais, no sentido diminuir as assimetrias na relação
governo e comunidade. No entanto, não é possível preterir tal resultado sem que haja um
espaço mais democrático para a administração pública em geral no Brasil. É por conta disso
que consideramos que houve avanços em determinados mecanismos de accountability,
iniciativas pontuais, mas ainda é preciso amplificar a participação e os meios para que ela
possa ocorrer no âmbito ora estudado. Então, particularmente, no que tange ao questionamento
sobre existência de espaço para inserção do conceito de accountability nos conselhos de saúde
é possível fornecer uma resposta afirmativa. Contudo, ainda não podemos afirmar que as
características necessárias para afirmar que este setor é accountable estão postas no cenário
atual.
1
Neste caso, a participação como forma de controle social das ações do Estado são implicitamente inseriras na
avaliação das prestações de contas para o exercício da fiscalização, acompanhamento e proposição de eventuais
correções. Em um seção apropriada é dado o destaque necessário a este ponto. 2
Estudo realizado pelo Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES) intitulado “As Ações Coletivas e Novos
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