UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI PRÓ - REITORIA DE ENSINO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA BIGUAÇU SANDRA LIZ CASTAÑOLA PORTELA O MÉDICO: um Semideus? Cuidados psicológicos pertinentes para este profissional na relação com o paciente. BIGUAÇU 2009 SANDRA LIZ CASTAÑOLA PORTELA O MÉDICO: um Semideus? Cuidados psicológicos pertinentes para este profissional na relação com o paciente. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Psicologia na Universidade do Vale de Itajaí no Curso de Psicologia. Orientado pela professora Ilma Borges. Orientado pela professora Ilma Borges. BIGUAÇU 2009 IDENTIFICAÇÃO ÁREA DE PESQUISA: Psicologia da Saúde. TEMA: Trata-se de uma analise da imagem profissional e cultural do médico e do endeusamento que gira entorno deste. TÍTULO DE PROJETO: O MÉDICO: um Semideus? Cuidados psicológicos pertinentes para este profissional na relação com o paciente. ACADÊMICA Nome: Sandra Liz Castañola Portela. Código de Matrícula: 06.2.2742. Centro: Biguaçu. Curso: Psicologia. Semestre: 2009/2. ORIENTADORA Nome: Ilma Borges. Categoria Profissional: Professora. Titulação: Mestrado em Engenharia de Produção – Área de Concentração Inteligência Artificial -. Curso: Psicologia. Centro: Biguaçu. RESUMO CASTAÑOLA PORTELA, Sandra Liz. O MÉDICO: um Semideus? Cuidados psicológicos pertinentes para este profissional na relação com o paciente. 2009. _ f. Monografia (Graduação em Psicologia) – Centro de Ciências da Saúde, Universidade do Vale do Itajaí, Biguaçu, 2011. O médico é um profissional que na sociedade exerce uma função que o coloca entre a saúde – doença, cuja perspectiva é sempre salvar. Durante a história da Medicina construíram-se diferentes mitos que colocaram o profissional desta à altura dos Deuses, mas os médicos ao conseguir curar um paciente e, assim, salvar-lhe a vida: será que se sentem Deuses ou Semideuses. Isto nos leva a questionar como se sentem estes profissionais ante os casos insolúveis; como lidam com o sentimento de impotência e com as frustrações decorrentes disto, ou pelo fato de não ter o conhecimento necessário para cumprir a promessa feita quando se formam (Juramento de Hipócrates). As instituições de ensino preparam este profissional para enfrentar as doenças dos pacientes, mas fica o questionamento quanto as suas carências e limitações psicológicas, e como mantêm sua própria saúde. Este é o tema que prevalece neste trabalho e que tentará abordar a saúde psicológica de uma figura preponderante na vida das pessoas, o tão requerido: médico. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, cujo delineamento é o estudo de campo e para a qual se efetuou a coleta de dados através de entrevista semiestruturada, cujo roteiro foi constituído por oito questões. Foram entrevistados seis profissionais médicos, com mais de dois anos de atuação/formação, utilizando-se da técnica bola de neve para identificar os mesmos. Todas as entrevistas foram realizadas após a leitura e aceitação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os resultados apresentaram quatro categorias que permitiram compreender e analisar a representação profissional construída culturalmente do médico como um Semideus e consequentemente qual sua visão a esse respeito e a implicação desta perspectiva para sua saúde psicológica. São elas: 1) História versus atualidade – mito de Semideus ao longo do tempo; 2) desumanização e formação / especialidades; 3) sentimentos no exercício da sua profissão – recursos para lidar com o emocional; 4) motivos para a inclusão de disciplinas da área da Psicologia na formação do médico. A pesquisa desenvolvida deixou entrever que os médicos entrevistados aparentemente não se colocam no lugar de Semideuses, comentando que isto é um mito que foi modificando-se através do tempo e como tal ficou na história. Quando o assunto é os sentimentos vivenciados por os profissionais médicos se observou que estes são dos mais variados indo desde a raiva à onipotência; e os recursos utilizados diferem segundo a idade cronológica e o tempo de formação, quanto mais avançada maior a necessidade de procurar apoio com outros profissionais. Por esta razão este profissional procura então a implantação de medidas profiláticas como a inclusão da dimensão psicológica na formação do estudante de Medicina. Palavras-chave: Semideus. Profissional médico. Saúde psicológica. 4 RESUMEN CASTAÑOLA PORTELA, Sandra Liz. ¿EL MÉDICO: un Semidiós? Cuidados psicológicos pertinentes para este profesional en la relación con el paciente. 2009. _ f. Tesis (Graduación en Psicología) – Centro de Ciencias de la Salud, Universidad del Valle de Itajaí, Biguaçu, 2011. El médico es un profesional que ejerce en la sociedad una función que lo coloca entre la salud y la enfermedad, cuya perspectiva es siempre salvar. Durante la historia de la Medicina se construyeron mitos que colocaron este profesional a la altura de los Dioses, los médicos al poder curar a un paciente y así salvarle la vida: será que se sienten Dioses o Semidioses. Esto nos lleva a preguntar cómo se sienten ante casos insolubles; cómo enfrentan sentimientos derivados de la impotencia y la frustración, o cuando no tienen los conocimientos para cumplir la promesa que hicieron al formarse (Juramento de Hipócrates). Las instituciones de enseñanza superior preparan este profesional para tratar las enfermedades de los pacientes, más surge la pregunta referente a sus debilidades y limitaciones psicológicas, y cómo mantiene su propia salud. Tema predominante en este trabajo, que aborda la salud psicológica de una figura preponderante en la vida de las personas, el tan requerido: médico. Es una investigación cualitativa, exploratoria, realizada a través de entrevista, itinerario compuesto por ocho preguntas. Fueron entrevistados seis profesionales médicos, con más de dos años de práctica y capacitación, mediante la técnica de bola de nieve para identificarlos. Todas las entrevistas se realizaron después de la lectura y aceptación del Consentimiento Libre e Informado. Los resultados presentaron cuatro categorías que permitieron comprender y analizar la representación profesional construida culturalmente del médico como un Semidiós; su visión al respecto y la implicación de esta perspectiva para su salud psicológica. Son estas: 1) historia/actualidad: mito de Semidiós en el tiempo; 2) deshumanización y capacitación/especialidades; 3) sentimientos en su profesión: recursos para lidiar con lo emocional; 4) inclusión de disciplinas de la Psicología en la formación de médico. Esta investigación permitió entrever que los médicos entrevistados no se sienten Semidioses, que es un mito que se modificó a través del tiempo y quedó en la historia. Referente al sentimiento experimentado por los médicos varían de la ira a la omnipotencia; y los recursos utilizados dependen de la edad cronológica y tiempo de formación, cuanto más avanzada mayor la necesidad de buscar apoyo con otros profesionales. Por esta razón este profesional, busca medidas profilácticas, como la inclusión de la dimensión psicológica en la formación del estudiante de Medicina. Palabras-llave: Semidiós. Profesional médico. Salud psicológica. 5 “Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higéia e Panacéia, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes. Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva. Conservarei imaculada minha vida e minha arte. Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam. Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados. Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça”. Hipócrates (Cós, c. 460 a.C. - Tessália, 377 a.C.) 6 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................................8 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.....................................................................................12 2.1. MITOLOGIA DA MEDICINA.........................................................................................12 2.2. BREVE HISTÓRIA DA MEDICINA..............................................................................15 2.3. HUMANIZAÇÃO DA MEDICINA................................................................................20 2.4. A FORMAÇÃO DO MÉDICO E SEU PREPARO PSICOLÓGICO..............................31 3. METODOLOGIA...............................................................................................................44 3.1. TIPO DE PESQUISA........................................................................................................44 3.2. DESCRIÇÃO DA AMOSTRA E PROCESSO DE SELEÇÃO.......................................47 3.3. PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS..........................47 3.4. ANÁLISE DE DADOS.....................................................................................................49 3.5. PROCEDIMENTOS ÉTICOS...........................................................................................49 3.7. ENTREVISTA DE DEVOLUTIVA.................................................................................50 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS...........................................................51 4.1 HISTORIA VERSUS ATUALIDADE – MITO DE SEMIDEUS AO LONGO DO TEMPO.....................................................................................................................................52 4.2 DESUMANIZAÇÃO E FORMACÃO DA MEDICINA / ESPECIALIDADES..........53 4.3 SENTIMENTOS NO EXERCICIO DA PROFISSÃO – RECURSOS PARA LIDAR COM O EMOCIONAL............................................................................................................56 4.4 MOTIVOS PARA A INCLUSÃO DE DISCIPLINAS NA ÁREA DE PSICOLOGIA NA FORMAÇÃO DO MÉDICO....................................................................................................61 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................66 REFERÊNCIAS.....................................................................................................................68 APÊNDICES............................................................................................................................72 APÊNDICE A. ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA.......................................................73 ANEXOS..................................................................................................................................74 ANEXO A -. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.......................75 ANEXO B -. CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO – MÉDICOS......78 ANEXO C -. CARTA DE APRESENTAÇÃO.......................................................................79 7 1. INTRODUÇÃO O principal propósito do presente trabalho ademais da conclusão de curso, é contribuir com a literatura acadêmica em Psicologia, preferencialmente na área de Saúde com recorte Social. O tema tentará abordar a saúde psicológica de uma figura preponderante na vida das pessoas, o tão requerido: médico. Esta pesquisa poderá ser utilizada futuramente como instrumento didático em estudos acadêmicos e profissionais sobre a saúde psicológica deste tão importante profissional. Nas obras de Homero e de Hesíodo (século VIII a. C.), criadores dos mais antigos e conhecidos textos literários gregos, a cura da doença era atribuída às divindades; a capacidade de curar era um dos atributos sobrenaturais de muitos Deuses: Pean, Quíron, e Asclépio ou Esculápio. Enquanto hoje tal perspectiva de divindade pode ser atribuída ao médico. O médico é um profissional que na sociedade exerce uma função que o coloca entre a saúde – doença, cuja perspectiva é sempre salvar. Durante a história da Medicina construíramse diferentes mitos que colocaram o profissional desta à altura dos Deuses, mas os médicos ao conseguir curar um paciente e, assim, salvar-lhe a vida: será que se sentem Deuses ou Semideuses. Apesar de que a batalha contra a morte, de um ponto de vista filosófico, seja sempre perdida, já que esta é a única Verdade Absoluta, o exercício da Medicina pode prolongar a vida e promover alívios para o sofrimento; e estas possibilidades por si só, já valem uma vida. A condição dos médicos seria criar a expectativa de que a Medicina poderá nós livrar de todos os sofrimentos e da morte, difundindo a crença de que é possível um conhecimento total sobre o corpo humano e aquilo que o condiciona. Se algo deu errado, no que tange ao sofrimento e à morte, será por falta de conhecimento, haverá lugar para o desconhecido, para o acaso na lógica deste profissional? Os médicos hoje em grande parte estão encarregados como os sacerdotes no passado de dizer o que é certo ou errado para se ter uma vida feliz. Não fumar, alimentar-se bem, fazer exercícios são os mandamentos do homem moderno. Uma vida boa é uma vida saudável e regrada. No entanto, agora, não é a autoridade religiosa que dita às regras, mas na maioria das vezes são os médicos. Pois são entendidos socialmente como conhecedores das verdades científicas. 8 Tanto a ciência como a religião, não podem ser tomadas como Verdades Absolutas (tem sempre o "até que se prove o contrário"), mas muitos fazem delas o seu Dogma. A estatística considera de forma atenuada o acaso, já que este não pode ser dimensionado com precisão, pelo tanto os dados científicos não devem ser considerados como verdades definitivas. Com referência ao dito anteriormente e considerando que o acaso não exista e apesar de todo o apelo à saúde, de que se siga corretamente todo o dito pelos doutores que recomendam como viver bem, as pessoas continuam e continuarão a adoecer novas doenças a surgir, e mortes a ocorrer. De forma que tudo isto nos leva a questionar como se sentem estes profissionais ante os casos insolúveis; como lidam com o sentimento de impotência e com as frustrações decorrentes disto, ou pelo fato de não ter o conhecimento necessário para cumprir a promessa feita quando se formam (Juramento de Hipócrates). As instituições de ensino preparam este profissional para enfrentar os pacientes e suas doenças, mas fica o questionamento quanto as suas carências e limitações psicológicas, como mantêm sua própria saúde. Hipócrates, pai da Medicina, em um de seus aforismos aconselha: "Médico, cura-te". Palavras sábias que ainda hoje encontram ressonância, já que segundo Olivenstein, há um "não-dito" na Medicina, caracterizado pelo medo-ódio cuja principal fonte é o medo da própria morte. Corroborando isso, a literatura médica atual tem como consenso que médicos constituem grupo vulnerável a uma série de doenças, tanto físicas quanto mentais; como suicídio, transtornos do humor e de ansiedade, além de dependência química. Conforme editorial (Suicides of physicians and the reasons) publicado em 1903, no JAMA, a pesquisa apontava para a necessidade de um estudo detalhado sobre os aspectos psíquicos dos profissionais médicos. Desde então, alguns levantamentos foram realizados objetivando a compreensão plena desse fenômeno; porém em novo editorial publicado cem anos depois, no mesmo periódico, afirma que pouco foi feito para mudar tal situação. As taxas encontradas de suicídio, dependência química, transtornos do humor e de ansiedade, são muito elevadas entre estes profissionais, quando comparados com a população geral. A relevância social desta pesquisa adquire importância quando se considera que tais patologias apresentam enorme impacto não só na qualidade técnica do atendimento oferecido, mas, também, no tipo de relação médico-paciente que se estabelece. Martins (1991), em estudo de referência no meio médico - hospitalar, relata que entre as estratégias adaptativas utilizadas pelos médicos para lidar com o estresse encontram-se: a falta de empatia em relação 9 às queixas dos pacientes, prejudicando, assim, o adequado diagnóstico e a terapêutica; a utilização da ironia e do humor negro, que acabam por contaminar também as relações pessoais do profissional e, a falta de cuidados em relação à própria saúde, uma vez que o médico - paciente nega sua condição de doente, escondendo suas dificuldades emocionais dos colegas, da família e de si mesmo. Por tudo isso, torna-se fundamental a realização de estudos que se aprofundem nessa questão em cada contexto específico, como é o caso de instituições formadoras de profissionais de Psicologia e de Medicina, dentro de uma visão interdisciplinar no âmbito da saúde. Gerando desta maneira ações de suporte e preventivas podendo ser planejadas e implementadas, a fim de assegurar a qualidade da assistência oferecida e saúde integral do médico. Podendo-se pensar também no papel do psicólogo como colaborador para subsidiar projetos pedagógicos no curso de formação de futuros médicos, considerando-se o trabalho interdisciplinar, nesta época tecnológica em que existe quebra de paradigmas como a troca de papel de médico paternalista para o papel de médico intera-gente paciente para cliente. Tendo em vista o acima exposto, a relevância acadêmica desta pesquisa tem a idéia de contribuir para a Psicologia Social, Educacional, e Organizacional, incluindo a Saúde do Trabalhador, Políticas Públicas e outras áreas afins, na elaboração de novos projetos de pesquisa, ou até mesmo, no aprofundamento desta, dando ênfase nos fenômenos estudados, praticados em diferentes situações não abordadas nesta pesquisa. A relevância pessoal para a acadêmica autora desta pesquisa apresenta-se como uma forma da mesma aprofundar seus estudos e conhecimentos sobre o tema, tendo em questão a perspectiva de atuar profissionalmente na possibilidade de inserção de disciplinas psicológicas na formação do médico. Partindo destas reflexões, esta pesquisa teve como objetivo principal analisar a representação profissional construída culturalmente do médico como um Semideus e consequentemente qual sua visão a esse respeito e a implicação desta perspectiva para sua saúde psicológica. Buscou-se ainda 1) investigar qual é a visão do médico de si ante esse lugar mítico de Semideus no qual a sua profissão histórica e culturalmente o colocou, compreendendo assim 2) quais são os tipos de sentimentos diante do exercício profissional quando existe a salvação de uma vida ou a morte; 3) identificar quais são os recursos e cuidados utilizados pelo médico para lidar com as implicações psicológicas provenientes de sua profissão; 4) pesquisar se os currículos pedagógicos e seus conteúdos nos cursos de 10 Medicina localizados na região da Grande Florianópolis apresentam disciplinas da área de Psicologia que discutam a saúde do profissional médico. Esta monografia está organizada em cinco capítulos. A introdução, disposta neste primeiro capítulo, apresenta a contextualização do tema da pesquisa; sua justificativa e objetivos, visam promover ao leitor um panorama geral do estudo. O segundo capítulo dedica-se à fundamentação teórica da pesquisa, apresentado estado da arte desta temática que embasou a acadêmica no desenvolvimento do estudo e de suas reflexões. O terceiro capítulo ocupa-se da metodologia utilizada em todas as etapas realizadas pela acadêmica autora desta pesquisa. No quarto capítulo são descritos e analisados todos os resultados obtidos, vinculados à sua respectiva discussão teórica. O quinto capítulo compreende as reflexões e considerações finais da acadêmica quanto a sua pesquisa. 11 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 MITOLOGIA DA MEDICINA Até o advento dos filósofos da natureza, tanto a causa como a cura da doença eram atribuídas às divindades, esse conceito já está presente nas obras de Homero e de Hesíodo. Os médicos homéricos, que encontramos notadamente na Ilíada1, escrita entre -750 e 725, são os mais antigos e os primeiros a sair da esfera divina, mas ainda estavam a certa distância dos seres humanos, pois faziam parte do nível intermediário dos heróis ou Semideuses. Nas mitologias grega e romana, os Semideuses eram filhos de Deuses com parceiros mortais, normalmente se destacavam por serem mais fortes que os humanos normais, e algumas vezes eram admitidos no Olimpo2 como imortais. Na época acreditava-se que todos os eventos dentro do cosmos, todos os fenômenos naturais, todas as obras dos elementos e dos planetas bem como todas as atividades dos seres humanos eram causadas ou supervisionadas por seres super-humanos inteligentes específicos. Os Semideuses, também chamados Asuras, eram seres que gostariam de ser Deuses (Devas), porém, na realidade, não o eram. Assim como diz a expressão em italiano Vorrei, ma non posso (gostaria, mas não posso), eles eram tomados pela sensação se estar quase lá. Deva vem da raiz sânscrita div, que significa resplandecer, brilhar. Devas eram seres de luz, eram Deuses. Sura, significa também ser de luz, ser que brilha, Deus. O prefixo a colocado na frente da palavra sura indica ausência de: aquele que pode até ter o poder, mas não sabe usálo adequadamente. 1 A Ilíada é um poema épico grego que narra os acontecimentos ocorridos no período de pouco mais de 50 dias durante o décimo e último ano da Guerra de Tróia e cuja génese radica na cólera de Aquiles. 2 O Monte Olimpo é a mais alta montanha da Grécia, com 2.919 metros; na mitologia grega, o Monte Olimpo é a morada dos Doze Deuses do Olimpo, os principais deuses do panteão grego. Os gregos pensavam nisto como uma mansão de cristais que estes deuses - como Zeus - habitavam. 12 Relata-se que o reino dos Semideuses localizava-se logo abaixo do reino dos Deuses. Na iconografia da roda da vida, estes dois reinos são representados como um só, dividido apenas por uma grande árvore - a árvore que concede a realização de todos os desejos. Os Semideuses passavam o dia ocupando-se de cuidar desta árvore, que, por ironia, só dava seus flores e frutos na altura do reino dos Deuses. Os Semideuses3 eram aqueles que se sentiam mais fortes diante dos fracos e, mais fracos diante dos fortes; por isso eram movidos por uma força destrutiva. Queriam saber sempre mais do que os outros. Ao perceberem que alguém sabia mais do que eles procuravam logo colocá-lo numa situação constrangedora para assim encontrar uma forma de depreciá-lo. Neste sentido, a visão psicológica do reino dos Semideuses estava contaminada pela suspeita que desencadeava um sentimento de paranóia crescente, devido ao medo de perder o reconhecimento social, o poder e a fama, desconfiavam de tudo e de todos. A mitologia conta que os Semideuses eram tão orgulhosos de si mesmo que relutavam em aprender e praticar os ensinamentos que os ajudariam a sair deste sofrimento. Afinal, eles adoravam lutar, pois eram viciados no espírito de competição. Por isso, não lhes interessava livrar-se dessa raiva. Os Semideuses podiam ser tão ricos quanto os Deuses, mas como estavam sempre se comparando com eles, focavam suas mentes apenas no que ainda "não possuíam" e "não eram". Obcecados pela competição, viviam num estado de luta constante para atingir a perfeição de um Deus. Assim, tornavam-se vítimas de suas próprias avaliações inatingíveis, pois reconheciam seu progresso apenas por meio da comparação com os outros seres superiores a eles. A preocupação de ser sempre o melhor, de serem sempre donos da situação, fazia com que eles se tornassem cada vez mais inseguros e ansiosos. O mais paradoxal na competição é que para validar o valor pessoal acima de qualquer comparação, acabavam comparando-se com os outros. A competição por si distancia dos outros, pois ela é uma ação contrária à empatia, ao entendimento, ao desejo de gerar harmonia nos relacionamentos, tornando cada vez mais difícil a ajuda mútua entre as pessoas, diminuindo assim a possibilidade de dar e receber. Mesmo que eles recebessem ajuda, ela ficava comprometida, pois era recebida com a desconfiança sobre as reais intenções envolvidas; desconfiando que ali, naquela ajuda, existiam intenções veladas para invadir-lhe o território. Em compensação, se não recebiam, 3 Ver detalhes no site < http://ikar.riva.vilabol.uol.com.br/semideuses.htm>, acessado em data de 11/10/2009. 13 utilizavam esse fato para rotular o mundo de egoísta, justificando a sua própria atitude de egoísmo. Para sair deste padrão de paranóia e desconfiança gerado pelo espírito de competição, o Semideus precisava recuperar a lucidez: olhar de frente para cada situação, sem deixar-se levar pelo desejo imediato de manipular a situação para proteger-se antecipadamente do que quer que possa vir, este padrão emocional de desconfiança era próprio do reino dos Semideuses, o qual não permitia abaixar as defesas em prol de relacionamentos baseados na troca e no companheirismo. Entre esos relacionamentos encontram-se a capacidade de curar que era um dos atributos sobrenaturais de muitos Deuses; mas apenas três, eram especificamente dotados do poder de cura: Pean, Quíron e Asclépio ou Esculápio; o primeiro, Pean, era o médico dos Deuses; já os outros dois atuavam junto aos mortais. Segundo reza a narrativa mitológica cantada pelo poeta Píndaro (522-443 a.C.), Esculápio, Deus solar e da saúde, era o Deus romano da Medicina e da cura; filho de Apolo com a mortal Coronis foi tirado pelo pai do ventre da mãe no momento em que esta se encontrava na pira funerária, conferindo-lhe o simbolismo da vitória da vida sobre a morte. Nascido como mortal, aprendeu a arte da Medicina com o centauro Quirón que lhe ensinou as artes curativas e como usar as plantas para dar vida aos mortos, depois da sua morte foi-lhe concedida à imortalidade. Com seus infinitos conhecimentos em Medicina e como hábil cirurgião, segundo a Ilíada de Homero, ele podia devolver a vida aos mortos, embora não possuísse um caráter divino. Isso provocou a ira de Zeus que não queria ver Plutão perder os seus mortos e, também, por achar que ele pretendia igualar-se aos Deuses tornando os seres humanos imortais, e o fulminou com um raio. Apolo, seu pai, irritou-se e atacou os Ciclopes, ferreiros que tinham um só olho, por estes terem feito o raio matador. Como punição, Zeus finalmente concordou em admiti-lo entre os Deuses e tendo então o poder de curar aos enfermos é transformado na constelação Ofiúco4. O seu culto espalhou-se em templos e santuários, onde os sacerdotes se dedicavam à cura de doentes e diziam-se descendentes diretos dele. Enquanto em Roma, cujo culto foi iniciado por ordem do conjunto de oráculos, denominado de profecias sibilinas5 (293 a.C.), era considerado uma divindade menor, foi 4 Ofiúco, Ophiuchus, o Serpentário, é uma constelação do zodíaco. O genitivo, usado para formar nomes de estrelas, é Ophiuchi. Representa-se o serpentário como um homem segurando a Serpente. 5 Profecias de Sibila de Cumas que era natural de Éritras, importante cidade da Jônia (na costa ocidental da atual Turquia). Seu pai era Teodoro e sua mãe uma ninfa. Conta-se que ela nasceu numa gruta do monte Córico. 14 especialmente venerado e muito prestigiado no mundo antigo, seus segredos na arte da Medicina o converteu no Patrono dos médicos. Nesta época a desonestidade com os Deuses era algo inaceitável e, por isso, com a finalidade de ajustarem-os às normas morais, foram introduzidas mudanças nas lendas. O castigo de Esculápio justifica-se, porque havia efetuado ressuscitações mais por razões interesseiras que por causas nobres. Essa revisão mostrou que todos os médicos, incluindo Esculápio, podiam ser castigados por hybris (pecado de pretender o que corresponde aos Deuses); que a natureza não devia ser contrariada; e que os médicos eram mercenários, e tudo isso refletia talvez as atitudes próprias da época (LYONS; PETRUCELLI, 1997). Menos conhecido é o fato que todos os conhecimentos ensinados por Quirón sobre os poderes curativos de todas as ervas, curando qualquer doença; ele próprio, no entanto, era portador de uma ferida incurável causada pela flecha de Hércules. Encontra-se aqui o grande paradoxo, o curador ferido, incapaz de tratar a si mesmo, fenômeno que ainda hoje assombram todos aqueles (médicos) que se dispõem a seguir os passos de Quirón e conseqüentemente de Esculápio. Transportando este panorama da mitologia grega, onde o grande médico sofria com uma ferida que não podia ser curada, para os dias atuais é pertinente a pergunta: como esses seguidores dessa profissão constroem sua rotina. Pautada esta na qualidade de vida, com equilíbrio entre as horas trabalhadas e as horas dispensadas ao lazer e à higiene mental; buscando desta maneira exercer suas atividades com menor risco de falhas técnicas e com maior disposição, podendo obter como resultando uma relação médico-paciente mais satisfatória. 2.2 BREVE HISTÓRIA DA MEDICINA Os primórdios da Medicina foram marcados pelas incertezas ligadas à classica passagem dos estágios mágicos à etapa racional da história da humanidade. Segundo Sournia (1992) a antiga Grecia contava com numerosos Deuses e Semideuses curadores no seu panteão; podendo, aliás, as mesmas divindades provocar doenças por inveja, Tinha, desde o nascimento, o dom da profecia, e fazia suas previsões em versos. Ficou conhecida como a sibila de Cumas porque passou a maior parte de sua vida nesta cidade, situada na costa da Campânia (Itália). 15 vingança ou por castigo devido a um sacrilégio, mas também curar o mal. Acima de todos encontra-se Zeus, onipotente; Apolo senhor de todas as faculdades criativas das artes, pode curar se tal lhe for implorado segundo as fórmulas convenientes, mas pode também dizimar os seus inimigos. As flechas de Herácles (Hércules entre os romanos), fornecidas por Apolo, são consideradas mortais. Uma delas firiu Quirón, o mais célebre, o mais sensato e o mais sábio dos centauros, que ensina Medicina e pratica a cirurgia no monte Pélion, na Tessália, é ele que educa Esculápio. Esculápio era o Deus romano da Medicina e da cura, tinha uma família numerosa, e muitos de seus membros exerciam funções médicas e curativas. Sua mulher Epione acalmava a dor; sua filha Higéia - Deusa da saúde pública - era a divindade da saúde e mais tarde passou a simbolizar a prevensão das doenças; Panacéia, outra de suas filhas - Deusa da farmácia -, simbolizava o tratamento; Telésforo, seu filho, o acompanhava habitualmente e significava a convalescença (LYONS; PETRUCELLI, 1997) 6. O culto a Esculápio foi muito prestigiado no mundo antigo, e os santuários erigidos em sua homenagem se converteram posteriormente em sanatórios. Era representado como um homem barbudo, com o ombro direito descoberto, de olhar sereno ao horizonte, ora acompanhado de sua filha Higéia, ora sozinho. Seu braço esquerdo, sempre aparece apoiado num cajado envolvido por uma serpente. O bordão de Esculápio se transformou no símbolo da Medicina7. Nos tempos primitivos, em que a Medicina tinha o caráter mágico-sacerdotal, e as doenças eram atribuídas a causas sobrenaturais, o ato médico consistia de magias, ritos e encantamentos de toda ordem, associados a práticas empíricas tradicionais. Os Deuses, os espíritos e a magia são para o homem primitivo as principais causas das doenças, de tal maneira que a finalidade do diagnóstico consiste em determinar qual é a pessoa ou o espírito de quem vem o castigo. Os métodos empregados para o tratamento podem chegar a ser muito complexos; entre eles incluem cerimônias elaboradas, cantos, demonstrações místicas, encantamentos e feitiços (LYONS; PETRUCELLI, 1997). Faltam documentos a respeito das raízes técnicas e intelectuais da Medicina nesta época, no entanto, a interpretação dos textos de Homero responde que apesar de este conferir uma origem divina à peste que abateu o exército grego: Apolo lançou as suas flechas sobre os 6 Lyons e Petrucelli, autores do livro História da Medicina serão aqui utilizados preferencialmente para apresentar os registros mitológicos quanto à concepção do médico como semi-Deus. 7 Ver detalhes no site < http://www.dec.ufcg.edu.br/biografia>, acessado em data de 11/10/2009. 16 homens culpados de sacrilégio; os médicos evocados para tratar das feridas não eram magos nem sacerdotes, e sim profissionais laicos, que realizaram gestos eficazes ensinados por clínicos mais antigos, sem ajuda de fórmulas mágicas nem sacrifícios aos Deuses (SOURNIA, 1992). Somente no século V a.C., na antiga Grécia de Hipócrates a Medicina foi separada da religião e da magia, das crenças irracionais e do apelo ao sobrenatural; fundando-se assim os alicerces da Medicina racional e científica. O ensino da arte médica nesta época era informal e se fazia de mestre a aluno através das gerações, como consta no seu juramento. Este último deu um sentido de dignidade à profissão médica, estabelecendo as normas éticas de conduta que devem nortear a vida do médico, tanto no exercício profissional, como fora dele. O importante para o médico hipocrático era a forma na qual o paciente sofria a enfermidade, e não o tipo da enfermidade. Era considerado fundamental o aspecto do enfermo, suas circunstancias e sua forma de vida, para que se pudesse avaliar o estado de gravidade e as possibilidades de recuperação (LYONS; PETRUCELLI, 1997). Lyons; Petrucelli (1997, p. 216) destaca que: [...] observa a natureza de cada país, a dieta, os costumes, a idade do enfermo, a forma de falar, os hábitos, seu semblante e também seu silencio, seus pensamentos, se dorme ou padece se insônia, o conteúdo e origem de seus sonhos. [...] todos os dados devem ser estudados, raciocinando-se sobre seu significado. Ainda nesse mesmo contexto nas sociedades que se desenvolveram na Europa e NA Ásia, os sistemas de crença foram substituídos por um distinto sistema natural; a Medicina Hipocrática desenvolveu um sistema médico humoral onde o tratamento deveria restaurar o equilíbrio entre os clássicos elementos e humores dentro do corpo, similar à visão que foi adotada na China e na Índia. Na Roma antiga a Medicina já tinha uma loga história dos etruscos8, tanto em seus aspectos leigos quanto religiosos, embora tenham sido estes últimos que exerceram a influencia mais duradoura. O legado etrusco refletia-se na confiança que tiveram os romanos, desde o princípio, na adivinhação mediante o exame das entranhas dos animais, no uso de cartas prognósticas etruscas e na propiciação dos Deuses, para que cessassem as epidemias (durante a Idade Média, continuose a celebrar procissões religiosas, com a finalidade de evitar a peste). 8 Os Etruscos eram um aglomerado de povos que viveram na península Itálica na região a sul do rio Arno e a norte do Tibre, então denominada Etrúria e mais ou menos equivalente à atual Toscana. 17 Muitos séculos depois no princípio da Idade Média a Medicina misturou o científico com o espiritual; após a queda do Império Romano. Como consequencia da destruição e negligência para com os recursos e instalações sanitárias, surgiram uma série de epidemias locais que culminaram muitos séculos mais tarde, na grande praga do século XIV, conhecida como a Peste Negra. O conhecimento médico padrão concentrou-se principalmente em manter manuscritos médicos antigos e textos gregos e romanos, preservados nas bibliotecas monásticas, e era comum que o médico procurasse curar praticamente todas as doenças através da sangria, utilizando principalmente sangue-sugas9. As idéias sobre a origem e a cura de doença não eram puramente tradicionais, foram baseadas também na visão do mundo espiritual, onde fatores tais como o destino, o pecado, e as influências astrais eram tão considerados quanto às causas físicas. Neste período os conhecimentos avançaram pouco, pois havia uma forte influencia da Igreja Católica que condenava as pesquisas científicas. Das idéias desenvolvidas na Grécia até o Renascimento o principal direcionador da Medicina foi à manutenção da saúde pelo controle da dieta (nutrição) e da higiene. O conhecimento anatômico era limitado e havia poucas cirugias, os doutores apostavam em manter uma boa relação com os pacientes, tratando das doenças menores e amenizando as crônicas, pouco podendo fazer quanto às doenças epidêmicas, que cresciam com a urbanização e domesticação dos animais, e se intensificavam através do mundo. No período do Renascimento Cultural (séculos XV e XVI) houve um grande avanço da Medicina, os médicos movidos pela vontade de descobrir o funcionamento de corpo humano, buscaram explicar as doenças através de estudos científicos e testes de laboratório (LYONS; PETRUCELLI, 1997). Mas foi no século XVII, mais conhecido como “era da revolução científica”, que representa a mudança de orientação mais importante na história da ciencia. Em vez de perguntar por que os fatos ocorrem, os cientistas passam a se interessar como ocorrem – o que aumenta a importancia da experimentação diante do raciocínio especulativo (LYONS; PETRUCELLI, 1997). 9 Ver detalhes no site < http://www.suapesquisa.com/ecologiasaude/medicina.htm>, acessado em data de 11/10/2009. 18 Foi neste século que William Harvey10 fez a descoberta do sistema circulatório do sangue, passando assim a compreender melhor a anatomia e a fisiologia do ser humano. Dois séculos após este conhecimento ficou mais apurado após a invenção do microscópio acromático, com o qual Louis Pasteur11 conseguiu um enorme avanço para a Medicina ao descobrir que as baterias são as responsáveis pela causa de grande parte das doenças (LYONS; PETRUCELLI, 1997). No século XIX as primeiras décadas foram praticamente uma continuação dos feitos médicos do século anterior, como a anestesia e a descoberta dos microorganismos como causadores de doença, assim como os métodos terapeuticos e as práticas higienicas. Existiram outras contribuições quanto ao conhecimento da estrutura e funcionamento do organismo, o conceito de célula como unidade anatômica fundamental, princípios fisiológicos relativos ao meio interno e novos métodos de diagnóstico clínico (SOURNIA, 1992). Realizando uma revisão do estado atual da Medicina, é fácil constatar o inmenso contraste que existe entre os séculos passados; as grandes catástrofes provocadas pela varíola, cólera ou difteria, que desvastaram regiões inteiras até o século XIX, são consideradas excepcionais na atualidade. Outras doenças infecciosas, outrora mortais, podem ser tratadas com uma ampla medicação antimicrobiana; a visualização das regiões mais internas do organismo podem ser acessadas por intermedio de técnicas especias, orgãos com processo degenerativo irreversível podem ser substituídos por meio de transplantes, enxertos ou graças a dispositivos mecânicos (LYONS; PETRUCELLI, 1997). Na passagem do século XX para o atual, novas mudanças descendentes da alta tecnologia foram surgindo, entre elas a Medicina Virtual ou Tele Medicina e a Robótica. Sendo a primeira definida de acordo com a Organização Mundial de Saúde12, como a oferta de serviços ligados aos cuidados com a saúde, nos casos em que a distância é um fator crítico; tais serviços são prestados por profissionais da área da saúde, usando tecnologias de informação e de comunicação para o intercâmbio de informações válidas para diagnósticos, prevenção e tratamento de doenças e a contínua educação de prestadores de serviços em saúde, assim como para fins de pesquisas e avaliações. 10 William Harvey (1578-1657) foi um médico britânico que pela primeira vez descreveu corretamente os detalhes do sistema circulatório do sangue ao ser bombeado por todo o corpo pelo coração. 11 Louis Pasteur (1822-1895) foi um cientista francês, suas descobertas tiveram enorme importância na história da Química e da medicina, a ele se deve a criação do processo conhecido como pasteurização. 12 Ver detalhes no site <http://www.who.org>, acessado em data de 15/10/2009. 19 Enquanto a Robótica13 é a área que se preocupa com o desenvolvimento de dispositivos automatizados (robôs), estes podem ser eletromecânicos ou biomecânicos capazes de realizar trabalhos de maneira autônoma, pré-programada, ou através de controle humano, como no caso das cirugias. Os enormes progressos alcançados graças às ciências físicas, químicas e biológicas, aliados aos avanços tecnológicos, podem ter redirecionando a formação e a atuação do médico, modificando também sua escala de valores, consequentemente sua prática cada vez mais desumanizada. 2.2 HUMANIZAÇÃO DA MEDICINA A supervalorização das ciências biológicas, a super-especialização e o avanço dos meios tecnológicos, que acompanharam o desenvolvimento da Medicina nestas últimas décadas, trouxe como conseqüência mais visível, o que se conhece comumente como desumanização do médico. Um profissional que foi se transformando cada vez mais em um técnico, um especialista, profundo conhecedor de exames complexos, precisos e especializados, porém, em muitos casos, ignorante dos aspectos humanos presentes no paciente que assiste. Em paradoxo este profissional deveria ser mais do que um biólogo, mais do que um naturalista, o médico deveria ser, fundamentalmente, um humanista; um sábio que, na formulação do seu diagnóstico, leva-se em conta não apenas os dados biológicos, mas também os ambientais, culturais, sociológicos, familiares, psicológicos e espirituais – pois não podemos esquecer de que, para o homem grego, os Deuses não deixam de ser sujeitos ativos na História e na vida das pessoas. Para Gallian (2000) o médico deveria ser antes de tudo, um filósofo; um conhecedor das leis da natureza e da alma humana, procurando as causas das doenças não apenas no órgão ou mesmo no organismo enfermo. Na atualidade o jovem médico é exposto á alta tecnologia e menos ao lado humanístico e filosófico da Medicina, onde a relação médico-paciente se reduz a horas de espera para uma consulta fria e rápida de dez minutos. A este respeito Muccioli (2007) apud 13 Ver detalhes no site <http://www.universia.com.br>, acessado em data de 15/10/2009. 20 Bernard Lown diz: a Medicina jamais teve a capacidade de fazer tanto pelo homem como hoje. No entanto, as pessoas nunca estiveram tão desencantadas com seus médicos. A questão é que a maioria dos médicos perdeu a arte de curar, que vai além da capacidade do diagnóstico e da mobilização dos recursos tecnológicos. Gallian (2000), diz que não apenas por força das exigências de uma formação cada vez mais especializada, mas também em função das transformações nas condições sociais de trabalho que tenderam a proletarizar o médico, restringindo barbaramente a disponibilidade deste para o contato com o paciente, assim como para a reflexão e formação mais abrangente. De acordo com Tavares (2009) os avanços na Medicina ao lidar com as doenças entram em consonância com o desejo de aplacar a angústia que a dimensão da morte abre e descobrir a cura para os limites do corpo, a cientificidade imprescindível da Medicina entra em consonância com o ideal social de um saber total sobre o objeto que possa responder a todas as angústias existenciais. E é assim que o médico, no imaginário social, se aproxima da figura de um Deus, capaz de nos garantir a vida eterna; o ideal social não espera que a Medicina se ocupe de uma parcela do conjunto social, mas do Universo inteiro, tal qual corresponde aos Deuses. Este imaginário social nos faz referencia às representações sócias que para Moscovici (2007, p. 58) são: [...] as representações que nós fabricamos – duma teoria científica, de uma nação, de um objeto, etc – são sempre o resultado de um esforço constante de tornar real algo que é incomum (não familiar), ou que nos dá um sentimento de não familiaridade. E através delas nós superamos o problema e o integramos em nosso mundo mental e físico, que é, com isso, enriquecido e transformado. Depois de uma série de ajustamentos, o que estava longe, parece ao alcance de nossa mão; o que era abstrato torna-se concreto e quase normal (...) as imagens e idéias com as quais nós compreendemos o não usual apenas trazem-nos de volta ao que nós já conhecíamos e com o qual já estávamos familiarizados. Ressalta ainda Tavares (2009), que nos trabalhos de humanização nos serviços de saúde, a resistência maior - curiosamente - sempre é daqueles que escolheram dedicar sua vida a aliviar as dores dos humanos: os médicos. A possibilidade de se colocar no lugar do outro, de abrir espaço para que outro saiba algo que não sabemos de antemão, seja o médico, seja o paciente, depende de aceitarmos que todo saber é limitado: algo que não sei e que, portanto poderá vir de outro. Apenas quando 21 corremos o risco de não pretender tudo saber é que podemos compreender o outro, aceitando que ele tem algo a dizer, com toda a dimensão de falta que coloca a palavra, mas também de um saber que, por não ser total, pode se expandir infinitamente. Está-se falando aqui de alteridade que conduz da diferença à soma nas relações interpessoais entre os seres humanos revestidos de cidadania. Pela relação de alteridade é possível exercer a cidadania e estabelecer uma relação pacífica e construtiva com os diferentes, na medida em que se identifique, entenda e aprenda a aprender com o contrário. A palavra alteridade, que possui o prefixo alter do latim possui o significado de se colocar no lugar do outro na relação interpessoal; com consideração, valorização, identificação e dialogar com o outro. A prática da alteridade se conecta aos relacionamentos tanto entre indivíduos como entre grupos culturais religiosos, científicos, étnicos, etc. Nesta relação de alteridade estão sempre presente os fenômenos holísticos da complementaridade e da interdependência, no modo de pensar, de sentir e de agir, onde o nicho ecológico, as experiências particulares são preservadas e consideradas, sem que haja a preocupação com a sobreposição, assimilação ou destruição destas. “Ou aprendemos a viver como irmãos, ou vamos morrer juntos como idiotas” (Martin Luther King14). Antigamente o médico era um conhecedor da alma humana e da cultura em que se inseria, já que invariavelmente andava muito próximo de seus pacientes – como médico de família que era – este respeitável doutor sabia que curar não era uma operação meramente técnica, mas fundamentalmente humano-científica; uma operação que envolvia elementos de caráter cultural e psicológico. Não se pode deixar de remeter ao que é cultura que segundo a definição pioneira de Edwars Burnett Tylor15, sob a etnologia (ciência relativa especificamente do estudo da cultura) a cultura seria “o complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, morais, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Portanto corresponde, neste último sentido, às formas de organização de um povo, seus costumes e tradições transmitidas de geração para geração que, a partir de uma vivência e tradição comum, se apresentam como a identidade desse povo. 14 Martin Luther King, Jr. (1929 – 1968). Pastor protestante e ativista político estadunidense tornou-se um dos mais importantes líderes do ativismo pelos direitos civis (para negros emulheres) nos Estados Unidos e no mundo. 15 Edward Burnett Tylor ( 1832 – 1917) antropólogo britânico, considerado um dos representantes do evolucionismo cultural, sua principal obra é Primitive Culture (1871). 22 Por outro lado Gallian (2000) destaca que essa substancial inserção do médico em seu meio sociocultural, fazia com que seu papel não se restringisse ao de simplesmente curar ou não as enfermidades. Ele era também aquele que, frente aos limites e impossibilidades médicas, sabia acompanhar o enfermo e seus familiares, ajudando-os no sofrimento, na preparação para a morte, além de intervir como orientador nos assuntos mais diversos, tais como o despertar da sexualidade nos adolescentes, os problemas de relacionamento do casal e inúmeras outras questões da vida familiar. Para Blasco (1997) o desaparecimento do médico pessoal prejudicou o ato de conhecer a pessoa que tem a doença que é tão importante como conhecer a doença. Assim como o paciente é um bom diagnosticador do relacionamento com o seu médico, sabe-se mais seguro com um médico sábio do que com um médico treinado artificialmente. Sabedoria, pois, que é conhecer a pessoa para nela investigar a doença, aspecto essencial neste relacionamento que se deseja humanizar. Ainda para o mesmo autor, no século XIX se presenciava a consagração da Medicina humanística em sua versão romântica, mas paradoxalmente este mesmo século marcou também o início da sua crise. Principalmente a partir da segunda metade, onde as importantes descobertas em campos como o da microbiologia, desencadearam uma verdadeira revolução no terreno da patologia, gerando profundas transformações na ciência médica como um todo. Segue Blasco (1997) afirmando que, o desenvolvimento das análises laboratoriais e outros métodos clínicos incrementaram consideravelmente a formulação dos diagnósticos, assim como o aparecimento de medicamentos como a penicilina, começaram a propiciar aos médicos uma eficácia na cura e um domínio sobre as doenças sem precedentes na história, levando a relembrar a mitologia grega, a ação de cura dos Deuses. Ao se iniciar o século XX, tudo dava a entender que a Medicina estava prestes a atingir a sua idade de ouro, o seu estágio como ciência exata. Os enormes progressos alcançados graças às ciências físicas, químicas e biológicas, aliados aos desenvolvimentos tecnológicos, foram, cada vez mais, redirecionando a formação e a atuação do médico, modificando também sua escala de valores. Na medida em que o prestígio das ciências experimentais foi crescendo, o das ciências humanas esvanecia-se no meio médico (GALLIAN, 2000). Outra conseqüência de tal enfoque é que a prática médica assim colocada, não abre o espaço para a relação médico-paciente, o espaço é ocupado pela doença e pelo conhecimento; aquela que ele deve derrotar apenas com os instrumentos objetivos, para poder se sentir 23 triunfante. Esta e só esta é sua vitória, sua relação é com a patologia, ou no máximo com o homem pós-doença, aquele que é portador do triunfo médico (TABARES, 2009). Segundo Muccioli (2007), a questão está em que a maioria dos médicos perdeu a arte de curar, que vai além da capacidade do diagnóstico e da mobilização dos recursos tecnológicos. Afirmando que se deve ter coragem de rever e mudar, para resgatar, o valor maior da Medicina que é ver o paciente como um ser humano único e respeitá-lo como tal, para poder entender e tratar sua doença, já que vivemos numa época na qual a tecnologia supera o diálogo e em um mundo no qual ter é mais do que ser. A este respeito Caprara (1999) apud Gadamer (1994) destaca os atributos da prática do médico na produção da saúde, profissão que há muito é definida como ciência e arte de curar. Em todo o processo diagnóstico e terapêutico, a familiaridade, a confiança e a colaboração estão altamente implicadas no resultado da arte médica. Isto conduz a reflexão sobre a humanização da Medicina, em particular da relação do médico com o paciente, para o reconhecimento da necessidade de uma maior sensibilidade diante do sofrimento deste. Esta proposta aspira pelo nascimento de uma nova imagem profissional, responsável pela efetiva promoção da saúde, ao considerar o paciente em sua integridade física, psíquica e social, e não somente de um ponto de vista biológico. Para Blasco (1997) o primeiro passo na humanização deste relacionamento –que é difícil imaginar como não sendo humano- é o interesse real do médico. Um interesse que deve levá-lo, a saber, entrar no mundo do paciente, a entender o que a doença representa para este. Aqui entra a distinção importantíssima entre a doença -aquilo que os médicos estudam- e o estar doente – a vivência da doença por parte do paciente. Para este mesmo autor estaría se falando da condição humana do médico, do caráter humanitário da sua profissão, da componente humanística da sua preparação e do caráter humanístico da sua orientação filosófica. Blasco conclui que o conceito de médico implica subjetividade criativa, vocação altruísta, profundo respeito ao especificamente humano, sentido de solidariedade, capacidade de comunicação interpessoal, inclinação benevolente e disposição ao progresso próprio para melhorar sua contribuição para a humanidade. Sem estas qualidades não se poderia ser médico. Na atualidade os representantes da ciência, ou seja, os médicos continuam sendo os que retêm o poder do orgânico, mas enfrentam hoje a uma realidade diferente de outrora; eles atuam em equipe, lidam com um paciente informado que coloca em confronto o ato médico versus a adesão ao tratamento. Ato este que hoje se apresenta como projeto de lei. 24 Segundo a Resolução C. R. M.1.627/200116 [...] o ato médico ou ato profissional de médico, que também pode ser denominado procedimento médico ou procedimento técnico específico de profissional da Medicina, é a ação ou o procedimento profissional praticado por um médico com os objetivos gerais de prestar assistência médica, investigar as enfermidades ou a condição de enfermo ou ensinar disciplinas médicas. No projeto de lei 7.703/200617, o ato médico, é definido como “o objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza”. O ato médico segundo Rezende (2001) deve ser definido como todo procedimento da competência e responsabilidade exclusivas do médico no exercício de sua profissão, em benefício do ser humano individualmente ou da sociedade como um todo, visando à preservação da saúde, a prevenção das doenças, a identificação dos estados mórbidos, o tratamento e a reabilitação do enfermo. Para este mesmo autor a função principal do médico, em toda a história da humanidade, tem sido a de cuidar e tratar dos enfermos, quando melhor se caracteriza o ato médico. Nesta função o ato médico consiste basicamente na formulação do diagnóstico e na instituição do tratamento mais indicado para o paciente. A formulação do diagnóstico deve fundamentar-se na história clínica passada e presente do paciente, ou seja, na anamnese, nos sintomas e sinais apresentados, na evolução do quadro clínico e na interpretação crítica dos exames complementares porventura necessários, sejam estes exames de laboratório, registros gráficos ou métodos de imagem. Firmado o diagnóstico sindrômico e, se possível, etiológico e patológico, o ato médico seguinte, o de maior responsabilidade, consiste na tomada de decisão quanto à melhor conduta terapêutica a ser seguida, que poderá ser de ordem clínica, cirúrgica, ou mesmo psiquiátrica. Em muitas ocasiões, o paciente poderá necessitar do concurso de um especialista, ou ser hospitalizado, ou submetido a uma intervenção cirúrgica ou a procedimentos invasivos 16 Ver detalhes no site < http://pnass.datasus.gov.br/documentos/normas/89.pdf >, acessado em data de 2/12/2009. 17 Ver detalhes no site < http://www.portalmedico.org.br/atomedico/arquivos/7703_06_final.pdf>, acessado em data de 2/12/2009. 25 que encerram algum risco calculado. Nos casos de tratamento clínico a prescrição é da competência e responsabilidade exclusivas do médico, muito embora a sua execução possa ser efetuada por outro profissional da área de saúde (REZENDE, 2001). Continuando com o parecer deste mesmo autor, em qualquer caso o paciente deve receber a orientação e os esclarecimentos necessários sobre a sua doença, respeitando-se a sua autonomia em decidir se aceita ou não as medidas propostas, tanto na fase de elaboração do diagnóstico, quanto do tratamento. Para Rezende (2001) o ato médico mais enaltecedor é o do profissional que reconhece as suas próprias limitações ou dos equipamentos de que dispõe para a condução do caso e encaminha o paciente a um serviço mais bem aparelhado em recursos humanos e técnicos, que possam proporcionar-lhe o que de melhor a Medicina possa oferecer-lhe. Este mesmo autor em seu artigo “O uso da tecnologia no diagnóstico médico e suas conseqüências” (2002), destaca que nos últimos anos assistimos a novas conquistas da tecnologia médica, com a introdução dos raios Laser, dos computadores, da robótica, da manipulação genética, da clonagem de seres vivos. O surgimento dos modernos recursos tecnológicos de diagnóstico veio proporcionar ao médico todos os meios necessários para um diagnóstico preciso e precoce, tanto do ponto de vista topográfico como etiológico, com evidente benefício para os pacientes. Para Rezende (2002) isto trouxe maior segurança ao médico e o apoio necessário para tomada de decisões importantes no tocante à conduta e ao tratamento, seja nos casos de urgência, seja nas doenças crônicas, poderia se disser que a tecnologia médica mudou a face da Medicina. O avanço tecnológico mudou a face da Medicina, trouxe evidentes benefícios para a humanidade, mas também trouxe algumas conseqüências negativas que merecem uma reflexão. Na visão deste autor era de se esperar que todo esse notável progresso trouxesse maior aproximação entre o médico e o paciente, mas ocorreu exatamente o oposto, houve uma deterioração da relação médico-paciente. O médico ganhou em eficiência, em capacitação profissional, em recursos diagnósticos e terapêuticos, mas perdeu em prestígio. As principais conseqüências negativas para este mesmo autor foram a negligência com o exame clínico, a sedução dos aparelhos e a falsa segurança, a elevação dos custos da assistência médica, pelo uso excessivo de exames como autoproteção do médico e a fragmentação e o reducionismo da prática médica. A negligência com o exame clínico decorre 26 de dois fatores: a pressa com que o paciente é atendido no modelo atual de assistência médica e a crença de que os recursos da tecnologia médica suprirão essa negligência. A Medicina se tornou mais técnica e menos humana. O médico, de modo geral, passou a se preocupar mais com imagens e constituintes biológicos do que com o paciente como ser humano; passou a dar menor atenção às queixas do paciente e a examiná-lo mais apressadamente, com isto houve uma deterioração da relação médico-paciente. Neste tipo de Medicina deixa de haver o ato médico do exame clínico que, segundo Rezende (2002), é o momento ideal de conquista do paciente, de estabelecimento da empatia e da confiança tão necessárias ao exercício da Medicina. Ante isto o paciente reage com desconfiança e hostilidade e passa a exigir mais de seu médico em resultados, já que ele tem à sua disposição tantos recursos técnicos. Com isto o diálogo entre ambos perdeu aquele sentido de "colóquio singular" e tornou-se inquisitivo de lado a lado. Tanto os médicos como os pacientes foram seduzidos pelas máquinas, pelos gráficos e pelos números, que dão a aparência de exatidão, substituindo a Medicina qualitativa pela quantitativa. Segundo Rezende (2002) muitos pacientes são fascinados pelos recursos tecnológicos da Medicina, que despertam neles os mesmos sentimentos que despertavam em seus antepassados os poderes mágicos da Medicina primitiva. Contribui para isso a divulgação sensacionalista dos meios de comunicação, em especial da televisão, criando a falsa impressão de onisciência e onipotência da Medicina, este fato trouxe conseqüências danosas aos médicos, quase sempre acusados de erro médico quando os resultados não correspondem às expectativas otimistas dos pacientes ou de seus familiares. Por outro lado, o médico, sentindo-se inseguro, passou a basear seu julgamento e sua conduta nos resultados de exames, muitas vezes aceitos passivamente, sem a preocupação de correlacioná-los com os achados clínicos. Passando a solicitar um maior número de exames complementares para bem documentar-se e assim se proteger de possíveis acusações de negligência ou omissão em caso de insucesso. É necessário que o médico esteja apto a fazer uma avaliação crítica da relação custo-benefício de cada exame em diferentes situações. Muitos exames são desnecessários e nada acrescentam ao diagnóstico e ao tratamento, lembrando que todo exame tem suas limitações e suas falhas ligadas à técnica, ao equipamento e ao observador, existe a idéia errônea de que os métodos tecnológicos são estritamente objetivos, desprovidos de conteúdo subjetivo, como ocorre com o exame clínico (REZENDE, 2002). 27 Para este mesmo autor a tecnologia não afasta o componente subjetivo a que estão sujeitos os relatórios e laudos dos exames por imagens, com a agravante de que o especialista ou o técnico que realiza o exame não se acha comprometido com a condução do caso e desconhece, na maioria das vezes, a história clínica e os achados do exame físico, que deixam de ser fornecidos pelo médico assistente. A responsabilidade do diagnóstico é sempre do médico que atende o paciente e não das máquinas ou dos técnicos que as operam, e que o paciente deve ser visto como um ser humano, uma pessoa, e não como outra máquina que necessita reparos. Os autores Oliveira e Nogueira (2009) destacam que a interação médica ainda é centrada em técnicas e tarefas, privilegiando ações prescritivas e rotineiras, focalizadas no corpo, na doença, no tratamento e na adesão. Esse tipo de interação, nada mais é do que a reprodução do tradicional modelo biomédico de atenção à saúde que, ao longo dos anos, vem se repetindo, mesmo com o advento de novas formas de assistir as pessoas com problemas crônicos de saúde. Embora, a partir do século XIX, a Medicina tenha obtido avanços consideráveis em diversas áreas, as dimensões; humana, vivencial, psicológica e cultural da doença foram desprezadas. Na visão destes autores a interação conduzida por esse modelo caracteriza-se por ser sem equilíbrio, assimétrica e desigual centralizada no profissional médico que exerce o papel ativo, o papel de expert, determinando o que o usuário pode ou não pode fazer com seu corpo e sua saúde. O usuário, por sua vez, desenvolve papel passivo e, na maioria das vezes, não lhe é dada a oportunidade de compartilhar, nem de participar. Os profissionais trazem para o encontro com o paciente suas próprias suposições, algumas das quais têm sido internalizadas durante seu processo de formação. Uma delas é a de que a não adesão ao tratamento é um comportamento desviante e irracional do paciente que precisa ser corrigido. Aqueles usuários que não aderem ao tratamento são considerados pacientes difíceis e complicados, inconseqüentes, mas, principalmente, teimosos e rebeldes. Na visão destes autores os estudos mostram que, de modo geral, os profissionais pensam que o paciente age assim por ignorar a importância do tratamento, por ter pouca educação ou simplesmente por ser desobediente às ordens médicas. Como a não adesão ao tratamento é problema que precisa ser enfrentado, o médico lança mão de uma estratégia para administrá-lo que é a conscientização do usuário sobre a importância do tratamento. De acordo com os relatos, a conscientização, para o profissional 28 médico, é uma atividade que ele acredita ser de cunho educativo, com o propósito de fazer com que o usuário conheça seu problema de saúde e saiba o que ele precisa fazer para controlá-lo. Oliveira e Nogueira (2009) ressaltam que educar para a saúde é elemento fundamental na tarefa de promover a adesão do cliente ao tratamento. Na pesquisa realizada por estes autores foi possível perceber que a idéia que os profissionais médicos deste estudo têm sobre conscientização é pautada no modelo tradicional de educação; uma concepção segundo a qual as pessoas que ensinam acreditam ser o saber uma doação dos que se julgam sábios aos que, segundo eles, nada sabem e devem receber passivamente os conhecimentos advindos de sua autoridade profissional. Segundo estes autores os profissionais médicos presumem que seu conhecimento seja superior ao conhecimento popular que, geralmente, advém de crenças e experiências pessoais. Apropriam-se de sua condição de formação mais privilegiada para deter o monopólio do conhecimento e manejo das doenças, querendo mudar a forma de o usuário pensar e agir para o modo como ele pensa e age. O profissional, sob a influencia da ciência, acredita que pode ter controle sobre o corpo, a saúde, a vida e a morte do usuário, negando a ele o benefício da troca, da discussão e do conhecimento aprofundado de sua condição. Seguindo o raciocínio de Oliveira e Nogueira (2009) os profissionais médicos assumem, então, a tarefa de dar, entregar, levar e transmitir o conhecimento ao usuário, acreditando que isso é suficiente para promover mudança de comportamento. Concluindo que isto é um engano, pois o comportamento não é mutável com um relacionamento pedagógico puro ou com conselhos pessoais. A mudança não é efetiva se são utilizados meios de comunicação inadequados, sem considerar as diferentes formas e ritmos de apreensão do conhecimento do usuário. A questão da não adesão, que é complexa e determinada por múltiplos fatores, deixa de ser examinada e enfrentada convenientemente pelos profissionais médicos. A conscientização acaba sendo apenas um conjunto de informações sobre a doença e o tratamento repassadas ao usuário, cuja ligação com ele e com sua vida reside somente no fato de que é ele quem tem a doença e tem a maior responsabilidade para aderir; sendo o usuário e suas dificuldades e limitações para aderir desconsideradas. Como sujeito da adesão, como centro da atenção, ele é negligenciado, não sendo visto como uma pessoa com potencial de troca de idéias e experiências; nem como um sujeito com direito de fazer escolhas livres e com autonomia para manejar o seu problema de saúde e o tratamento. O médico deixa de considerá-lo como membro ativo no seu processo de cuidado à saúde, como um adulto capaz 29 de estabelecer, de forma amadurecida, uma aliança com ele para, juntos, conseguirem progressos no processo terapêutico. Mas, do mesmo modo que o profissional médico guia-se por suas convicções e concepções para conscientizar o usuário da necessidade de aderir ao tratamento, este também manifesta sua subjetividade. Dentro e fora da interação, o usuário mostra que, quando se depara com a realidade do tratamento e todas as suas implicações, desenvolve estratégias próprias de enfrentamento da doença e do regime terapêutico. Estes autores afirmam que, apesar do médico realizar ações gerais de atenção à saúde e apesar de seu esforço em conscientizar o usuário, ele não adere ao tratamento exatamente como recomendado. A maioria de suas ações revela uma forma própria de aderir ao tratamento, conduzindo-o à sua maneira. Tal resultado pode estar apontando uma forma do usuário apresentar resistência às determinações médicas, tentando preservar a sua autonomia. Resistência que não é calculada ou prevista estrategicamente, mas que se constitui apenas em uma reação defensiva contra a invasão ou desrespeito à sua autonomia e liberdade para exercer algum controle sobre sua saúde e sua vida, já que, no espaço da interação, esse controle não está em suas mãos. Para Oliveira e Nogueira (2009) o processo de tomada de decisão dos sujeitos com problemas crônicos de saúde reflete o resultado de decisão consciente de ganhar controle do manejo de suas doenças e esforços subseqüentes de assumir esse controle. Manter controle significa ser capaz de mediar os efeitos da doença de tal forma que se possa viver o mais normalmente possível. Ao administrar o tratamento à sua maneira, o usuário pode, ainda, estar apontando para o fato de que ele e o médico entendem de forma diferente o seguimento do tratamento. Geralmente, o profissional considera que suas prescrições devam ser seguidas à risca, já que tem como base os padrões de comportamento pré-estabelecidos nos documentos oficiais. O regime terapêutico ao mesmo tempo em que é concreto, ou seja, composto de medidas cientificamente consolidadas, torna-se de certa forma abstrato quando aplicado à vida do usuário. Isso porque o sentido que as medidas têm para ele não é o mesmo para o profissional - aquele que o prescreveu. Quando prescrito, o tratamento é algo definitivamente fora do contexto de vida da pessoa, não é concreto. Sob a perspectiva de Oliveira e Nogueira (2009) outra indicação é a de que a interação entre o usuário e o médico não está sendo adequada, impedindo que problemas não apenas relativos à sua doença ou ao seu corpo sejam discutidos, mas também aqueles que dizem 30 respeito ao seu processo de vida e saúde. As razões que levam uma pessoa a seguir ou desprezar as recomendações terapêuticas, indicadas por profissionais, trazem à tona o contexto no qual ele está inserido e sua integralidade como ser humano. Para estes autores estas pesquisas ajudam médicos a repensar a maneira de lidar com o usuário e com o problema da não adesão no cotidiano da sua prática, utilizando-se de modelos e abordagens que objetivem ajudá-los a melhorar a adesão. Sendo importante que o profissional médico perceba que há espaço para demonstração de competência técnica e humana por meio da apropriação de teorias e abordagens que, crescentemente, vêm surgindo no campo da saúde. Considerando também a avaliação profunda e elaborada da saúde do paciente que inclua, sob a perspectiva dele, sua vivência com o problema de saúde e o tratamento, suas dificuldades, limitações e potencialidades; fornecendo propostas de cuidados embasados em uma sólida base científica, adequados às necessidades deste. O profissional médico deve tentar desenvolver um perfil de competências para ação educativa, na qual o objetivo seja contribuir para aumentar a autonomia e capacidades do usuário no cuidado, responsabilizando-se cada vez mais por sua própria saúde. Como dizia um dos maiores clínicos deste século, que foi Osler18, “a Medicina deve começar com o paciente, continuar com o paciente e terminar com o paciente”. Ante todo isto não se pode deixar de perguntar que ocorre nos centros de formação dos médicos, as Universidades, pois existe o dilema de saber o que acontece nas escolas médicas para que os profissionais ali formados percam, quando graduados, uma atitude que é natural ao ser humano, a humanidade. Pois é missão da Universidade, compromisso dos envolvidos no processo da formação médica, ampliar o conceito humanista, já que existe um paralelo entre ciência e o humanismo na Medicina que sublinha que historicamente sempre houve um equilíbrio nesta, entre as duas facetas inseparáveis que a compõem, a Medicina como ciência e a Medicina como arte (BLASCO, 1997). 2.3 A FORMAÇÃO DO MÉDICO E SEU PREPARO PSICOLÓGICO 18 William Osler (1849- 1919) nasceu em Bond Head, Ontário, no Canadá; foi o mestre clínico de sua época. Era incontestavelmente o mais sábio de sua época, o mais arguto clínico; sua habilidade em diagnosticar era legendária. 31 Para Blasco (1997) é missão da Universidade, e compromisso dos envolvidos no processo da formação médica, ampliar o conceito humanista, em moldes modernos, abrindo horizontes e novas perspectivas. A Universidade, representativa do progresso, tem que se esforçar por atingir um novo e moderno equilíbrio das duas facetas da medicina (ciencia e arte). E para isso é preciso metodologia sistemática, reaprender a fazer as coisas, considerando a alta tecnologia, comandada por um progresso científico que avança a cada segundo. O autor também aponta como missão da Universidade recuperar a inspiração e função humana, sem impedir, de modo algum, a aplicação da ciência aos problemas da doença, mas pelo contrário, fortalecé-la em sua esfera apropriada e sobre bases mais amplas que até agora. Humanizar o ensino médico requer uma avaliação do processo de ensino, para procurar um aprendizado técnico e humano, equilibrado e simultâneo. Gallian (2000) diz a este respeito que estudar história da Medicina, por exemplo, poderia ser interessante e enriquecedor do ponto de vista cultural e como instrumento de reflexão histórico-filosófico, já que se faz necessário (re) humanizar a Medicina. Desenvolver e fornecer recursos humanísticos no processo de formação e de atuação do médico, pois só se pode falar em verdadeira evolução do conhecimento biológico-médico quando se procura a integração dos saberes que extrapolam o campo eminentemente físico-experimental. Neste sentido as ciências humanas têm muito a contribuir para o desenvolvimento das ciências da saúde e da Medicina em particular. Mas tal contribuição só pode se efetivar quando médicos, cientistas da saúde, historiadores, filósofos, antropólogos, psicólogos, literatos, pedagogos e alunos, percebam a necessidade de, sem pré-conceitos, constituir canais comuns de estudo, discussão e troca de experiências. Para Caprara (1999) apud Gadamer (1994) o médico para atender, ouvir realmente aquele que o procura com uma queixa, faz-se necessária a experiência da condição de submetido ao conhecimento científico e não somente de conhecedor. Este argumento, entretanto, também pode produzir uma exigência quase artificial: experiências pessoais para a compreensão das situações de saúde nas quais se encontram os pacientes. Uma perspectiva mais concreta e produtiva é a utilização de alternativas pedagógicas suficientemente sensíveis à incorporação das várias fontes de conhecimento, de forma a possibilitar ao profissional o conhecimento baseado não somente na autoridade proveniente da ciência, mas uma nova concepção de conhecimento médico articulado com uma postura de autoridade-submissa daquele que identifica na condição de paciente, cliente, usuário um saber decorrente da prática ou da experiência. 32 O autor afirma que esta perspectiva coloca o paciente numa posição tão ativa quanto a do médico, na medida em que a queixa do paciente guia o momento clínico, e este repensar do lugar do paciente indica um dos alvos do projeto de humanização da Medicina. Esta prática deve estar apoiada na aprendizagem, na reflexão, sem negar ou menosprezar os recursos tecnológicos presentes no cotidiano da profissão, mas utilizando-os como recurso e não como finalidade da intervenção na saúde. A este respeito Blasco (1997) opina que é preciso oferecer ao médico recursos para manter o humanismo, mostrar caminhos para a vida; a informação está hoje, no mundo moderno, ao alcance de qualquer um, o que se necessita é mostrar o que fazer com esta informação e, sobretudo criar o hábito de pensar, de refletir, de filosofar sobre as próprias atitudes. Blasco (1997) assegura que o que não se aprende na Universidade, dificilmente se adquire depois. Poderia se argumentar que em outras épocas as pessoas que pretendiam serem médicos e ingressavam nas faculdades de Medicina, tinham já esta atitude reflexiva implícita. Hoje, por um processo seletivo repleto de deficiências, não se consegue apurar os parâmetros do que poderia ser a vocação médica. Mas se a fábrica de médicos é a faculdade de Medicina, ela deve enfrentar este desafio e suprir, na medida do possível, as deficiências do processo seletivo. O ensino das ciencias humanas na escola médica tem se mostrado de importância notável para o aprendizado deste hábito de pensar, para treinar a reflexão e facilitar um aprendizado que integra, simultaneamente, a ciência e a arte, o raciocínio clínico e o ético. O uso das ciencias humanas na Medicina supõe um particular conceito de educação dos médicos que o paciente e o público solicitam. O paciente quer um médico educado - quer dizer, alguém que não possua apenas conhecimentos, métodos clínicos e experiência, mas também que seja capaz de apreciar cada paciente como um ser humano que tem sentimentos e desejos, que possa entendê-lo e ajuda-lo explicando-lhe sua doença e amparando-o no sofrimento. Para saber lidar com estas realidades estas ciencias ajudam, e muito, já que educação é mais do que simples treino. Implica uma atitude reflexiva no médico e um desejo contínuo de aprendizado ao longo da sua carreira profissional (BLASCO, 1997). Para Nassar (2005) a formação do médico requer a necessidade de desenvolver habilidades comunicacionais, além do conhecimento técnico. Pois se deve considerar que a qualidade do relacionamento é fator decisivo e essencial para o sucesso da prática médica; e boa parte do descrédito e do distanciamento do doente pode ser creditado à insuficiência na 33 formação proporcionada pelas escolas, que não valorizam de forma adequada a comunicação interpessoal no exercício profissional da Medicina. O mesmo autor afirma que nas escolas destinadas à formação do médico, comumente se pratica um ensino tradicional, voltado para aquisição de conteúdos e capacidades que enfatizam apenas os aspectos físicos da doença, sem fazer qualquer referência aos aspectos culturais e sócio-econômicos que constituem o sujeito e a maneira como ele percebe a própria enfermidade que o acomete. O ensino médico pode-se afirmar que falha no seu objetivo primordial de promover a formação clínica e humana do médico, de modo que os princípios básicos da Medicina começam a ser abandonados precocemente. Continuando com o raciocínio de Nassar (2005), devemos considerar que a condição ou a qualidade do ensino médico insere-se no quadro mais amplo da crise da saúde, educação e universidade, pois o processo de produção de médicos não é um processo isolado, relacionase intimamente à estrutura econômica, refletindo a deficiências e injustiças do sistema político e econômico. Segundo Nassar (2005) essas mudanças passam a demandar um novo profissional e repercutem nas ações e políticas públicas para a educação, provocando a revisão e/ou reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais, refletindo a preocupação em garantir flexibilidade, diversidade e qualidade da formação, preconizando a articulação entre os princípios do SUS e os consignados na Constituição Federal de 1988, de modo a orientar a construção de currículos compatíveis com as novas exigências, baseados em valores como qualidade, eficiência e resolutividade, com objetivo de capacitar profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da atenção e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, suas famílias e às comunidades. Este mesmo autor continua dizendo que as diretrizes políticas educacionais refletem, portanto, a necessidade de acolher novas abordagens e perspectivas destinadas à formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, com competências e habilidades específicas, atribuindo nova responsabilidade à educação e às escolas de Medicina. A educação médica passa, então a ter de se preocupar em formar médicos detentores não somente de técnica impecável, como também cuidadores humanizados, sensíveis, preparados para lidar consigo e com seus pacientes, tarefa que exige trabalhar com os mais diversos valores inseridos em complexos contextos históricos, culturais e sociais. Assim, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Medicina, segundo Nassar (2005) estabelecem que a comunicação seja uma das competências gerais a serem 34 desenvolvidas e reforça que os currículos devem contemplar as ciências humanas e sociais, referindo-se especificamente a conteúdos que envolvam a comunicação19. Continuando com o raciocínio deste mesmo autor e considerando que a saúde é um direito fundamental, sustentado por uma estrutura sensível à atribuição de valor ou de avaliação construídos pelo homem histórico e social; que na organização social e do Estado existem idéias e valores dominantes e instituições incumbidas de difundi-las, podemos compreender que a humanização e a qualidade nos serviços de saúde podem assumir variados sentidos e significados, mas certamente a comunicação permeia o processo de humanização das práticas médicas. Então, o ensino da relação entre médico e paciente se constitui num grande desafio para as escolas de Medicina e para os currículos, mas que precisa ser enfrentado de modo sistematizado, com a aproximação de áreas do conhecimento que possibilitam a aquisição de habilidade para a comunicação eficiente como, por exemplo, a Psicologia. É necessário preparar o médico para escutar e comunicar-se eficientemente, prepará-lo para que consiga maiores informações sobre o estado de saúde, estimulando a autonomia e participação do paciente no tratamento. Isso implica em romper com a forma usual de comunicação, na qual se evidencia o poder exercido pelo médico e a idealização que o mesmo representa para o paciente e a sociedade, talvez como um Semideus (NASSAR, 2005). A este respeito Caprara (1999) descreve que os médicos que escreveram sobre a experiência da doença que viveram, embora poucos revelam como a formação médica é intensamente orientada para aspectos que se referem à anatomia, à fisiologia, à patologia, à clínica, desconsiderando a história da pessoa doente, o apoio moral e psicológico. Isto não significa que os profissionais de saúde tenham que se transformar em psicólogos ou psicanalistas, mas que, além do suporte técnico-diagnóstico, se faz necessário uma sensibilidade para conhecer a realidade do paciente, ouvir suas queixas e encontrar, junto com o paciente, estratégias que facilitem sua adaptação ao estilo de vida exigido pela doença. 19 Parecer CNE/CES 104/2002, publicado no Diário Oficial da União de 11/04/2003. O documento foi elaborado tendo como referência documentos como a Constituição Federal, a Lei Orgânica do SUS e a Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI da Conferência Mundial sobre Ensino Superior (UNESCO: Paris, 1998), dentre outros, reafirmando o conceito de saúde como um direito social (direito de todos e dever do Estado); o acesso universal e igualitário às ações destinadas à sua promoção, proteção e recuperação (art. 196, da Constituição Federal de 1988). 35 Esta demanda exige a implementação de mudanças segundo Caprara (1999) visando à aquisição de competências na formação dos médicos que, enquanto restrita ao modelo biomédico, encontra-se impossibilitada de considerar a experiência do sofrimento como integrante da sua relação profissional. Deste modo, é importante considerar criticamente o desenvolvimento do modelo biomédico como contexto no qual se configuram formas de relação médico-paciente e, assim, ter uma posição ativa e crítica na busca de uma nova prática. Este mesmo autor acha necessário refletir um pouco sobre as concepções que fundamentam o modelo biomédico, considerando, inclusive, que este é o principal modelo financiado pelo recurso público. A doença é interpretada pela concepção biomédica como um desvio de variáveis biológicas em relação à norma. Este modelo, fundamentado em uma perspectiva mecanicista, considera os fenômenos complexos como constituídos por princípios simples, isto é, relação de causa-efeito, distinção cartesiana entre mente e corpo, análise do corpo como máquina, minimizando os aspectos sociais, psicológicos e comportamentais. Se, por um lado, baseados nestes princípios, foram conquistadas importantes transformações, a partir do século XIX, como o nascimento da clínica, a teoria dos germes de Pasteur e até os recentes sucessos nos estudos de genética, imunologia, biotecnologia; por outro têm sido desprezadas as dimensões humana, vivencial, psicológica e cultural da doença (CAPRARA, 1999) Nassar (2005) considera a necessidade de ampliar a formação do médico para além do reducionismo técnico a que estão sujeitos, tendo em conta que a educação médica integradora deve abordar a idéia do homem para além do corpo ou do psíquico, tampouco deve ser considerada como a soma dessas duas dimensões. Caprara (1999) sugere que a vivência da condição oposta à que caracteriza o cotidiano do médico, ou seja, o ser paciente tem sido atualmente valorizada, já que é produtora de um conhecimento que nasce de uma experiência pessoal, contrária ao conhecimento científico, não sendo replicável, não sendo controlável e, por vezes, até mesmo explicitada como difícil de ser relatada. A concepção proposta pode ser dirigida ao médico, a quem se tem incentivado e até exigido uma sensibilidade, freqüentemente pouco definida ou explicitada, mas que pode ser referida como a sensibilidade daquele que já ocupou o lugar de doente. Em um passado próximo, com uma tradição de valorização exagerada da ciência, se menosprezava a experiência pessoal, não se poderia reconhecer uma trajetória de ferido, do 36 doente que tinha se tornado médico, e, com esta marca, se aproximava mais daquele que lhe procurava. Segundo este mesmo autor esta negação pode estar vinculada a certa necessidade de superioridade, de diferenciação; observando-se, porém, que algumas formações exigem que o profissional passe pela condição de usuário. Várias abordagens, principalmente psicoterapêuticas, consideram como parte do processo de formação a experiência enquanto usuário da técnica, o lugar de paciente, de cliente. Um exemplo muito conhecido trata-se da psicanálise. O psicanalista passa por um processo terapêutico motivado por uma angústia semelhante àquela que leva um cliente ao consultório. O psicanalista experimenta a trajetória da cura que ele acompanha nos seus pacientes. Ao falar dessa semelhança entre psicanalista e psicanalisado, Lacan (1998) usa a imagem bíblica de que ambos são feitos do mesmo barro. Esta imagem usada por Lacan liga-se à Mitologia Grega pela figura de Quíron, o centauro que ensinou a arte médica a Esculápio, doente pela flecha de Hércules, um arquétipo da figura do médico-ferido. Caprara (1999) apud Groesbeck (1983) ao realizar um reexame do conceito de cura, orientado pelos referenciais da psicologia analítica, refere-se aos costumes da era clássica, especialmente a imagem arquetípica do médico-ferido. Este médico, por estar afetado e assim ser também um paciente, conhecia o caminho da cura. A figura da serpente passou a ser associada a Esculápio pela capacidade de rejuvenescer a si próprio mediante a troca periódica da pele, que simbolizaria o libertar-se da doença. Para que a cura ocorresse, os pacientes eram levados para a parte mais interna do templo, permanecendo ali a espera de um sonho de cura, no qual o médico tocava na parte doente com as mãos. A cura estaria vinculada a uma condição pessoal de doente, mas, além disso, a uma ação, a uma prática do médico ao tocar o paciente, ao agir sobre ele. Sobre este tema Tavares (2009) apud Clavreul (1983), afirma que tampouco há relação do médico com a doença. Ele, o médico, como pessoa, com sua subjetividade, suas angústias, medos, anseios, tampouco é levado em conta, ele também sofre restrições para se manifestar. Trata-se do discurso médico e da doença (discurso aqui definido como a fala de um sujeito desde algum lugar de pertença que define sua inscrição no social). Discurso este de um Deus de laboratório, impessoal e objetivo que promete a imortalidade. O doente se apaga diante da doença e o médico se apaga diante da exigência de saber. Este mesmo autor afirma que os médicos, como recurso para aliviar o estresse de lidar com doenças mortais passam horas no laboratório pesquisando meios de encontrar a cura para combater enfermidades fatais. Este comportamento só faz escamotear a verdade latente, que é 37 a evasão da relação subjetiva ao que ocorre, lançando-se à suposta objetividade dos tubos de ensaio e fórmulas químicas. O médico aí sofre, não por partilhar do sofrimento do paciente, mas por nada poder fazer para superar sua própria impotência perante a doença fatal. Impotência que seria desfeita no momento em que a potência de seu saber pudesse enfrentar, sem temer uma derrota, a Verdade Absoluta, ou seja, a morte. Somado a todo este panorama Sabattini (1997) afirma que os problemas também surgem para este profissional, o médico, quando se imagina que todo o arcabouço ético e legal da Medicina (que no Brasil é da responsabilidade do Conselho Federal de Medicina e seus conselhos regionais) não contemplam os avanços trazidos pela tecnologia da telemedicina, processos legais em casos de erro médico, violação da ética, confidencialidade do paciente, nem a nova posição do paciente-cliente. Caprara (1999) no seu artigo - A humanização da prática médica - menciona que em muitos países, ainda hoje, os médicos informam muito pouco aos pacientes sobre o seu estado de saúde e sobre as possibilidades de tratamento, tendo um relacionamento de tipo paternalista, no qual o paciente é dependente do julgamento e das idéias do médico. Nos Estados Unidos, Canadá e em alguns países europeus, a partir das reivindicações dos movimentos a favor dos direitos dos pacientes e também pela política de mercado, ao considerar que o médico é um prestador de serviço e o paciente um consumidor, tentou-se superar este tipo de postura paternalista dos médicos por outro modelo chamado informativo. Neste modelo, o paciente é informado do diagnóstico da própria doença, as dificuldades de cura, e cabe a ele, a partir desta informação, a decisão final sobre o tratamento. Com esse padrão comunicacional; estão de acordo juristas, docentes de bioética e alguns médicos, por admitirem que o paciente tenha direito a uma informação correta e a decidir-se pelo próprio tratamento. Continuando com o raciocínio do autor, neste modelo informativo, o médico funciona como simples técnico, fornecedor de informações corretas para o paciente; a superação dos modelos paternalista e informativa significa a necessidade de assumir um processo de comunicação que implique na passagem de um modelo de comunicação unidirecional a um bidirecional, que vai além do direito à informação. Esse terceiro modelo, intitulado comunicacional, exige mudança de atitude do médico, no intuito de estabelecer uma relação empática e participativa que ofereça ao paciente a possibilidade de decidir na escolha do tratamento, evitando desta forma uma sobrecarga emocional para o profissional médico, cuidando assim de certa maneira de sua própria saúde. 38 Para Gonçalves (2007) o trabalho em saúde funciona como um possibilitador de satisfação e também de sofrimento e adoecimento para o trabalhador. Segundo esta autora muitas pesquisas tem sido realizadas nos últimos vinte anos sobre a saúde do trabalhador em praticamente todos os países da América Latina. A maior parte desses estudos tem uma abordagem desta problemática incluindo elementos importantes das ciências sociais. Envolve tanto a sociologia do trabalho quanto a sociologia médica. É, sobretudo, a corrente da Medicina Social latino-americana que tem tentado constituir a saúde dos trabalhadores como um objeto de estudo específico. Gonçalves (2007) apud Laurell (1989), afirma que isto tem levado a um problema da relação trabalho-saúde, que coloca no centro da análise o caráter social do processo saúde-doença e a necessidade de entendê-lo na sua articulação com o processo de produção. Segundo Mendes; Morrone (2002, p.27) “o ato de produzir permite um reconhecimento de si próprio como alguém que existe e tem importância para a existência do outro, transformando o trabalho em um meio para a estruturação psíquica do homem”. Mas segundo este mesmo autor a condição nas quais o trabalho é realizado pode transformá-lo em algo penoso e doloroso, levando ao sofrimento. Esse sofrimento decorre do confronto entre a subjetividade do trabalhador e as restrições das condições socioculturais e ambientais, relações sociais e organização do trabalho, reflexo de um modo de produção capitalista. Este modo de produção tem dado origem a uma diversidade contextual que envolve as relações de trabalho em seus vários âmbitos. Seguindo o raciocínio deste mesmo autor o trabalho pode ser ao mesmo tempo, fonte de prazer e de sofrimento. “Essa dinâmica é responsável pela saúde psíquica, significando que não é a simples existência do prazer ou do sofrimento os indicadores de saúde, mas a diversidade das estratégias que podem ser utilizadas pelos trabalhadores para fazer face às situações geradoras de sofrimento e transformá-las em situações geradoras de prazer” (MENDES; MORRONE, 2002, p. 27). A partir desses pressupostos, o modelo da psicodinâmica do trabalho tem como objeto de estudo o saudável no espaço de trabalho, significando assim, que o sofrimento é vivenciado diante de uma realidade que não oferece possibilidades de ajustamento das necessidades do trabalhador pelas imposições e pressões do contexto de trabalho, mas não se instala de forma permanente. Isso implica que o sofrimento em si não é patológico e pode 39 funcionar como um sinal de alerta para evitar o adoecimento, que acontece quando os trabalhadores não conseguem utilizar estratégias para dar conta das adversidades da organização do trabalho. [...] A organização do trabalho é resultado de um processo intersubjetivo, no qual se encontram envolvidos diferentes sujeitos em interação com uma dada realidade, implicando uma dinâmica de interações própria às situações de trabalho, enquanto lugar de produção de significações psíquicas e de construção de relações sociais [...] A organização do trabalho exerce influências multideterminadas no funcionamento psíquico dos trabalhadores. Tais influências podem ser positivas ou negativas, dependendo do confronto entre as características de personalidade e a margem de liberdade admitida pelo modelo de organização vigente que permite ou não a transformação da realidade do trabalho [...] a organização do trabalho inscreve-se numa intersubjetividade em que o sujeito, com sua história passada, presente e futura, envolve-se com a dinâmica de construção do coletivo de trabalho e da sua identidade social. [...] Esses elementos da organização do trabalho são estabelecidos a partir de padrões específicos do sistema de produções que, por sua vez, determinam a estrutura organizacional na qual o trabalho é desenvolvido. Cada categoria profissional está submetida a um modelo específico de organização do trabalho, o qual contém elementos homogêneos ou contraditórios, facilitadores ou não das vivências de prazer e sofrimento do trabalhador. Esta definição depende dos interesses econômicos e políticos daqueles que definem o processo produtivo (MENDES; MORRONE, 2002, p. 28-29). Embora a compreensão da relação entre trabalho e saúde comporte diversas abordagens teórico-metodológicas, não se pode deixar de lado o trabalhador e seu histórico pessoal de vida e de trabalho para elucidar as complexidades das condutas singulares, das construções coletivas e das articulações entre o singular e o coletivo [...]. Este genérico “modo de viver”, determinado historicamente, definido e diferenciado socialmente, esculpe o corpo dos homens e se expressa em modos de adoecer (JACQUES, 2003, p.101). Dejours (2000), ao estudar a psicodinâmica do trabalho coloca a questão do sofrimento em uma posição central, mostrando que o trabalho tem efeitos poderosos sobre o sofrimento psíquico do trabalhador. Pode contribuir para agravá-lo ou para transformá-lo em prazer podendo, em certas situações, preservar melhor a saúde dos que trabalham do que daqueles que estão fora desta produção. Entende Dejours (1986), que o organismo está em constante movimento, mudando de estado continuamente. Saúde, para este autor, é liberdade, autonomia e apropriação de meios para se alcançar estados de bem-estar. Dentro desta concepção o trabalho ganha destaque porque, pelo modo como é organizado, muitas vezes não permite a autonomia e liberdade, 40 prejudicando muitas vezes a conservação da vida. De acordo com este mesmo autor (1986, p.5). [...] O trabalho é o mediador privilegiado entre inconsciente e campo social. Por isso é capaz, em certas condições, de oferecer uma solução favorável ao desejo e tornarse um instrumento, ao lado da sexualidade e do amor, na conquista do equilíbrio psíquico e da saúde mental. Dir-se-á, neste caso, que o trabalho é estruturador. A normalidade passou a ser interpretada como o resultado de uma composição entre o sofrimento e a luta individual e coletiva contra o sofrimento no trabalho. Não significa ausência de sofrimento, muito pelo contrário. “Pode-se propor um conceito de normalidade sofrente” (DEJOURS, 2000, p. 36). Dessa forma, as estratégias defensivas passaram a se tornar um dos focos centrais do entendimento do sofrimento no trabalho. Elas são ao mesmo tempo necessárias à proteção da saúde mental, mas podem funcionar como armadilhas que insensibilizam contra aquilo que faz sofrer. Assim, outro aspecto referido por Dejours (2000, p. 45) que é particularmente interessante de analisar, diz respeito à percepção do sofrimento alheio. “Perceber o sofrimento alheio provoca uma experiência sensível e uma emoção a partir das quais se associam pensamentos cujo conteúdo depende da história particular do sujeito que percebe: culpa, agressividade, prazer, etc.” Provoca, pois um processo afetivo. Esse processo afetivo mostrase fundamental à concretização da percepção pela tomada de consciência. No caso de reação defensiva diante de sua emoção de negação ou rejeição, o sujeito não memoriza a percepção do sofrimento alheio – perde a consciência dele. Para Gonçalves (2007) a doença física do outro, e a tarefa que os profissionais médicos têm para prover cuidados e alcançar a “cura”, têm um grande impacto na sua própria saúde física e psíquica. Estar em contato direto com as dores de quem sofre suscita nos profissionais sentimentos dolorosos, muitas vezes contraditórios, ora de afeição, ora de agressividade; de impotência perante a perda de uma vida; de dor por perceber sua própria finitude no mundo, de não ser Semideuses. A ansiedade e o estresse diário levam esses profissionais a uma tentativa saudável de proteger-se dessa dor, lançando-se aos mais diversos mecanismos defensivos. No entanto, nem sempre esses mecanismos são bem sucedidos, do ponto de vista do estabelecimento de uma relação gratificante para ambos os envolvidos. Podem, por exemplo, estabelecer uma convivência impessoal com o doente, tornando-se arredios, não ouvindo ou dando pouca importância à suas queixas, evitando um envolvimento 41 afetivo e a ativação de estados emocionais depressivos e/ou ansiogênicos. Dessa forma alijados de sua totalidade, esses profissionais, de modo geral, têm isolado os aspectos sociais e emocionais dos biológicos, no exercício e enfrentamento diário de suas ações de saúde, tornando-se presas vulneráveis de importantes conflitos da relação profissional de saúde/cliente. Gonçalves (2007) afirma que os médicos que trabalham diretamente com os enfermos utilizam o mecanismo de defesa da formação reativa, onde buscam dominar a doença, desafiar a morte na tentativa de salvar o paciente. A morte da pessoa doente fere o narcisismo destes profissionais, que se sentem impotentes. Refere como exemplo que muitas vezes, quando o enfermo está em fase terminal é deixado, pelos médicos, sob os cuidados de enfermeiros, como forma de evitar o contato com este sofrimento. Observa-se, nestas situações, a clara falta de articulação e integração desta equipe, onde situações desta natureza passam a ser tratadas através de busca de soluções mágicas aos sentimentos de dor e impotência. Segundo autores como Kovács, (1992, p. 226), [...] o médico muitas vezes não se permite conhecer os seus sentimentos em relação à morte, entre os quais: a impotência, a culpa e a raiva. A impotência foi associada à perda dos doentes, a culpa ao fato de enganá-los e a raiva como decorrência das duas anteriores. O profissional de saúde pode re-experimentar medos infantis de separação, abandono e o medo de sua própria mortalidade. O médico Teixeira (2006) em seu artigo - Sofrimento Médico - fala sobre a existência de uma história que conta que um dia o médico trabalhou como sacerdote. Era um funcionário de Deus. Recebia as queixas dos demais mortais levando-as aos oráculos e retornando com receitas aviadas de amor, compreensão e solidariedade. O maior desses terapeutas foi o apóstolo Lucas20. Ele, junto aos seus discípulos, tratava em nome de Deus. O tempo passou. A ciência, paradoxalmente, aumentou o conhecimento do médico, mas diminuiu seu prestígio místico. Se por um lado os discípulos de Esculápio utilizam os progressos que a ciência vem 20 Os apóstolos cristãos foram homens judeos que teriam sido "enviados" por Jesus para pregar o Evangelho, inicialmente apenas aos judeus e depois também aos gentios, em todo o mundo. Lucano, como era conhecido, pois Lucas é o diminutivo e São Lucas porque ele foi considerado santo, não conheceu pessoalmente Jesus. Foi um médico muito respeitado, que ajudava primeiramente os pobres, para depois ajudar os ricos. Curava com poções que fazia, mas não sabia que podia curar, também, com as emoções, que eram refletidas pelo contato das suas mãos com a pele do doente. 42 oferecendo, por outro, o sofrimento trata de lembrar seu papel no mundo: amar e compreender Deus, em vez de competir com Ele. 43 3. METODOLOGIA “A pesquisa é uma relação entre sujeitos promotora de desenvolvimento mediado por um outro”. (L.S.Vygotsky) Segundo Vygotsky (1991 apud FREITAS, 2002) o método sempre reflete o olhar, a perspectiva que se tem das questões que serão estudadas. Para o autor, o conhecimento é construído na inter-relação dos sujeitos e, sendo assim, ao produzi-lo a partir de uma pesquisa, assume-se a perspectiva da aprendizagem como um processo social, compartilhado e que gera desenvolvimento. Vygotsky “[...] também vê a pesquisa como uma relação entre sujeitos, relação essa que se torna promotora de desenvolvimento mediado por um outro” (1991 apud FREITAS, 2002, p. 25). Simão (2004) afirma que por conhecimento deve-se entender “[...] principalmente a significação cognitivo-afetiva que os atores fazem, a partir do diálogo, com respeito à realidade, compreendida como versão pessoal datada e culturalmente contextualizada [...]”. O diálogo só ocorre com a presença de um outro, o qual, nesta perspectiva, se torna essencial nos processos construtivos e demonstra a importância da alteridade também na realização de pesquisas (SIMÃO, 2004). Assim, Ozella (2003) destaca a importância da pesquisa nos cursos de graduação porque acredita que o acadêmico não pode apenas aprender sobre pesquisa, ele deve fazer pesquisa porque “somente no ato de refletir sobre um problema e suas implicações, de definir estratégias concretas e realizá-las efetivamente, de mergulhar na análise, de maneira crítica, ele estará se construindo como pesquisador e produzindo conhecimento” (p. 113-114). 3.1 TIPO DE PESQUISA Esta pesquisa é de caráter exploratório e análise qualitativa, onde segundo Minayo (2007) ela se ocupa, nas ciências sociais com um nível de realidade, ou seja, trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das crenças, dos valores e das atitudes. Qualitativa, pois tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento, e exploratória, porque tem como objetivo principal proporcionar uma 44 maior familiaridade com o problema, com a intenção de torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses (GIL, 1991). Sobretudo na pesquisa qualitativa, os significados, as normas de conduta são trabalhadas entre pessoas que participam de uma entrevista. A metodologia da pesquisa qualitativa deve ser de natureza teórica e prática concomitantemente. Aquilo que nas teorias o pesquisador aprende sobre observações empíricas e as experiências por ele vividas devem constituir o seu ponto de partida. Essas duas aprendizagens fornecem a instrumentação para observar e analisar a realidade de modo teórico desde o início. Fornecem recursos para ver os objetos da percepção na sua origem social, histórica e de funcionamento, na sua interdependência e determinação do seu desenvolvimento (LUDKE & ANDRÉ 1986, p. 25). A abordagem de pesquisa qualitativa pode ser caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados, em lugar da produção de medidas quantitativas de características ou comportamentos (RICHARDSON, 1999, p.90). Sobre a pesquisa qualitativa, González Rey (1999, p. 55 apud OZELLA, 2003, p. 123) afima que: [...] a pesquisa qualitativa não corresponde a uma definição instrumental, é uma definição epistemológica e teórica apoiada em processos diferentes de construção de conhecimento [...]. A pesquisa qualitativa objetiva o conhecimento de um objeto complexo [...]. A história e o contexto que caracterizam o desenvolvimento do sujeito marcam sua profunda singularidade no sentido de buscar a expressão da riqueza e plasticidade do fenômeno subjetivo. Na pesquisa qualitativa não se investiga em razão dos resultados, mas se quer obter a compreensão do fenômeno através da perspectiva dos sujeitos investigados e de sua correlação ao contexto em que vivem (FREITAS, 2002). Desta forma, esclarece Freitas (2002, p. 27), as questões que se formula para a pesquisa “[...] não são estabelecidas a partir da operacionalização das variáveis, mas se orientam para a compreensão dos fenômenos em toda sua complexidade e seu acontecer histórico”, ou seja, o pesquisador vai ao encontro da situação no seu processo de desenvolvimento. Já Ozella (2003, p. 122) ressalta que “[...] a abordagem qualitativa pretende conhecer, esclarecer, entender e interpretar os processos que constituem os fenômenos, objetos de investigação”. 45 Por sua vez Minayo (2007) em seu livro Pesquisa Social, afirma que o universo da produção humana que pode ser resumido no mundo das relações, das representações e da intencionalidade é o objeto da pesquisa quantitativa sendo assim, dificilmente pode ser trazido em números e indicadores quantitativos. Desta forma de acordo com Richardson (1999) a abordagem qualitativa de um problema, além de ser uma opção do investigador, justifica-se, sobretudo, por ser uma forma adequada para entender a natureza de um fenômeno social. As investigações que se voltam para uma análise qualitativa têm como objeto situações complexas ou estritamente particulares. Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos (RICHARDSON, 1999, p. 80). Sobre a pesquisa exploratória Gil (1991) pontua que a pesquisa exploratória tem como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições, sendo que seu planejamento é bastante flexível, possibilitando a consideração dos mais diferentes aspectos do fato estudado. Já Kerlinger (1980), afirma que a pesquisa exploratória tem como objetivo identificar a variável de estudo tal como se apresenta, seu significado e o contexto onde ela se insere neste tipo de pesquisa pressupõem-se que o comportamento humano é mais bem compreendido no contexto social onde acontece. Está pesquisa pretende aprofundar o conhecimento no que se refere à temática “a visão profissional do médico e seus cuidados psicológicos”. Trata-se de um fenômeno social em um contexto sócio-histórico; e nesta pesquisa não se pretende quantificar o fenômeno, mas sim adicionar mais informações, descrevê-lo com mais propriedade, explorando dados novos deste profissional em seu contexto. A preocupação de Vygotsky, segundo Freitas (2002, p. 22) era encontrar, a partir da perspectiva histórico-cultural, “[...] métodos de estudar o homem como unidade de corpo, de mente, ser biológico e ser social, membro da espécie humana e participante do processo histórico”. As ciências humanas têm como objeto de estudo o homem “[...] „ser expressivo e falante‟. Diante dele, o pesquisador não pode se limitar ao ato contemplativo, pois encontra-se perante um sujeito que tem voz, e não pode apenas contemplá-lo, mas tem de falar com ele, 46 estabelecer um diálogo com ele” (FREITAS, 2002, p. 24), pois o investigador e o investigado são sujeitos em interação. Nesse âmbito, e particularmente dentro da abordagem histórico-cultural, não se deve pesquisar a partir, apenas, de uma “[...] ação instrumental, mecanizada, que segue aqueles procedimentos encontrados nos manuais de pesquisa. O processo de pesquisar envolve um compromisso aberto e declarado com uma visão de homem, com seu objeto de estudo e com as consequências de tal escolha” (OZELLA, 2003, p.114). Mais especificamente sobre a psicologia, Bakhtin (1988 apud FREITAS, 2002) afirma que seu objetivo não pode se limitar a explicar fenômenos pela sua causalidade, mas que deve haver uma preocupação em descrevê-los. 3.2 DESCRIÇÃO DA AMOSTRA E PROCESSO DE SELEÇÃO. Universo ou população é um conjunto definido de elementos que possuem determinadas características em comum; neste caso, foi considerada a população do estudo os profissionais médicos que trabalhavam em instituições de saúde da Grande Florianópolis. De modo geral, as pesquisas sociais abrangem um universo de elementos tão grande que se torna impossível considerá - os em sua totalidade. Por esta razão, nas pesquisas sociais é muito freqüente trabalhar com uma amostra, ou seja, pequena parte dos elementos que compõem o universo. Amostra, subconjunto do universo ou da população, por meio do qual se estabelecem ou estimam as características dele (GIL, 1995). Esta amostra foi composta em sua totalidade de seis profissionais médicos, com mais de dois anos de atuação/formação, utilizando-se da técnica bola de neve para identificar os mesmos. 3.3 PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS Utilizou-se na realização do presente trabalho para a coleta de dados, fontes „primárias‟ coletadas pelo próprio pesquisador por meio de entrevistas e observação; bem 47 com a coleta de fonte „secundária‟ (livros, entrevistas, relatórios, manuais, monografias, teses) (LAKASTOS et al, 1992). Para coleta de dados primários o método utilizado foi a entrevista definida por Gil, (1995, p. 113) “... como a técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e formula-lhe perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessam à investigação”. A entrevista informal é o menos estruturado possível e só se distingue da simples conversação porque tem objetivo básico a coleta de dados, contudo, a entrevista não é simples conversa. È conversa orientada para um objetivo definido: recolher, através do interrogatório do informante, dados para a pesquisa (CERVO e BERRIAN, 1996). Segundo Chizzotti (1995) esse tipo de pesquisa serve somente como orientadora para o pesquisador, podendo este, sair do roteiro, com propósito de ampliar as perguntas, bem como, entendê-las melhor, aprofundando-se mais no assunto. “Como não tendo uma imposição de ordem rígida de questões, o entrevistado discorre sobre o tema proposto com base nas informações que ele detém e que no fundo é a verdadeira razão da entrevista”. (CHIZZOTTI, 1995, p. 33-34). O que se pretendeu com entrevistas deste tipo foram a obtenção de uma visão geral do problema pesquisado, neste caso, os recursos e cuidados utilizados pelo médico para lidar com as implicações psicológicas provenientes de sua profissão e com a cultura de ser caracterizado como um Semideus. Este tipo de entrevista é recomendado nos estudos exploratórios, que visam abordar realidades pouco conhecidas pelo pesquisador, ou então oferecer visão aproximativa do problema pesquisado (GIL, 1995). Somente após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI procedeu-se com os contatos para agendar entrevistas que se realizaram nas dependências da UNIVALI (Campus Biguaçu), em sala apropriada e com segurança quanto ao sigilo. Utilizou-se como instrumentos de coleta, entrevista semi-estruturada (apêndice A) com profissionais médicos; e a observação, que adequadamente conduzida, revelou inesperados e surpreendentes resultados que, possivelmente, não seriam examinados em estudos que utilizassem técnicas diretivas. Realizou-se uma breve investigação sobre os currículos pedagógicos dos cursos de graduação de Medicina localizados na região da Grande Florianópolis, caracterizando 48 disciplinas na área de Psicologia, verificando seus conteúdos e discussão a respeito da saúde do profissional médico, através de seus sites oficiais. 3.4 ANÁLISE DOS DADOS Após a coleta dos dados recolhidos através das entrevistas semi-estruturadas com os profissionais médicos se realizou a análise e as possíveis considerações foram elaboradas a partir do referencial teórico para melhor compreensão dos dados obtidos. De acordo com Gil (1995), análise de conteúdo é a técnica que possibilita a compreensão dos objetivos dos estudos desenvolvidos, através de descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo. Na análise de conteúdo é importante organizar o material que será avaliado, depois aplicar as maneiras que foram escolhidas na fase anterior, e por último tentar acima de tudo descobrir o que apareceu de forma implícita durante o processo, já que se for avaliado somente o explícito, a pesquisa perde sua funcionalidade. Ozella (2003, p. 126) destaca que “[...] as determinações a serem consideradas na análise não são encontradas apenas na fala dos sujeitos, mas no contexto onde se inserem, que caracteriza uma multideterminação social e histórica”. 3.5 PROCEDIMENTOS ÉTICOS A presente pesquisa buscou seguir as exigências éticas e científicas da Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996, na qual o tratamento aos participantes da pesquisa deve ser digno, respeitando sua autonomia e comprometendo-se com a busca de benefícios para a sociedade e para os participantes (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1996). Considerando que a pesquisa utilizou procedimentos que envolveram cinco pessoas, foi realizada a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo A), para posteriormente iniciar a atividade. Somente após o aceite destes, expresso no referido documento, a pesquisadora realizou dita entrevista. A pesquisadora, atendendo aos princípios éticos da pesquisa que envolve seres humanos, comprometeu-se com o sigilo das informações junto aos participantes, que foi 49 oficializado por meio do Termo de Compromisso e também com a devolutiva (caso requerida) dos resultados para os envolvidos. Os resultados também serão divulgados no formato de banca de defesa nas dependências da UNIVALI, como requisito indispensável para aprovação da disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Quanto ao monitoramento da segurança dos dados, somente as pessoas diretamente envolvidas com a pesquisa, no caso a acadêmica e sua supervisora, poderão ter acesso às informações contidas nos protocolos e aos documentos referentes à pesquisa. Estes pesquisadores comprometem-se a mantê-los, sob a sua tutela, pelo período de cinco anos e, após, incinerá-los. 3.6 ENTREVISTA DEVOLUTIVA Ao final das entrevistas foi aberta a possibilidade de uma devolutiva, realizada na conclusão da pesquisa, isto se os entrevistados assim o requerem. Inicialmente a pesquisadora entrará em contato por telefone, havendo disponibilidade e interesse dos entrevistados será agendado um horário para uma entrevista, então devolutiva. Se for do interesse dos entrevistados, ainda, os mesmos serem convidados a assistir a apresentação da monografia, sem data definida até o momento. 50 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Conforme já descrito no capítulo 3 que se refere à Metodologia, uma das formas de identificar a opinião dos médicos quanto à imagem profissional e cultural deste profissional e do endeusamento que gira entorno dele é por meio da entrevista (apêndice A); após a realização das mesmas estas foram integralmente transcritas pela pesquisadora. O material resultante desta transcrição foi analisado e interpretado de acordo com as categorias analíticas e a pesquisa bibliográfica apresentada anteriormente neste estudo. A partir desta análise, foram elaboradas quatro categorias surgidas a partir da maior freqüência dessas respostas entre os profissionais médicos entrevistados. A fim de situar o leitor, a pesquisadora ressalta que, na presente análise, não foram destacadas diferenças entre os médicos no que se refere à especialidade que exerce dentro de sua profissão, porque este ponto não foi considerado como objetivo no projeto desta pesquisa. As categorias elaboradas a partir da análise são as seguintes e serão descritas e discutidas individualmente nos itens a seguir. Categorias analíticas do estudo: Historia versus atualidade – mito de Semideus ao longo do tempo; Desumanização e formação / especialidades; Sentimentos no exercício da sua profissão – recursos para lidar com o emocional; Motivos para a inclusão de disciplinas na área da Psicologia na formação do médico. 51 4.1 HISTORIA VERSUS ATUALIDADE – MITO DE SEMIDEUS AO LONGO DO TEMPO. As falas que compreendem esta categoria surgiram através das seguintes perguntas “Culturalmente desenvolveu-se uma perspectiva de considerar o médico um Semideus. Qual é sua visão sobre tal afirmação?” e “Como acha que surgiu esse mito do ponto de vista social? Na sua perspectiva isto se mantém?”, conforme o roteiro da entrevista elaborada para a pesquisa (apêndice A, perguntas 1 e 2). Quanto a esta categoria três dos profissionais médicos entrevistados (A, B, C) relatam que esta perspectiva de considerar o médico um Semideus foi diminuindo com o tempo. A este respeito o entrevistado A declara: Acho que antigamente era mais forte, hoje é um sentimento geral, maioria dos médicos se acha onipotente, mas não está mais tão generalizado [...]. Entrevistado B: Hoje em dia não sei se é tanto como antes, antes tinha esse respeito, estão tendo muitos médicos, muito poucos se destacam que são bons mesmo [...]. O entrevistado C agrega: [...] as pessoas algum tempo atrás tinham essa concepção, hoje não é tão assim, mudou bastante, o médico não tem esse poder todo. O entrevistado E sobre esta questão alega: Na realidade eu acho que nenhum médico vai achar isso (risos), mas não concordo com isso, a representação que vejo que as pessoas vêm é que o médico tem conhecimento que vai salvar a pessoa sempre, também não é o adequado porque o médico não vai salvar todos. Dão importância maior porque se trata de vida e morte, poder social importante, não de Semideus, na realidade todo mundo quer saúde [...]. Quatro dos entrevistados (B, C, E, F) alegam que este mito sócio-cultural depende do tamanho da comunidade e do nivel cultural das pessoas. Sobre este assunto o entrevistado B declara: [...] no interior os médicos faziam todo, todas as especialidades, as pessoas achavam que resolviam todos os problemas. Enquanto que o entrevistado C responde da seguinte maneira: [...] acho que o médico como trata da vida, salva o paciente como se fosse um Deus e tem esse poder, principalmente para algumas populações de classe social mais baixa, que não tem tantas informações. Hoje na sociedade moderna se sabe que o médico é um profissional como qualquer outro, em contato com a mídia, já não se tem esse tipo de pensamento. Para o entrevistado E: [...] em comunidades menores, menos médicos, maior a importância deles; aqui, por exemplo, a visão do médico mudou, em algumas comunidades menores o médico é a maior autoridade da cidade. Segundo o entrevistado F: Surgiu este 52 mito e se mantém devido à ignorância das pessoas, por pensarem erroneamente que o médico é a cura das doenças. A partir das falas dos profissionais entrevistados, percebeu-se que em algumas frases dos discursos predominava a explicação do surgimento desse mito de Semideus, como pode se verificar a seguir: [...] a cobrança antigamente era Deus e o médico, era “Graças a Deus e ao senhor”, hoje já não é tão forte. Entrevistado A. [...] a visão da população do médico, por curar, resolver o problema. “Deus no céu e o médico na terra”. Entrevistado B. [...] o médico podia salvar um paciente (vida) por essa ação o médico poderia ser botado nesse pedestal de Semideus. Entrevistado C. Antigamente, doença era do espírito, quando se curava era como um milagre, coisas de Deus. Entrevistado D, [...] os processos médicos judiciais são devido a que o médico não fala abertamente com o paciente, até por se achar um Semideus (risos). Entrevistado E. [...] médico não faz milagre, apenas utiliza os recursos científicos disponíveis. Entrevistado F. De certo modo, esta compreensão descrita pelos profissionais médicos entrevistados, vai ao encontro da concepção de Tabares (2009) acerca do mito de Semideus. O referido autor entende que os avanços na Medicina ao lidar com as doenças entram em consonância com o desejo de aplacar a angústia que a dimensão da morte abre e descobrir a cura para os limites do corpo, a cientificidade imprescindível da Medicina entra em consonância com o ideal social de um saber total sobre o objeto que possa responder a todas as angústias existenciais. E é assim que o médico, no imaginário social, se aproxima da figura de um Deus, capaz de nos garantir a vida eterna; o ideal social não espera que a Medicina se ocupe de uma parcela do conjunto social, mas do Universo inteiro, tal qual corresponde aos Deuses. Na sequência a pesquisadora apresenta a categoria que trata da desumanização da Medicina, sua formação e especialidades ao longo da história. 4.2 DESUMANIZAÇÃO E FORMACÃO DA MEDICINA / ESPECIALIDADES. A partir das perguntas “Qual é sua visão ante a perspectiva de humanização da Medicina?” e “Ante os novos cenários que surgem e que caracterizam a relação médico-paciente, qual é seu posicionamento?” (apêndice A, perguntas 4 e 6), cinco (A, B, C, D, F) dos profissionais entrevistados entendem como necessário ou importante a relação médico–paciente. A este respeito o entrevistado A diz: Acho que está melhor, existem mais trabalhos em relação a 53 isso, usamos diferentes máquinas, a consulta/contato, médico/paciente é menor, a preocupação dentro do hospital aumentou, eu valorizo o contato médico/paciente, “olho no olho”. Referente à segunda pergunta desta categoria o mesmo entrevistado responde: Tento expor a realidade para o paciente, sem tirar a esperança, às vezes contar a verdade de forma mais amena. O profissional entrevistado B responde da seguinte forma: Cada vez menos humanizado, muitas especialidades; joelho, nariz, falta ver paciente como um todo [...]. Médico que faz de todo, hoje como especialidade. Sobre este mesmo assunto acrescenta: Depende de cada médico, alguns se acham Semideuses, depende da especialidade; cirurgião cardíaco, neurologista, neurocirurgião, [...] mexem com áreas nobres, a vida depende deles, qualquer deslize dá um grande erro ou se salva. Enquanto a segunda resposta desta categoria o entrevistado B responde: Quando tem boa relação, confiança, o tratamento melhora a confiança que passa. Boa relação, não vai tratar só o corpo, interagindo com o que se está passando, o que a pessoa sente. O entrevistado C responde as duas perguntas respectivamente da seguinte forma: [...] é bom para o médico para dar um tratamento melhor a seus pacientes, falta humanização. [...] Desvalorização, as pessoas hoje como não têm vinculo estão com um pé atrás, distanciamento médico-paciente, perde esse calor humano esse cuidado. [...] Medicina se especializou em determinados órgãos, o paciente começou a ficar em partes, deixou de ser um todo, único, e sim em partes; perdeu a identidade, levou para a desumanização da Medicina, paciente ficou a mercê de muitos profissionais e não só um que tenha em conta seu lado social, de trabalho, familiar, que o veja como um todo [...]. Quando se tem bom vinculo com certeza essas situações novas ficam em segundo plano, tem relação e confiança recíproca [...]. A pesquisadora considera importante o que os entrevistados manifestaram ao afirmar que este sentimento de Semideus pode ser sentido com maior intensidade por médicos que se especializaram em órgãos imprescindíveis para a vida, como são, o coração e o cérebro; já que estes profissionais são os que lidam diretamente no salvar ou não a vida de um paciente. A respeito do item especialidades desta categoria o entrevistado D diz: Ao mesmo tempo em que é cogitado, discutido, como há muitas sub-especialidades perde-se, porque não se considera o sujeito como uma só, tendência é unir em um só [...]. 54 Sobre este assunto o profissional entrevistado F agrega: Considero muito importante a relação médico-paciente. Quando sou paciente gosto de ser tratado como gente, por isso procuro tratar bem os meus pacientes. Muccioli (2007) apud Bernard Lown afirma, a Medicina jamais teve a capacidade de fazer tanto pelo homem como hoje. No entanto, as pessoas nunca estiveram tão desencantadas com seus médicos. A questão é que a maioria dos médicos perdeu a arte de curar, que vai além da capacidade do diagnóstico e da mobilização dos recursos tecnológicos. Caprara (1999) apud Gadamer (1994) destaca os atributos da prática do médico na produção da saúde, profissão que há muito é definida como ciência e arte de curar. Em todo o processo diagnóstico e terapêutico, a familiaridade, a confiança e a colaboração estão altamente implicadas no resultado da arte médica. Isto conduz a reflexão sobre a humanização da Medicina, em particular da relação do médico com o paciente, para o reconhecimento da necessidade de uma maior sensibilidade diante do sofrimento deste. Esta proposta aspira pelo nascimento de uma nova imagem profissional, responsável pela efetiva promoção da saúde, ao considerar o paciente em sua integridade física, psíquica e social, e não somente de um ponto de vista biológico. Uma questão que não pode ser desconsiderada é a resposta do entrevistado E sobre as perguntas relacionadas a esta categoria: Na realidade, acho estranha a palavra Humanização, é óbvio por se lidar com o ser humano, sei que automaticamente nada acontece, “o poder corrompe”, a discussão da Humanização é fundamental, está relacionada a direito do paciente, de um atendimento digno da saúde. Humanização tem a ver com dignidade [...]. A resposta deste entrevistado é considerada pela pesquisadora como a afirmação de que é imprescindível para quem escolhe a profissão médica, gostar e querer ajudar o semelhante, pois isto inclui dignidade e respeito pelo outro; evitando desta forma que o poder possa distorcer certos princípios genuínos do próprio profissional. Segundo Muccioli (2007), a questão está em que a maioria dos médicos perdeu a arte de curar, que vai além da capacidade do diagnóstico e da mobilização dos recursos tecnológicos. Afirmando que se deve ter coragem de rever e mudar, para resgatar, o valor maior da Medicina que é ver o paciente como um ser humano único e respeitá-lo como tal, para poder entender e tratar sua doença, já que vivemos numa época na qual a tecnologia supera o diálogo e em um mundo no qual ter é mais do que ser. Para Blasco (1997) o primeiro passo na humanização deste relacionamento –que é difícil imaginar como não sendo humano- é o interesse real do médico. Um interesse que deve 55 levá-lo, a saber, entrar no mundo do paciente, a entender o que a doença representa para este. Aqui entra a distinção importantíssima entre a doença -aquilo que os médicos estudam- e o estar doente – a vivência da doença por parte do paciente. Para este mesmo autor estaría se falando da condição humana do médico, do caráter humanitário da sua profissão, da componente humanística da sua preparação e do caráter humanístico da sua orientação filosófica. Blasco conclui que o conceito de médico implica subjetividade criativa, vocação altruísta, profundo respeito ao especificamente humano, sentido de solidariedade, capacidade de comunicação interpessoal, inclinação benevolente e disposição ao progresso próprio para melhorar sua contribuição para a humanidade. Sem estas qualidades não se poderia ser médico. Esta categoria está relacionada com a seguinte que discute os sentimentos decorrentes do exercicio da profissão e os recursos utilizados pelo médico para lidar com estos. 4.3 SENTIMENTOS NO EXERCICIO DA PROFISSÃO – RECURSOS PARA LIDAR COM O EMOCIONAL. São muitos e variados os sentimentos vividos pelos médicos no exercício da sua profissão, estes foram expostos ao responder as seguintes perguntas referentes a esta categoria (apêndice A, perguntas 3, 5, 7); “Que tipo de sentimentos já experimentou diante do exercício profissional quando existe o dilema entre a salvação de uma vida ou a morte?”, “Alguma vez necessitou colocar-se na posição de paciente? Como foi esta experiência?” e “Que recursos e cuidados utiliza para lidar com as implicações psicológicas provenientes de sua profissão?”. Sobre a primeira pergunta desta categoria o entrevistado A responde da seguinte maneira: Tento me colocar na posição dos pais, mesmo tendo a noção técnica do problema, tento ver a perspectiva deles e compreender sempre que não cause sofrimento maior para as crianças. Este mesmo entrevistado responde a segunda pergunta dizendo: Já perdi meu pai e fui chamada para optar na conduta médica, me vi angustiada. Penso muito hoje nesse tipo de abordagem, eu era mais endurecida, a idade e a experiência de ser mãe me ajudaram bastante, fiquei melhor depois de ter meus filhos. O profissional entrevistado B responde a primeira pergunta da seguinte forma: [...] aconteceu de não poder melhorar, impotência realmente. Puxa! De que adianta todo esse esforço! Sobre a segunda pergunta este entrevistado destaca: [...] coloca-se em Pediatria na 56 posição de mãe, conduta como tu farias se fosse teu filho, se parte mais do emocional, investiria todo, faria todo por seu filho. De acordo as perguntas referentes a esta categoria a entrevistada D responde a primeira da seguinte forma: Raiva, angustia, acha melhor a morte, às vezes tem que investir, às vezes não se pode fazer nada, aí sim seria Semideus. Continua respondendo que: [...] empatia sempre, se posicionar, não sempre se pode colocar totalmente na posição do paciente. Segundo autores como Kovács, (1992, p. 226), [...] o médico muitas vezes não se permite conhecer os seus sentimentos em relação à morte, entre os quais: a impotência, a culpa e a raiva. A impotência foi associada à perda dos doentes, a culpa ao fato de enganá-los e a raiva como decorrência das duas anteriores. O profissional de saúde pode re-experimentar medos infantis de separação, abandono e o medo de sua própria mortalidade. Continuando com esta categoria o entrevistado C responde: [...] nos deixa frustrados quando paciente morre, a forma do contexto, se tem doença crônica a família se prepara, o médico tem tendência a não querer perder o paciente. Inconscientemente sofre com isso... se sente a incapacidade de salvar, que meche como o médico. A pesquisadora observou no relato dos entrevistados um dos motivos que a levou a realizar esta pesquisa que era observar nestes profissionais o aspecto psicológico, com suas nuanças emocionais e sentimentais que todo ser humano experimenta ante a doença e a temida morte. Gonçalves (2007) afirma que os médicos que trabalham diretamente com os enfermos utilizam o mecanismo de defesa da formação reativa, onde buscam dominar a doença, desafiar a morte na tentativa de salvar o paciente. Este autor é enfático ao dizer que a morte da pessoa doente fere o narcisismo destes profissionais, que se sentem impotentes. A respeito desta categoria este mesmo entrevistado declara: O médico se acha muito, se julga capacitado de resolver seus próprios problemas, seu lado terapia, religioso, se acha poderoso a suportar os problemas de sua profissão, se nega a utilizar a Psicologia, ou consultar os psiquiatras [...]. O mesmo entrevistado relata: [...] existem universidades por todo lado, perdeu o lado “belo” da Medicina, ficou muito comercial; os anestesistas, radiologistas não tem contacto com o paciente, empatia é fundamental. 57 Como afirma Tavares (2009) o médico antigamente era um conhecedor da alma humana e da cultura em que se inseria, já que invariavelmente andava muito próximo de seus pacientes – como médico de família que era – este respeitável doutor sabia que curar não era uma operação meramente técnica, mas fundamentalmente humano-científica; uma operação que envolvia elementos de caráter cultural e psicológico. Sobre as perguntas que enquadram esta categoria o médico entrevistado E afirma: [...] representação da morte de uma criança é mais difícil que com o adulto que já viveu, é frustrante para o médico. Para a segunda pergunta desta categoria a resposta do mesmo médico foi a seguinte: Tranqüilo, em realidade quando sou paciente sou paciente mesmo, faço as coisas que todo paciente negligente com ele faria, “é terrível isso”. Dentro da última pergunta que compõe esta categoria encontram-se as respostas dos entrevistados A e C que coincidem no recurso utilizado para lidar com o emocional: Entrevistado A: Faço terapia (ri), não tenho muita paciência com consultório, tenho clientela, eu gosto da Medicina verdadeira, consultório tem a ver com Psicologia, sem problemas maiores, maximizam problemas bobos, angustias de mães. “Tira-me energia as bobeiras”. Falta de objetividade do trabalho do consultório, me causa cansaço. O entrevistado C por sua vez declara: Por experiência própria já fiz quatro psicoterapias para solucionar, para poder entender melhor meus pacientes e essa relação. O médico fica muito materialista, fechado no que se tem que adquirir e quanto têm que trabalhar para isto. A terapia é importante, o médico tem muitos plantões, a família tem que participar, e muito importante o diálogo com a família para resolver os problemas financeiros, pois se tem muitas despesas. Família, terapia, hovvies, jogo tênis e viajo bastante. Os entrevistados B e D compartilham o tempo de graduação, e respondem à pergunta que fecha esta categoria declarando: Resolver as coisas para não continuar pensando nos casos. Faço atividade física, converso com meus colegas, divido com outras pessoas. O entrevistado D acrescenta: Em grupo de residentes se fala se apóiam um ao outro, tipo de terapia em grupo, como colegas de profissão discutem quem pode nos entender e quem vivencia o mesmo. Faço pilates. A pesquisadora compreendeu no transcurso da pesquisa que estes profissionais sofrem ante os episódios ocorridos no seu trabalho, lidando de diferentes maneiras (relacionadas à idade e ao tempo de graduação) com as implicações emocionais conseqüentes deles. 58 A resposta do entrevistado E nesta categoria fala de como lida com os sentimentos provenientes do exercício da sua profissão: Estou fazendo doutorado então agora não lido tão diretamente com pacientes, mas eu coloco para fora; eu choro, sorrio, fico com raiva, não costumo me proteger de isso. Tem médicos que preferem manter certa distancia para não se envolver sentimentalmente, eu fico brava, já chorei muito junto com pacientes e mães de pacientes. Existem situações que fico indignada, a gente trata de resolver, mas isso faz parte da convivência. O médico entrevistado F responde as três perguntas que definem esta categoria da seguinte forma: Isso já me incomodou bastante, porém não mais, por entender que a morte faz parte do ciclo da vida e, que a vida não termina com a morte. Já tive boas experiências quando fui bem atendido, e também más experiências quando fui mal atendido. Este mesmo profissional foi bem sucinto na sua terceira resposta: Reflexão. Esta categoria fica ressaltada nas respostas de outras perguntas da entrevista como podemos observar no caso da profissional E: Pacientes, mais sabedores de seus direitos como consumidores que antigamente, se foi ao computador e vêm informados, ótimo. Os processos médicos judiciais são devido a que o médico não fala abertamente com o paciente, até por se achar um Semideus (risos). Paciente grave não se pode prometer que vai sair bem, “a Medicina não é uma ciência exata”, vamos a fazer o possível, mas tem alguns médicos que não se comunicam com a família nem com outros profissionais para compartilhar. Paciente deve estar informado, e ele, o médico deve saber informar à família, porque ele deve se prepara para lidar com isso, essa é a nova realidade, “não se pode lutar contra moinhos de vento”. Para o entrevistado C este mesmo tema é abordado quando responde a pergunta seis: [...] quando se tem bom vinculo com certeza essas situações novas ficam em segundo plano, tem relação e confiança recíproca. Quando se vêm como mais um se corre o risco de médico ser levado a processo judicial, não conduzir adequadamente o tratamento. Às vezes o paciente está tão bem informado, não se pode enrolar paciente, diz que vai pesquisar; por outro lado a informática faz que o paciente se informe e alguma coisa que não entende pergunta par o médico. Isto faz o médico estudar mais, estar mais informado a par do problema. Hoje o médico é muito visado por erros cometidos, bom porque se de fato falhou vai ter uma maneira de se reeducar, se conscientizar, se retratar. Por outro lado se cria comercio do lado dos advogados, às vezes o médico está fazendo tudo pelo paciente, com isso 59 o sofrimento do médico é grande; para os maus profissionais é bom esse procedimento. Relação médico-paciente com esses novos cenários se existe vinculo fica melhor. A este respeito Blasco (1997) opina que é preciso oferecer ao médico recursos para manter o humanismo, mostrar caminhos para a vida; a informação está hoje, no mundo moderno, ao alcance de qualquer um, o que se necessita é mostrar o que fazer com esta informação e, sobretudo criar o hábito de pensar, de refletir, de filosofar sobre as próprias atitudes. Sobre este tema a pesquisadora opina que nos dias de hoje em que a informação está disponível para todos; os profissionais médicos lidam com pacientes conscientes, que contestam o tratamento, sabem e lutam por seus direitos. O novo cenário obriga o profissional a buscar alternativas para fortalecer a relação com seu paciente, na qual a adesão de este ao tratamento e a confiança no médico é fundamental. O sucesso desta relação depende muitas vezes da estrutura psicológica do profissional médico, sua humanidade e a possibilidade de lidar com as frustrações recorrentes de não poder dominar a nova situação. Quando estas frustrações não são resolvidas, o médico como qualquer outro ser humano pode procurar outros recursos que não são os mais apropriados para sua saúde física e mental como será citado a seguir. Esta questão que, apesar de não ter sido uma idéia predominante a ponto de gerar uma nova categoria, mas que não pode ser desconsiderada por sua importância, é o uso indevido que alguns profissionais médicos fazem de certas substancias tóxicas para o organismo e que os entrevistados A e C mencionam em suas entrevistas. Entrevistado A: Lembro que tinha um colega de Universidade que na época usava drogas, se começa com relaxantes (maconha); hoje ele trabalha numa clínica e continua usando assiduamente. Enquanto o profissional entrevistado C comenta: Na área da Psiquiatria, da Anestesia existe esse assunto do uso de drogas e álcool; o médico não cuida da sua própria saúde, ele não se dá conta que é humano. Tem que ter boa saúde para mostrar para seu paciente de que tem bons hábitos de vida, dar o exemplo. Trabalha em situações de risco, todo em suas mãos, pode se achar onipotente lhe parece que com ele não vai acontecer, mas como ser humano tem suas deficiências. Enquanto que na perspectiva de Gonçalves (2007) a doença física do outro, e a tarefa que os profissionais médicos têm para prover cuidados e alcançar a “cura”, têm um grande impacto na sua própria saúde física e psíquica. Estar em contato direto com as dores de quem sofre suscita nos profissionais sentimentos dolorosos, muitas vezes contraditórios, ora de afeição, ora de agressividade; de impotência perante a perda de uma vida; de dor por perceber 60 sua própria finitude no mundo, de não ser Semideuses. A ansiedade e o estresse diário levam esses profissionais a uma tentativa saudável de proteger-se dessa dor, lançando-se aos mais diversos mecanismos defensivos. No entanto, nem sempre esses mecanismos são bem sucedidos, do ponto de vista do estabelecimento de uma relação gratificante para ambos os envolvidos. Podem, por exemplo, estabelecer uma convivência impessoal com o doente, tornando-se arredios, não ouvindo ou dando pouca importância à suas queixas, evitando um envolvimento afetivo e a ativação de estados emocionais depressivos e/ou ansiogênicos. Dessa forma alijados de sua totalidade, esses profissionais, de modo geral, têm isolado os aspectos sociais e emocionais dos biológicos, no exercício e enfrentamento diário de suas ações de saúde, tornando-se presas vulneráveis de importantes conflitos da relação profissional de saúde/cliente. Na seqüência se discutirá a quarta e última categoria cuja finalidade é pesquisar se existe entre estes profissionais a necessidade de incluir nos currículos de graduação em Medicina, disciplinas referentes à Psicologia. 4.4 MOTIVOS PARA A INCLUSÃO DE DISCIPLINAS NA ÁREA DE PSICOLOGIA NA FORMAÇÃO DO MÉDICO Esta categoria surgiu a partir das respostas à pergunta “Na sua perspectiva como profissional acha necessário a inclusão de disciplinas da área da Psicologia que discutam a saúde do profissional médico nos currículos pedagógicos dos cursos de Medicina? Que conteúdos acha significativos?” (apêndice A, pergunta 8), constatou-se que por unanimidade os médicos entrevistados entendem como importante ou fundamental incluir disciplinas ou acompanhamento na área da Psicologia no transcurso da formação do profissional médico. Há também uma similaridade em suas explicações para justificar essa importância e os argumentos são provenientes da própria experiência; assim como o conteúdo que acham fundamental é o de como lidar com a morte. A seguir todas as respostas respectivas a esta questão: Superimportante tem só as doenças psicológicas, essencial, não sei responder que assuntos; acho que mais apóio na residência, o profissional é efetivamente cobrado, entra em momento de tomadas de decisão, de angustia, médicos em formação, pós-graduação. Ficou evidente quando teve num semestre três casos de depressão entre os residentes, faltou apóio. Precisa um serviço de atendimento deles, já que sofrem situações de embaraço, cobrança 61 excessiva, muito trabalho, falta de sono, e “não tem válvula de escape, é um prato cheio para pirar”. Entrevistado A. Dentro deste contexto Caprara (1999) descreve que os médicos que escreveram sobre a experiência da doença que viveram, embora poucos, revelam como a formação médica é intensamente orientada para aspectos que se referem à anatomia, à fisiologia, à patologia, à clínica, desconsiderando a história da pessoa doente, o apoio moral e psicológico. Isto não significa que os profissionais de saúde tenham que se transformar em psicólogos ou psicanalistas, mas que, além do suporte técnico-diagnóstico, se faz necessário uma sensibilidade para conhecer a realidade do paciente, ouvir suas queixas e encontrar, junto com o paciente, estratégias que facilitem sua adaptação ao estilo de vida exigido pela doença. O entrevistado B acrescenta: Tem-se Psicologia Médica, precisa de uma coisa mais individualizada, acompanhamento, tratamento, mais na residência que na faculdade. A resposta do entrevistado C para esta categoria é bastante explicativa: [...] fundamental, principalmente para tratar do paciente com mais humanização, e trabalhar a morte, o médico não sabe trabalhar com a morte. O profissional médico não se preparada para a morte e sim para a vida, se tem tendência a se sofrer com a perda de um paciente. Faltaria preparação dentro do curso de Medicina para a morte em si, a gente só se prepara para salvar vidas. O médico tem resistência a preparar ou avisar os familiares sobre a morte, a grande maioria tem ressalvas em colocar a situação, saber como colocar isso para a família, se fazer comunicação com os familiares, chegar ao lado psicológico para trabalhar junto com a família [...]. Goncalves (2007) refere como exemplo que muitas vezes, quando o enfermo está em fase terminal é deixado, pelos médicos, sob os cuidados de enfermeiros, como forma de evitar o contato com este sofrimento. Observa-se, nestas situações, a clara falta de articulação e integração desta equipe, onde situações desta natureza passam a ser tratadas através de busca de soluções mágicas aos sentimentos de dor e impotência. O entrevistado D aponta a importância que enfoca esta categoria: Sim, importante em nossa Universidade tinha Psiquiatria, aula de Psicologia, mas não para trabalhar com problemas reais, lidar com a morte, por exemplo, como vou dar essa noticia, não sempre tens uma orientação boa do staff (médico superior). Por não saber dar a noticia às vezes das de tal forma que quebras as pernas da pessoa, tiras seu chão. Noticias de morte não existe fórmula de bolo, mas podes ter alguma base como para lidar com a situação. A gente 62 (médicos) é omisso com nossa saúde, se supõe o que está acontecendo conosco e não procuramos ajuda. O entrevistado F confirma o já exposto pelos outros participantes da entrevista: Sim. Principalmente o dilema entre vida e morte. A pesquisadora encontra sustentação enquanto ao tema escolhido para pesquisa, ao confirmar nos discursos dos entrevistados dos empecilhos emocionais que encontram ao deparar - se com a inevitável Verdade Absoluta, a morte. Sobre este tema Tavares (2009) apud Clavreul (1983), afirma que tampouco há relação do médico com a doença. Ele, o médico, como pessoa, com sua subjetividade, suas angústias, medos, anseios, tampouco é levado em conta, ele também sofre restrições para se manifestar. Trata-se do discurso médico e da doença (discurso aqui definido como a fala de um sujeito desde algum lugar de pertença que define sua inscrição no social). Discurso este de um Deus de laboratório, impessoal e objetivo que promete a imortalidade. O doente se apaga diante da doença e o médico se apaga diante da exigência de saber. Este mesmo autor afirma que os médicos, como recurso para aliviar o estresse de lidar com doenças mortais passam horas no laboratório pesquisando meios de encontrar a cura para combater enfermidades fatais. Este comportamento só faz escamotear a verdade latente, que é a evasão da relação subjetiva ao que ocorre, lançando-se à suposta objetividade dos tubos de ensaio e fórmulas químicas. O médico aí sofre, não por partilhar do sofrimento do paciente, mas por nada poder fazer para superar sua própria impotência perante a doença fatal. Impotência que seria desfeita no momento em que a potência de seu saber pudesse enfrentar, sem temer uma derrota, a Verdade Absoluta, ou seja, a morte. O médico entrevistado E também explana sua opinião sobre este assunto: [...] nenhum médico está preparado para lidar com a morte, ao contrário se prepara para salvar vidas, é uma grande frustração. Depois de tanto tempo de formada é como se a gente fica mais dura, sabemos que somos limitados, aceitamos a morte como um fim que acontece, não tem outro jeito, mas não sabemos como lidar com isso, com os familiares, por exemplo. Com crianças é mais difícil, a criança traz uma perspectiva, uma possibilidade de vida maior, é mais difícil aceitar e lidar com a família. Representação da morte de uma criança é mais difícil que com o adulto que já viveu, é frustrante para o médico. Fundamental, é um dos questionamentos que faço, eu luto por isso; dentro do currículo novo da UFSC (2002/2003) está previsto um núcleo de atenção Psicossocial para atendimento ao profissional médico, grupo dentro da Medicina para funcionar desde o inicio da Faculdade, mas nunca foi viabilizado. Eu tenho 63 contato com os alunos na nona fase e já se vê dificuldades que não são compatíveis com a Medicina, passam despercebidas; e quando chega à prática se vê em como lidam com certas situações de stress e que na realidade não podem ser médico. A este respeito Dejours (2000, p.45) afirma: “Perceber o sofrimento alheio provoca uma experiência sensível e uma emoção a partir das quais se associam pensamentos cujo conteúdo depende da história particular do sujeito que percebe: culpa, agressividade, prazer, etc.” Provoca, pois um processo afetivo. Esse processo afetivo mostra-se fundamental à concretização da percepção pela tomada de consciência. No caso de reação defensiva diante de sua emoção de negação ou rejeição, o sujeito não memoriza a percepção do sofrimento alheio – perde a consciência dele. O entrevistado E continua respondendo sobre esta categoria da seguinte maneira: [...] queria a realização de uma tutoria nessa área da Psicologia, para atender os profissionais médicos para dar respaldo quando tratam com pacientes graves ou situações piores, deveriam ter disciplinas nessa área. Alguma coisa sobre saúde do trabalhador, saúde mental é talvez mais importante que a saúde física, se fazem exames de colesterol freqüentemente e não de como lidar com o estresse. Na realidade todo médico é submetido a estresse emocional muito grande, quem lida com o ser humano, é complicado, na equipe da oncologia vão pessoalmente a terapia, mas é algo de índole individual, pagam para isso. Para Nassar (2005) nas escolas destinadas à formação do médico, comumente se pratica um ensino tradicional, voltado para aquisição de conteúdos e capacidades que enfatizam apenas os aspectos físicos da doença, sem fazer qualquer referência aos aspectos culturais e sócio-econômicos que constituem o sujeito e a maneira como ele percebe a própria enfermidade que o acomete. O ensino médico pode-se afirmar que falha no seu objetivo primordial de promover a formação clínica e humana do médico, de modo que os princípios básicos da Medicina começam a ser abandonados precocemente. Este mesmo autor considera a necessidade de ampliar a formação do médico para além do reducionismo técnico a que estão sujeitos, tendo em conta que a educação médica integradora deve abordar a idéia do homem para além do corpo ou do psíquico, tampouco deve ser considerada como a soma dessas duas dimensões. A este respeito a pesquisadora acha necessário a implantação de disciplinas na área da Psicologia nos cursos de graduação em Medicina que vise desenvolver estudos e pesquisas sobre a saúde psicológica do estudante de Medicina e do médico, visando detectar precocemente os grupos de risco; como também realizar trabalhos objetivando identificar os 64 fatores estressantes nos anos de formação médica (graduação e residência médica). Seria interessante na perspectiva da pesquisadora implantar programas de qualidade visando aperfeiçoar o sistema de capacitação profissional, criando serviços de assistência médica e psicológica para estudantes e residentes a fim de sensibilizar os estudantes, residentes e profissionais em atividade quanto aos riscos de desenvolver distúrbios emocionais e disfunções profissionais, que podem trazer consequências dolorosas para o seu bem estar, para os seus familiares e para os pacientes. 65 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS "Só é útil o conhecimento que nos torna melhores". (Sócrates) Ao chegar ao final deste trabalho acadêmico não se pode deixar de priorizar que foi gratificante desde o ponto de vista da pesquisadora, teve-se contacto com os profissionais médicos, destacando que estes foram receptivos enquanto a participar desta pesquisa; os objetivos predeterminados foram abordados e estudados, e se ampliou a visão sobre o tema. Os objetivos específicos foram estudados ao longo da pesquisa, eram estes: investigar qual era a visão do médico de si ante esse lugar mítico de Semideus no qual a sua profissão histórica e culturalmente o colocou, compreendendo assim quais são os tipos de sentimentos diante do exercício profissional quando existe a salvação de uma vida ou a morte. A pesquisa desenvolvida visando este objetivo deixou entrever que os médicos entrevistados aparentemente não se colocam no lugar de Semideuses, comentando que isto é um mito que foi modificando-se através do tempo e como tal ficou na história. O outro objetivo específico era identificar quais são os recursos e cuidados utilizados pelo médico para lidar com as implicações psicológicas provenientes de sua profissão. Quando se fala dos sentimentos vivenciados por os profissionais médicos pode-se observar que estes são dos mais variados indo desde a raiva à onipotência; e os recursos utilizados diferem segundo a idade cronológica e o tempo de formação, quanto mais avançada maior a necessidade de procurar apoio com outros profissionais. Na opinião da pesquisadora os médicos lidam com as implicações psicológicas derivadas destas vivencias de diferentes maneiras: os de menos tempo de formação, conversando sobre os casos com seus colegas de profissão; enquanto que os com mais experiência recorrem a profissionais de outras áreas, como os da Psicologia. O sentimento mais recorrente vivenciado por todos os entrevistados e a dificuldade de lidar com a morte de um paciente alegando que não foram preparados para isto e sim para salvar vidas; manifestando por causa disto a necessidade de incluir nos currículos de graduação em Medicina disciplinas de conteúdo psicológico. O último objetivo específico era pesquisar se os currículos pedagógicos e seus conteúdos nos cursos de Medicina localizados na região da Grande Florianópolis apresentam disciplinas da área de Psicologia que discutam a saúde do profissional médico. 66 Para atingir o último objetivo específico desta pesquisa foi realizada a investigação dos currículos pedagógicos dos cursos de graduação de Medicina localizados na região da Grande Florianópolis, caracterizando disciplinas na área de Psicologia, verificando seus conteúdos e discussão a respeito da saúde do profissional médico, através de seus sites oficiais. Os sites oficiais pesquisados foram o da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)21 e a Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) 22, onde na primeira não foi encontrado na grade curricular nenhuma disciplina referente à saúde psicológica do profissional médico e na segunda só consta uma matéria denominada Psicologia Médica administrada no terceiro semestre mas que não foi possível ter acesso a seu conteúdo. As considerações referentes ao objetivo geral que consistia em analisar a representação profissional construída culturalmente pelo médico como um Semideus e consequentemente qual era a sua visão a esse respeito e a implicação desta perspectiva para sua saúde psicológica, serão enunciadas a seguir. Na atualidade e lidando com os presentes cenários, como: pacientes mais informados, reivindicadores, rebeldes e não aderentes ao tratamento e que abrem processos judiciais contra o profissional médico, este já não se sente nesse patamar de Semideus construído culturalmente pelas sociedades passadas. Sua saúde mental sofre com as conseqüências da insalubridade psicológica do trabalho médico, já que está exposto a poderosas radiações psicológicas emanadas do contato íntimo com o adoecer e a morte. Por esta razão este profissional procura então a implantação de medidas profiláticas como a inclusão da dimensão psicológica na formação do estudante de Medicina. Entre estas medidas profiláticas se encontra a discussão aberta sobre as vulnerabilidades, limitações e patologias dos próprios profissionais desta área, superando as resistências e iniciando um processo de conscientização com a tentativa de modificar as atitudes. Neste sentido a Psicologia pode contribuir na formação deste profissional, propiciando um espaço que priorize a reflexão e a troca de experiências, que ajude o estudante de Medicina a lidar com situações dramáticas que incluem o conhecido binômio vida/morte tão freqüente no âmbito médico. 21 Ver detalhes no site < http://www.medicina.ufsc.br/sobre/grade.php>, acessado em data de 20/06/2010. Ver detalhes no site < http://portal2.unisul.br/content/paginadoscursos/medicinagrandeflorianopolis>, acessado em data de 20/06/2010. 22 67 REFERENCIAS BLASCO G., Pablo. A Medicina de Família: um Caminho para Humanizar a Medicina. 1997. Disponível em: < http://www.hottopos.com/notand9/pablo.htm>. Acesso em: 28 de outubro de 2009. BENETTON Lg. Temas de psicologia em saúde – a relação profissional-paciente. São Paulo: Ed. L. G. Benetton, 2002. CAPRARA, Andrea; LINS, Anamélia; FRANCO, Silva. A Relação paciente-médico: para uma humanização da prática médica. 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Curso de graduação em Medicina. <http://www.medicina.ufsc.br/sobre/grade.php>. Acesso em: 20 de junho de 2010. 70 UNISUL. Curso de graduação em Medicina. http://portal2.unisul.br/content/paginadoscursos/medicinagrandeflorianopolis. Acesso em: 20 de junho de 2010. 71 APÊNDICE 72 APÊNDICE A ENTREVISTA SEMI - ESTRUTURADA Para os profissionais médicos, sujeitos de pesquisa. IDENTIFICAÇÃO: Nome: Idade: Tempo de graduação: 1) Culturalmente desenvolveu-se uma perspectiva de considerar o médico um Semideus. Qual é sua visão sobre tal afirmação? 2) Como acha que surgiu esse mito do ponto de vista social? Na sua perspectiva isto se mantém? 3) Que tipo de sentimentos já experimentou diante do exercício profissional quando existe o dilema entre a salvação de uma vida ou a morte? 4) Qual é sua visão ante a perspectiva de humanização da Medicina? 5) Alguma vez necessitou colocar-se na posição de paciente? Como foi esta experiência? 6) Ante os novos cenários que surgem e que caracterizam a relação médico-paciente, qual é seu posicionamento? 7) Que recursos e cuidados utiliza para lidar com as implicações psicológicas provenientes de sua profissão. 8) Na sua perspectiva como profissional acha necessário a inclusão de disciplinas da área da Psicologia que discutam a saúde do profissional médico nos currículos pedagógicos dos cursos de Medicina? Que conteúdos acha significativos? 73 ANEXOS 74 ANEXO A TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Você está sendo convidado (a) a participar, como voluntário, em uma pesquisa. Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa, você não será penalizado (a) de forma alguma. INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA: Título do Projeto: O MÉDICO: um Semideus? Cuidados psicológicos pertinentes para este profissional. Pesquisador Responsável: Ilma Borges Telefone para contato: 9960-7482 Pesquisadores Participantes: Sandra Liz Castañola Portela. Telefones para contato: (48) 99726261. O presente projeto tem como objetivos específicos investigar qual é a visão do médico de si ante esse lugar mítico de Semideus no qual a sua profissão histórica e culturalmente o colocou, compreendendo assim quais são os tipos de sentimentos diante do exercício profissional quando existe a salvação de uma vida ou a morte; identificar quais são os recursos e cuidados utilizados pelo médico para lidar com as implicações psicológicas provenientes de sua profissão; pesquisar se os currículos pedagógicos e seus conteúdos nos 75 cursos de Medicina localizados na região da Grande Florianópolis apresentam disciplinas da área de Psicologia que discutam a saúde do profissional médico. Enquanto o objetivo geral é analisar a representação profissional construída culturalmente do médico como um Semideus e consequentemente qual sua visão a esse respeito e a implicação desta perspectiva para sua saúde psicológica. A realização desta pesquisa seguirá um roteiro com questões pré-definidas, onde poderá haver acréscimo de outras perguntas de acordo com o andamento da entrevista. A entrevista será realizada em apenas um encontro, com duração média de quarenta minutos. Caso haja a necessidade, poderá ser realizada uma nova entrevista após o consentimento do entrevistado, com duração de quarenta minutos a fim de concluir assuntos deixados em aberto no primeiro encontro. Os procedimentos utilizados contemplam a realização de: entrevista individual com roteiro de entrevista semi-estruturado que será gravado na integra e diante dos resultados da entrevista será aplicada análise de conteúdo que prevê o levantamento dos principais significados expressos nas respostas dos sujeitos. Quanto aos aspectos éticos, os pesquisadores informam que: Meus dados pessoais serão mantidos em sigilo, garantindo meu anonimato, e o resultado apenas mostrará os possíveis benefícios atingidos pela pesquisa; A aceitação não implica que sou obrigado (a) a participar da pesquisa até seu final. A qualquer momento posso interromper minha participação, bastando, para isto, comunicar o pesquisador; Minha Esta participação é voluntária, não terei direito a remuneração; pesquisa é de cunho acadêmico e não visa uma intervenção imediata; Durante a participação, se tiver alguma reclamação do ponto de vista ético, poderei contatar com o responsável desta pesquisa; A entrevista terá em média 50 minutos. Caso eu sinta qualquer desconforto poderei interromper minha participação. Não há riscos previsíveis por minha participação; 76 Os resultados serão divulgados na apresentação da pesquisa perante defesa para a banca examinadora, de forma pública, no período de julho de 2010, conforme calendário da Coordenação de TCC do Curso de Psicologia da Univali – Centro de Estudo de Biguaçu/SC, e posteriormente a apresentação possivelmente ser publicada em revista científica. Estou ciente que a minha participação nesta pesquisa beneficiará os estudos sobre a saúde e formação do profissional médico, devido às mudanças contemporâneas. Ao final da pesquisa, se for de meu interesse, a devolutiva dos resultados poderá ser realizada através de uma cópia impressa e/ou eletrônica. As entrevistas somente serão gravadas com a autorização do (a) Senhor (a), sobre a qual será mantido anonimato. Para participar dessa pesquisa, o (a) Senhor (a) deverá assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (a seguir). Esse termo determina que o (a) Senhor (a) aceita participar da pesquisa como voluntário (a) e pode desistir de fazê-lo se não se sentir à vontade, sem que sofra qualquer penalidade. ______________________________ Ilma Borges Pesquisadora orientadora ______________________________ Sandra Liz Castañola Portela Acadêmica pesquisadora 77 ANEXO B CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO - MÉDICOS Eu _________________________________________________________________, RG______________________, CPF __________________________ abaixo assinado, concordo em participar do presente estudo como sujeito. Fui devidamente informado (a) e esclarecido (a) sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade. Local e data: ____________________________________________________________ Nome: ________________________________________________________________ Assinatura do Sujeito: _______________________________________ Telefone para contato: ____________________________________________________ 78 ANEXO C Documento que evidencia a pesquisa com caráter científico, o apoio de um supervisor e a comprovação de que a pesquisadora é aluna devidamente matriculada na instituição UNIVALI. CARTA DE APRESENTAÇÃO – Sujeitos da Pesquisa Prezado (a) Senhor (a), ___________________________________________________, tendo como perspectiva desenvolver a pesquisa intitulada O MÉDICO: um Semideus? Cuidados psicológicos pertinentes para este profissional, apresentamos os seguintes objetivos: Eu, Sandra Liz Castañola Portela, acadêmica do curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, regularmente matriculada – pelo nº. 06.2.2742, e sob o consentimento desta com relação ao caráter científico da pesquisa, tendo como orientação técnica e profissional da professora Ilma Borges, Mestre em Engenharia de Produção, solicito a apreciação do projeto de pesquisa em anexo. No aguardo do deferimento do pedido acima exposto, agradeço a atenção. Cordialmente _______________________ Ilma Borges Pesquisadora orientadora _________________________ Sandra Liz Castañola Portela Acadêmica Pesquisadora Biguaçu, ___ de ______________ de 2010. 79