Cuidados aos médicos e às equipes de assistência
Para você que está fazendo sua atividade sob intensa emoção
Lúcia Helena Freitas Ceitlin1, Sidnei Schestatsky2, Lucas Lovato3, Marco Antonio Knob Caldieraro3, Simone Hauck4, Stefania
Pigatto Teche5
Nucleo de Estudos e Tratamento do Trauma Psiquico: Net-trauma - Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clinicas de Porto Alegre (HCPA)
Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Universidade Federal do Rio Grande do Sul
1 -Professora Associada do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS, coordenadora do Net-Trauma, HCPA.
2 - Professor Associado do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS.
3 – Médico Contratado do HCPA.
4 – Médica Psiquiatra Colaboradora do NET-Trauma.
5 – Médica Psiquiatra, Mestranda Programa de Pós Graduação em Ciências Médicas: Psiquiatria, UFRGS, colaboradora Net-Trauma, HCPA.
Nos últimos dias, nosso estado vive uma situação de tragédia e sofrimento. As
dificuldades atingiram as vítimas, suas famílias, se estenderam à população de modo geral e
certamente aos diversos profissionais que estão prestando assistência. O objetivo deste texto
é falar tecnicamente – mas em um tom não tão formal - a respeito desta situação emocional e
física aos médicos e demais profissionais da área da saúde.
A percepção do CREMERS é de que se não fosse o atendimento imediato e preciso
realizado pelas equipes de plantão, numericamente reforçadas pelos voluntários que
acorreram, mesmo fora das escalas, o número de vítimas fatais seria muito maior. Os médicos,
e demais profissionais, atenderam e continuam atendendo pessoas da própria comunidade,
conhecidos, familiares, por vezes filhos e seus amigos e colegas. Ao longo da visita realizada
dia 30 aos médicos e serviços diretamente envolvidos na assistência, dirigentes do CREMERS
perceberam a forte emoção daqueles que prestam cuidados aos pacientes-vítimas nos prontoatendimentos, nas emergências e nas UTIs. O senso de responsabilidade é alto e os médicos
parecem rapidamente invadidos pela sensação de não poderem se afastar para descansar ou
dormir. Muitos se sentem culpados por trocar seus turnos, deixar seus plantões ou ir para
casa.
Ao ler o parágrafo acima, você pode ter se identificado com algumas das situações
descritas, talvez várias ou até muitas delas – motivo da demanda afetiva do momento. Em
parte esta identificação nos faz trabalhar com cuidado e dedicação. Mas o médico precisa
estar atento, pois esta quantidade de sentimentos pode realmente ser excessiva
(sobrecarregados todos já estão) e prejudicial.
Dentro deste contexto - não desejado, mas real -, nos foram solicitadas pelo CREMERS
algumas orientações aos médicos (que também servem para outros profissionais da saúde), e
oferecemos as seguintes:
Sentimentos previsíveis diante de situações de catástrofe: Embora as equipes
médicas sejam consideradas ‘’resistentes’’ a situações de sofrimento, diante da morte e da
doença (por vezes mantendo certa distancia emocional necessária à tomada de condutas
técnicas), nas situações de catástrofe a demanda de identificações (sentimentos despertados)
é muito alta e vindas de um grande número de pessoas. Ninguém está preparado para isto!
Assim, é previsível que agudamente ocorram reações como:
- Senso de desesperança sobre o futuro;
- Sentimentos de impotência, frustração, irritabilidade;
- Ansiedade e medo;
- Tristeza;
- Culpa;
- Dificuldade em adormecer ou manter o sono;
- Dificuldade de concentração;
- Hiper-vigilância;
- Difuculdade para descançar;
- Diminuição ou aumento de apetite;
- Cansaço ou outros sintomas físicos;
- Respostas emocionais não habituais;
- Sonhos aflitivos ou memórias do desastre.
Estas reações não significam respostas inapropriadas, problemas de saúde mental ou
preditores de consequências negativas futuras. Mas é importante que sejam reconhecidas e
observadas, pois são reações de curto prazo, que devem apresentar uma diminuição gradual
em sua intensidade. A persistência, a piora ou a interferência na vida cotidiana devem alertar
para a busca de ajuda. É possível que as pessoas que mais intensamente façam negação ou
realizem distanciamento afetivo destas ‘’reações normais a eventos anormais’’ possam estar
em risco maior para dificuldades futuras.
O ‘’autocontrole’’ deve estar mais no
reconhecimento dos afetos, por difíceis que sejam, do que em sua ‘’não presença’’. Os fatos
em nossa volta interferem nas emoções e na neurobiologia do cérebro, reagir é normal e a
recuperação será o caminho de maior probabilidade.
Diante das reações inicias procure:
- Falar de seus sentimentos e percepções emocionais com amigos, colegas e familiares – veja que não está
sozinho!
- As equipes devem promover suporte mútuo do modo que acharem util e confortável.
- Preste muita atenção à sua saúde física - manter consultas médicas, descansar o suficiente e se exercitar,
comer refeições nutritivas, pratique respiração profunda, envolva-se em alguma atividade com gratificação.
- Seja gentil com você mesmo e com o colega (ele também está no mesmo barco).
- Considere os aspectos positivos de sua vida.
- Ajude, mas respeite seu limite!
- Evite muito açúcar ou cafeína.
- Evite medicamentos em demasia.
Em sua casa:
- Transmita um senso se segurança a seus filhos e familiares. Agora estamos protegidos, precisamos tratar
das realidades.
- Responda questões de forma o mais honesta possível, mas ajude as crianças a entender a situação dentro
de suas capacidades de entendimento e perspectiva.
- Evite a exposição de seus filhos a informações com as quais eles não possam lidar ou a superexposição
promovida pela mídia, limite programas ou tempo de TV.
Não tenha medo de procurar ajuda técnica se:
- A alteração de sono for significativa;
- Está sentindo que não consegue continuar;
- A dificuldade de concentração atrapalha sua rotina técnica;
- Sua capacidade de conviver com colegas está abalada;
- Está utilizando excesso de medicamentos;
- A ansiedade e angústia tomam a maior parte de seu tempo.
Ninguém exposto a uma situação de trauma ou catástrofe passa imune a ela. A
observação de nosso CREMERS é de que os médicos estão intensamente envolvidos. Estão
cansados, alguns controlando as lágrimas, mas continuam atendendo adequadamente com
todas as reservas que possuem. Talvez não possa ser diferente. A mensagem é que cuidemos
das vítimas, das famílias, das equipes técnicas e de nós mesmos, pois o tempo de recuperação
das feridas ainda é longo e precisa ser mantido e as nossas reservas emocionais não são
infinitas.
Troque seu turno sem remorso, vá para sua casa, durma, esteja com sua família,
busque ajuda se necessário, amanhã seu trabalho continuará. Agora, o seu colega, menos
cansado, está trabalhando...
Referências:
The Management of Post-Traumatic Stress Working Group. VA/DoD Clinical Practice Guideline forthe Management of POSTTRAUMATIC STRESS. With support from: The Office of Performance and Quality, VA, Washington, DC & Quality Management
Directorate, United States Army MEDCOM & The External Peer Review Program, 2004.
Guidelines do Suny Downstate Medical Center, 450 Clarkson Avenue, Brookyn. College of Medicine, Emergency Medicine
Department.
Manual de Atendimento do Nucleo de Estudos e Tratamento do Trauma: Net-Trauma do Hospital de Clinicas de Porto Alegre
:HCPA , Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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