PROGRAMA PARA ANÁLISE DE REVALIDAÇÃO DE DIPLOMAS Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Departamento de História e Teoria O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO BRASILEIRO E A FORMAÇÃO DE SUAS METRÓPOLES Candidato: Luis D. Zorraquino Agosto 2005 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 1.1 Conteúdo do trabalho 1.2 Divisão em tópicos 1.2.1 Relação da urbanização do território com seu contexto histórico, político e social 1.2.2 Definição das etapas fundamentais do processo de urbanização do território como expressão da dependência política e econômica 1.3 Alguns aspectos gerais que condicionaram o processo de urbanização brasileiro 1.3.1 O território 1.3.2 A dependência histórica e o sincretismo social 1.3.3 A dualidade social 1.3.4 A concentração da população e das moradias urbanas nas grandes cidades, nos últimos anos 2 ANTES DE 1500: O BRASIL INDÍGENA 3 A PRIMEIRA ETAPA DA EVOLUÇÃO URBANA. BRASIL COLÔNIA E IMPÉRIO. 1500-1889. O MODELO DA COLÔNIA DE EXPORTAÇÃO DE MATÉRIAS-PRIMAS SOB O CONTROLE DA METRÓPOLE. PLANTAÇÃO DE AÇÚCAR 1500-1650. MINERAÇÃO 1650-1822. CAFÉ (E BORRACHA) 1822-1889 3.1 Antecedentes históricos e sociais 3.1.1 A colônia de plantação de açúcar 3.1.2 A colônia de mineração 3 3.1.3 O café (e a borracha) sustentam o Império 3.2 O modelo de urbanização do Brasil nesse período 3.2.1 A situação dos núcleos urbanos 3.2.2 A urbanização do território 3.2.3 A primeira rede urbana 3.2.4 A evolução da urbanização até o final desse período 4 A SEGUNDA ETAPA DA EVOLUÇÃO URBANA. O BRASIL NO SÉCULO XX. 1890–2004. O MODELO DE URBANIZAÇÃO DO BRASIL COMO UM PAÍS LATINO-AMERICANO DEPENDENTE, NAS DIFERENTES ETAPAS DA ECONOMIA CAPITALISTA MUNDIAL. REPÚBLICA VELHA, 1889–1929. REPÚBLICA NOVA E REVOLUÇÃO BURGUESA, 1929–1964. DITADURA MILITAR, 1964–1984. DEMOCRACIA BURGUESA, NEOLIBERALISMO E GLOBALIZAÇÃO, 1984 - 2004 4.1 Antecedentes históricos e sociais 4.1.1 República Velha 4.1.2 A República Nova e o processo de industrialização 4.1.3 O regime militar 4.1.4 Democracia burguesa, neoliberalismo e globalização 4.2 O modelo de urbanização do Brasil nesse período 4.2.1 O processo seletivo de urbanização e de industrialização da região sudeste do País 4.2.2 O processo generalizado de urbanização e industrialização do País 4.23. A evolução da população urbana, rural e agrícola, por regiões 4.2.4 A diversidade regional na urbanização do território brasileiro 4 4.2.5 Urbanização concentrada e metropolização 4.2.5.1 Aglomerações com mais de 20.000 habitantes 4.2.5.2 Cidades com mais de 100.000 habitantes 4.2.5.3 As cidades milionárias e a e metropolização 4.2.6 A cidade caótica 4.2.7 As cidades globais e corporativas 4.2.8 Rumo ao século XXI 5 CONCLUSÃO ANEXOS BIBLIOGRAFIA 5 1 INTRODUÇÃO 1.1 O conteúdo do trabalho O conteúdo do trabalho escolhido para a revalidação de meu diploma, intitulado “O processo de urbanização brasileiro e a formação de suas metrópoles”, está sustentado fundamentalmente na leitura e no estudo das fontes bibliográficas apresentadas ao longo do texto que, na sua maioria, foram indicadas pela comissão de avaliação de diplomas. Também foram utilizadas outras fontes, relacionadas ao contexto histórico e social em que acontece o processo de urbanização, acreditando ser tal contexto determinante na análise e nas conseqüências sociais do modelo territorial resultante. Sociedade e território estão intimamente vinculados através da história. Assim, preferimos uma análise que coloque a componente social à mesma altura de outras condicionantes do fato urbanizador, em especial aquele que, inclusive profissionalmente, entende a cidade e o território em geral como um direito básico do ser humano, independentemente de época, classe e posição social que ocupem os humanos moradores daquele território. 1.2 Divisão em tópicos 1.2.1 Relação da urbanização do território com seu contexto histórico, político e social. O trabalho estabelece como referências fundamentais as etapas mais relevantes da evolução histórica do Brasil: Antes de 1500. Brasil indígena. 6 1500 – 1822. Colonização – dependência portuguesa. 1822 – 1889. Independência controlada e Império. 1899 – 1930. República Velha. 1930 – 1964. República Nova. 1964 – 1985. Ditadura militar. 1985 até hoje. Democracia burguesa, neoliberalismo e globalização imperialista. 1.2.2 Definição das etapas fundamentais do processo de urbanização do território como expressão da dependência política e econômica. O processo de urbanização do Brasil esteve relacionado com o papel de dependência que a sua economia exercia no contexto da economia mundial. De fato, o modelo de urbanização do território brasileiro, as funções por ele assumidas e a contínua criação de infra-estruturas que são a base de sustentação da urbanização sempre estiveram relacionadas, no Brasil, às três grandes etapas em que este trabalho se divide. Em primeiro lugar, uma breve introdução ao Brasil indígena. A primeira etapa de um território natural, escassamente povoado pelas tribos e povos originários, segundo hábitos e costumes próprios, seminômades e com uma economia autônoma de subsistência, baseada na exploração equilibrada dos recursos e ecossistemas naturais. Em segundo lugar, o processo decorrente do amplo período histórico de colonização e dependência da metrópole portuguesa, com base em uma economia de exploração de matérias-primas, agrícolas e minerais, dedicada à exportação e à sustentação da própria metrópole. Esse período vai desde 1500 até praticamente o início do século XX. 7 Num terceiro período, assentadas as bases reais de uma tardia revolução da burguesia nacional, inicia-se a dependência econômica de um novo tipo e com outros países. Assim atravessaremos as diferentes etapas da industrialização por substituição de importações (iniciada na República Velha e sobretudo na República Nova), da industrialização dependente e do intercâmbio desigual de matérias-primas e manufaturas por tecnologia (na época da ditadura militar e do Plano das Américas, atrelado aos interesses dos EUA), e por último a globalização econômica e o papel do Brasil como um país industrializado, mas ainda muito dependente, assumindo um papel secundário na lógica da produção e comercialização das grandes corporações multinacionais, controladoras dos grandes avanços tecnológicos, das pesquisas e das telecomunicações. Nesse contexto, o Brasil continua a ser um país economicamente dependente e sem possibilidades reais de mudar, salvo na sua articulação com os blocos econômicos que defendam os interesses dos países irmãos latino-americanos. 1.3 Alguns aspectos gerais que condicionaram o processo de urbanização brasileiro1 1.3.1 O território O território do Brasil, que ocupa cerca de 40% da superfície do subcontinente latino-americano, tem imensa abrangência e grande variedade de regiões. Predomina o clima tropical úmido, com escassa altitude, muita umidade, chuva, vegetação e insolação. O solo é composto fundamentalmente de materiais aluviais (terras e argila) e também de rochas metamórficas (granito, gnaisses), e calcárias ou caliças. Essas condicionantes do 1 ZORRAQUINO, L. 2004. 8 território marcaram as características da arquitetura e da moradia tradicional brasileira, assim como de seu processo colonizador.2 1.3.2 A dependência histórica e o sincretismo social Brasil foi conquistado e colonizado já faz 500 anos. A longa duração do período colonial implicou uma grande dependência econômica, social e cultural em relação a Portugal3, especialmente quanto ao modelo econômico exportador agrícola e mineral, ao processo paulatino e duro de conquista do imenso território, às vezes muito hostil, assim como ao modelo territorial estabelecido, com predomínio do rural em relação ao urbano. Ao mesmo tempo se produz, por parte dos portugueses, a dominação, o extermínio e também a miscigenação das diversas tribos de índios que povoavam o território do Brasil. Posteriormente, esse processo de sincretismo social continuará com os negros escravos e 2 O Brasil, com uma extensão de cerca de 8.500.000 km2, tem seu território localizado no hemisfério sul, entre o Equador e os 30 graus de latitude sul. Com uma topografia fundamentalmente plana e altitudes inferiores a 1.000 metros (com exceção das pequenas áreas montanhosas situadas no sudeste e centro-leste), o território conta com inúmeras bacias hidrográficas de grande importância, em especial as dos rios Amazonas e São Francisco. Com essas características, os climas fundamentais são: as florestas equatoriais (Amazônia) e as savanas tropicais (no centro do país), acompanhados do clima subtropical úmido (sul) e excepcionalmente de estepes secas (nordeste). Em resumo, altas temperaturas, muita insolação e chuva, e abundância de água e vegetação, características predominantes dos climas anteriormente mencionados. Em conseqüência, a colonização teve de enfrentar essas condições climáticas “diferentes”, buscando na costa e nas alturas o frescor das terras de origem. (MINISTERIO DE OBRAS PÚBLICAS Y URBANISMO, 1990). 3 Essa dependência histórica, seja dos portugueses, holandeses e ingleses na época da colônia, seja dos americanos, mais recentemente, ainda se mantém. A dívida externa do Brasil, que começou a existir na época da colônia, continua aumentando na atualidade. Essa dívida, que durante os últimos anos do governo Fernando Henrique Cardoso multiplicou-se por seis, é atualmente de 260 bilhões de dólares (apenas a dívida pública, soma das dívidas do governo federal, dos governos estaduais, das prefeituras e empresas públicas), o que representa perto de 57 % do PIB do País (458 bilhões de dólares). Só os juros pagos da dívida pública externa em 2002 atingiram a marca de 36 bilhões de dólares. (ZORRAQUINO, L., 2003). 9 ainda mais tardiamente com os muitos imigrantes europeus e asiáticos que chegarão ao País.4 A arquitetura e o urbanismo, como qualquer outra manifestação social, foram influenciados pelas contribuições portuguesas e de outros grupos étnicos que chegaram ao Brasil, constituindo um verdadeiro sincretismo cultural, adaptado na medida do possível às condições materiais e ambientais locais. 1.3.3 A dualidade social Como conseqüência do intenso processo colonizador realizado pelos portugueses e da implantação de um modelo agrícola tropical estável, baseado inicialmente no latifúndio, no patriarcado e na escravidão, e das sucessivas modificações da base econômica agrícola, criou-se um modelo de desenvolvimento econômico e social totalmente dependente dos interesses da burguesia portuguesa e européia, dos interesses metropolitanos, no qual colaborará também a própria burguesia brasileira, criada com a independência nacional. Ao mesmo tempo, os conquistadores – senhores, fazendeiros, Exército e Igreja, representantes desses interesses no Brasil – basearam a conquista do território e a produtividade de seus empreendimentos na submissão e na utilização de indígenas e negros como escravos, origem da dualidade social sempre existente no Brasil, que ainda hoje faz parte da sociedade e manifesta-se nas grandes desigualdades sociais.5 4 O mesmo empreendimento colonizador que dizimou, em três séculos, três milhões de nativos foi responsável pela importação, nos mesmos três séculos, de três milhões de escravos africanos, cuja sorte não foi melhor. Se as palavras não são para encobrir as coisas, só há uma expressão para descrever o que se passou desde 1500: conquista com genocídio dos índios, seguida de colonização com escravidão africana. Daí viemos, em cima disso foram construídos os alicerces de nossa sociedade. (CARVALHO, J.M. de, 1999, 2000). 5 De acordo com o IBGE, em 1995, os 10% mais ricos detêm 49,8% da renda nacional e os 10% mais pobres detêm somente 0,7%. Isso significa que, dos 62 milhões de brasileiros que compõem a população 10 1.3.4 A concentração da população e das moradias urbanas nas grandes cidades, nos últimos anos A persistência do modelo produtivo açucareiro e cafeeiro nos grandes latifúndios6 agrícolas durante os séculos XVI a XIX definiu no Brasil um modelo territorial fundamentalmente rural, que mal encontrou contestação nas cidades administrativas do litoral e, posteriormente, na implantação de novos núcleos urbanos no interior do País, especialmente na época da mineração. A passagem do modelo territorial rural ao urbano produz-se fundamentalmente na segunda metade do século XX, quando o processo de “industrialização dependente” do País já está bastante avançado, precisando da concentração da mão-de-obra nas cidades. É então que se dá o forte processo de migração do campo para a cidade, para constituir o exército de reserva necessário para o trabalho assalariado nas fábricas e nos serviços. Em conseqüência também mudam as novas demandas urbanas por transportes, equipamentos, serviços e infra-estruturas coletivas. A cidade industrial e especulativa se segmenta em territórios excludentes, separando as classes abastadas das camadas populares. Invasões, loteamentos ilegais, favelas, cortiços, economicamente ativa, em 1995, apenas 3% ganhavam mensalmente 20 ou mais salários mínimos; 52% recebiam até dois salários mínimos; 24 % até um salário mínimo; e 8% não recebiam nada. Outros dados confirmam o exército de excluídos: em 1990, existiam no Brasil 31,6 milhões de indigentes e 61,3 milhões de pobres. Estima-se que, em 1995, dos 150 milhões de habitantes, oito milhões eram meninos de rua que, diante da miséria, são empurrados muito cedo ao mundo do trabalho informal ou marginal. (IBGE, 2001). 6 Segundo os dados do Censo Agropecuário do IBGE, de 1985, os três milhões de pequenos proprietários que possuem menos de 10 hectares têm somente 3% das terras, enquanto 50 mil grandes proprietários, com mais de 1.000 hectares, têm 43,5% de todas as terras do país. Esta é também uma das causas fundamentais do forte processo migratório para as cidades: a concentração da propriedade da terra nas mãos de uns poucos latifundiários, herdeiros dos antigos senhores coloniais. (IBGE. 1985). 11 etc., são as respostas dessas camadas ante a falta de iniciativas dos organismos públicos responsáveis. As grandes periferias urbanas atuais são expressão da explosão da desordem urbana de todo tipo que teve origem no citado processo de industrialização dependente dos anos 40 aos 80 e que ainda hoje, na etapa do neoliberalismo, da globalização e mundialização da economia, da tecnologia, da cultura e do pensamento, continua a ser um dos principais problemas do País, devido ao incremento exponencial da dependência.7 2 ANTES DE 1500: O BRASIL INDÍGENA8 No dia 22 de abril de 1500, Cabral “descobre” oficialmente as terras brasileiras. Anteriormente, Colombo e outros navegantes e conquistadores haviam descoberto também um amplo subcontinente com cerca de 60 milhões de habitantes. Hoje, 500 anos depois, em certos setores sociais populares, argumenta-se que falar em “descobrimento” implica dizer que essa gente e civilizações só passaram a ter existência real após a chegada dos europeus. Naquela época já existiam as grandes civilizações ameríndias dos astecas, maias, 7 Nos últimos 50 anos, a taxa de população urbana do Brasil aumentou de 30% para 80%. Uma pesquisa realizada em 1995 pelo IBGE indicou que, dos 152 milhões de habitantes do Brasil, a população urbana concentra 120 milhões de pessoas, enquanto a população rural é de 32 milhões. Nas grandes cidades e suas regiões metropolitanas, é normal que a imensa maioria da população more em favelas e loteamentos periféricos. Esses territórios urbanos da exclusão social continuam crescendo. 8 As poucas fontes primárias utilizadas nesta seção se correspondem com os textos deixados pelos Jesuítas. O próprio Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala, págs. LXIX, LXX e LXX, diz-nos o seguinte: "Volto à questão das fontes para recordar os valiosos dados que se encontram nas cartas dos jesuítas ... Os jesuítas não só foram grandes escritores de cartas ... como procuraram desenvolver nos caboclos e mamelucos, seus alunos, o gosto epistolar. Os Pires, Anchieta, Caminha ... Não nos devemos, entretanto, queixar dos leigos que em crônicas como a de Pero de Magalhães e a de Gabriel Soares de Sousa também nos deixam entrever flagrantes expressivos da vida íntima nos primeiros tempos da colonização." 12 incas e araucanos, que povoavam grande parte da América Latina em avançado estado de evolução social e que seguramente tinham estabelecido contato incipiente com as principais nações indígenas do Brasil. 9 Essas nações brasileiras eram formadas fundamentalmente pelos tupis-guaranis do litoral (possivelmente os mais numerosos), os jês ou tapuias do planalto, os nuaruaques da bacia amazônica e os caraíbas do norte do rio Amazonas, tal como atestam os restos encontrados nos sítios arqueológicos – povos pré-históricos procedentes dos mongóis, que teriam entrado pelo estreito de Bering, ou das ilhas Aleutas. Praticamente na idade da pedra, não utilizavam ainda os metais, não conheciam a escrita e eram seminômades. Moravam em comunidades (tabas) que, agrupadas, formavam uma tribo (cujos membros estavam ligados por parentesco), dirigida pelo pajé ou chefe religioso (também curandeiro). O coletivo primava sobre o particular. Praticavam a poligamia, o politeísmo e o xamanismo (tudo tem vida, alma e cultura), e às vezes a antropofagia ritual. Os homens dedicavam-se à caça, à defesa e à guerra com outras tribos, assim como à construção das ocas ou moradias coletivas ao redor de um terreiro protegido por paliçada e à confecção de canoas e utensílios para a caça e a guerra. As mulheres realizavam as tarefas domésticas, a escassa agricultura e a confecção de utensílios e roupas de todo tipo. 9 “As sociedades pré-hispânicas chegaram alcançar um elevado grau de densidade de ocupação territorial no momento do contato com os conquistadores. Os níveis demográficos da América Latina no findar do século XV eram com toda a probabilidade superiores aos europeus da mesma época e que, segundo os últimos estudos, situavam-se próximos dos 60 milhões de habitantes, nível somente recuperado em meados do século XX.... ...O colapso demográfico produzido entre 1500 e 1700 pelas guerras de extermínio e sobretudo pelas enfermidades foi uma das maiores calamidades sanitárias que já experimentou a humanidade... ...A mortalidade dos indígenas foi muito mais intensa no Caribe e nas terras baixas do trópico úmido como era o caso do Brasil. A falta de mão-de-obra explorável, por despovoamento generalizado, constituiu durante três séculos um problema constante para os projetos produtivos do período colonial.” (MINISTERIO DE OBRAS PÚBLICAS Y URBANISMO. 1990. Págs. 61 a 66). 13 A organização política era composta pelo Conselho de Anciãos (Enheengaba), pelo chefe da tribo (Pajé ou Morubixaba) e pelo líder guerreiro (Tuxaua). A religião e os costumes estavam intimamente ligados à natureza. Adoravam tomar banho e praticamente viviam nus.10 Em resumo, antes da colonização, o Brasil estava ocupado por diferentes povos e tribos espalhados pelo seu imenso território, num estado de evolução incipiente caracterizado pelo seminomadismo e pela inexistência, em geral, de núcleos de população fixos. 3 A PRIMEIRA ETAPA DA EVOLUÇÃO URBANA. BRASIL COLÔNIA E IMPÉRIO, 1500-1889. O MODELO DA COLÔNIA DE EXPORTAÇÃO DE MATÉRIAS-PRIMAS SOB O CONTROLE DA METRÓPOLE. PLANTAÇÃO DE AÇÚCAR, 1500-1650. MINERAÇÃO, 1650-1822. CAFÉ (E BORRACHA), 1822188911 3.1 Antecedentes históricos e sociais Da grande diversidade de povos, culturas e civilizações espalhados pelo planeta, por volta de 1500, só uma civilização racionalista, católica e negociante, localizada na Europa, tinha capacidade tecnológica e necessidade de conquista, de apropriação de novos recursos, 10 Veja-se “BARBEIRO, H. e CANTELE, B. 1999”. Também encontramos importantes dados sobre a vida dos índios brasileiros em FREIRE, G. 1. 999. Capitulo II: “O indígena na formação da família brasileira”. 11 Veja-se REIS FILHO, N. G., 1968. 14 territórios e civilizações, para dar passagem a uma nova fase de acumulação no incipiente desenvolvimento de seu sistema econômico e social capitalista. Na Europa haviam ficado para trás os muitos séculos da Idade Média, das guerras e divisões internas. No fim do século XV, assistimos à criação de novos países e estados, unidade necessária para dispor dos amplos recursos da guerra, que culmina com a expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica e, portanto, da Europa12, o que também permitiu aos ibéricos ficar com as mãos livres para novas conquistas. O poder político e econômico atua em aliança com o poder religioso. Os reis, os banqueiros e os papas são os principais responsáveis pelas grandes guerras e invasões. O dinheiro se associa com a espada e a cruz para impor o novo modelo de sociedade ocidental ao resto dos povos da Terra. Em 1492, Cristóvão Colombo, apoiado pela coroa espanhola, pelo papa Alexandre VI e, fundamentalmente, pelos banqueiros dos Países Baixos, inicia a circunavegação da Terra pelo Oceano Atlântico. O Tratado de Tordesilhas, assinado pelo papa e pelos reis de Espanha e Portugal, estabelece as condições e os limites das terras a conquistar. Acreditando ter chegado às já exploradas Índias Orientais, Colombo encontra por acaso um desconhecido continente americano, que, ante o olhar surpreso e ansioso dos europeus, será chamado inicialmente de “Índias Ocidentais”. Portugal, inicia em 1500 a conquista da América. Como outros povos europeus, os portugueses conhecem a navegação e já tinham realizado viagens para outros continentes: China, Índia e África. 12 Os muçulmanos chegaram à Península Ibérica no ano de 718 e lá permaneceram até sua expulsão pelos reis católicos Isabel e Fernando, em 1492, quando estes conseguiram unificar os diversos reinos da Espanha. 15 3.1.1 A colônia de plantação de açúcar Na época do descobrimento do Brasil, as experiências de colonização desenvolvidas por Portugal e outros países europeus tinham por cenário regiões onde moravam povos com um grau de desenvolvimento econômico e cultural capaz de oferecer gêneros de alto valor para os mercados da Europa e ao mesmo tempo consumir produtos originários de suas manufaturas. Assim foi o caso da conquista das Índias Orientais e a rede de “feitorias”, garantindo seu domínio e organizando seu comércio. O Brasil, porém, foi bem diferente daquele esquema anterior. Na terra descoberta os portugueses encontraram um território quase deserto, com população num outro estágio de desenvolvimento, sem possibilidades de exportar, sem capacidade de absorver as manufaturas importadas da Europa e sem as riquezas minerais das colônias espanholas. É interessante destacar as grandes diferenças entre a colonização da América Latina pelos portugueses e pelos espanhóis, decorrentes, entre outros fatos, das características dos territórios e das culturas submetidos, assim como do tipo de colônia de exportação estabelecido. 13 13 Em seu livro Raízes do Brasil (1939), Sérgio Buarque de Holanda explica como espanhóis e portugueses aplicavam princípios diferentes na fundação de suas cidades e sedes de governo, a saber o princípio do “ladrilheiro” e o princípio do “semeador”, respectivamente. De acordo com essa interpretação, os espanhóis, como “ladrilheiros”, erguiam suas cidades em altiplanos, traçando praças e ruas segundo uma grade ou tabuleiro, com a praça ao centro, cercada pelos prédios mais representativos. As demais ruas, avenidas e praças eram traçadas paralela e perpendicularmente a esse quadrado central, formando um quadriculado que da perspectiva de pássaro lembrava um chão ladrilhado. Poderíamos dar como exemplo a Cidade do México, Caracas, Bogotá, Lima, Cuzco, La Paz e Buenos Aires, entre outras. Enquanto isso, os portugueses (os “semeadores”) costumavam fundar suas cidades à beira-mar, ao longo do litoral, em enseadas naturais, baías recortadas, terrenos ondulados que acompanhavam o litoral do oceano ou seguiam as margens dos rios em sua desembocadura, subindo pelas colinas e espalhando-se pelas terras próximas, como se fossem frutos de uma semeadura. Seriam exemplos: São Luís, Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Santos, etc. Espanhóis e portugueses transplantavam para as colônias os modelos que tinham em suas metrópoles de origem. Madri corresponde muito bem ao modelo ladrilheiro, enquanto Lisboa corresponde em grandes linhas ao modelo do semeador. 16 Durante as primeiras três décadas após a conquista e a colonização, os portugueses limitaram-se à exploração grosseira dos recursos naturais, em especial do pau-brasil, sem criar núcleos de povoação no litoral. Entretanto, a acirrada concorrência de países rivais levou Portugal a tentar uma forma mais estável de ocupação. Seriam, então, criadas as capitanias hereditárias e o governo-geral, dando entrada ao capital privado (fiscalizado pelo governo da metrópole), quando o Brasil viria a constituir uma imensa reserva e retaguarda rural de matérias-primas para os mercados europeus. Entre os encargos transferidos aos donatários e colonos das capitanias, figuravam com destaque as tarefas correspondentes à instalação da rede urbana. Desde o início da exploração da imensa costa brasileira entre Pernambuco e São Paulo até as vésperas da instalação do governo-geral em 1549, haviam sido fundadas no litoral brasileiro cerca de 16 vilas e povoados, que já exportavam mercadorias para a metrópole. A instalação do governo-geral14 tinha como objetivo, segundo expresso no Regimento de Tomé de Souza, “...conservar e nobrecer as capitanias e Além disso, espanhóis e portugueses seguiram estratégias de colonização dos povos autóctones do Novo Mundo bastante distintas. Os espanhóis destruiriam duas grandes civilizações e suas respectivas cidades: a cidade asteca de Tenochtitlán, no México, destruída por Cortés, e a cidade inca de Cuzco, no Peru, destruída por Pizarro. Dizimaram a população indígena trabalhando nas minas e colonizaram rapidamente um amplo território, buscando novos recursos de minérios. Os portugueses, pelo contrário, ao estabelecer na costa uma colônia de plantação, não precisaram atuar desse modo, explorando o território de forma mais sedentária que se “adaptava” aos povos indígenas via miscigenação. Milton Santos fala das cidades hispano-americanas caracterizadas por ter uma planificação, um ordenamento, enquanto “a série brasileira” não se caracteriza por tal ordenamento, sendo a regra geral o crescimento desordenado e irregular. O mesmo autor fala também de uma “geografia da urbanização latino-americana” em duas grandes regiões socioculturais: a América de língua espanhola e o Brasil, coincidentes com a “fachada do Pacífico” e a “fachada do Atlântico”. Na fachada do Atlântico, a colonização econômica começa com os produtos da agricultura comercial, enquanto a extração de minerais vem depois. Na fachada do Pacífico, a colonização econômica começa com a extração mineira, enquanto os produtos da agricultura comercial chegam muito mais tarde. Os contrastes existentes entre essas duas fachadas teriam repercussões importantes para o povoamento e a urbanização da América Latina. 14 As funções de coordenação militar e administrativa do governo-geral foram inicialmente pensadas para compensar os excessos da dispersão que se havia gerado com o regime das capitanias. Aos poucos, nos séculos XVII e XVIII produz-se uma vigorosa centralização econômica e administrativa da metrópole através da substituição dos poderes que haviam sido concedidos aos donatários, substituindo-os quando possível por funcionários. 17 povoações das terras do Brasil...” O meio encontrado foi fazer “...hûa fortaleza e povoação grande e forte em um lugar conveniente para dahy se dar favor e ajuda as outras povoações e se menistar justiça...” Para esse fim seria utilizada a antiga capitania da Bahia que revertera à Coroa, onde seria fundada em 1549 por Tomé de Souza a cidade de Salvador. (REIS FILHO, 1996. Pág.31 e 32). Em 1532, com a chegada dos primeiros portugueses a São Vicente (atual Santos), inicia-se a fase de produção da cana-de-açúcar, num amplo território que percorre a costa brasileira e que se estabiliza inicialmente nas terras mais adaptadas ecologicamente para esse cultivo: o Nordeste, da Bahia a Pernambuco, e suas ampliações posteriores ao Sul pelo Rio de Janeiro e a Noroeste pelo Maranhão. Na colônia de plantação de açúcar, o modelo agro-exportador assentava-se no tripé “monocultura, latifúndio e mão-de-obra escrava”, caracterizando a sociedade colonial dos senhores das plantações, cuja maior expressão eram as grandes construções rurais das casas-grandes, acompanhadas das senzalas ou residências dos escravos e aos poucos das residências rurais disseminadas dos colonos. As lutas pelo controle do território com franceses e holandeses não impedem a consolidação da colônia de plantação portuguesa, com capital em Salvador, Bahia. Os militares e nobres portugueses, donos das “capitanias hereditárias”, os senhores das plantações de açúcar, os bandeirantes paulistas e os jesuítas formam parte da elite social que explora os indígenas e os negros escravos trazidos da África. No fim desse período, em 1650, o Brasil (em especial o Nordeste) é o maior produtor mundial de açúcar. No entanto, em 1654 começa o declínio desse ciclo econômico, quando os holandeses, expulsos de Pernambuco, decidem iniciar seu próprio negócio nas Antilhas Holandesas. 18 Fechando esse período, não deveríamos esquecer o trabalho desenvolvido pelos holandeses em Recife durante sua curta dominação (1630-1654), cujas obras mais emblemáticas, o Palácio do Conde de Nassau e o bairro de Mauricéia, são exemplos excepcionais de urbanismo à moda européia.15 3.1.2 A colônia de mineração Entre 1693 e 1729, os bandeirantes paulistas, marginalizados do processo produtivo, descobrem ouro no sertão de Minas Gerais. No apogeu da mineração, entre 1750 e 1760, o Brasil exporta 2,5 milhões de toneladas de ouro e 1,5 milhão de quilates de diamantes. Nessa conjuntura, durante a segunda metade do século XVIII, acontece uma grande emigração de portugueses para o Brasil. Perto de 40% da população portuguesa abandona seu país. O despovoamento de Portugal leva o rei a proibir a emigração. A nova economia do ouro e dos diamantes desloca o eixo de desenvolvimento da Colônia para o centro-sul. Começa a colonização do sertão, aparecendo novos assentamentos urbanos em Minas Gerais (Ouro Preto, Mariana, Tiradentes, etc.) e em Goiás, assim como novas vias de escoamento das mercadorias em direção aos portos das cidades costeiras. Os chamados caminhos do ouro e da prata, cujo transporte é realizado com animais, vão criando entrepostos de serviço, origem de futuros núcleos urbanos. Em 1763, a capital é transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, deixando claro o declínio do poder dos donos de terras e fazendeiros agrícolas do Nordeste. 15 “O palácio de Nassau marca o ponto culminante na obra dos construtores holandeses na América. Em outras partes do Recife, demonstraram durante o seu curto domínio um interesse pelo planejamento urbano, que antecipa em mais de um século o trabalho dos colonos brasileiros. Proporcionaram liberdade de circulação por meio de pontes e de ruas pavimentadas e traçadas regularmente. Criaram mercados, jardins zoológicos e botânicos, e praças bem plantadas. Em todo o resto do Brasil foi preciso esperar o fim do século XVIII e a vinda da corte portuguesa para o Rio em 1808, para que se fizessem coisas deste gênero.” (Saia, L. 1981, págs. 144 e 145). 19 A nova fase do capitalismo europeu, com a Revolução Industrial na Inglaterra, coloca em crise o antigo capitalismo agrícola-minerador para exportação, modificando todos os mecanismos protecionistas da economia colonial. Sucedem-se no Brasil as crises cíclicas, devido ao descontrole da produção e à queda dos preços. A troca desigual e a dependência dos países europeus estão em pauta. Fatos importantíssimos se sucedem dentro e fora do Brasil.16 Em 22 de abril de 1821, D. João VI e a corte retornam a Lisboa, deixando seu filho, D. Pedro, ocupando o cargo de Regente. Em 7 de setembro de 1822, D. Pedro I proclama a pseudo-independência do Brasil como Estado Monárquico, com poder centralizado: o Império do Brasil. 3.1.3 O café (e a borracha) tentam sustentar o Império O novo Império do Brasil é rapidamente apoiado pelos ingleses e americanos, que exigem novas contraprestações, entre elas a abolição da escravatura. Portugal reconhece definitivamente o império brasileiro. Na América Latina se espalham as lutas pela independência das colônias. D. Pedro I governa com o apoio da conservadora aristocracia agrária, mas os movimentos políticos pela independência e o federalismo continuam aumentando.17 16 Em 1776, a independência dos Estados Unidos da Inglaterra inicia o processo de descolonização. Em 1789, a Revolução Francesa desmonta o Absolutismo e nasce a burguesia emergente. Em Vila Rica (atual Ouro Preto, Minas Gerais), intelectuais começam a falar de independência, aproveitando o descontentamento dos mineiros com os novos impostos (as derramas). A “Conjura dos Inconfidentes” é traída. Tiradentes assume a responsabilidade do movimento e em 21 de abril de 1792 é enforcado pelo governo português. Em 1798, é a vez da Revolução Baiana, ou “Conjura dos Alfaiates”. O resultado é o mesmo que com os Inconfidentes. Em 1799, Napoleão dá um golpe de Estado na França e inicia a conquista da Europa. Ante o avanço das tropas francesas sobre Lisboa, em 1808, o príncipe regente D. João (depois rei D. João VI), a família real e toda a corte fogem para o Brasil, instalando a corte no Rio de Janeiro. Nessa conjuntura, os ingleses impõem o livre comércio e a abertura dos portos do Brasil, dominando assim a economia brasileira. Finalmente, em 1815, Napoleão é derrotado na batalha de Waterloo. 20 D. João VI morre em 1825 e D. Pedro I cede o trono de Portugal a seu irmão D. Miguel. Nem conservadores nem radicais (republicanos e federalistas) estão contentes com o imperador. Em 1831, D. Pedro I, cansado, abdica em favor de seu filho Pedro II (de 5 anos de idade) e volta a Portugal. O Brasil continua vivendo da exportação de produtos agrícolas. A sociedade do século XIX não é diferente da sociedade colonial: aristocrática, escravista, agrária e pouco urbanizada. O território costeiro ocupado coincide aproximadamente com o dos primórdios da conquista. O café entra em cena na economia. Introduzido no Pará em 1750, procedente da Guiana Francesa, é plantado a partir de 1820 na periferia do Rio de Janeiro, no vale do Paraíba e no sul de Minas Gerais. Entre 1831 e 1840, o café representa 44% da produção nacional, seguido pelo açúcar (24%) e pelo algodão (11%). O café será o sustento do império durante a segunda metade do século XIX, e a aristocracia dos fazendeiros cafeeiros, com imensas fortunas, será a verdadeira dona do país. De novo, o centro-sul do país é o protagonista. No triângulo Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, especialmente nas cidades, desenvolve-se a vida urbana, com olhos postos na arte e na cultura européias. O elevado poder aquisitivo da oligarquia cafeeira permite todo tipo de importações da Europa, especialmente vestuário e calçados. Nos primeiros decênios do século XIX, estabelecem-se as primeiras colônias de imigrantes europeus: suíços em Friburgo (RJ) e alemães em São Leopoldo (RS), em 1824. Posteriormente, em 1859, novos imigrantes alemães fundam Petrópolis (RJ), e Joinville e 17 Em 1824, é criada a República da Confederação do Equador, formada pelos territórios do Ceará, Rio Grande do Norte, da Paraíba e de Pernambuco. Derrotados, Frei Caneca e seus companheiros são executados pelo governo imperial. 21 Blumenau (SC). Por último, em torno de 1870, grandes levas de italianos vêm trabalhar nos cafezais de São Paulo. Os colonos trabalham nas fazendas de café em sistema de “parceria” muito similar ao trabalho escravo, sem possibilidade de autonomia. Na base dessa política, as dificuldades do tráfico de escravos a partir de 1850, devido aos atritos entre Brasil e Inglaterra. Os colonos vêm substituir os escravos negros. O então Ministro da Justiça, Feijó, cria a Guarda Nacional. Em 1834, ocupa o cargo de regente eleito e enfrenta, de forma cruel, diversas revoltas que lutam pela autonomia federal das províncias.18 Em 1840, com apenas 14 anos, D. Pedro II é coroado o segundo imperador. Com o auxílio do Duque de Caxias, o “pacificador”, um novo governo liberal neutraliza, com repressão e morte, as novas revoltas em Minas Gerais e São Paulo (1845), e a Revolta Praieira em Pernambuco (1847). A partir de 1837, a Inglaterra espalha suas colônias por todos os continentes. Os produtos agrícolas tradicionais de exportação do Brasil flutuam segundo as necessidades do mercado europeu, a abertura de novas áreas agrícolas nas colônias mais jovens e a criação de novas técnicas de transformação (açúcar de beterraba). Em 1840, o café do vale do Paraíba se esgota e a produção se desloca para o oeste: para o município de Ribeirão Preto e para o vale do rio Mogi-guaçu. As fazendas cafeeiras dominam o território agrícola, organizando pequenos núcleos de moradia rural formados pela casa do proprietário da fazenda, a senzala dos escravos e as pequenas casas dos colonos europeus. 18 Os “farrapos” da República de Piratini, no Rio Grande do Sul, a República Juliana, em Santa Catarina (apoiados por Garibaldi), “os cabanos” no Pará, etc. Feijó neutraliza a situação após constituir poderosa força militar. Resultado: 40 mil mortos. Feijó renuncia, mas as lutas federalistas continuam na Bahia, no Maranhão e no Pará, com os mesmos resultados. 22 Aparece uma nova produção brasileira: a borracha natural, ou látex, das seringueiras da Amazônia, que vai abastecer o mercado dos pneus europeus. A borracha é escoada através de Belém e Manaus, que vivem sua época dourada, crescendo vertiginosamente com a imigração incentivada. No fim do século XIX, o Brasil exporta 16.000 toneladas brutas de látex, mas, no começo do século XX, a produção da Malásia afunda a brasileira. A conjuntura econômica favorável do ciclo cafeeiro permite, em torno dos anos 1870, uma primeira tentativa de industrialização do centro-sul do País. Em 1870, a hegemonia mundial é disputada pela Inglaterra e pela França, com a posterior concorrência da Alemanha, da Rússia, da Itália, dos EUA e do Japão. No Brasil, acirram-se os conflitos com a Argentina, o Paraguai e o Uruguai pelos domínios do rio da Prata, que culminam na Guerra Brasil-Paraguai, finalizada em 1870, após o triunfo de Caxias em Assunção. As contradições sociais entre os aristocratas agrários escravistas do Nordeste, os fazendeiros cafeeiros, seus colonos imigrantes e os novos setores da burguesia urbana comercial e industrial do centro-sul, assim como as idéias republicanas introduzidas por Benjamin Constant entre os jovens militares do Exército e o anticlericalismo, colocam a monarquia brasileira em grande crise, que coincide em 1888 com a abolição da escravatura. 3.2 O modelo de urbanização do Brasil nesse período 3.2.1 A situação dos núcleos urbanos Os núcleos urbanos estabelecidos nos primeiros séculos da colonização brasileira situavam-se, de modo predominante, no litoral, por razões econômicas, políticas e militares. Como exceção, apenas as vilas do planalto paulista. 23 O sistema econômico ao qual a Colônia era vinculada fazia com que os núcleos dependessem estreitamente das comunicações com a Metrópole. Era natural, pois, que se procurasse situá-los em posição de conexão com esquemas eficazes de comunicação, e esta era garantida, de preferência, através das vias fluviais e marítimas. Mesmo nas áreas interiores, onde as comunicações se tornavam mais difíceis, como no planalto paulista, pode-se perceber facilmente que as vilas mais antigas, como Parnaíba, Mogi das Cruzes, Itu e São Paulo, alinhavam-se ao longo do rio Tietê, que seria, nos séculos coloniais, a grande via de penetração para o interior. A partir de Mogi das Cruzes, as vilas iriam acompanhar o vale do Paraíba, repetindo em sentido diferente o mesmo processo. Outros fatores de condicionamento eram os caminhos. Estabelecidos em geral com base nas velhas trilhas indígenas, eles garantiam as comunicações no interior pouco conhecido, vencendo os principais acidentes geográficos que, por sua vez, contribuíam para a localização de uma importante parcela da nascente rede urbana. 3.2.2 A urbanização do território A base fundamentalmente agrícola da colônia de exportação que conforma esse período teve como resultado um território com forte predominância do rural sobre o urbano, com grandes regiões do País que aos poucos são exploradas e incorporadas à própria história do Brasil — definitivamente um modelo de urbanização rural. O Recôncavo da Bahia e a Zona da Mata do Nordeste ensaiaram, antes do restante do território, um processo então notável de urbanização e, de Salvador pode-se, mesmo, dizer que comandou a primeira rede urbana das Américas, formada junto com a capital baiana, por Cachoeira, Santo Amaro e Nazaré, centro de culturas comerciais promissoras no estuário dos rios do Recôncavo. 24 No dizer de Oliveira Vianna (1956, p. 55), `(...) O urbanismo é condição moderníssima de nossa evolução social. Toda a nossa história é a história de um povo agrícola, é a historia de uma sociedade de lavradores e pastores... O dinamismo da nossa historia no período colonial vem do campo. Do campo as bases em que se sustenta a estabilidade administrativa de nossas cidades no período imperial`. (SANTOS M. 1996, pág. 17). A economia agrícola de exportação era o objetivo de todos os núcleos urbanos criados nessa primeira fase, e por isso praticamente todos eles estão localizados na costa, com os portos pelos quais as mercadorias eram escoadas. Inicialmente, esses núcleos urbanos terão apenas funções político-administrativas de controle da comercialização da produção agrícola, realizada praticamente na sua totalidade nos engenhos de açúcar.19 À medida que os núcleos urbanos adquiriam maior importância, suas funções eram fortalecidas pela metrópole.20 Só alguns desses núcleos se tornariam centros comerciais agrícolas de amplas regiões, como foi o caso de Salvador, do Recife dos holandeses, do Rio de Janeiro, de São Luís e de Belém. Dentro desse esquema, os núcleos urbanos iniciais tinham uma vida dependente do mundo rural. Os proprietários rurais construíram suas casas nesses núcleos de vida intermitente, utilizando as casas urbanas como segunda residência. A queda dos preços do açúcar no mercado internacional, em meados do século XVII, foi aproveitada pela Metrópole para submeter a produção agrícola de exportação a um rígido controle, através dos monopólios das Companhias de Comércio. 19 A produção de açúcar, como era feita no Brasil Colonial, não era apenas uma atividade agrícola, mas também industrial. Localizada nas grandes unidades rurais, a indústria do açúcar logrou alcançar um elevado grau de organização econômica para as condições da época (REIS FILHO, N.G. 1968, pág. 93). 20 “No começo, a ‘cidade’ era bem mais uma emanação do poder longínquo, uma vontade de marcar presença num país distante”. (SANTOS, M.1996, pág. 17). 25 Os excedentes da população agrícola e os programas de colonização com levas de colonos e funcionários “portugueses” identificados no plano econômico e social com os interesses da Metrópole contribuíram, ainda que de forma modesta, para a contínua urbanização do território, mas sobretudo para a ampliação do papel político, administrativo, e agora também comercial dos núcleos urbanos e de sua população. A centralização comercial vai trazer novo destaque às atividades econômicas dos centros mais importantes do litoral, que passaram a funcionar como grandes entrepostos do comércio internacional, onde se localizavam as frotas das Companhias de Comércio. Tornaram-se também importantes os mercados urbanos desses centros, onde se realizavam trocas de produtos locais de subsistência ou manufaturados. A política de centralização veio transformar os principais núcleos do litoral em centros de todas as atividades da Colônia. A amplitude da ação colonizadora exigiu a instalação de órgãos político-administrativos mais complexos, com funcionalismo de nível mais alto. A Igreja instalou novos bispados, os contingentes militares foram ampliados, engenheiros militares preparados e os próprios governadores escolhidos entre as pessoas de maior projeção na Corte. As transformações operadas não eram apenas quantitativas, mas também qualitativas. A posição desses centros havia sido até então a de bases para orientar a colonização; daí para diante será de bases para o controle de todas as atividades. (REIS FILHO, N.G. 1968, pág. 105). Surgindo no final do século XVII, a mineração só atinge a maturidade em meados do século XVIII. Sua forte produtividade econômica foi suficiente para, em poucos anos, provocar o despovoamento de algumas áreas do litoral da Colônia e mesmo de algumas regiões da Metrópole. A população que se instala nas minas tem um tipo novo de distribuição. Trata-se de uma população de altíssimo índice de urbanização; praticamente toda ela está concentrada nos núcleos urbanos criados no interior do planalto minerador. 26 No início do século XVIII, a rede urbana brasileira já adquirira, em grau considerável, uma dinâmica própria. Estimulados pelo surgimento de novas camadas, os núcleos urbanos crescem e modificam sua aparência. Multiplicam-se as moradas urbanas de grande luxo dos senhores de terra. No cumprimento de seus programas mais ambiciosos, o governo português provocou um surto de construções oficiais. A diferença principal, porém, talvez resida nas formas de utilização das povoações. O ócio urbano nos centros no litoral e, a seguir, nas minas provocava a troca de idéias e as primeiras manifestações de originalidade nas artes e na vida do Brasil. A vida nos principais centros brasileiros adquire nova escala e a urbanização, por sua vez, suficiente vitalidade para justificar o emprego de padrões urbanísticos mais elevados. Até o final deste período e nos diferentes ciclos econômicos da colônia de exportação, esse foi o motivo fundamental que permitiu uma contínua concentração da população brasileira nas cidades. Uma concentração, porém, que sempre esteve relacionada ao próprio crescimento vegetativo da população, mantendo-se a forte predominância das atividades rurais num território que não chegou a ampliar-se além dos estabelecidos na costa e nas minas do interior do País. 21 3.2.3 A primeira rede urbana22 A formação da rede urbana é iniciada em 1532 com o estabelecimento do regime das Capitanias e a fundação de São Vicente. Até 1650, quando se inicia a grande 21 “... o Brasil do açúcar, do algodão e do café não se estende além do Rio de Janeiro e do Cabo de S. Roque. É aí que se concentram, segundo as avaliações oficiais, mais de dois terços da população total do Império. Não sairemos, pois, fora desses limites e, quando falarmos no Brasil, é somente a essa zona que estaremos aludindo.” (VAUTHIER, L.L. 1981., pág. 28). 22 Ver a tabela inserida na obra de REIS FILHO. N.G. 1968, págs. 85 a 88, que reproduzimos no Anexo. 27 centralização político-administrativa, seriam fundadas 31 vilas e seis cidades, no intervalo de 120 anos.23 Duas etapas de mais intensa urbanização podem ser verificadas: a primeira compreendida entre 1530 e 1570, correspondendo à instalação das capitanias da costa leste; a segunda, entre os anos de 1580 e 1640, ou seja, os anos da dominação espanhola de Portugal, durante o governo dos Felipes. O exame da distribuição espacial dos núcleos dessa segunda etapa de urbanização nos leva a perceber a existência de um lento e regular crescimento das áreas já urbanizadas anteriormente e a existência de uma urbanização sistemática na costa norte, em direção à Amazônia, consolidando a vitória dos espanhóis sobre os fortes rivais franceses. Entre 1650 e 1720 foram fundadas 35 vilas, duas das quais elevadas à categoria de cidade: Olinda e São Paulo. Nesse período, a média de criação de vilas por decênio sobe de dois para cinco, refletindo o crescimento global da colônia. O advento das minas, com o processo migratório decorrente, é um fenômeno excepcional que permite a criação de oito vilas no planalto interior. A análise da distribuição geográfica da rede urbana nesse período revela uma concentração espacial em determinadas regiões. A área com transformação mais rápida foi mesmo a das minas, com suas oito vilas no intervalo de sete anos. Depois São Paulo, seguida do litoral entre Rio de Janeiro e Bahia. Apenas o Norte revelaria um crescimento 23 A esse conjunto poderíamos acrescentar o Recife holandês, que durante algum tempo foi cidade e centro regional. Depois de abandonado aos portugueses, seria rebaixado à condição de povoado, só sendo elevado a vila no início do século XVIII. 28 mais modesto. Ao fim desse período, a rede urbana estava constituída por um respeitável conjunto de 63 vilas e oito cidades.24 No que se refere a população dos principais núcleos urbanos, há um aumento significativo. Como exemplo, encontramos Salvador, cuja população estivera estacionada em torno de 10.000 habitantes durante o período das lutas contra os holandeses, e que passa a ter no início do século XVIII mais de 20.000 moradores. Em geral, porém, a incipiente urbanização do território estava baseada nos pequenos núcleos de poucos habitantes e na predominância do meio rural sobre o urbano, numa relação que vários autores situam por volta de dez para um. 3.2.4 A evolução da urbanização até o final desse período Dois importantes processos acontecem a partir do começo do século XVIII; um deles de caráter sociopolítico e outro de caráter tecnológico. Ambos vão mudar o processo incipiente de urbanização do território brasileiro. De modo geral, porém, é a partir do século XVIII que a urbanização se desenvolve e `a casa da cidade torna-se a residência mais importante do fazendeiro ou do senhor de engenho que só vai à sua propriedade rural no momento de corte e de moenda da cana`. Mas foi necessário ainda mais um século para que a urbanização atingisse sua maturidade, no século XIX, e ainda mais um século para adquirir as características com as quais a conhecemos hoje (...) `A segunda revolução foi técnica. Em 1815 surge na Bahia a primeira máquina de vapor... uma reviravolta considerável... a partir de 1872: a passagem de engenho para usina. O maquinismo, mais custoso, mais científico... concedia a primacia do capital financeiro sobre o capital representado pelas terras`. (BASTIDE, R. Brasil terra de contrastes, Difel. São Paulo, 1978, págs. 56-57 Apud, SANTOS, M. 1996, pág. 19). Subordinadas ainda a uma economia natural, as relações entre os lugares eram 24 As oito cidades criadas nesse período são as seguintes: Salvador, em 1549; Rio de Janeiro, em 1565; João Pessoa, em 1585; São Luís do Maranhão, em 1612; Cabo Frio, em 1615; Belém, em 1616; Olinda, fundada em 1537 e elevada a cidade em 1676; e São Paulo, fundada em 1554 e elevada a cidade em 1711. 29 fracas e inconstantes, num país de grandes dimensões territoriais. A expansão da agricultura comercial e a exploração mineral foram a base da criação de riquezas e do povoamento das cidades no litoral e no interior. A mecanização da produção e do território vem trazer novo impulso e nova lógica ao processo de urbanização do país. Durante o século XIX, impõe-se progressivamente um novo modelo territorial, baseado na construção de rodovias, ferrovias e linhas de navegação nos grandes rios interiores, que escoam as mercadorias de todos os cantos produtivos do Brasil para os portos das mais importantes cidades do litoral. A abertura dos portos permite às classes abastadas importar todo tipo de produto. As cidades começam a urbanizar-se com passeios, jardins, ruas, avenidas e redes de serviços de água potável, esgotos e iluminação (as moradias também). A incipiente industrialização voltada para o mercado interno, a chegada dos imigrantes europeus, e aos poucos, dos colonos e escravos alforriados e libertos das grandes fazendas, convertidos agora em novos trabalhadores assalariados do capitalismo industrial, produzem o primeiro e descontrolado crescimento das cidades. No fim do período colonial (1822), as cidades entre as quais avultaram São Luís do Maranhão, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo somaram perto de 5,7% da população total do País, onde viviam então 2.850.000 habitantes. (...) Em 1872, apenas três capitais brasileiras contavam com mais de 100.000 habitantes: Rio de Janeiro (274.972), Salvador (129.109) e Recife (118.671). Somente Belém (61.997) contava mais de 50.000 residentes. São Paulo tinha então uma população de 31.385 pessoas.25 (SANTOS, M. 1996, págs. 20-21). Em 1872, a população total do Brasil aproximava-se dos 10,10 milhões de habitantes. A porcentagem da população urbana variava, segundo vários autores, entre 6% e mais de 10%. 25 O primeiro recenseamento geral do Brasil é dessa data, 1872. Só com o recenseamento de 1940 começa a separar-se a contagem da população urbana das cidades e das vilas da população rural do mesmo município. 30 Em 1890, eram três as cidades com mais de 100.000 moradores: Rio de Janeiro com 522.651, Salvador com 174.412 e Recife com 111.556. Três outras cidades passavam da casa dos 50.000 (São Paulo: 64.934; Porto Alegre: 52.421; e Belém: 50.064). (SANTOS, M. 1996, pág. 21). Em 1890, a população total do Brasil chegou aos 14,33 milhões de habitantes (com um incremento de perto de 42% em relação a 1872). A porcentagem da população urbana continua num patamar de 10%. 4 A SEGUNDA ETAPA DA EVOLUÇÃO URBANA. O BRASIL NO SÉCULO XX. 1890 – 2004. O MODELO DE URBANIZAÇÃO DO BRASIL COMO UM PAÍS LATINO-AMERICANO DEPENDENTE, NAS DIFERENTES ETAPAS DA ECONOMIA CAPITALISTA MUNDIAL. REPÚBLICA VELHA, 1889–1929. REPÚBLICA NOVA, 1929–1964. DITADURA MILITAR, 1964–1984. DEMOCRACIA BURGUESA, NEOLIBERALISMO E GLOBALIZAÇÃO, 1984 – 2004 4.1. Antecedentes históricos e sociais 4.1.1 República Velha No dia 15 de novembro de 1889, proclama-se a República na Câmara Municipal do Rio de Janeiro com o marechal Deodoro na presidência. Essa Primeira República, ou “República Velha”, será comandada pelos militares, estendendo-se até 1930.26 26 Em fevereiro de 1891, aprova-se a segunda Constituição do Brasil. Os estados cafeeiros ocupam a liderança política. A República cai nas mãos das oligarquias econômicas e o povo mal participa da vida política, instalando-se o “coronelismo”, num País onde 10% dos ricos detêm 48% da riqueza nacional. O primeiro governo republicano de 1891, com Deodoro presidente, termina em golpe de Estado, assumindo o governo o marechal Floriano Peixoto, que enfrenta uma constelação de lutas regionais para dominar o poder 31 Entre 1894 e 1930, desenvolve-se a denominada política do “café com leite”, com supremacia de São Paulo e Minas Gerais, os dois estados mais densamente povoados do Brasil. Os sucessivos presidentes, representantes da oligarquia cafeeira, alternam-se entre mineiros e paulistas. Em 1894, elabora-se o primeiro plano urbanístico da história do Brasil, para criação da cidade de Belo Horizonte. Em 1895, há uma superprodução de café.27 Continuam as rebeliões, com destaque para a Guerra dos Canudos, no Nordeste.28 Entre 1906 e 1920, as sucessivas políticas protecionistas do café continuam a socializar as perdas e a privatizar os benefícios. A situação é insustentável. Em 1914, estoura a 1ª Guerra Mundial, manifestação das lutas dos impérios europeus e, em 1917, acontece a Revolução Russa, na qual, pela primeira vez no mundo, os trabalhadores e suas organizações tomam o poder. Os Estados Unidos aparecem como nova potência política, econômica e militar mundial. A partir de 1920, o Brasil passa a depender dos EUA sob todos os aspectos, mantendo as relações de dependência econômica herdadas (dívida externa) da Inglaterra. Iniciam-se as revoltas de militares progressistas.29 nos estados. Entre elas, a mais importante foi a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul (1892), violentamente sufocada pelo governo. O voto universal para maiores de 21 anos é legalizado, mas instala-se o sistema de controle político baseado na atuação de chefes políticos, coronéis, currais e cabos eleitorais, o denominado “voto de cabresto”. 27 O grande poder da oligarquia cafeeira e a grande dependência da economia brasileira do café demandam, diante de preços muito baixos, uma socialização das perdas e um grande endividamento externo do governo com os ingleses. As crises do café exigem um acordo financeiro com Inglaterra (“Funding Loan”), dando uma moratória de 13 anos para o pagamento das dívidas de empréstimos. 28 Antônio Conselheiro luta para melhorar as duras condições de vida dos sertanejos, entre 1896-97. Em 1903, em Salvador, perto de 20.000 pessoas, seguidores de Conselheiro, são atacados e destruídos depois de vários intentos. 32 Sucede-se, em 1923, a Guerra Civil no Rio Grande do Sul, entre “pica-paus” e “maragatos”, assim como outras várias revoltas militares em outros estados.30 Os movimentos dos trabalhadores vão tomando força, destacando-se os anarquistas nas duras greves do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Sindicatos e partidos de esquerda são fundados para defender os interesses dos trabalhadores e explorados numa sociedade cada vez mais urbana e industrializada. A industrialização dá um passo importante na República Velha, fundamentalmente no centro-sul, onde os empresários do café enveredam pelo campo industrial, favorecidos pelas fontes de energia e pelo amplo mercado de consumidores urbanos. A 1ª Guerra Mundial favorece a produção e o consumo interno de produtos industriais brasileiros. A década de 1919-29 é prodigiosamente especulativa, antecipando a crise econômica mundial. Em 24 de outubro de 1929, a quinta-feira negra, os EUA e a economia mundial quebram. Os efeitos se fazem notar no Brasil, com grave queda do comércio de café. As exportações caem para a metade: de 94 para 49 milhões de libras. O preço do açúcar também cai, pela competição das colônias americanas. Os antigos engenhos dão lugar às novas usinas. O cacau se expande na Bahia, enfrentando a partir de 1920 a concorrência africana. A borracha tem produção significativa até 1912, com o Brasil como grande produtor mundial. A competição das colônias asiáticas desbanca a produção brasileira. 29 Em 1910, a “Revolta da Chibata”, liderada pelos negros trabalhadores dos navios e por João Candido, assassinado; em 1920, o “Movimento dos Militares Tenentistas” contra as oligarquias da época do café com leite; e, em 1922, a Revolta no Forte de Copacabana, Rio de Janeiro. 30 Entre elas, destaca-se a “Coluna Prestes”, que, após um extenso percurso pelo Brasil, não consegue levantar o povo contra o Governo. O comunista Luiz Prestes abandona o País. 33 O fascismo faz-se forte na Europa.31 Em 1928, Getúlio Vargas, governador do Rio Grande do Sul, cria a Aliança Liberal com outros estados periféricos. Paulistas e mineiros estão divididos e, em 1930, Júlio Prestes é eleito o último presidente da República Velha, momento em que ocorrem levantes em diversos estados. A revolução de 3 de outubro de 1930 estoura em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e na Paraíba. A forte crise econômica e social demanda um governo forte. Vargas assume o poder do Governo Provisório. A Constituição de 1891 é suspensa. Em resumo, a economia agrícola de plantação, baseada nesse período na cultura cafeeira, com uma intensa utilização de mão-de-obra (especialmente de imigrantes e exescravos libertos), continua sendo o motor de desenvolvimento econômico e urbano do território. Apesar de uma economia apoiada prioritariamente na cultura cafeeira, nesse mesmo período, inicia-se a primeira fase do processo de industrialização que, imposta por um contexto internacional, situa o Brasil numa desfavorável posição de dependência econômica e política. Uma industrialização de substituição de importações é inserida na crise européia delimitada pelo período entre a 1ª Guerra Mundial, em 1914, e o craque da economia americana de 1929, marcada pela quinta-feira negra, quando os bancos dos EUA e a economia mundial quebraram. Se de um lado a economia agrícola de exportação brasileira fica mais fraca ante a luta dos países imperialistas pelas novas colônias e as novas produções agrícolas, gerando crises cíclicas internas e dependência dos capitais inglês e americano, de outro a falta de abastecimento da indústria de transformação desses países cria as condições para que se estabeleçam as primeiras indústrias brasileiras desse tipo, capazes de abastecer o mercado 31 Em 1922 Mussolini, na Itália; em 1933 Hitler, na Alemanha; e em 1936 Franco, na Espanha, tomam o poder. 34 interno. Elas se localizaram sobretudo na área da produção cafeeira, onde se situavam os capitais dos barões do café, localidade em que estava se concentrando uma intensa população do País. Conseqüentemente, prossegue a modernização dos transportes ferroviários e dos portos de escoamento das mercadorias. As mudanças urbanas só começam acontecer, e de forma muito tímida, a partir de 1900, com o início da execução das infra-estruturas urbanas e dos novos bairros populares. A mecanização dos meios de transporte urbanos permite a expansão das cidades para a periferia e a verticalização especulativa dos centros. As propriedades imobiliárias passam a ser um grande negócio.32 Destaca-se nesse período a criação dos pólos metropolitanos de São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Diferentemente dos países europeus, o início da urbanização latino-americana acontece independentemente da industrialização. A mecanização do trabalho agrícola, a chegada continuada de novas glebas de imigrantes, a abolição da escravidão e o próprio aumento vegetativo da população criam as condições particulares para iniciar uma concentração urbana que, sem ser industrial (à moda européia), é especificamente brasileira e latino-americana, fundamentada nas maiores possibilidades de um mercado de trabalho urbano informal. 4.1.2 A República Nova e o processo de industrialização 32 As dificuldades enfrentadas pela agricultura, com suas crises periódicas, a ausência de formas evoluídas de capitalismo e o crescimento interrupto da população nos maiores centros urbanos fariam com que as propriedades imobiliárias fossem um dos modos mais eficazes de aplicação financeira; para os grandes investidores, a vantagem seria a renda dos aluguéis de casas para a classe média. Para os pequenos investidores, vivendo freqüentemente de seus salários e procurando aplicar com êxito algumas economias, o objetivo máximo de segurança seria a casa própria. Como conseqüência, aqueles anos assistiram à multiplicação dos conjuntos de casas econômicas de tipo médio, repetindo, o quanto possível, as aparências das residências mais ricas, dentro das limitações e da modéstia de recursos de sua classe. (BRUAND, I. 1997, pág. 66). 35 Em plena crise do café (1929-31), os paulistas criam a Frente de Unidade Paulista, exigindo uma nova constituição. Vargas vence, em 1932, a inevitável guerra contra os paulistas e os neofascistas criam a Ação Brasileira Integralista (ABI). Em 1934, Vargas outorga ao Brasil uma nova constituição, assim como leis trabalhistas e populistas, enquanto em 1935 o Partido Comunista Brasileiro (PCB), criado em 1922, organiza uma frente ampla, a Aliança Nacional Libertadora (ANL). A polícia invade a sede do PCB. Repressão e estado de sítio. Elabora-se o plano da nova cidade de Goiânia. Entre 1939 e 45, ocorre a 2ª Guerra Mundial, agora com a participação dos EUA e do Japão. Nesse período, Vargas apóia uma forte intervenção do Estado na industrialização do País, criando, entre outras, as seguintes empresas públicas: o Conselho Nacional do Petróleo (1940, futura Petrobras), a Companhia Siderúrgica Nacional, para produção de aço (1941), e a Companhia Vale do Rio Doce, de mineração (1942). Depois do manifesto dos mineiros pela redemocratização do País, um golpe de Estado depõe Vargas em 1945: nova constituição e o general Eurico Gaspar Dutra como presidente da República. O governo rompe relações com a URSS e o PCB é cassado e fechado. Após o fim da 2ª Guerra Mundial, são criados a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1946, e, em 1948, os organismos financeiros internacionais, Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Acordo Geral sobre Tarifas de Comércio (GATT), futura Organização Mundial de Comércio (OMC). Em 1950, Vargas é de novo presidente. A oposição, ligada a empresários nacionais e internacionais, financia sua derrubada. O exército exige a renúncia de Vargas. Na madrugada de 24 de agosto de 1954, Vargas se suicida. 36 De 1956 a 1961, Juscelino Kubitschek, com apoio da coalizão PSB/PTB, é o presidente. No entanto, Vargas continua governando mesmo depois de morto. Nesse contexto de coalizão, Juscelino Kubitschek investe na transferência da Capital da República, localizada até então no Rio de Janeiro, sudeste do país, para Brasília, no planalto central, acreditando que tal localização possibilitaria o desenvolvimento das regiões ainda não ocupadas do país. Como decorrência é criada a Companhia Urbanizadora da Nova Capital Brasília. O triunfo da Revolução Cubana em 1959 produz importantes efeitos para a América Latina, inclusive o Brasil, onde na década de 60, aparecem vários movimentos guerrilheiros de ideologia nacionalista, marxista e antiimperialista, lutando por mudanças sociais radicais. É nesse contexto que os EUA financiam, em 1960, o “Plano das Américas”, com o intuito de favorecer uma industrialização dependente na América Latina, favorável aos interesses americanos. No Brasil, esse tipo de desenvolvimento industrial continua sendo apoiado pelo governo, favorecendo o nascimento de novas empresas públicas. Brasília, a futura capital do Brasil é inaugurada em 1961, período em que seu criador Juscelino Kubitschek termina seu mandato, cedendo lugar ao novo presidente eleito Jânio da Silva Quadros. As graves contradições da sociedade brasileira, cada vez mais dependente dos americanos, mais urbana, cultural e ideologicamente desenvolvida, em que partidos e sindicatos de esquerda defendem os interesses das grandes massas trabalhadoras criadas pela industrialização, constituem o cenário em que ocorre a renuncia do então presidente Jânio Quadros e o golpe militar de 1964. Castelo Branco é imposto como presidente. Em resumo: a queda da bolsa de Nova York em 1929 e a 2ª Guerra Mundial (19391945) foram as duas forças externas que ajudaram a direcionar a economia latino- 37 americana, obrigando-a a diversificar sua produção agrícola e a pensar na industrialização interna. Com as dificuldades de acesso aos mercados internacionais, as novas nações latinoamericanas viram-se forçadas a considerar os mercados internos, buscando vender aqui suas matérias-primas e comprar o que anteriormente se importava. Um século depois da industrialização européia e norte-americana, a América Latina tem condições de iniciar igual processo: farta mão-de-obra qualificada, vinda com as levas de imigrantes, acúmulo de capitais provenientes das rendas agrícolas e uma classe burguesa que, finalmente, e com bastante atraso em relação a outros países latino-americanos, toma o poder político e econômico. O resultado foi uma intensa industrialização, que por sua vez acelerou a urbanização em todos os países da região. O período de industrialização do Brasil seguindo o modelo de “substituição de importações” continua, graças aos efeitos da 2ª guerra mundial, entre eles, o desabastecimento de produtos manufaturados. Nesse período, instaura-se uma segunda etapa de industrialização e urbanização, cuja característica é a velocidade e intensidade com que esses fenômenos ocorrem, principalmente nas capitais que concentram as rendas decorrentes da economia cafeeira do centro-sul do País. Cabe lembrar que, ainda no governo de Juscelino Kubitscheck, são realizadas duas importantes intervenções apoiadas pelo Plano das Américas no Brasil, a saber: a promoção da indústria automobilística e a transferência da capital do Rio de Janeiro para Brasília, em 1960. Essas iniciativas, visando aplacar a crise desencadeada pelo modelo de industrialização baseado na substituição de importações, mudam a dinâmica do processo de industrialização, que passa a se concentrar em algumas poucas cidades, alterando a feição do modelo de urbanização do país. 38 Por outro lado, Castells chama a atenção para o fato de que os americanos financiam o Plano das Américas no Brasil, para continuar e fortalecer a “industrialização dependente por substituição de importações” e para barrar as lutas pela transformação social dos movimentos guerrilheiros e populares latino- americanos.33 4.1.3 O regime militar O regime militar aprofunda a política de segurança nacional (partidos e sindicatos são extintos) e, sobretudo, abre a economia para o capital estrangeiro, especialmente o americano. Em 1964, é fundado o Banco Nacional de Habitação (BNH) e criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Cria-se, também, o bipartidarismo da Aliança Renovadora Nacional (Arena) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), ambos apoiando aos militares. Em 1966, a oposição se articula na Frente Ampla, tendo Carlos Lacerda como candidato a presidente. Em 1967, uma nova constituição é votada. Costa e Silva é o novo presidente. A partir de então, é posto fim ao federalismo ao mesmo tempo em que aumenta a intervenção do governo nos estados e nos municípios. Governadores e prefeitos são nomeados diretamente pelos militares. Em 1967, com apoio dos EUA, Israel invade a Palestina. Surgem novos movimentos da esquerda européia no maio de 68 francês. No México, repressão da polícia contra os estudantes. Cerca de 10.000 estudantes são mortos. No Brasil, alguns fatos importantes caracterizam esse período: 33 Veja-se: CASTELLS, M. 1973. 39 O Ato Institucional nº 5 - o AI-5 -, vem marcar a instituição de um golpe dentro do golpe. Institucionaliza-se a perseguição e a repressão aos movimentos de esquerda. Nesse contexto, é criado o movimento denominado Aliança Libertadora Nacional (ALN) pelo exdeputado Carlos Marighela, como coalizão do PCB, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Enfrentamento da polícia e extrema direita com esquerdistas. Maringhela e Lamarca apóiam a guerrilha urbana. Seqüestro de personalidades e troca por presos políticos. Criação dos órgãos de repressão do governo (Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi) ou paramilitares (Operação Bandeirantes, a Oban, de São Paulo). Em 1969, com Garrastazu Médici como presidente, o MR-8 seqüestra o embaixador americano no Brasil. Em São Paulo, Marighela é assassinado pela polícia. Em 1970, surge a Guerrilha do Araguaia. Enquanto isso, nessa mesma década, na América latina, várias ditaduras militares se instalam com apoio dos EUA. Em 11 de setembro de 1973, o socialista Allende, eleito presidente do Chile em 1970, é assassinado por militares golpistas, com Kissinger (Secretário de Estado dos EUA) e o general Pinochet à frente. Devido à crise do petróleo de 1973, inicia-se no Brasil as políticas pró-álcool e nuclear (por meio de um acordo nuclear entre Brasil e Alemanha). A dívida externa do Brasil é já de US$ 45 bilhões. A greve dos trabalhadores no ABC Paulista, em 1979, tem Lula como líder. Em 1980, nasce o Partido dos Trabalhadores (PT), fruto da aliança entre trabalhadores (em especial paulistas), intelectuais progressistas e a igreja da Teologia da Libertação. A dívida externa brasileira cresce: US$ 70 bilhões em 1980. 40 1980-90: Guerra Irã-Iraque. Os EUA apóiam Saddam Hussein contra o fundamentalista muçulmano Khomeini. Também tem início a invasão do Afeganistão pelos soviéticos. Os EUA apóiam os fundamentalistas muçulmanos (entre eles Bin Laden e a rede Al Quaeda). Em resumo: nesse período ocorreria uma forte confrontação ideológica entre o movimento operário e “as elites orgânicas do país”34, cuja luta se define pelo golpe militar e pela “internacionalização econômica do mercado interno”, caracterizado pela grande influência do capital internacional na determinação da política econômica do Brasil e dos países subdesenvolvidos e dependentes. Ou o que poderíamos considerar a primeira etapa do acirramento pela continuidade do controle da economia nacional pelo capital internacional. A indústria fordista dessa época tem preferência pela localização urbana (indústria de transformação, automóvel, tecidos, eletrodomésticos, etc), atraindo um importante contingente de população rural às cidades, que já iniciam seu processo de crescimento e rápida transformação em metrópoles. 4.1.4 Democracia burguesa, neoliberalismo e globalização A anistia política do presidente Figueiredo põe fim ao bipartidarismo. A oposição se pulveriza em vários partidos: PMDB, PDT, PT, PC do B, PP, PDS, etc. Em 1984-85, a oposição unida apresenta a proposta das “Diretas já”, com a chapa de Tancredo Neves para 34 “...– uma espécie de agentes planejadores e executores da ação política das classes dominantes –, que se fizeram presentes nas mais diversas sociedades, armando em todas elas verdadeiros palcos de atuação do capitalismo avançado. Atores da ação estratégica internacional, essas elites – que envolvem, nos bastidores, não só empresários, mas profissionais liberais, acadêmicos, militares, jornalistas, políticos e dirigentes de alto escalão de governos e empresas estatais – foram decisivas na formulação da política interna dos EEUU, do Japão e da Europa Ocidental, e na criação de suas organizações – irmãs em palco da Ásia, do Caribe e da América Latina.(DREIFUSS, R. 1987, Contracapa). 41 presidente e José Sarney para vice-presidente, que toma posse em 15 de março de 1985. Com a morte de Tancredo, Sarney assume a presidência. Em 1985, é criado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A luta pela reforma agrária torna o MST um dos movimentos de massa mais importantes do Brasil. A nova constituição de 1988, cria a República Federativa do Brasil. Iniciam-se as eleições diretas para governadores e prefeitos. A nova disputa eleitoral de 1989 dá-se entre Fernando Collor e Lula. Collor, apoiado pela mídia e pelos interesses econômicos, assume a presidência. A queda do muro de Berlim, em 1989, anuncia um novo cenário para a década de 90. Desaparece em 1990 a URSS e os demais países ex-socialistas. Nesse mesmo ano, os EUA declaram guerra contra o Iraque pelo domínio do petróleo no Oriente Médio. Em 1991, firma-se o “Tratado da ALCA”, Área de Livre Comércio das Américas entre EUA, Canadá e México. Surge no México o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). O Tratado de Assunção cria o Mercosul em 1994. A “demissão” do presidente Collor leva Itamar Franco à presidência em 1992. A situação econômica do Brasil é grave. Recessão, inflação, desemprego, etc. Em 1994, Fernando Henrique Cardoso (FHC) é eleito presidente em acirrada disputa com Lula. De novo a mídia e o poder econômico torcem por FHC. A jogada de mestre contra a inflação galopante é o Plano Real. Cria-se uma nova moeda, o Real, atrelada ao dólar (R$ 1,00 = US$ 1,00). Mas a dívida externa continua crescendo: US$ 150 bilhões. FHC adapta o Brasil aos novos tempos econômicos: neoliberalismo e globalização, na era da informática e da tecnologia, mas também do desemprego e do acirramento das 42 desigualdades sociais. Do capital especulativo, não produtivo, das privatizações das empresas públicas brasileiras, da livre internacionalização do capital, da destruição da Amazônia. Em 1998, FHC é reeleito, depois de modificar a constituição. Grave crise econômica, em janeiro de 1999, com forte desvalorização do real. O Brasil não pode manter artificialmente os altos juros e o capital especulativo vai embora, descapitalizando o país. O real desvaloriza perto de 70%. Um novo acordo com o FMI permite a renegociação da dívida externa, que continua crescendo: US$ 212,5 bilhões em 1998.35 Em 1999, os EUA e a Europa se unem numa guerra contra os sérvios da exIugoslávia. No novo milênio, FHC continua com a política subserviente ao FMI e aos americanos, pauperizando o povo brasileiro. Os escândalos do poder sucedem-se em cascata. A Argentina, sócio do Brasil no Mercosul, entra em profunda quebra econômica depois de seguir os planos de ajuste estrutural do FMI. Em 11 de setembro de 2001, atentados terroristas destroem as torres gêmeas do World Trade Center, em Manhattan, e causam sérios danos ao Pentágono, em Washington, ceifando milhares de vidas. Os EUA decidem pela retaliação contra os supostos culpados: 35 Entre 1994 e 1998, o Brasil pagou US$ 112 bilhões só de juros da dívida externa. Isso sem levar em conta a dívida interna do País, produzida pelo desequilíbrio financeiro entre a receita e os gastos dos diferentes organismos públicos (em especial dos governos estaduais) e da balança comercial deficitária. O valor de ambas as rubricas passou de US$ 61 bilhões, em 1994, para US$ 340 bilhões, em 1998. (ZORRAQUINO, L. 2003). 43 os fundamentalistas muçulmanos do Afeganistão (seus antigos aliados contra os russos). Uma nova era de guerra e terror se inicia, com imprevisíveis conseqüências36. Em 1º de janeiro de 2003, Lula toma posse como presidente do Brasil. Abril de 2003. De forma unilateral, os EUA declaram guerra a Sadam Hussein e ao povo do Iraque. Em resumo: durante os últimos anos, os países latino-americanos vêm suportando consecutivas crises baseadas na dependência econômica do capital internacional. As chamadas décadas perdidas se sucedem, numa dependência marcada pelo intercâmbio comercial desigual (produtos agrícolas e produtos da indústria de transformação por tecnologia) e pela dívida externa e eterna.37 A economia dos países não se voltam para as necessidades internas, mas sim para cumprir seu papel na divisão internacional do trabalho. A localização das grandes fábricas é definida em função das vantagens comparativas de cada país, território e infra-estruturas, não só técnicas (como nas épocas anteriores) mas agora também tecnológicas. Vivemos na era das grandes descobertas cientificas e tecnológicas, controladas pelas multinacionais, tanto em termos de pesquisa como de produção e de gestão de um novo 36 O imperialismo capitalista americano atravessa uma profunda crise. Em 2003 o déficit do comércio exterior atingiu U$ 500 bilhões e o déficit fiscal, U$ 400 bilhões. O resultado é uma divida pública que supera os U$ 7,4 trilhões, 67% do PIB americano ou U$ 25.000 por habitante, a maior dívida do planeta. Diante desse quadro, os negócios de armamentos e alta tecnologia, assim como o controle das cada vez menores reservas de petróleo, são fundamentais na nova política imperialista americana. Os EUA respondem por apenas 9% da produção mundial de petróleo, mas consome 25% dela. Entre EUA, Europa e Japão, as cifras são mais preocupantes: só 12% da produção mundial e 50% do consumo. (BEINSTEIN, J., 2004). Os EUA aprofundam sua política de gendarme mundial, para defender os interesses do modo de vida americano e “civilizado”. Europa, Japão e os demais países desenvolvidos assumem sem crítica essa posição. No resto do planeta, 80% da população é pobre e sobrevive na miséria. Entre eles, o povo afegão e os povos muçulmanos. Também a imensa maioria dos povos africanos, asiáticos, latino-americanos e, ainda, o povo brasileiro. 37 Ao longo da década de 90, o subcontinente latino-americano enviou para o primeiro mundo perto de US$ 1 trilhão em pagamento de juros e amortizações da dívida externa, remessas de lucros, pagamento de serviços e royalties. Outros U$ 900 bilhões fugiram do País como transferência para as contas da burguesia local nos bancos do primeiro mundo. (STEDILE J.P., 2004). 44 modelo de organização social38, no qual os meios de comunicação desempenham o papel de difusores de uma cultura global e homogênea (o pensamento único), e ao mesmo tempo adequada à ideologia do neoliberalismo. Assistimos a uma grave crise civilizatória, com os EUA como potência militar, econômica e ideológica unipolar, impondo ao mundo seus interesses de todo tipo. A dívida externa cresce de forma exponencial, limitando drasticamente as possibilidades de aplicação de políticas sociais. A política das privatizações (a venda de empresas públicas ao capital transnacional) diminui os benefícios do setor público e, por conseguinte, o desmanche das conquistas sociais dos trabalhadores e das classes populares, potenciadas nos últimos anos pela aplicação do ideário neoliberal, pela globalização e pela internacionalização do capitalismo. Nessa etapa, os países industrializados, porém dependentes economicamente, como é o caso do Brasil, coagidos a pagar a dívida externa, vêm-se impedidos de investir recursos em programas de políticas públicas capazes de solucionar os graves problemas que atingem as camadas populares, que sobrevivem praticamente à margem do sistema político e social dominante. 4.2 O modelo de urbanização do Brasil 4.2.1 O processo seletivo de urbanização e de industrialização da região sudeste do País Em 1900 havia quatro cidades com mais de cem mil vizinhos e uma beirava essa cifra: Rio de Janeiro, 691.565; São Paulo, 239.820; Salvador, 205.813; Recife, 113.106; Belém, 96.560. Com mais de 50.000 residentes ou perto disso estavam cinco capitais: Porto Alegre: 73.674; Niterói: 53.433; Manaus: 50.300; Curitiba: 49.755; Fortaleza: 48.369 (Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Anuário Estatístico do Brasil de 1912, Rio, 1916. Apud, SANTOS, 1996, pág. 21). 38 Veja-se: DREIFUSS R., 2004. 45 O seguinte quadro mostra a evolução da população total do Brasil e as porcentagens aproximadas da população urbana, segundo diferentes autores. ------------------------------------------------------------------------------------------------Ano População total % População urbana -------------------------------------------------------------------------------------------------1872 10.112.061 entre 6,00 e 10,00 1890 14.333.915 entre 7,00 e 10,00 1900 18.200.000 9,50 1920 27.500.000 10,70 1940 41.252.944 entre 31,00 e 32,00 ---------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M. 1996, pág. 21, e elaboração própria. ---------------------------------------------------------------------------------------------------- Se o índice de urbanização pouco se alterou entre o fim do período colonial e 1920, bastaram apenas 20 anos, de 1920 a 1940, para que a taxa da população urbana triplicasse. Nesse período, a população ocupada em serviços cresce mais depressa do que o total da população economicamente ativa. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------População Economicamente Ativa 1920-1940 (milhares de pessoas) -----------------------------------------------------------------------------------------------------------Setor 1920 1940 -----------------------------------------------------------------------------------------------------------Agricultura 6.377 9.732 Indústria 1.264 1.517 Serviços 1.509 3.412 TOTAL 9.150 14.661 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M. 1996, pág. 23. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Parece-nos interessante constatar o número de cidades com mais de 20.000 habitantes nesse período e seu crescimento, segundo a antiga divisão regional: -----------------------------------------------------------------------------------------------------------Cidades com mais de 20.000 habitantes. Crescimento entre 1920-1940 -----------------------------------------------------------------------------------------------------------Antigas regiões Nº de cidades População Crescimento ----------------------------------------------------------------------------1920 1940 1920 1940 % ------------------------------------------------------------------------------------------------------------Norte 3 2 223.775 234.527 3,50 46 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------Nordeste 20 15 1.138.105 1.268.019 11,40 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Leste 18 11 1.313.624 2.127.430 62,00 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------São Paulo 20 16 1.339.587 1.915.876 43,00 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Sul 2 10 515.618 642.793 24,70 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------Centro-Oeste 1 1 21.360 23.054 7,90 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M.1996, pág. 22. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- A concentração das cidades e da população urbana no Nordeste e no triângulo Minas Gerais – Rio de Janeiro – São Paulo continua sendo o padrão da urbanização, continuando a expansão do sul. Se considerarmos a divisão regional atual (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e CentroOeste) para o ano de 1940, a região sudeste (Leste mais São Paulo), teria perto de dois terços da população urbana do País concentrada em suas cidades. No Estado de São Paulo, a expansão da urbanização nesse período é marcante, com um crescimento da população urbana da ordem de 43%.39 39 Segundo Rosa E. Rossini, no fim da década de 1920 (...) a urbanização do interior, evoluindo de forma acelerada e atomizada, foi reforçada pelo movimento de capitais mercantis locais, propiciando investimentos de origem privada de companhias de energia, de telefone, de meios de transportes, bancos, instituições de ensino, etc. (SANTOS. M. 1996, pág 24). Ainda segundo Milton Santos, “o Brasil foi, durante muitos séculos, um grande arquipélago, formado por subespaços, que evoluíam segundo lógicas próprias, ditadas em grande parte por suas relações com o mundo exterior. Havia, sem dúvida para cada um desses subespaços, pólos dinâmicos internos. Estes, porém, tinham entre si escassa relação, não sendo interdependentes”(...) “Esse quadro é relativamente quebrado a partir da segunda metade do século XIX, quando, a partir da produção de café, o Estado de São Paulo se torna o pólo dinâmico de vasta área que abrange os estados mais ao sul e vai incluir, ainda que de modo incompleto, o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ainda aqui, a explicação pode ser buscada nas mudanças ocorridas tanto nos sistemas de engenharia (materialidade), quanto no sistema social. De um lado a implantação de estradas de ferro, a melhoria dos portos, a criação de meios de comunicação, atribuem uma nova fluidez potencial a essa parte do território brasileiro. De outro lado, é aí também onde se instalam sob os influxos do comercio internacional, formas capitalistas de produção, trabalho, intercâmbio, consumo, que vão tornar efetiva aquela fluidez. Trata-se, porém, de uma integração limitada, do espaço e do mercado, de que apenas participa uma parcela do território nacional. (...) É com base nessa nova dinâmica que o processo de industrialização se desenvolve, atribuindo a dianteira a essa região, e sobre tudo ao seu pólo dinâmico, o Estado de São Paulo.(...) Esse primeiro momento durará ata a década de 1930, quando novas condições políticas e organizacionais permitem que a industrialização conheça, de um lado, uma nova impulsão, vinda do poder público e, de outro, comece a permitir que o mercado interno ganhe um papel, que 47 Além das diferentes periodizações que se propõem, a urbanização brasileira conhece, nitidamente, duas grandes periodizações: a) a primeira, ocorre antes dos anos 40, momento em que as “funções administrativas” desempenham um papel preponderante na formação das cidades;40 b) a segunda, ocorre após os anos 50, quando os investimentos econômicos, ao se voltarem para a industrialização e para a criação de infra-estrutura, dinamizam a urbanização em todo o território, conforme veremos depois com mais detalhe; A partir dos anos 1940-1950, é essa lógica da industrialização que prevalece: O termo industrialização não pode ser tomado, aqui, em seu sentido estrito, isto é, como criação de atividades industriais nos lugares, mas em sua ampla significação, como processo social complexo, que tanto inclui a formação de um mercado nacional, quanto os esforços de equipamento do território para torná-lo integrado, como a expansão do consumo em formas diversas, o que impulsiona a vida de relações (leia-se terceirização) e ativa o próprio processo de urbanização. Essa nova base econômica ultrapassa o nível regional, para situar-se na escala do País; por isso a partir daí uma urbanização cada vez mais envolvente e mais presente no território dá-se com o crescimento demográfico sustentado das cidades médias e maiores, incluídas, naturalmente, as capitais dos estados. (SANTOS, M. 1996, pág. 27) 4.2.2 O processo generalizado de urbanização e industrialização do País O forte processo de urbanização que se verifica a partir do fim da 2ª Guerra Mundial é simultâneo a um grande crescimento demográfico. Os progressos sanitários e a melhoria se mostrará crescente, na elaboração, para o País, de uma nova lógica econômica e territorial.” (SANTOS. M. 1996.. Pág. 25 e 26) 40 Milton Santos, para defender essa periodização utiliza o seguinte argumento: “Nos últimos decênios do século XIX e nos primeiros do século XX, a evolução demográfica das capitais estava, em muitos casos, sujeita a oscilações (ou conhecia crescimento relativamente lento) em determinados períodos intercensais, ao passo que a partir do fim da segunda guerra mundial dá-se um crescimento sustentado em todas elas. Pode-se grosseiramente admitir que a base econômica da maioria das capitais brasileiras era, até o fim da segunda guerra mundial, fundada na agricultura que se realizava em sua área de influência e nas funções administrativas públicas e privadas, mas sobretudo, públicas.” (SANTOS. M. 1996, págs. 24 e 25) 48 dos padrões de vida (e a própria urbanização) têm como resultado uma natalidade elevada e uma mortalidade em descenso.41 Entre os anos de 1940 e 1980 produz-se uma verdadeira inversão quanto ao lugar de residência da população brasileira. Durante esses 40 anos, a população total do Brasil multiplica-se por três e a população urbana por sete vezes e meia. Do ponto de vista do crescimento absoluto da população, na década 60-70 os dois números se aproximaram. Na década 70-80, o crescimento numérico da população urbana já era maior que o da população total. O processo de urbanização acelera-se e atinge um novo patamar, consolidado nas décadas seguintes. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------BRASIL -----------------------------------------------------------------------------------------------------------Ano População total População urbana Índice de urbanização % -----------------------------------------------------------------------------------------------------------1940 41.326.000 10.891.000 26,35 1950 51.944.000 18.783.000 36,16 1960 70.191.000 31.956.000 45,52 1970 93.139.000 52.905.000 56,80 1980 119.099.000 82.013.000 68,86 1991 150.400.000 115.700.000 77,13 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M. 1996, pág. 29, elaboração própria. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VARIAÇÃO DA POPULAÇÃO TOTAL E URBANA DO BRASIL Em mil habitantes -----------------------------------------------------------------------------------------------------------Período População total % População urbana % -----------------------------------------------------------------------------------------------------------40-50 10.618 25,69 7.892 72,46 50-60 18.247 35,12 13.173 70,13 60-70 22.948 32,69 20.949 65,55 70-80 25.960 27,87 29.108 55,01 80-91 31.301 25,80 33.687 41,00 -----------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M.1996, pág. 30, e elaboração própria. 41 Rosa Ester Rossini (1985) descreve esse fenômeno (...) de explosão demográfica. Entre 1940 e 1950, a uma taxa bruta de mortalidade de 20,60 %, correspondia uma taxa bruta de natalidade de 44,40 %. Entre 1950 e 1960, esses índices já eram de 13,40 % e 43,30 %. (Santos, Milton. 1996, pág. 31). 49 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 4.2.3 A evolução da população urbana, rural e agrícola, por região Ainda que incompleta, a série que apresentamos entre os anos de 1960 e 1980 permite observar a evolução global da população rural e agrícola do País.42 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------BRASIL (dados aproximados) ------------------------------------------------------------------------------------------------------------Ano Pop. total Pop. Urbana % Pop. Rural % Pop. Agrícola % ------------------------------------------------------------------------------------------------------------1960 70.374.798 31.956.000 46 38.418.798 54 15.454.526 22 1970 94.486.053 52.905.000 56 41.581.053 44 17.581.964 19 1980 120.579.297 82.013.000 69 38.566.297 32 21.163.729 18 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M.1996, págs. 31-34, e elaboração própria. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- O Brasil moderno é um país onde a população agrícola cresce mais depressa do que a população rural. Isso porque uma parte da população agrícola formada por trabalhadores do campo estacionais (os “bóias-frias”) reside em pequenos núcleos urbanos. Um fator complicador a mais para os velhos esquemas cidade-campo.43 O fenômeno não se dá de maneira homogênea, uma vez que são diferentes os graus de desenvolvimento e de ocupação prévia das diversas regiões, pois estas são diferentemente alcançadas pela expansão da fronteira agrícola e pelas migrações inter-regionais. (SANTOS. M. 1996, pág. 31) -------------------------------------------------------------------------------------------------------------POPULAÇÃO RURAL E AGRÍCOLA POR REGIÃO. % RELATIVA À POPULAÇÃO TOTAL. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Ano 1960 1970 1980 42 Entendemos por população rural aquela que mora na roça ou em aglomerados com menos de 2.000 habitantes e, por população agrícola, aquela que independentemente do seu lugar de moradia dedica-se a atividades econômicas relacionadas com o setor da agricultura. 43 Com a colonização na Amazônia e no Centro-Oeste, ocorrida nesse período histórico, pode-se dizer que o Brasil é um país que praticamente não conhecia o fenômeno de village. As primeiras aldeias brasileiras só vão nascer, já modernas, nesse mesmo período. Na verdade , não nascem rurais, já surgem urbanas. 50 Rural Agrícola Rural Agrícola Rural Agrícola -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Norte 62,61 21,24 54,86 25,92 48,35 30,30 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Nordeste 66,12 30,02 58,19 26,92 49,54 26,81 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Sudeste 42,39 14,44 27,32 9,93 17,19 8,33 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Sul 62,90 27,18 55,73 25,41 37,59 23,08 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Centro-Oeste 65,77 23,39 51,96 18,29 32,21 17,82 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------BRASIL 55,33 22,31 44,08 18,88 32,41 17,72 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M. 1996, págs. 33-34, e elaboração própria. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Um simples olhar para a tabela acima, comparando as porcentagens das regiões no total do Brasil, mostra que, ao contrário do que ocorre no Sudeste e no Centro-Oeste, o Norte, o Nordeste e o Sul são as regiões mais rurais. O Sudeste, devido ao papel de vanguarda da urbanização e industrialização brasileira durante o período histórico anterior e o Centro-Oeste, devido à transferência da capital federal para Brasília em 1960. Na seção seguinte analisaremos mais profundamente essa diversidade regional. 4.2.4 A diversidade regional na urbanização do território brasileiro Como podemos observar, a organização territorial e urbana do Brasil vem se revelando complexa, devido às disparidades sócio-política-econômica existentes entre as diversas regiões. Essas disparidades são antigas, embora diversas segundo os períodos, conforme mostra o quadro abaixo. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------TAXAS REGIONAIS DE URBANIZAÇÃO (%) -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Região 1940 1960 1980 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Norte 27,75 37,80 51,69 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Nordeste 23,42 34,24 50,44 51 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Sul 27,73 37,58 62,41 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Sudeste 39,42 57,36 82,79 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Centro-Oeste 21,52 35,02 67,75 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------BRASIL 31,20 45,52 65,57 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M. 1996, pág. 57, e elaboração própria. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- A analise dos dados acima nos revela que no ano de 1940, as taxas regionais são baixas e as diferenças entre as regiões são menos significativas quando comparadas ao ano de 1960, em que o Sudeste, região mais modernizada, revela avanços importantes. Avanços que irão consolidar e manter a referida região em posição de destaque e preeminência44 na década de 80. O caso do Centro-Oeste merece uma observação particular, pois, sendo entre 1940 e 1960 a região menos urbanizada do País, ganha a partir de 1970 o segundo lugar. A outra região em destaque é o Sul que, a partir de 1960, conhece uma aceleração do seu crescimento urbano nos dois decênios seguintes. Considerando o volume de população urbana por região, o crescimento relativo entre 1960 e 1980 é maior no Centro-Oeste e no Norte, sendo que no Nordeste e no Sudeste esse crescimento é menor que no País como um todo. CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO URBANA BRASILEIRA SEGUNDO AS DIVERSAS GRANDES REGIÕES -------------------------------------------------------------------------------------------------------------44 Nesta analises regional é insuficiente, levar, apenas em conta esses números relativos das taxas regionais de urbanização. Considerando isoladamente o Sudeste, em 1980 tinha uma população urbana de 43.550.604 maior que o resto do país. Eram 53,10 % da população urbana total do Brasil. Este fato tem de ser levado em conta, pelas suas conseqüências econômicas, sociais e políticas, sobretudo se levarmos em conta que a Grande Região Sudeste se estende por uma área relativamente reduzida, comparada com a superfície total do país. (SANTOS. M. 1996, pág. 57). 52 Região 1960 % 1980 % 1980/1960 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Norte 983.278 3,00 3.102.659 3,80 3.15 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Nordeste 7.680.681 24,00 17.959.640 22,00 2.34 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Sudeste 17.818.649 55,70 43.550.664 53,10 2.44 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Sul 4.469.103 14,00 12.153.971 14,70 2.71 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Centro-Oeste 1.053.106 3,30 5.246.441 6,40 4.98 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------BRASIL 32.004.817 100,00 82.013.375 100,00 2.56 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M. 1996, pág. 59, e elaboração própria. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Mais recentemente, todas as áreas do país experimentam um revigoramento do seu processo de urbanização, ainda que em níveis e formas diferentes, graças às modalidades de impacto da modernização sobre o território. A partir dos anos 60, e sobretudo na década de 70, as mudanças não são apenas quantitativas, mas também qualitativas (...) A situação anterior de cada região pesa sobre os processos recentes. (...) A diferença entre as taxas de urbanização das várias regiões está intimamente ligada à forma como, nelas, (...) a cada momento histórico, foram afetadas pela divisão inter-regional do trabalho.(...) É assim que se pode explicar não apenas esse dado estatístico (...), mas também dados estruturais, como as diferenças regionais de forma e de conteúdo da urbanização. (SANTOS. M. 1996, págs. 60-61) Nas áreas pouco povoadas do Norte e do Centro-Oeste, a modernidade posterior à 2ª Guerra Mundial se implanta quase sobre o vazio, e desse modo quase não encontra o obstáculo das heranças. Essas áreas ainda se mantinham praticamente pré-mecânicas até os anos 50. No tocante a Amazônia podemos dizer que se trata de uma relíquia dos períodos históricos anteriores, principalmente da fase de maior exploração da borracha. No entanto, como nos lembra Lobato Correia , a Amazônia necessita expandir sua densidade, hoje concentrada ainda nos pontos de nucleação mais importantes: Manaus e Belém.45 45 O fenômeno é estudado com detalhe por Roberto Lobato Corrêa. Segundo este autor, na Amazônia Legal a 53 O Centro-Oeste (e mesmo a Amazônia) apresenta-se como um território extremamente receptivo aos novos fenômenos de urbanização, já que era praticamente virgem. Pôde, assim, receber uma infra-estrutura nova, totalmente a serviço de uma economia moderna. Desse modo, aí o novo vai se dar com maior velocidade e rentabilidade. E é por isso que o Centro-Oeste conhece uma taxa muito alta de urbanização.46 Ao lado disso, encontra-se o Nordeste, onde uma infra-estrutura fundiária hostil ajudava a manter na pobreza milhões de pessoas e impedia uma urbanização mais expressiva. As grandes resistências às transformações e um antigo povoamento, assentado sobre estruturas sociais arcaicas, atuam como freio às mudanças sociais e econômicas e à própria urbanização. Por isso, os nordestinos são os imigrantes majoritários das grandes cidades brasileiras. Quanto ao Sudeste – mais “novo” que o Nordeste e mais “velho” que o CentroOeste - consegue uma situação de crescente adaptação, compatível com os interesses do capital dominante, e isto, desde o início da mecanização do território. Constata-se que a região do Sudeste tem encampado as várias “modernidades”. Um exemplo dessa taxa de urbanização entre 1940 e 1980 praticamente duplica, atingindo perto de 52% em 1980. No período 5080 o número de núcleos urbanos duplica também, subindo de 169 para 340 . 46 Milton Santos, faz uma interessante reflexão sobre as regiões Centro-Oeste e Amazônia, diz ele: “A região Centro-Oeste e, particularmente, Mato Grosso do Sul e Goiás, distingue-se da Amazônia pelo fato da continuidade espacial da ocupação. O caso de Goiás é emblemático. Durante quatro séculos é um verdadeiro espaço de produção natural de agricultura e pecuária extensivas ao lado de uma atividade elementar de mineração. Da construção da capital Goiânia, inaugurada nos anos 30, não se conhecem sistematicamente os efeitos dinâmicos. Com a redescoberta do Cerrado, graças à revolução cientifíco-técnica, criam-se as condições para uma agricultura moderna e paralelamente uma nova etapa de urbanização graças também ao equipamento e infra-estruturas novas do País e à construção de Brasília.” (SANTOS. M. 1996, págs. 61-62) 54 flexibilidade é o que ocorre com a cidade de São Paulo, em que o significativo desempenho econômico é acompanhado de taxas de crescimento urbano muito elevadas.47 Já a grande Região Sul, por reunir, desde fins do século XIX, áreas de povoamento mais antigo, tem se incorporado à mecanização.e outras cuja incorporação tardia à civilização técnica lhes permitiu um desenvolvimento urbano mais rápido.48 4.2.5 Urbanização concentrada e metropolização A partir dos anos 70, o processo de urbanização alcança novo patamar (...) Desde a revolução urbana brasileira, consecutiva à revolução demográfica dos anos 50, tivemos, primeiro, uma urbanização aglomerada, com o aumento do número – e da população respectiva – dos núcleos com mais de 20.000 habitantes e, em seguida, uma urbanização concentrada, com a multiplicação das cidades de tamanho intermédio, para alcançarmos, depois, o estágio da metropolização, com o aumento considerável do número das cidades milionárias e de grandes cidades médias (em torno de meio milhão de habitantes).(SANTOS. M. 1996, pág. 69.) 4.2.5.1 Aglomerações com mais de 20.000 habitantes --------------------------------------------------------------------------------------------------------Aglomerações (cidades e vilas) com mais de 20.000 habitantes na data dos recenseamentos gerais 47 Desde a segunda metade do século XIX, há no Sudeste uma significativa criação de infra-estruturas, o que contribui para a expansão econômica, para a industrialização e divisão do trabalho e, conseqüentemente para a urbanização. As levas de imigrantes europeus que aqui desembarcaram, mediante suas aspirações de consumo, já traziam consigo um estimulante para uma maior divisão do trabalho nesta região. Isso vai ocorrer sobretudo no Estado de São Paulo onde, ao longo dos séculos XIX e XX, foi possível acolher as novas e sucessivas modernizações. A aceleração correlativa do processo de urbanização na região Sudeste tem como resultado taxas de urbanização comparáveis, senão superiores, às da maioria dos países da Europa Ocidental. 48 Esses seriam os casos tão diferentes dos estados do Rio Grande do Sul e do Paraná. O exemplo, aliás, mostra-nos o perigo de nos atermos unicamente a grandes unidades territoriais. 55 ---------------------------------------------------------------------------------------------------------Ano População % sobre a população % sobre a população total total do Brasil urbana do Brasil -------------------------------------------------------------------------------------------------------------1940 6.144.935 14,93 47,71 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------1950 10.845.971 20,88 57,74 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------1960 19.922.252 28,43 63,64 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------1970 37.398.842 40,15 71,80 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------1980 60.745.403 51,00 75,48 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M. 1996. Pág 70. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Segundo o quadro acima, durante o período 1940-1960 as cifras absolutas e as taxas de participação da população total e urbana das aglomerações de mais de 20.000 habitantes crescem continuadamente. Tomando como base de referência os 501 centros urbanos que contavam com mais de 20.000 habitantes em 1980, observamos que esses agrupamentos constituíam mais de três quartos da população urbana total do País e mais da metade da população total. Essas cifras expressavam 7,4% do total dos núcleos populacionais brasileiros, já que estes, naquele ano, eram em número de 8.078 (3.991 cidades e 4.084 vilas). A população urbana dessas aglomerações cresce ainda mais depressa que a população total e que no tocante a população urbana do País, acontece o mesmo fenômeno em escala regional. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Distribuição regional da parte relativa aos conglomerados com mais de 20.000 habitantes sobre a população urbana total (%) -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Região 1940 1960 1980 56 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Norte 57,05 59,15 71,38 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Nordeste 36,59 48,54 62,86 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Sudeste 55,57 73,54 83,80 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Sul 39,87 56,20 68,72 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Centro-Oeste 8,51 41,25 67,27 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------BRASIL 47,71 63,64 75,48 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M. 1996, pág. 70. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Considerando as cinco grandes regiões, constata-se que o incremento maior das taxas de urbanização entre os decênios 60-80 ocorreu nas regiões norte, nordeste, sul e centro-oeste, especialmente nesta última. Mas a comparação do volume demográfico correspondente às diversas Grandes Regiões, durante o período 1950-1980, revela a grande concentração dos respectivos efetivos no Sudeste, seguido de muito longe pelo Nordeste e o Sul, ao passo que ao Centro-Oeste e ao Norte apenas cabem fatias relativamente reduzidas (...) cerca de 60% da população residente nos centros maiores de 20.000 habitantes se encontram no Sudeste (SANTOS. M. 1996, pág. 72).49 4.2.5.2 Cidades com mais de 100.000 habitantes -----------------------------------------------------------------------------------------------------------Número de localidades, segundo tamanho, no ano dos recenseamentos de 1940, 1950, 1960, 1970 e 1980 49 No período 50-80 o crescimento dos moradores em núcleos de mais de 20.000 habitantes foi o seguinte: região centro-oeste: 3.300.000; região norte: 1.800.000; região sudeste: 28.000.000. (SANTOS. M. 1996, pág. 73.) 57 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Tamanho 1940 1950 1960 1970 1980 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Entre 100.000 e 200.000 habitantes 11 15 28 60 95 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Entre 200.000 e 500.000 habitantes 5 9 11 19 33 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Mais de 500.000 habitantes 2 3 6 9 14 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Total com mais de 100.000 habitantes 18 27 45 88 142 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M. 1996, pág. 73. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- O número de aglomerações urbanas nas quais a população ultrapassa os 100.000 habitantes não pára de crescer, conforme indicado na tabela acima. A partir de 1970, a cifra de 100.000 habitantes parece ser o patamar necessário para a identificação das cidades médias em boa parte do território nacional. A expansão e a diversificação do consumo, a elevação dos níveis de renda e a difusão dos transportes urbanos, junto a uma divisão do trabalho mais acentuada, fazem com que as funções de centro regional passem a exigir maiores níveis de concentração demográfica e de atividades. Somente nas áreas mais atrasadas é que tais funções são exercidas por núcleos menores. (SANTOS. M. 1996, pág. 73) Em termos de regiões, a Sudeste continua sendo a grande concentradora dessas cidades intermédias. Em 1980, o Sudeste contava com 67 dos 95 núcleos entre 100.000 e 200.000 habitantes. No mesmo ano, dos 33 núcleos entre 200.000 e 500.000 habitantes, o Sudeste e o Sul abrigavam 18. Quanto aos núcleos com mais de 500.000 habitantes, os dois existentes em 1940 estavam no Sudeste, mas, dos 14 presentes em 1980, o Sudeste contava com cinco e o Sul, com dois. 58 No total, esses núcleos representavam 7,7% da população brasileira em 1940, chegando a 31,50% em 1980. Estavam presentes em apenas dois estados em 1940 e, em 1980, em 13. 4.2.5.3 As cidades milionárias e a metropolização -------------------------------------------------------------------------------------------------------------População das cidades milionárias 1960 1970 1980 1991 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Rio de Janeiro 3.281.908 4.251.918 5.090.700 5.336.179 São Paulo 3.781.446 5.924.615 8.493.226 9.480.427 --------------------------------------------Salvador 1.007.195 1.493.685 2.056.013 Recife 1.060.701 1.200.378 1.290.149 Belo Horizonte 1.235.030 1.780.855 2.048.861 -----------------------------------------------------------------Brasília 1.176.935 1.596.274 Porto Alegre 1.125.477 1.262.631 Fortaleza 1.307.611 1.758.334 Curitiba 1.204.975 1.290.142 Nova Iguaçu 1.094.805 1.286.337 -------------------------------------------------------------------------------------Manaus 1.010.558 Belém 1.246.435 ----------------------------------------------------------------------------------------------------------TOTAL 7.063.354 13.479.459 23.968.647 29.662.340 ----------------------------------------------------------------------------------------------------------% sobre a população total do Brasil 10,00 14,50 20,20 19,70 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------% sobre a população urbana do Brasil 21,90 25,50 29,30 25,60 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M. 1996, pág. 137, e elaboração própria. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- As cidades milionárias têm crescido continuamente durante os últimos anos. Segundo a tabela acima, eram duas em 1960, cinco em 1970, dez em 1990 e 12 em 1991. É em torno dessas grandes cidades que acontece o fenômeno das metrópoles ou da macrourbanização. No Brasil existem nove regiões metropolitanas legalmente definidas: 59 Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre.50 As atuais regiões metropolitanas têm como pontos comuns dois elementos essenciais: são formadas por mais de um município, com o município núcleo – que lhes dá o nome – representando um área urbanizada bem maior que as demais; são objeto de programas especiais, levados adiante por organismos regionais especialmente criados com a utilização de normas e recursos em boa parte federais. São, na verdade, regiões de planejamento, onde, todavia, o que é feito não atende à problemática geral da área, limitando-se a aspectos setoriais. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Parte das regiões metropolitanas legais no total da população brasileira Ano % População aproximada regiões metropolitanas -------------------------------------------------------1940 14,98 6.200.000 1950 17,95 9.300.000 1960 21,72 15.245.000 1970 25,58 23.824.000 1980 28,93 34.455.000 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M.1996, pág. 76, e elaboração própria. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Conforme a tabela acima, a população das nove regiões metropolitanas quase dobra seus percentuais em relação à população total brasileira entre 1940 e 1980. 50 Hoje poderíamos acrescentar outras “regiões urbanas” que mereceriam idêntica nomenclatura. Seria o caso de Brasília, com suas cidades satélites; dos conjuntos urbanos comandados por Campinas e Santos, que também poderíamos considerar integrados na macrometrópole paulista desde os anos 70; das cidades do norte do Paraná que têm funções interdependentes; e das aglomerações milionárias de Goiânia e Manaus. 60 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Período População que se instala nas % do aumento da população regiões metropolitanas nacional que se instala nas regiões metropolitanas -------------------------------------------------------------------------------------------------------------1940-1950 3.052.907 28,75 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------1950-1960 5.952.919 32,62 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------1960-1970 8.596.874 37,46 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------1970-1980 11.259.743 43,37 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: SANTOS. M. 1996, pág. 76. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Outra característica do crescimento das regiões metropolitanas é o considerável aumento da população total do Brasil que vai se instalar nelas, uma parcela crescente desde 1950, conforme a tabela acima.51 As regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro são dominantes nesse processo. Só no período 70-80, as periferias de ambas absorvem 11,61% do incremento demográfico do País, enquanto os municípios-centro (municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro) recolhem 13,97%. Em outras palavras, aquelas regiões metropolitanas são responsáveis pela absorção de mais de um quarto do incremento total da população brasileira nesse decênio.52 Há, pois, paralelamente amplificação do fenômeno de urbanização e tendência a metropolização, mas entre as metrópoles é à maior delas que cabe a parcela maior de novos habitantes, sobretudo no último decênio intercensitário (entre 1970-1980). (SANTOS, M. 1996, págs. 77 e 78.) 51 Em 1940, 8,5% da população brasileira se encontrava ausente de suas cidades de origem; e de 10,3% em 1950; 18,2% em 1960; 31,6% em 1970; e 38,9% em 1980. Mais da metade dos brasileiros estaria vivendo, no fim do decênio, fora dos seus lugares de origem. (SANTOS, M. 1996, pág.119) 52 Os dados do censo demográfico de 1970 demonstram que a força atrativa da região metropolitana do Rio de Janeiro foi menor que a de São Paulo. Esta sempre teve um crescimento imigratório mais forte, absorvendo quase 40% do incremento total populacional das regiões metropolitanas entre 1960 e 1970, e mais de 40% entre 1970-1980. 61 4.2.6 A cidade caótica O fenômeno do crescimento urbano não está isento de grandes contradições sociais e, com diferenças de grau e intensidade, todas as cidades brasileiras exibem problemáticas parecidas. Em todas elas existem problemas como os de emprego, habitação, transporte, lazer, água potável, esgotos, educação, saúde, apresentando grandes carências. Quanto maior a cidade, mais visíveis se tornam essas mazelas. Isso era menos verdade na primeira metade do século XX, mas a urbanização corporativa, isto é, empreendida sob o comando dos interesses das grandes firmas, constitui um receptáculo das conseqüências de uma expansão capitalista que devora os recursos públicos, uma vez que estes são orientados para os investimentos econômicos necessários ao capital, em detrimento dos gastos com os programas sociais. Na cidade e em seu território, cada vez mais ampliado, existe uma distribuição social do espaço, em função do seu valor de troca, como se ele fosse uma mercadoria a mais. Esse fato fundamental permite criar nas cidades áreas centrais de elevado valor, devido à sua favorável localização quanto às moradias, aos serviços e à infra-estrutura historicamente construídos pelas classes sociais abastadas que sempre habitaram tais áreas. Sempre existirão, ao mesmo tempo, áreas centrais degradadas e periferias distantes, onde o valor de troca do território é bem menor, permitindo o estabelecimento das camadas sociais mais pobres. É normal encontrar nas cidades e regiões metropolitanas brasileiras os territórios da exclusão social e da pobreza urbana, os territórios das áreas centrais degradadas, dos cortiços, das favelas e dos loteamentos ilegais periféricos, onde predominam as famílias com baixos níveis de ingresso, cuja atividade econômica é o trabalho informal, morando 62 em bairros de baixa qualidade, com grandes déficits de moradia, infra-estrutura, equipamentos e serviços, na ante-sala do que poderíamos chamar de anticidade.53 Dois mundos diferentes, compartilhando um mesmo território em conseqüência de um sistema social capitalista injusto e desigual. 54 53 ... O índice de déficit habitacional divulgado pela Fundação João Pinheiro, chega a quase sete milhões de unidades. Cerca de 50% da população das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro moram em favelas ou loteamentos ilegais e cortiços. Em áreas invadidas, encostas, palafitas e favelas estão 33% dos habitantes de Salvador, 34% de Fortaleza, 40% de Recife e 20% de Belo Horizonte e Porto Alegre. A falta de moradias atinge principalmente as famílias com renda até cinco salários mínimos que formam 98% do déficit habitacional do país (Índice divulgado pela Caixa Econômica Federal). (GRACIA. G. de. 2002. Pág. 45 à 48). 54 A evolução das favelas no Brasil (...) acompanhou o processo de urbanização da sociedade, que se deu praticamente no século XX. Ela é determinada pelo modo como se deu a industrialização e a reprodução dos trabalhadores a partir da emergência do trabalho livre. Na sociedade escravocrata, a moradia do trabalhador era provida pelo patrão, bem como os demais itens da sua subsistência. Os trabalhadores brancos livres gozavam de uma condição ambígua, num modo de produção marcado pelo trabalho compulsório e visto como coisa degradante. A política do favor marcou o modo de vida desse trabalhador branco, que vivia à sombra dos chamados coronéis latifundiários. A emergência do trabalho livre dá origem ao problema da habitação. O patrão está livre dessa incumbência. A partir da abolição, cabe ao trabalhador providenciar e pagar por sua moradia. Essa mudança não implicaria em generalização do assalariamento e formação do mercado urbano de moradias, como ocorreu nos países capitalistas centrais, não sem muitos conflitos. Em países periféricos ou semiperiféricos e dependentes, como o Brasil, onde a industrialização se deu com salários deprimidos e grande parte dos trabalhadores não se integrou ao mercado de trabalho formal, a moradia também não é obtida regularmente via mercado imobiliário. Freqüentemente, mesmo o trabalhador empregado na indústria fordista não tem poder aquisitivo para comprar sua moradia no mercado legal privado. São por demais conhecidos os expedientes de ocupação de terra e autoconstrução da moradia, aos quais apelou a maior parte da população durante o processo de urbanização da sociedade brasileira, com graves conseqüências sociais e ambientais, conforme já foi mencionado. No começo do século, as favelas eram presenças mais constantes em cidades que tiveram importância no período da escravidão. Com o progressivo processo de industrialização/urbanização, as favelas se estendem por todas as grandes cidades brasileiras e, nos anos 1980 a 2000, inclusive nas cidades de porte médio. As cidades se modernizaram paralelamente à reprodução da exclusão. O mercado imobiliário evoluiu de modo excludente. Além do capital, via baixos salários, o Estado também pouco se ocupou da questão da habitação social, senão em alguns momentos de mobilização da classe operária, mas sempre de modo pouco sustentável e abrangente. A mais importante intervenção do Estado brasileiro com a política de habitação, que institucionalmente combinou o BNH - Banco Nacional de Habitação e SFH - Sistema Nacional de Habitação, no período 1964 a 1986, atendeu mais às camadas de renda média e ao capital imobiliário (promotores, construtores, financiadores) do que à grande maioria da população. A face mais cruel da construção desse espaço excludente, talvez esteja em sua dissimulação ou ocultamento, como já foi destacado. Não há na sociedade brasileira consciência sobre o gigantismo dos territórios da exclusão, que podemos chamar aqui da não-cidade ou amontoado de pessoas, sem leis ou regras de convivência e de ocupação do espaço. Não há dados fidedignos (nem do IBGE) sobre o número de brasileiros morando em favelas. E essa desinformação não é casual. Até mesmo o urbanismo oficial e acadêmico participa da dissimulação dessa realidade ao reforçar a cidade cenário ou cidade mercadoria, cheia dos símbolos indutores do consumo e da alienação, que constituem embalagem do processo de formação das rendas de localização.(MARICATO, E. 2002, págs. 82 e 83) 63 4.2.7 As cidades globais e corporativas Nos últimos anos do século XX, em especial durante as duas últimas décadas, assistimos em nível planetário a uma grande mudança da economia capitalista. A denominada fase neoliberal, caracterizada pelas novas condições de aplicação econômica dos capitais financeiros e especulativos, a descoberta das novas tecnologias de produção e das telecomunicações (também de sua aplicação e criação das necessárias grandes infraestruturas que permitem a sua utilização ao nível mundial), é acompanhada pela globalização econômica, pela perda de grande número de empregos industriais tradicionais, pela des-localização das indústrias fordistas para outros lugares, com vantagens comparativas (custo da mão-de-obra, incentivos fiscais, etc.), entre outros itens fundamentais. Esse processo é alimentado pelo acúmulo de poder das grandes corporações multinacionais que aos poucos globalizam a produção, a distribuição e a comercialização das novas mercadorias sustentadas em um alto conteúdo tecnológico e de conhecimento (pesquisa de alto nível adaptada às suas necessidades de novos produtos); mundializam os hábitos e costumes de consumo e de vida cotidiana; e planetarizam a gestão e o comando do poder dos antigos estados nacionais. Hoje, cada país, cada região econômica, como conseqüência de sua história e do lugar que ocupa na nova divisão do trabalho, estão submetidos mais que nunca a uma dependência econômica internacional também nova, geradora de grandes desequilíbrios e sob o controle das grandes corporações multinacionais. Já nos anos 70, 85% das quinhentas maiores empresas nacionais concentravam-se na região sudeste, enquanto em 1985 são apenas 68%, num primeiro processo de unificação e ampliação dos mercados. Nos anos posteriores, 64 (...) o processo de concentração da economia é vigoroso e rápido. Conforme relata Lawrence Pih, “duzentos grupos empresariais privados controlam virtualmente a economia e apenas 1,7% das empresas controla mais da metade de todo o mercado industrial brasileiro... As multinacionais, no final da década de 80, eram responsáveis por 22,6% do produto industrial... (SANTOS, M. 1996, págs. 99, 100 e 101). Depois do governo de Fernando Henrique Cardoso, com sua política de privatização das empresas públicas, atingiu-se um patamar em que 45,6% das cadeias produtivas brasileiras são propriedade das corporações estratégicas, ou seja, das multinacionais.55 O papel que desempenham atualmente os países dependentes, como plataformas terceirizantes de produção e comercialização ou de plataformas quarteirizantes de montagem e comercialização56, faz com que a localização dos novos centros de produção tenha uma lógica bem diferente da anterior fase da industrialização. De um lado, a concentração da produção tecnológica nos espaços do saber e da ciência (universidades), do poder econômico e político. Concentração também das novas tecnologias das telecomunicações em torno daqueles espaços já privilegiados pela concentração de infra-estruturas no período do capitalismo industrial. No caso do Brasil, São Paulo e as capitais das grandes áreas metropolitanas concentram o novo território centralizador das tecnologias e das telecomunicações, bases dos novos territórios da globalização econômica. De outro lado, continua a descentralização e a disseminação das atividades urbanas pelo território, ampliando as dimensões das áreas metropolitanas (novas áreas de consumo e lazer, atividades urbanas relacionadas com o consumo de massas). Aparecem também as 55 DREIFUSS. R. 2004, pág. 104. 56 DREIFUSS. René. 2004, pág. 96. 65 novas grandes indústrias, conseqüência da atual dependência econômica e tecnológica (montadoras de carros, produção têxtil, sapatos, etc.) localizadas não importa em que lugar, em função das vantagens comparativas (mão-de-obra barata, incentivos fiscais, matériasprimas, energia, etc.) e das possibilidades que as telecomunicações estabelecem para o comando a distância. O caso do Nordeste, nos últimos anos, é um bom reflexo das novas estratégias de des-localização industrial. Amplia-se esse fato com as localizações das grandes agroindústrias de produtos para exportação e com as exigências de infra-estruturas de transporte e telecomunicações. O desenvolvimento recente das grandes redes de transportes terrestres e marítimos dos estados menos desenvolvidos. 4.2.8 Rumo ao século XXI Os primeiros dados de 1991 permitem considerar uma taxa de urbanização do Brasil em torno de 75%. No ano 2000, essa taxa se aproxima dos 80%. O Sudeste apresenta índice superior a 91% e o Centro-Leste e o Sul já ultrapassam a taxa nacional. No estado do Rio de Janeiro, a população urbana se aproxima dos 96% e, em São Paulo, de 94%. Levando em conta as tendências atuais de reorganização do território, no mundo inteiro e no Brasil de forma particular, devemos considerar os novos fatores da globalização econômica e da revolução tecnológica, bem como a contribuição da ciência, da tecnologia e da informação na nova constituição do território. Hoje está se configurando o que poderíamos chamar de Brasil emergente, um Brasil diferente daquele onde ciência, tecnologia e informação ainda não formavam parte das características fundamentais do território, nem eram dados essenciais de explicação do acontecer econômico, social e político. Esse Brasil emergente se difunde rapidamente e 66 essa difusão é conseqüência, fator e resultado de fatores de regulação em escala nacional e planetária. Pode-se vislumbrar que esse meio técnico-científico, que tende a ser o meio geográfico de nosso tempo, se estenderá por todo o território brasileiro dentro de 20 ou 25 anos. Em alguns espaços do Brasil, a incorporação das novas infra-estruturas tecnológicas ao território, vem criando espaços inteligentes, deixando que em outras partes permaneçam os espaços opacos. Espaços com lógicas e racionalidades diferentes, adaptados às necessidades das grandes corporações econômicas. Neste sentido, no Brasil do século XXI a mobilidade das pessoas aumenta, concomitantemente a outras formas de deslocamentos, como efeito de uma nova divisão social do trabalho que vem se consolidando. Junto a esse processo, encontramos ainda a tradicional migração campo-cidade, uma vez que continua diminuindo o trabalho agrícola na maior parte das regiões. A partir desse quadro, a previsão é de que até meados do século XXI mais da metade dos brasileiros estejam vivendo fora de seus lugares de origem, registrando o aumento da urbanização. Nessa previsão, estaria incluída a crescente tendência à redução da natalidade e um aumento da população economicamente ativa. 57 Como conseqüência, espera-se que haja um aumento numérico de cidades locais e dos centros regionais, em contraposição as metrópoles regionais que tenderiam a crescer relativamente mais do que as próprias metrópoles do Sudeste. Espera-se que haja, nesses próximos anos, uma mudança de qualidade nas metrópoles regionais, uma vez que hoje já são capazes de manter relações nacionais, diversificando e aumentando suas relações 57 A taxa de fertilidade cai de 5,3 filhos por mulher, em 1970, para 3,2, em 1989. É, segundo George Martine, a maior queda de natalidade jamais conhecida em toda a história da humanidade. No ano 2000, o mercado de trabalho terá uma demanda de 44 milhões de novos trabalhadores. (SANTOS, M. 1996, pág.120). 67 interurbanas. Essas mudanças, no entanto, não invalidam o fato de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília mantenham suas posições de comando no território nacional. Ao analisar essas novas relações dentro do território brasileiro, o geógrafo Milton Santos (1966) conclui que o “processo de metropolização vai prosseguir paralelamente a um processo de desmetropolização. A origem dessa situação é o crescimento maior das cidades médias”.58 Nesse quadro pouco promissor, há fortes indicadores de que haverá um aumento no fluxo de pobres para as grandes cidades, em contrapartida, as cidades médias serão o lugar de fluxos crescentes das classes médias. Na analise feita por Santos (1966) “a metropolização se dará também como “involução”, enquanto a qualidade de vida melhorará nas cidades médias” (p.124). Cabe lembrar que, as grandes metrópoles já apresentam taxa de crescimento econômico menor do que suas respectivas regiões, e também menor do que a do País como um todo. Não podemos esquecer que há mais de 20 anos esse processo já ocorre na metrópole de São Paulo. No entanto, esse fenômeno vem se dando paralelamente com a mudança de feição da metrópole, na qual se consolida uma economia de caráter informacional, e não propriamente fabril. Neste sentido, observa-se uma mudança de papel em São Paulo que deixa de ser definida como uma capital industrial, para ser uma capital relacional, o centro que promove a coleta das informações, as armazena, classifica, manipula, utiliza a serviço 58 Enquanto as cidades com mais de 2 milhões de habitantes têm sua população urbana multiplicada por 3,11 entre 1950 e 1980, o multiplicador para aquelas entre 1 e 2 milhões era de 4,96. Esse índice é de 5,90 para a população urbana vivendo em aglomerações entre 500.000 e 1 milhão e de 5,61 para o conjunto daquelas entre 200.000 e 500.000 habitantes. (SANTOS, M. 1996, págs. 122 e 123). 68 dos atores hegemônicos da economia, da sociedade, da cultura e da política. Hoje, no Brasil, é São Paulo que absorve e concentra esse novo papel decisório. Nesse novo contexto urbano, há uma crescente tendência à diferenciação e à complexificação, em que o grau de urbanização se configura como sendo mais avançado de acordo com o grau de complexidade dos sistemas de engenharia e dos sistemas sociais presentes numa área. Essa nova realidade, indica a existência de um novo patamar na integração territorial brasileira, na qual vigora uma nova qualidade do sistema urbano, não apenas caracterizado pela maior densidade da configuração territorial, mas também por sua maior espessura. Espessura dada pelo uso da ciência, da tecnologia e da informação, que estabelece uma maior divisão do trabalho, em que pesa fatores organizacionais, levando a maior rapidez e maior vigor, ou mesmo brutalidade, nas mudanças de hierarquia. Finda, assim, a fase de urbanização da sociedade para iniciarmos uma outra: a urbanização do território. Nessa análise não devemos desconsiderar o contexto internacional, que aponta para uma crescente competição entre metrópoles. Assim, cabe algumas indagações: Que novos papeis terão as antigas e novas cidades internacionais no jogo externo e interno do poder econômico? Quais os tipos de desníveis que passarão a existir entre centros dentro do País? De que maneira os centros mundiais de outros países irão influenciar a rede urbana brasileira? É importante considerar que, essas perguntas não levam em conta somente fatores de mercado mas também de decisões políticas. Neste sentido, pensar o futuro é ter que considerar o papel das políticas públicas, pois dela dependerá os rumos do País no sentido de saber se ele se encaminhará para uma oligopolização ainda mais rápida da economia, do 69 território e da cidade, e o papel que tomará nesse momento uma política neoliberal ou o reforço do mercado interno. Como no enfatiza Milton Santos (1966) o futuro urbano do país está condicionado a forma que tomará a “flexibilização tropical do trabalho em nossas cidades, que é o mecanismo pelo qual se criam tantos empregos informais urbanos, evitando a explosão das cidades” (p.126). Para o geógrafo, a maneira como se dará a “involução urbana” irá assegurar trabalho para “centenas de milhares de pessoas dentro das cidades”. Surge assim, a inevitável preocupação sobre qual será a forma de trabalho nos próximos anos, pois sabemos que o processo de urbanização está diretamente vinculado as forma de trabalho e, nessa relação poderá estar, segundo Milton Santos, “semente da nova consciência política”. Nas palavras do próprio Milton Santos (1966): Ora, a vontade política é o fator por excelência das transfusões sociais. Nesse particular, as tendências que assume a urbanização neste novo século aparecem como dado fundamental para admitirmos que o processo irá adquirir dinâmica política própria, estrutural, apontando para uma evolução que poderá ser positiva se não for brutalmente interrompida. (pág. 126). 5 CONCLUSÃO Depois de longo período de urbanização social e territorial seletiva, podemos dizer que no sentido clássico dos termos o século XX alcançou tanto a urbanização da sociedade quanto a urbanização do território,. Começando pelo litoral (antes e mesmo depois da mecanização do território), a urbanização brasileira generalizou-se a partir do terceiro terço do século XX, evolução quase contemporânea da atual fase de macrourbanização e metropolização. 70 A concentração da população urbana e a terceirização são fatos inquestionáveis. Continuamos abrindo os novos espaços das fronteiras agrícolas ao mesmo tempo em que a residência dos trabalhadores agrícolas é cada vez mais urbana. Registra-se, uma diminuição relativa das macrocefalias urbanas. Além das cidades milionárias desenvolvem-se cidades intermediárias ao lado de cidades locais, todas, porém, adotando um modelo geográfico de crescimento espalhado, com um tamanho desmesurado. Podemos falar de uma metropolização contemporânea da “desmetropolização”, fenômenos que se dão ao mesmo tempo. As cidades têm características mais complexas, através de múltiplos fluxos de informação que, se sobrepondo aos fluxos de matéria, formam os novos arcabouços dos sistemas urbanos. Ao mesmo tempo, existe uma certa “involução” metropolitana, o crescimento econômico das grandes cidades sendo menor do que os das regiões agrícolas dinâmicas e das respectivas cidades regionais. O novo perfil de deslocalização industrial (pelas vantagens comparativas oferecidas por essas cidades regionais dentro do próprio país), está vinculado a esse resultado. Por isso, as grandes cidades, mais do que antes são um concentrado de pobreza, o lugar com mais potencialidade de atrair e manter gente pobre, ainda que muitas vezes em condições subumanas. A grande cidade se torna o lugar de todos os tipos de atividades econômicas, o teatro de numerosas atividades “marginais”. O gasto público orienta-se de forma crescente para a renovação e para a revitalização dos centros urbanos e que sobretudo interessa aos agentes socioeconômicos hegemônicos e engendra a crise fiscal da cidade. Além disso, o fato de a população não ter acesso aos empregos necessários, nem aos bens e serviços essenciais, fomenta a expansão da crise urbana. 71 A cidade em si, como relação social e como materialidade, torna-se criadora de pobreza, tanto pelo modelo socioeconômico de que é suporte como por sua estrutura física, que faz dos habitantes das periferias (e dos cortiços e favelas dos centros urbanos) pessoas ainda mais pobres. A distribuição das classes sociais no território é conseqüência e reflexo da distribuição das classes sociais na sociedade capitalista. Ao longo do século XX, mas sobretudo nos períodos mais recentes, o processo de urbanização brasileiro vincula-se de forma crescente com o da pobreza, cujo locus passa a ser, cada vez mais, a cidade, particularmente a grande cidade. O campo e a agricultura moderna repele os pobres, e os trabalhadores da agricultura capitalizada, do agro-negocio, vivem cada vez mais nos espaços urbanos. A reforma agrária, que poderia neutralizar a migração e concentração urbana, continua sem acontecer. A indústria se desenvolve com a incorporação de novas tecnologias e a escassa criação (e muitas vezes destruição) de empregos, e o terciário associa formas modernas a formas primitivas que remuneram muito mal e não garantem o emprego. A cidade, onde tantas necessidades emergentes não podem ter resposta, está desse modo fadada a ser tanto o teatro de conflitos crescentes como o lugar geográfico e político da possibilidade de soluções. Estas, para se tornarem efetivas, supõem atenção a uma problemática ampla, pois o fato urbano, seu testemunho eloqüente, é apenas um aspecto. Daí a necessidade de circunscrever o fenômeno, identificar sua especificidade, mensurar sua problemática, mas sobretudo buscar uma interpretação abrangente. (SANTOS, M. 1996, pág. 11). A história demonstra que ainda não conseguimos uma organização social que dê respostas globais aos nossos graves problemas como espécie humana no planeta Terra. Em geral, nossas cidades, criadas como lugar central de atuação do sistema social capitalista, são hoje os territórios onde se concentram os mais graves problemas “da explosão da desordem social” bem como os grandes desafios. 72 Mas, é especialmente, nas cidades dos paises dependentes e periféricos, dentro do contexto global da economia capitalista mundial, como é o caso de Brasil, onde se acirram os conflitos sociais e urbanos, caminhando ambos em paralelo. A ausência de políticas publica, seja a nível global, seja a nível local, que coloquem na pratica programas sociais, a fim de enfrentar a grave problemática social atual, relacionada com a pobreza e as desigualdades, a destruição da natureza, o desemprego, o analfabetismo, as mortes por enfermidades curáveis, os déficits de infraestruturas urbanas e de moradias, entre outros, são a causa estrutural de um modelo social que ainda não conseguiu inserir a grande maioria da população em condições que lhe confira uma vida digna. Assim, pensar um projeto político que vise a transformação das condições de vida dos socialmente excluídos, exige uma grande mudança sócio-política, econômica e ecológica do atual modelo social. Somente a partir de novos parâmetros para pensar a atual realidade, podemos rumar para uma sociedade justa e solidária que, atuando com uma nova ética social, coloque como prioritárias as necessidades básicas de todos os homens, nos desvinculando do atual caminho de desenvolvimento insustentável que conduz a destruição ecológica do planeta Terra e da espécie humana que nele habita. ANEXOS 73 ORDEM CRONOLÓGICA DE FUNDAÇÃO DA REDE URBANA BRASILEIRA. ATÉ 1720. Segundo REIS FILHO, N.G. 1968. 1532 1535 1535 1536 1536 1536 1537 1545 1549 1551 1554 1561 1565 1577 1585 1587 1590 1599 1608 1608 1611 1612 1615 1616 1625 1627 1634 1635 1636 1636 1636 1636 1637 1637 1639 1945 1649 1651 1653 1655 1657 São Vicente, SP Espírito Santo, ES Porto Seguro, BA Santa Cruz de Cabrália, BA São Jorge dos Ilhéus (atual Ilhéus), BA Igarassu (atual Igaraçu), PE Olinda, PE Santos, SP Salvador da Bahia de Todos os Santos, BA Cidade Nossa Senhora da Vitória (atual Vitória), ES São Paulo de Piratininga (atual São Paulo), SP Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém (atual Itanhaém), SP São Sebastião do Rio de Janeiro (atual Rio de Janeiro) Cidade, RJ Nossa Senhora das Neves de Iguape (atual Iguape), SP. Filipéia de Nossa Senhora das Neves (atual João Pessoa) Cidade, PB. São João Batista de Cananéia (atual Cananéia), SP São Cristóvão, SE Natal, RN Cairu, BA Angra dos Santos Reis da Ilha Grande (atual Angra dos Reis), RJ. Santana de Mogi das Três Cruzes (atual Mogi das Cruzes), SP São Luís do Maranhão, Cidade MA Nossa Senhora da Assunção do Cabo Frio (atual Cabo Frio) Cidade, RJ Nossa Senhora de Belém (atual Belém), Cidade, PA Santana de Parnaíba, SP Vila Formosa (atual Serinhaém), PE Vila Souza de Caeté (atual Bragança), PA Vila Viçosa de Santa Cruz do Cametá (atual Cametá), PA Bom Sucesso do Porto Calvo (atual Porto Calvo), AL Penedo do Rio de São Francisco (atual Penedo), AL Santa Maria Madalena de Alagoas do Sul (atual Marechal Deodoro), AL São Sebastião, SP Exaltação de Santa Cruz de Ubatuba (atual Ubatuba), SP Santo Antonio de Alcântara (atual Alcântara), MA Gurupá, PA São Francisco das Chagas de Taubaté (atual Taubaté), SP Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá (atual Paranaguá), PR Santo Antonio de Guaratinguetá (atual Guaratinguetá), SP Nossa Senhora da Conceição do Rio Paraíba (atual Jacareí), SP Nossa Senhora do Desterro do Campo Alegre de Jundiaí (atual Jundiaí), SP Nossa Senhora da Candelária de Itu-guaçu (atual Itu), SP 74 ORDEM CRONOLÓGICA DE FUNDAÇÃO DA REDE URBANA BRASILEIRA. ATÉ 1720. Segundo REIS FILHO, N.G. 1968. Continuação 1660 Parati, RJ 1660 Rio de São Francisco do Sul (atual São Francisco do Sul), SC 1661 Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba (atual Sorocaba), SP 1665 Santo Antonio de Itabaiana (atual Itabaiana), SE 1676 Olinda (elevação a cidade), PE 1677 São João do Paraíba (atual São João da Barra), RJ 1677 São Salvador dos Campos de Goitacazes (atual Campos), RJ 1689 Guarapari, ES 1693 Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba (atual Curitiba), PR 1693 Nossa Senhora da Ajuda de Jaguaripe (atual Jaguaripe), BA 1693 Nossa Senhora do Rosário de Cachoeira (atual Cachoeira), BA 1693 São Francisco da Barra do Sergipe do Conde (atual São Francisco do Conde), BA 1693 Camamu, BA 1697 Santo Amaro das Brotas, SE 1697 Santo Antonio de Macacu (atual Cachoeira de Macacu), RJ 1700 São José de Aquiraz (atual Aquiraz), CE 1701 Santo Antonio do Rio das Caravelas (atual Caravelas), BA 1705 Nossa Senhora do Bom Sucesso de Pindamonhangaba (atual Pindamonhangaba), SP 1708 Santa Maria de Icatu (atual Icatu), MA 1709 Santo Antonio de Recife (atual Recife), PE 1711 São Paulo (elevado a cidade), SP 1711 Vila de Albuquerque (atual Mariana), MG 1711 Vila Real de Sabará (atual Sabará), MG 1711 Vila Rica (atual Ouro Preto), MG 1713 São João del Rei, MG 1714 Laguna, SC 1714 Vila Nova da Rainha do Caeté do Mato Dentro (atual Caeté), MG 1714 Vila do Príncipe (atual Serro), MG 1715 Vila Nova do Infante (atual Pitangui), MG 1717 Vila da Mocha (atual Oeiras), PI 1718 São Jose del Rei (atual Tiradentes), MG 75 BIBLIOGRAFIA BARBEIRO, H. e CANTELE, B. 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