A partir do século III, o Império Romano enfrentou diversas crises internas e invasões de povos germânicos. Em 395, para tentar solucionar os problemas, o imperador Teodósio dividiu o Império em duas partes: uma no Ocidente, com capital em Roma, e outra no Oriente, sediada em Constantinopla. Separados, os dois impérios conheceriam destinos diferentes. O poderoso Império Romano do Ocidente não resistiria às pressões em suas fronteiras e ruiria, dando lugar a diversos reinos, nos quais surgiria um novo tipo de sociedade, baseada em tradições germânicas e romanas: a sociedade feudal. O Império Romano do Oriente, alternando momentos de apogeu e graves crises, ainda sobreviveria por quase mil anos. Neste capítulo, iremos estudar o destino da Europa ocidental após a desagregação do Império Romano do Ocidente. 1. COMO SE FORMOU O FEUDALISMO Os romanos, a exemplo dos gregos, chamavam de bárbaros a todos aqueles que não tinham seus costumes e que não falavam sua língua. Entre esses povos, estavam os germanos, cujas invasões provocariam a desestruturação do Império Romano do Ocidente. A partir do fim do século III, com o enfraquecimento do poderio de Roma, alguns povos que habitavam nas proximidades das fronteiras do Império começaram a se instalar pacificamente em seu território, como aliados, isto é, como colonos e, sobretudo, como soldados. No fim do século IV, os hunos, povo guerreiro de origem asiática, chegaram à Europa oriental e mudaram esse quadro, acelerando o processo de desintegração do Império Romano. Praticamente empurrados pelo avanço dos hunos, os povos germânicos levariam de roldão as fragilizadas defesas das fronteiras romanas. Assim, francos, burgúndios, alamanos, ostrogodos, visigodos, anglos e saxões invadiam e pilhavam as cidades do Império. Em 410, os visigodos ocuparam a península Itálica, tomando e saqueando Roma. Os vândalos, por sua vez, avançaram pela península Ibérica, atravessaram o estreito de Gibraltar e estabeleceram-se no norte da África. O golpe definitivo ocorreu em 476, quando Odoacro, chefe dos hérulos, destronou o imperador de Roma, pondo fim ao Império Romano do Ocidente. Esse acontecimento assinala a passagem entre a Antiguidade e a Idade Média na Europa ocidental. Assim, ao término do século V, toda a porção ocidental do Império Romano, agora sob o domínio dos germanos, começava a assumir uma configuração inteiramente diversa, do ponto de vista de sua organização social, política e econômica. Era o mundo feudal que começava a se formar. Mas seriam necessários mais de três séculos para que as estruturas da nova sociedade estivessem plenamente consolidadas. Nesse período, a administração centralizada do Império Romano daria lugar a diversos reinos, como o dos ostrogodos, o dos francos e outros, nos quais vigoravam formas descentralizadas de poder. De todos esses reinos, o mais duradouro foi o dos francos. Por volta do século IX, seu poder era tão grande que alguns acreditavam na possibilidade de o Império Romano do Ocidente voltar a surgir, como veremos mais adiante. A base social dos reinos feudais se constituiria a partir do encontro e da combinação de tradições, costumes, crenças e estruturas sociais herdadas dos romanos e dos povos germânicos. O sistema de colonato Ao longo de todo o processo de desagregação do Império Romano do Ocidente, que durou cerca de duzentos anos, as cidades se despovoaram, enquanto o comércio e a produção artesanal entraram em declínio. Sem dinheiro para manter as fronteiras, o imperador não conseguia garantir a integridade do território. Para se proteger, a população abandonava as cidades, principais alvos dos povos invasores. Ao mesmo tempo, com o fim das guerras de expansão do Império, a mão-de-obra escrava, base da economia romana, praticamente desapareceu. Com isso, as grandes propriedades rurais escravistas — os latifúndios — perderam importância. No lugar dos latifúndios, começaram a surgir as vilas, grandes propriedades rurais que tinham por objetivo a auto-suficiência, tendo em vista que o fluxo comercial diminuiu com as invasões. Nas vilas, a mão-de-obra principal passou a ser a dos colonos, trabalhadores que entregavam parte do que produziam ao senhor, em troca da permissão de uso da terra (sistema de colonato). Eram obrigados ainda a trabalhar alguns dias na terra do senhor. Com o passar do tempo, os pequenos agricultores também entregariam suas terras aos grandes proprietários em troca de proteção. Essas vilas e as relações nelas estabelecidas contribuíram para a formação dos feudos, unidade básica de todo o sistema feudal. As tradições germânicas A intensificação das invasões germânicas na Europa ocidental acentuou as mudanças e acrescentou novos elementos à sociedade que se formava. Os germanos trouxeram consigo certos costumes que se incorporaram à sociedade nascente, como o padrão de justiça, baseada na tradição, e noções de honra e lealdade, que fundamentavam as relações entre o chefe guerreiro e seus comandados. A prática de conceder terras como recompensa aos homens que se destacavam nos combates era comum entre os germanos. Assim, à medida que avançavam e se instalavam no território romano, os guerreiros tornavam-se senhores de terras. A união entre eles e seus comandantes baseava-se apenas na lealdade e na palavra empenhada. Assim, os novos senhores da terra passavam a ser praticamente independentes dentro de seus domínios, que agregavam germanos e romanos. Com o tempo, eles se transformariam em senhores feudais, e a administração fortemente centralizada do Império Romano daria lugar a um poder descentralizado. Insegurança e isolamento A Igreja Católica representou papel fundamental na formação e consolidação do feudalismo. Era a maior e mais poderosa instituição do período. Sua influência alastrou-se aos poucos entre romanos e germânicos, transformando-a no principal elo de toda a população e garantindo certa uniformidade cultural à Europa ocidental. Essa uniformidade se revelava na ideia de Cristandade, termo que designava o conjunto de povos seguidores do cristianismo. Tanto a Igreja quanto os Estados feudais e o Império Bizantino opunham a noção de Cristandade ao islamismo (ou Islã), religião que se propagou pelo mundo árabe a partir do século VII. No século IX, não existia na Europa ocidental quem não acreditasse em Deus. Controlando a fé, a Igreja normatizava os costumes, a produção cultural, o comportamento e, sobretudo, a ordem social. Aqueles que se desviavam de suas normas eram rigorosamente punidos. Sua influência também se fazia sentir na política, ao sagrar reis e legitimar o poder dos senhores feudais. Com o tempo, a Igreja se transformaria também na maior proprietária de terras da Europa ocidental, em um período em que a terra era a principal fonte de poder e de riqueza. A nova organização social que despontava na Europa com a desagregação do Império Romano — o feudalismo — só assumiu sua forma mais acabada por volta dos séculos VIII e IX. Nessa época, outra onda de invasões, desta vez empreendidas pelos árabes, húngaros, eslavos e normandos (ou vikings), isolou a Europa ocidental do Oriente. O clima de insegurança e isolamento criado pela nova onda de invasões dificultava a circulação de pessoas, debilitando ainda mais as atividades comerciais e a força das cidades. O poder político se transferiu para os grandes proprietários de terras, os senhores feudais, a quem a população recorria para pedir proteção. 2. ORGANIZAÇÃO SOCIAL Jacques Le Goff e George Duby, especialistas em Idade Média, dividem a sociedade da Alta Idade Média em três grandes ordens. A primeira compreendia os integrantes do clero, que cuidavam da fé cristã; a segunda reunia os senhores feudais (nobreza), responsáveis pela guerra e pela segurança; a última ordem era aquela constituída pelos servos, que trabalhavam para sustentar toda a população. A mobilidade social praticamente inexistia. Rígidas tradições e vínculos jurídicos determinavam a posição social de cada indivíduo desde o nascimento. Na sociedade feudal, a honra e a palavra tinham importância fundamental. Desse modo, os senhores feudais ligavam-se entre si por meio de um complexo sistema de obrigações e tradições. A fim de obter proteção, os senhores feudais geralmente procuravam por outro senhor mais poderoso, jurandolhe fidelidade e obediência. Chamava-se vassalo o senhor feudal que pedia proteção a outro. Essa aliança deveria ser consolidada pelo senhor mais poderoso, o suserano, por meio da concessão de um feudo, que podia ser constituído de terras ou bens ou de ambos, em troca da obediência recebida. O pacto de vassalagem As obrigações entre o suserano e seu vassalo podiam ser firmadas numa cerimônia complexa, na qual eram dados vários passos. Em um primeiro momento, o futuro vassalo ajoelhava-se perante aquele que se tornava seu senhor e passava a se considerar homem de sua confiança. Depois, o vassalo jurava fidelidade ao senhor diante da Bíblia ou de relíquias de santos. Em algumas regiões, esse ato era concluído com um beijo. O último ato da celebração era a investidura, pela qual o vassalo recebia do senhor um ramo ou algum objeto que representava a doação de um feudo. Nesse sistema, o vassalo devia várias obrigações ao seu suserano, como o serviço militar, por exemplo. Por essa razão, quanto maior o número de vassalos, maior o prestígio e o poder de um suserano. O compromisso estabelecido nesse sistema tinha caráter sagrado e constituía falta grave sua violação. Servos, escravos e vilões A terceira ordem da sociedade da Alta Idade Média era formada pelos servos. A relação que se deu inicialmente entre os colonos e os proprietários das vilas romanas pode explicar a origem da servidão no feudalismo. Diferentemente dos escravos, os servos estavam presos à terra e dali não podiam sair. Mesmo que um feudo mudasse de senhor, não poderiam ser expulsos dele, passando a prestar obrigações ao novo senhor. Além dos servos, havia os vilões, pequenos proprietários que, por algum motivo, tinham entregado suas terras a um senhor. Embora livres, deviam várias obrigações ao dono do feudo. Os escravos, em número reduzido e mantidos apenas em algumas regiões próximas ao Mediterrâneo, trabalhavam em atividades domésticas. A auto-suficiência do feudo A villa franca era uma verdadeira célula econômica que devia prover às necessidades do senhor e da comunidade rural. Fora da villa eram comprados somente alguns raros produtos preciosos, de origem longínqua, sempre trazidos com grande despesa: objetos religiosos, como relicários, cálices, vestes sacerdotais para os bispos, por vezes as armas dos senhores. O grande domínio (feudo) produzia não só os víveres dos homens e dos animais, os instrumentos dos camponeses, as armadilhas para os caçadores e guardas florestais, os tonéis para armazenar vinho e gêneros salgados, mas também as roupas de couro, as peças de sarja e os tecidos de linho 3. O FEUDO Os feudos eram os núcleos com base nos quais a sociedade feudal se organizou. Por volta do ano 1000, a maioria das pessoas na Europa ocidental vivia em feudos. Nesse período, a terra converteu-se no bem mais importante, por ser a principal fonte de sobrevivência e poder. As terras do feudo distribuíam-se da seguinte forma: Manso senhorial — Representava cerca de um terço da área total e nela os servos e vilões trabalhavam alguns dias por semana. Toda a produção obtida nessa parte da propriedade pertencia ao senhor feudal. Manso servil — Área destinada ao usufruto dos servos. Parte do que era produzido ali era entregue como pagamento ao senhor feudal. Terras comunais — Era a parte do feudo usada em comum pelos servos e pelos senhores. Destinava-se à pastagem do gado, à extração de madeira e à caça, direito exclusivo dos senhores. Os servos, principal mão-de-obra dos feudos, deviam várias obrigações ao senhor feudal, destacando-se: a corveia — prestação de trabalho gratuito durante vários dias da semana no manso senhorial; a talha — entrega ao senhor de parte da produção obtida no manso servil; a banalidade — pagamento de taxa pelo uso do forno, do lagar (onde se fazia o vinho) e do moinho, dentre outros equipamentos do feudo; o censo — pagamento efetuado com parte da produção ou em dinheiro, ao qual estavam obrigados somente os vilões ou homens livres; a capitação — imposto per capita (por cabeça), pago apenas pelos servos; a mão-morta — taxa paga pelos familiares do servo para continuar explorando a terra após sua morte. Essas e outras formas de pagamento eram compulsórias. Por meio delas, transferia-se para o senhor feudal a maior parte da produção. Os camponeses tinham de viver com o pouco que sobrava. Moravam em casas de madeira, sem divisões internas, com telhado de palha e chão batido. Assim como os senhores, em sua maioria não sabiam ler nem escrever. Vestiam-se com roupas de lã, linho ou couro. Seu divertimento, geralmente, estava relacionado à fé cristã e aos festejos comemorativos por ocasião do plantio e da colheita. 4. O PODER DOS SENHORES FEUDAIS Como vimos, após a desintegração do Império Romano do Ocidente, a Europa foi ocupada por vários reinos, cuja principal característica era a descentralização do poder, dividido entre o rei e os senhores dos feudos. O rei cumpria, sobretudo, funções simbólicas. Era considerado o principal suserano. Também subordinado às obrigações do sistema de suserania e vassalagem, dependia do exército formado por seus vassalos e dos tributos recolhidos em seus próprios domínios feudais. Ao ser reconhecido e legitimado pela Igreja, o poder do rei revestia-se de um caráter sagrado: ele era "rei pela graça de Deus". Apesar disso, não tinha poderes para interferir nas terras de seus vassalos. Nelas, o senhor feudal era soberano, comandando seu funcionamento e fazendo justiça segundo as tradições e o direito consuetudinário, isto é, o direito consagrado pelos costumes. 5. UMA ECONOMIA RURAL Já vimos anteriormente que na Alta Idade Média ocorreu uma acentuada retração das atividades comerciais e artesanais. Em razão disso, houve um processo de ruralização da sociedade na Europa ocidental, com o predomínio da agricultura de subsistência. Dentro dos feudos, a agricultura era praticada por meio de técnicas simples. Os principais instrumentos eram feitos de madeira, pois o ferro era de difícil aquisição. O arado, puxado por boi, era o equipamento principal. Para não esgotar o solo, usava-se um sistema de rotação trienal: a terra de cultivo era dividida em três partes e o plantio era feito de tal modo que sempre uma dessas partes permanecia em descanso. Cada família de servos tinha a posse de um lote (ou tenência) em cada um desses campos, para que sempre houvesse terra disponível para o cultivo. Os caminhos precários e perigosos do interior da Europa dificultavam a troca de mercadorias entre regiões distantes. Dessa forma, o feudo tinha de ser praticamente auto-suficiente, produzindo quase tudo de que precisava. Nesse período, algumas cidades ficaram despovoadas, outras desapareceram, e o comércio e a produção artesanal diminuíram drasticamente. No interior de alguns feudos, mantinham-se pequenas vilas, que reuniam poucos moradores e serviam de refúgio contra os invasores.