UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS RURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA
OVARIOSSALPINGOHISTERECTOMIA: ANÁLISE
CARDIORRESPIRATÓRIA, PRESSÓRICA,
HEMOGASOMÉTRICA, INFLAMATÓRIA E ÁLGICA,
NAS ABORDAGENS CONVENCIONAL, NOTES
HÍBRIDA E NOTES TOTAL
TESE DE DOUTORADO
Paula Cristina Basso
Santa Maria, RS, Brasil
2013
OVARIOSSALPINGOHISTERECTOMIA: ANÁLISE
CARDIORRESPIRATÓRIA, PRESSÓRICA,
HEMOGASOMÉTRICA, INFLAMATÓRIA E ÁLGICA,
NAS ABORDAGENS CONVENCIONAL, NOTES
HÍBRIDA E NOTES TOTAL
por
Paula Cristina Basso
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-graduação em
Medicina Veterinária, Área de Concentração em Cirurgia Veterinária, da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para
obtenção do grau de
Doutor em Medicina Veterinária
Orientador: Prof. Dr. Alceu Gaspar Raiser
Santa Maria, RS, Brasil
2013
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Rurais
Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova a Tese de Doutorado
OVARIOSSALPINGOHISTERECTOMIA: ANÁLISE
CARDIORRESPIRATÓRIA, PRESSÓRICA, HEMOGASOMÉTRICA,
INFLAMATÓRIA E ÁLGICA, NAS ABORDAGENS CONVENCIONAL,
NOTES HÍBRIDA E NOTES TOTAL
elaborada por
Paula Cristina Basso
Como requisito parcial para obtenção do grau de
Doutor em Medicina Veterinária
Comissão Examinadora
________________________
Alceu Gaspar Raiser, Dr., UFSM
(Presidente/Orientador)
________________________
Maurício Veloso Brun, Dr., UFSM
________________________
André Lacerda de Abreu Oliveira, Dr., UENF
________________________
Carlos Afonso de Castro Beck, Dr., UFRGS
________________________
Alexandre Krause, Dr., UFSM
Santa Maria, 28 de janeiro 2013
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus pela vida.
Agradeço aos meus pais, Maria e Irani, pelo apoio, torcida e amor. Por iluminarem o
meu caminho, sendo guias nas mais difíceis trilhas.
Ao meu esposo Daniel, pela dedicação, amor, compreensão e ajuda nos momentos
difíceis. Compartilho contigo esta vitória e espero comemorarmos muitas outras conquistas
juntos!
Ao meu orientador, Professor Alceu Gaspar Raiser, pelo crescimento profissional e
pessoal. Sempre será exemplo de sabedoria, competência e humildade.
Ao meu co-orientador, Maurício Veloso Brun, agradeço pela sempre pronta disposição
em auxiliar, pela oportunidade única em trabalhar com este tema tão relevante e por ter aberto
meu caminho no meio científico.
À Professora Cínthia Melazzo Mazzanti, pela sua disposição em sempre ajudar.
À Dona Sônia, pela amizade e disposição no encaminhamento dos pacientes incluídos
no projeto.
À minha equipe, Rafael Lukarsewski, Gabriele Serafini, Gabrielle Freitas, Francieli
Marconato, Márcio Costa, Patrícia Wolkmer e Cássia Frazão, pela disposição e ajuda em
todos os momentos. A minha estagiária, Luciana Hermes Dutra, por ter sido meu braço direito
e esquerdo também.
Aos amigos adquiridos neste período, principalmente à Heloísa Palma.
E por fim, a todos os cães utilizados nessa pesquisa, o meu eterno respeito e gratidão!
Muito Obrigada a todos!
RESUMO
Tese de Doutorado
Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária
Universidade Federal de Santa Maria
OVARIOSSALPINGOHISTERECTOMIA: ANÁLISE
CARDIORRESPIRATÓRIA, PRESSÓRICA, HEMOGASOMÉTRICA,
INFLAMATÓRIA E ÁLGICA, NAS ABORDAGENS CONVENCIONAL,
NOTES HÍBRIDA E NOTES TOTAL
AUTORA: PAULA CRISTINA BASSO
ORIENTADOR: ALCEU GASPAR RAISER
Santa Maria, 02 de janeiro de 2013.
A ovariossalpingohisterectomia (OSH) é o procedimento cirúrgico realizado com
maior frequência na rotina cirúrgica de pequenos animais. Essa operação pode ser efetuada
por meio de laparotomia ou por diferentes técnicas videocirúrgicas, as quais são associadas
com reduzido traumatismo tecidual. A Cirurgia Endoscópica Transluminal através de
Orifícios Naturais ou NOTES (sigla consagrada originada da expressão Natural Orifice
Trasnlumenal Endoscopic Surgery), é uma nova modalidade da videocirurgia que tem sido
promissora por demonstrar reduzida dor pós-operatória. Visando identificar o(s)
procedimento(s) cirúrgico(s) de OSH que oferece(m) menores alterações hemodinâmicas,
inflamatórias e de estímulos dolorosos trans e pós-operatório, foram comparadas três
diferentes técnicas operatórias. Para tanto, foram utilizados 21 cães, alocados em três grupos
de igual número. No primeiro grupo, os animais foram submetidos à técnica de OSH por
celiotomia (GC). No segundo, por meio da técnica de NOTES total (GNT) e no terceiro, pela
técnica de NOTES híbrida (GNH). Apenas o grupo GNH desenvolveu acidose severa no
transoperatório. Nas avaliações da dor, apenas o grupo convencional necessitou de analgesia
resgate transoperatória e apresentou índices mais elevados na Escala Visual Analógica e
Escala de Melboure que nos demais grupos, exigindo analgesia resgate pós-operatória em
100% dos animais. Em contraste, no GNT nenhum dos cães requereu complementação
analgésica pós-operatória. Nos três grupos, observou-se aumento da catalase, da atividade da
butirilcolinesterase e acetilcolinesterase, contudo a peroxidação lipídica apresentou índices
quase imperceptíveis no grupo GNT. Considerando a metodologia do presente trabalho, é
possível afirmar que a técnica de OSH pela técnica de NOTES total é a que provoca menor
alteração hemodinâmica, bem como menor dor pós-operatória e danos oxidativos.
Palavras-chave: cirurgia sem cicatriz, cirurgia videoassistida, canino.
ABSTRACT
Doctoral thesis
Postgraduate Program in Veterinary Medicine
Universidad Federal de Santa Maria
OVARYSALPINGOHYSTERECTOMY: CARDIOPULMONARY
PRESSURE, HEMOGASIMETRIC, INFLAMMATORY AND ALGIC
ANALYSIS IN THE CONVENTIONAL, HYBRID NOTES AND TOTAL
NOTES APPROACHES.
AUTHOR: PAULA CRISTINA BASSO
ADVISER: ALCEU GASPAR RAISER
Santa Maria, January 03, 2013.
Ovarysalpingohysterectomy (OSH) is the most frequently surgical procedure
conducted in small animal surgery routine. This procedure may be accomplished by
laparotomy or by videosurgery techniques, which reduces tissue trauma. The Natural Orifice
Translumenal Endoscopic Surgery (NOTES) is a new videosurgery modality that has been
shown promising because it reduces postoperative pain. Aiming at identifying the OSH
surgical procedure(s) that offer the fewer trans and postoperative hemodynamic, inflammatory
and painful stimuli alterations, three different operative techniques were compared. With this
purpose, 21 dogs, divided in three groups, were used for the experiment. In the first group, the
OSH was done via celiotomy (CG). The second group was undergone to total NOTES
technique (TNG) and the third was undergone to hybrid NOTES technique (HNG). Only
HNG developed severe acidosis in the transoperative period. During the pain evaluations,
only the conventional group needed transoperative rescue analgesia and presented higher pain
levels by the Visual Analog Scale and the Melbourne Scale compared to the remaining
groups, demanding postoperative rescue analgesia in 100% of the animals. In contrast, none
of the dogs in TNG required postoperative analgesic complementation. It has been observed
an increase of catalase levels and of butyrylcholinesterase and acetylcholinesterase activities
in the three groups. However, the lipid peroxidation indices were almost imperceptible in
TNG. With this methodology, it is possible to state that the OSH by total NOTES technique is
the one offering fewer hemodynamic alterations as well as less postoperative pain and
oxidative damage.
Key words: scarless surgery, video-assisted surgery, canine.
LISTA DE FIGURAS
CAPITULO 1
Figura I:
Dois casos de OSH eletiva via cirurgia endoscópica translumenal por orifício natural
(NOTES). Observa-se o pneumoperitônio estabelecido e a introdução do endoscópio
rígido
com
canal
de
trabalho
pelo
acesso
vaginal....................................................................................................................
38
Figura II:
Dois diferentes casos envolvendo OSH em cadelas por LESS. À esquerda, utilizou-se
cânula convencional associado a um endoscópio rígido com canal de trabalho, enquanto
à direita, empregou-se dispositivo específico (TriportTM), o qual foi posicionado através
de uma hérnia umbelical, sendo o defeito ampliado para acomodar o
portal....................................................................................................................
38
CAPITULO 2
Figura 1:
Gráficos referentes aos resultados de parâmetros trans e pós-operatórios. (A) Tempo
cirúrgico; (B) Pressão arterial diastólica; (C) Pressão arterial média; (D) Pressão venosa
central;
(E)
Escala
visual
analógica;
(F)
Escala
de
Melboure....................................................................................................................
47
Figura 2:
Gráficos referentes aos parâmetros hemogasométricos e da concentração expirada de
dióxido de carbono. (A) PH arterial; (B) Pressão parcial de dióxido de carbono; (C)
Pressão parcial de oxigênio; (D) Concentração expirada de dióxido de
carbono........................................................................................................................
48
CAPITULO 3
Figura 1:
Parâmetros de estresse oxidativo de cães submetidos à OSH convencional, por Notes
total e por Notes Híbrida. A) atividade da catalase sanguínea do grupo convencional; B)
TBARS sérica do grupo convencional; C) atividade da catalase sanguínea do grupo
Notes total; D) TBARS sérica do grupo Notes total; E) atividade da catalase sanguínea
do grupo Notes Híbrida; F) TBARS sérica do grupo Notes Híbrida. Grupos com letras
diferentes foram estatisticamente diferentes (P>0.05; n=5). ANOVA – Teste de
Duncan.................................................................................................................
63
Figura 2:
Parâmetros inflamatórios de cães submetidos à OSH convencional, por Notes total e
por Notes Híbrida. A) atividade da acetilcolinesterase no grupo convencional; B)
atividade da butirilcolinesterase no grupo convencional; C) atividade da
acetilcolinesterase no grupo Notes total; D) atividade da butirilcolinesterase no grupo
Notes total; E) atividade da acetilcolinesterase no grupo Notes híbrida; F) atividade da
butirilcolinesterase no grupo Notes híbrida. Grupos com letras diferentes foram
estatisticamente
diferentes
(P>0.05;
n=5).
ANOVA
–
Teste
de
Duncan........................................................................................................................
64
CAPITULO 4
Figura 1:
(A) Observa-se a perfuração no final do reto após a introdução ás cegas do endoscópio
rígido. (B) O local de perfuração intestinal sendo suturado com fio de ácido
poliglicólico 2.0 e sutura contínua de Lembert. (C) A osteotomia foi reparada com a
reposição do segmento púbico e sutura com três pontos (hemicerclagens) com fio de
aço n.2. (D) O colón descendente sendo palpado externamente e deslocado contra a
parede
abdominal
esquerda,
antes
da
introdução
do
trocarte.............................................................................................
73
SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO............................................................................................................... 10
2.
CAPÍTULO 1 - Atualidades em videocirurgia na Medicina Veterinária: cirurgia
endoscópica transluminal por orifícios naturais (NOTES) e cirurgia laparoendoscópica
por único portal (LESS).................................................................................................... 14
3.
CAPÍTULO 2 - Ovariosalpingohisterectomia em cadelas: comparação da dor e
análise
cardiorrespiratória,
pressórica
e
hemogasométrica
nas
abordagens
convencional, por NOTES híbrida e via NOTES total.....................................................
4.
39
CAPÍTULO 3 - Biomarcadores inflamatórios e indicadores de estresse oxidativo em
cadelas submetidas à ovariossalpingohisterectomia convencional, por NOTES híbrida
e NOTES total................................................................................................................... 49
5.
CAPÍTULO 4 - Perfuração intestinal como complicação de ovário-histerectomia via
NOTES transluminal pura em cadela – relato de caso.....................................................
65
6.
DISCUSSÃO.................................................................................................................... 74
7.
CONCLUSÕES............................................................................................................... 77
8.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 78
9
1. INTRODUÇÃO
A ovariossalpingohisterectomia em pequenos animais é o procedimento cirúrgico
realizado com maior frequência na rotina cirúrgica de clínicas e hospitais veterinários. A
esterilização eletiva é a sua indicação mais comum, seguida pelo tratamento de diferentes
afecções uterinas e/ou ovarianas (LUZ et al., 2009). Esse procedimento pode ser efetuado por
meio de uma celitomia, acesso bastante invasivo, e por diferentes técnicas videocirúrgicas, as
quais são minimamente invasivas, com reduzido trauma tecidual.
Atualmente algumas das principais preocupações de médicos veterinários estão
voltadas para minimização da dor no período de recuperação pós-operatória e das possíveis
complicações no trans-operatório. Por isso, muitos avanços se desenvolveram em torno da
criação de novas técnicas e procedimentos operatórios que buscam reduzir o trauma tecidual,
os processos inflamatórios, os riscos cirúrgicos, a dor do paciente e as cicatrizes indesejáveis
(OTERO, 2005). Neste contexto, são crescentes os avanços tecnológicos das cirurgias
videolaparoscópicas em cães. Essa tecnologia vem ganhando importante espaço nos últimos
anos devido, principalmente, às suas vantagens relacionadas ao reduzido trauma cirúrgico,
destacando-se: possibilidade de realizar a intervenção terapêutica durante o diagnóstico,
menor volume de sangramento transoperatório, menor desconforto e dor pós-operatórios,
recuperação pós-cirúrgica mais rápida, magnificação das imagens transoperatórias, melhor
aspecto estético, menor formação de aderências, entre outras (LUZ et al., 2009).
Dentro do conceito de redução do trauma cirúrgico, técnicas videocirúrgicas
alternativas, buscando o mínimo trauma tecidual estão sendo desenvolvidas, e duas novas
modalidades têm se destacado no meio científico: a cirurgia laparoendoscópica por único
portal (LESS) e a cirurgia endoscópica através de orifícios naturais (NOTES). Utilizando essa
última modalidade, os cirurgiões acessam a cavidade abdominal através da parede gástrica,
10
colônica ou parede vaginal, realizando o procedimento intrabdominal necessário, e
finalizando com o fechamento do defeito visceral realizado para o acesso cirúrgico (SHAFI et
al., 2006).
WAGG et al. (2006) descreveram como vantagens potenciais na aplicação da NOTES
o fato de operar com menores graus de invasão e traumatismo abdominal, assim como a
queda significativa de infecção hospitalar e do tempo de convalescença. Verifica-se também a
realização de cirurgias sem cicatriz (KALLO et al., 2004) e menores riscos de infecções e
herniações (KANTESEVOY et al., 2005; BERGMAN e MELVIN, 2008).
Para que qualquer nova técnica seja incluída no arsenal de opções de cirurgias
endoscópicas são necessários estudos que comprovem sua efetividade e segurança na
resolução das doenças e alterações orgânicas, além de demonstrar taxas aceitáveis de
morbidade e mortalidade, no mínimo comparáveis às técnicas consideradas padrão pelas
sociedades cirúrgicas. Apesar da NOTES ser uma operação avançada, é necessário considerar
que é pequeno o número de publicações realizadas na Medicina Veterinária. Mesmo que
ainda em fase inicial ou experimental, torna-se necessário maior investimento buscando
aprimoramento técnico e resultados, no que se refere à segurança e viabilidade dessa nova
técnica de operar.
Atualmente a técnica de ovariossalpingohisterectomia eletiva é o procedimento
cirúrgico considerado carro chefe da cirurgia de acesso mínimo em medicina veterinária,
sendo viáveis, na modalidade de Cirurgias Endoscópicas Transluminais por Orifícios
Naturais, dois acessos denominados NOTES Híbrida e NOTES Total (BRUN et al., 2008).
Ainda que essas técnicas já tenham sido descritas para cães, se faz necessário pesquisas
aprofundadas que visem compará-las, no caráter hemodinâmico, inflamatório e álgico, para
então definir qual abordagem é mais segura e menos invasiva ao paciente.
11
Considerando a importância que a NOTES vem demonstrando na cirurgia
experimental e seu potencial real de aplicação e desenvolvimento na rotina cirúrgica de
humanos e dos demais animais, esta tese teve como objetivos:
a) Geral
Determinar qual(is) procedimento(s) cirúrgico(s) de ovariossalpingohisterectomia eletiva
que oferece(m) menores alterações hemodinâmicas, inflamatórias e estímulos dolorosos trans
e pós- operatório.
b) Específicos
Avaliar e comparar:

A viabilidade, facilidade de execução e o tempo cirúrgico de quatro diferentes técnicas
de ovariossalpingohisterectomia em cadelas.

Possíveis complicações trans e pós-operatórias relacionadas com as técnicas
propostas.

As alterações nos parâmetros cardiovasculares (frequência cardíaca, ritmo cardíaco,
pressão venosa central, análises hemogasométricas, pressões arteriais sistólica (PAS),
média (PAM) e diastólica (PAD) no período trans-operatório dos cães submetidos às
diferentes técnicas de castrações.

A resposta inflamatória sistêmica das diferentes técnicas propostas durante o período
trans e pós-operatório, por meio de hemograma e determinação da atividade das
colinesterases.

A peroxidação lipídica no soro dos cães submetidos ás quatro técnicas cirúrgicas de
ovariossalpingohisterectomia.

A atividade da enzima antioxidante catalase (CAT), no sangue total de cães
submetidos ás quatro técnicas cirúrgicas de ovariossalpingohisterectomia.
12

A dor pós-operatória, através da escala visual analógica (EVA) e da escala de
Melbourne,
em
cadelas
submetidas
às
três
diferentes
técnicas
de
ovariossalpingohisterectomia.

A dosagem de cortisol como indicativo de estresse de cadelas submetidas à diferentes
técnicas cirúrgicas de ovariossalpingohisterectomia.
Nesse sentido, essa tese foi dividida em quatro capítulos formatados conforme indicação
do periódico submetido ou a ser submetido: o capítulo 1 refere-se a uma revisão já publicada
das duas novas modalidade de videocirurgia conhecidas pelas siglas LESS e NOTES; o
capítulo 2 descreve a análise cardiorrespiratória, pressórica, gasométrica e a dor trans e póscirúrgica de cadelas submetidas a OSH convencional, por Notes Híbrida e Notes Total; o
capítulo 3 que discorre sobre a análise dos biomarcadores inflamatórios e indicadores de
estresse oxidativo em cadelas submetidas a três diferentes técnicas de OSH; e por último, o
capítulo 4 relata uma complicação grave associada ao procedimento de NOTES Total.
13
2. CAPÍTULO 1
Atualidades em videocirurgia na Medicina Veterinária: cirurgia endoscópica
transluminal por orifícios naturais (NOTES) e cirurgia laparoendoscópica por único
portal (LESS)
Paula Cristina Basso, Alceu Gaspar Raiser, Maurício Veloso Brun
(Artigo publicado na Revista Científica de medicina Veterinária – Pequenos animais e
animais de estimação – MEDVEP, 2012; 10(32):82-89)
14
Atualidades em videocirurgia na medicina veterinária: cirurgia endoscópica
transluminal por orifícios naturais (NOTES) e cirurgia laparoendoscópica por
único portal (LESS)
News in veterinary videosurgery: natural orifices transluminal endoscopic surgery
(NOTES) and laparoendoscopic single-site surgery (LESS)
Paula Cristina Basso1 Alceu Gaspar Raiser1 Maurício Veloso Brun1
Resumo
O aprimoramento de cirurgias minimamente invasivas pode conferir resultados pósoperatórios ainda melhores, tais como melhorias na cicatrização e no aspecto
estético, menor dor pós-operatória e diminuição do período de internação hospitalar.
A cirurgia endoscópica transluminal por orifícios naturais (Natural Orifice
Transluminal Endoscopic Surgery - NOTES) em alguns casos pode ser alternativa à
cirurgia laparoscópica, com a vantagem de eliminar incisões abdominais, uma vez
que combina técnicas laparoscópicas e endoscópicas para acessar o abdome
através de orifícios naturais. Apesar de se tratar de acesso em desenvolvimento,
muitas vantagens poderão ser atribuídas a NOTES, tais como menores incidências
de hérnias, de infecção da ferida operatória e de aderências. A cirurgia
laparoendoscópica por único portal (Laparoendoscopic Single-site Surgery - LESS) é
outra modalidade atual dentro dos procedimentos videocirúrgicos, na qual a
1
Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária (PPGMV), Centro de Ciências Rurais (CCR),
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil –
[email protected]. Rua Moron 2603, apto 302, bairro Centro, Passo Fundo – RS. Cep
99010-035
15
operação é realizada por incisão cutânea única, com ou sem o uso de dispositivos
ou equipamentos específicos. As indicações e contra-indicações de cada
abordagem cirúrgica surgirão conforme o desenvolvimento da técnica e serão alvo
de pesquisas na medicina humana e animal. Neste artigo, os autores abordam o
histórico da videocirurgia na medicina veterinária e o estado atual das categorias de
NOTES e LESS.
Palavras-chave:
cirurgias
minimamente
invasivas,
cirurgias
sem
incisões,
endocirurgia.
Introdução
A cirurgia endoscópica é caracterizada como acesso cirúrgico minimamente
invasivo, no qual a visualização é realizada por meio de um endoscópio. Em
determinados casos, pode também ser denominada de cirurgia laparoscópica,
celioscópica, ou pelvioscópica, quando o procedimento envolve o acesso abdominal,
e toracoscópica, pleuroscópica, ou cirurgia toracoscópica videoassistida (CTVA),
quando o procedimento envolve o acesso torácico (1,2).
A videocirurgia representa uma modalidade relativamente nova em cirurgia
veterinária. Como ainda poucos técnicos dominam essa categoria cirúrgica, apenas
uma minoria de pacientes é beneficiada. As dificuldades estão relacionadas à longa
curva de aprendizado, ao fato de poucos cirurgiões possuírem acesso a esses
equipamentos, a complexidade da técnica e ao custo elevado dos equipamentos.
Entretanto, suas vantagens são óbvias. O menor trauma cirúrgico associado a
menor taxa de complicações, levam diferentes autores a acreditar que a utilização
da videocirurgia venha a ocupar seu espaço na medicina veterinária (3). Esse artigo
16
tem por objetivo revisar o histórico da videocirurgia na medicina veterinária e o
estado atual das categorias de cirurgia endoscópica transluminal por orifícios
naturais (NOTES) e cirurgia laparoendoscópica por único portal (LESS).
Revisão de literatura
Em animais, a abordagem laparoscópica foi iniciada com o intuito
experimental envolvendo, principalmente, o trato reprodutivo (4,5) e para exploração
da cavidade peritoneal (6), bem como na coleta de biópsias de diferentes órgãos (7).
Com o desenvolvimento tecnológico, com repercussão na qualidade e variedade dos
equipamentos e instrumentais, assim como o crescimento técnico dos cirurgiões,
determinou-se rápida evolução do acesso laparoscópico, o qual se tornou altamente
especializado (1).
Diferentes procedimentos laparoscópicos experimentais e clínicos em
pequenos animais já foram implantados, incluindo intervenções cirúrgicas com
variado grau de complexidade técnica, tais como biópsias de diferentes órgãos
abdominais (8), intervenções digestivas como gastrotomia, pilorotomia, piloroplastia,
gastropexia, colopexia e no trato urinário como nefrectomia e cistotomia (9). As
intervenções
cirúrgicas
no
trato
reprodutivo,
em
especial
a
ovariosalpingohisterectomia, atualmente estão entre os principais procedimentos em
pequenos animais, demonstrando como esses pacientes podem ser beneficiados
por técnicas de invasão mínima (10).
Novas operações minimamente invasivas têm sido empregadas como
alternativa à ovariosalpingohisterectomia realizada por laparotomia (11,12) pelas
vantagens que essas apresentam quando comparadas com cirurgias convencionais,
como diminuição do sangramento e do risco de deiscência, pela menor dor pósoperatória, devido ao menor tempo de recuperação e ás menores incisões. Pela sua
17
diminuta lesão tecidual, a laparoscopia parece ser mais aceita pelos proprietários
como método cirúrgico para seus animais (13).
A primeira ovariosalpingohisterectomia eletiva laparoscópica em cães foi
realizada em 1994 (14). Posteriormente, o acesso laparoscópico foi utilizado para
terapêutica de piometra em duas cadelas (15), onde foram empregados quatro
portais de trabalho e notou-se menor estresse tecidual quando comparada com a
cirurgia convencional. No Brasil, a primeira publicação de ovariohisterectomia em
cadelas foi descrita por Brun et al. (10), os quais utilizaram quatro portais de trabalho
para a execução do procedimento. Em 2008, Collard e Viguier (16), realizaram
ovariosalpingohisterectomia em uma cadela com piometra e hiperadrenocortiscismo,
utilizando-se três portais, sendo o complexo arteriovenoso ovariano cauterizado com
uma
pinça
monopolar.
Nos
últimos
anos,
a
ovariosalpingohisterectomia
videoassistida utilizando-se apenas dois portais de trabalho (17) já é feita
rotineiramente em cães e gatos em algumas instituições brasileiras, e vários grupos
de pesquisa investigam a execução desse procedimento com acessos ainda
menores.
Nesse contexto, técnicas cirúrgicas alternativas, focalizando o mínimo trauma
tecidual estão sendo desenvolvidas, e atenção especial tem sido dada à
Laparoendoscopic Single-Site Surgery (LESS) e a Natural Orifice Trasnlumenal
Endoscopic Surgery (NOTES), para as quais têm sido atribuídas na cirurgia médica
melhores resultados cosméticos e reduzida dor pós-operatória (Figuras I e II).
A Laparoendoscopic Single-Site Surgery (LESS), também conhecida como
cirurgia com único portal, é uma nova e avançada técnica minimamente invasiva, a
qual visa reduzir a morbidade associada com múltiplas incisões. Dados recentes de
pacientes humanos submetidos a procedimentos cirúrgicos gerais e urológicos têm
18
indicado que a LESS é uma inovação cirúrgica bastante promissora, demonstrando
melhores resultados cosméticos e na maioria dos casos em menor período de
convalescência quando comparada com pacientes submetidos a abordagens
laparoscópicas convencionais (18). Nessa categoria cirúrgica, os trocarteres podem
ser colocados em uma única incisão cutânea, geralmente na região umbilical, ou de
outra forma, utiliza-se dispositivos específicos ou endoscópio com canal de trabalho
por incisão abdominal única. Ao se optar por dispositivos específicos, esses
permitem a passagem simultânea de diferentes instrumentos e do endoscópio por
única incisão muscular (18). A cicatriz umbilical tem sido bastante utilizada na
medicina humana, pois representa um orifício embrionário natural e se constitui em
sítio de excelente cicatrização para o acesso à cavidade peritoneal (19).
Como principal vantagem da LESS, descreve-se a mínima cicatriz cirúrgica o
que resulta em baixa incidência de complicações associadas com feridas cirúrgicas
e diminuição da dor pós-operatória (20). Entretanto, apesar dessas vantagens
incontestáveis, essa categoria oferece algumas limitações. Uma delas é a perda da
triangulação dos portais, importante condição para delicadas dissecações.
Entretanto, utilizando instrumentos curvados específicos essa limitação pode ser
superada e atingir melhor grau de triangulação, embora ainda assim sejam exigidos
movimentos que podem causar colisão. Além disso, a falta de triangulação dificulta a
retração dos órgãos exigindo-se a utilização de suturas transabdominais ou suturas
de transfixação para manter os órgãos na correta posição. Outra dificuldade técnica,
é a perda de percepção de profundidade, a qual ocorre quando a câmera é alinhada
com o eixo dos instrumentos de trabalho. Em virtude dessas dificuldades, evolução
considerável tem sido obtida associando esses procedimentos com a cirurgia
19
robótica. Novos robôs têm sido desenvolvidos com o objetivo de minimizar espaço e
evitar o cruzamento das mãos dos cirurgiões (20).
Diversos procedimentos cirúrgicos já foram descritos na medicina via LESS,
tais como: colescistectomia; gastrectomia (18); apendicectomia (21); adrenalectomia
(22), orquiectomia (23), biopsia renal (24), prostatectomia radical (25), pieloplastia
(26) e nefrectomias (27).
Na medicina veterinária, a maioria dos procedimentos foram realizados na
espécie suína, visando futuras aplicações e adaptações para a espécie humana, tais
como nefrectomias radicais (28) e colecistectomias (29). No Brasil, os primeiros
relatos de utilização da modalidade LESS em cadelas foram feitos por Brun et al.
(30) os quais descreveram o emprego do TriportTM na realização de ováriohisterectomia (OSH) em uma cadela com pequena hérnia umbilical. Para tanto,
ampliou-se o defeito da parede abdominal através do qual foi posicionado o
TriportTM. O corno uterino esquerdo foi então fixado à parede abdominal ventral com
sutura transparietal, e os vasos uterinos e o corpo do útero submetidos à hemostasia
por eletrocirurgia bipolar. A partir da manobra de rotação do tórax, os ligamentos
suspensores foram rompidos, expondo os vasos ovarianos e os mesovários. Foram
aplicadas duas suturas transparietais, uma em cada flanco, fixando temporariamente
os ovários à parede abdominal. Tal procedimento facilitou a hemostasia dos
mesovários e dos vasos ovarianos, obtidas por eletrocirurgia bipolar. Após a ruptura
dos mesométrios, os tecidos extirpados foram removidos da cavidade em conjunto
com o TriportTM, finalizando-se com a laparorrafia convencional.
No ano de 2011 Silva et al. (31) avaliou retrospectivamente as 20 primeiras
ovário-histerectomias videoassistidas com único portal realizadas no Brasil, concluiu
que tais procedimentos foram realizados em tempo cirúrgico médio de 22,95 minutos
20
e sem complicações graves em 19 de 20 cadelas operadas. Os primeiros cinco
procedimentos consumiram mais tempo cirúrgico que os demais e a abordagem aos
pedículos foram as etapas cirúrgicas que apresentaram maior tempo de execução.
A categoria NOTES é outra modalidade atualmente explorada dentro do
conceito de cirurgias com mínima invasão e pode envolver a combinação de
técnicas minimamente invasiva com endoscopia flexível (e em determinados casos a
endoscopia rígida), representando uma importante mudança no conceito de cirurgia
sem cicatriz, culminando em uma modalidade operatória marcada por uma
característica principal, a ausência de incisões abdominais (32). Existe uma
classificação, ainda não oficial, das técnicas de NOTES. A T-NOTES ou Total
NOTES, nesta técnica todo o material de trabalho, como o endoscópio são inseridos
apenas através de orifícios naturais. E a H-NOTES, ou NOTES híbrida, onde é
realizado acesso através de orifícios naturais associado a acesso na parede
abdominal. A H-NOTES permite a execução segura do acesso visceral enquanto
ainda não há domínio total sobre a realização de portais translumenais às cegas
(33). A cirurgia endoscópica transluminal por orifícios naturais também é nominada
de cirurgia endoluminal, transluminal, cirurgia sem incisão (incisionless) ou cirurgia
sem cicatriz (scarless) (34).
As principais vantagens da NOTES em humanos são, teoricamente, menor
dor abdominal pós-operatória, redução dos riscos de infecção da ferida operatória,
ausência de hérnias incisionais e melhor aspecto estético (35). Além disso, Dapri
(19) ainda defende como benefícios a probabilidade de menor trauma abdominal,
melhor recuperação do paciente, e reduzida necessidade de analgésicos no controle
da dor.
21
Para Seid et al. (36), as principais vantagens da NOTES são sem dúvida, o
menor risco de infecções do sítio cirúrgico e de ocorrência de hérnias incisionais.
Para esses autores, as infecções do sítio operatório são as complicações cirúrgicas
mais comuns na medicina humana, acontecendo em 2 a 25% dos pacientes na
dependência do tipo de cirurgia realizada. Dessa forma, a ausência de incisões
cutâneas na NOTES poderia eliminar as infecções de sítio operatório nas cirurgias
abdominais. Seid et al. (36) relatam que a hérnia constitui a segunda complicação
mais freqüente em cirurgias abdominais de humanos, sendo observada em 4 a 18%
nas cirurgias abertas e em 0,02 a 3% nas laparoscópicas.
O outro grupo de pacientes onde a NOTES pode ser benéfica é o de
pacientes humanos críticos internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI),
especialmente aqueles com indicação de gastrostomia endoscópica percutânea para
nutrição entérica, sem necessitar de gastrotomia aberta. Esse procedimento, além
de ser menos traumático, também facilita o diagnóstico de isquemia intestinal em
pacientes críticos, situações extremamente difíceis de serem diagnosticadas
radiograficamente (37).
A NOTES tem sido considerada um grande avanço na história da cirurgia.
Alguns dos principais relatos dessa técnica datam de 2004, quando se teve início o
desenvolvimento da via transgástrica como acesso à cavidade abdominal (38).
Vários procedimentos começaram então a ser realizados através dos acessos
naturais.
Dentre
as
abordagens
relatadas
incluem-se
as
rotas
transgástrica,
transcolonica, transvesicais, transvaginal e menos comumente, a transesofágica.
Estas abordagens podem oferecer uma série de vantagens sobre as técnicas
laparoscópicas
e
abertas
como
diminuição
da
dor
pós-operatória,
22
redução/eliminação da anestesia geral e redução de tempo e custos de internação
hospitalar. Além disso, a NOTES permitirá que procedimento convencionais sejam
realizados sem incisões de pele, evitando assim complicações associadas com a
dor, infecções de feridas e hérnias com redução potencial na internação hospitalar,
mais rápido retorno da função intestinal, melhora dos resultados cosméticos e
aumento na satisfação geral do paciente (39).
A abordagem transgástrica perioral tem sido usada para realizar biópsia
hepática, colescistectomia e anastomoses colecistectogástricas, pancreatectomia
distal, esplenectomias, gastroduodenostomia, reparação de hérnias, anastomoses
entéricas, além de ooferectomias e ligação de tubas em modelos animais. O
ambiente ácido do estômago e, conseqüentemente, a reduzida carga bacteriana e a
excelente vascularização sanguínea do órgão protegem a injúria tecidual. Além
disso, a localização oferece excelente acesso e visualização da região abdominal
inferior e região pélvica. A maior desvantagem dessa abordagem é o acesso do
abdômen superior, exigindo retroflexão do endoscópio o que pode ser dificultoso ou
até impossível (40).
A abordagem transesofágica já foi relatada para procedimentos como
mediastinoscopia e toracoscopia, bem como para biópsia pulmonar e de linfonodos
mediastínicos. No entanto, esse acesso tem sido pouco investigado, pois a pobre
irrigação sanguínea e a falta de serosa do esôfago dificulta o seu fechamento e
conseqüências desastrosas de vazamento esofágico tem resultado em mediastinite
(40).
O acesso transvesical é realizado com o auxílio de um cistoscópio, onde uma
abertura é criada na parede ventral da bexiga com um cateter uretral, o qual é
posteriormente trocado por uma cânula de 5mm (40). Esse acesso já foi descrito
23
com sucesso para realização de biópsia pulmonar em suínos, mostrando-se ser
factível nessa espécie. Além disso, também foi descrito para procedimentos de
peritonioscopia e biópsia hepática (40). Ao contrário da vagina, que permite abrigar
cânulas de maior diâmetro e múltiplos instrumentos, o tamanho da uretra é uma
grande limitação, sendo essa abordagem mais aceitável quando associado com
outros acessos naturais (40).
A via transcolonica foi utilizada em modelos experimentais suínos para
realização de colescistectomia e para exploração da cavidade abdominal (41).
Intervenções utilizando o acesso colônico para realização de cirurgia abdominal tem
sido objeto de pesquisa experimental recente, sugerindo que o acesso poderia ser
uma opção atraente para o tratamento de afecções colorretais e abdominais em
humanos. A abordagem transcolonica apresenta várias vantagens teóricas sobre a
via transgástrica, como a eliminação da necessidade de retroflexão do endoscópio,
permitindo um acesso mais direto, além do fato da junção anorretal permitir a
passagem de espécimes (como baço, rins e cólon) e instrumentais de diâmetro
maior, que a via transoral. No entanto, obstáculos técnicos iniciais como: risco de
infecção e de formação de fístula, acesso seguro à cavidade e fechamento confiável
do orifício colônico, permaneceram como possíveis problemas que retardam o uso
dessa modalidade, quando comparada com os acessos vaginal e transoral (42).
A NOTES transvaginal foi descrita em 2007, para realização de nefrectomia
em suínos com auxílio de endoscopia flexível (43). No ano seguinte, esse acesso foi
utilizado para realização de colescistectomia em humanos (44). As descrições de
NOTES transvaginal acenderam-se na medicina humana no ano de 2009, período
no qual Navarra e colaboradores (45) realizaram colescistectomia em seis mulheres
por meio de NOTES híbrida, utilizando endoscopia flexível através da via
24
transvaginal e um portal abdominal para a inserção do endoscópio rígido (45). No
ano seguinte Kaouk et al. (46), realizaram nefrectomia em humanos pelo acesso
transvaginal, observando-se boa recuperação pós-operatória e ausência de
complicações trans e pós-operatórias.
Na área de medicina veterinária, os primeiros relatos de OSH por NOTES
foram descritos por Feranti et al. (47) no ano de 2008, os quais realizaram, com
auxílio laparoscópico, a cirurgia de ovariohisterectomia transvaginal em cadelas por
NOTES híbrida. Para tanto, os autores promoveram a punção da parede vaginal
junto à cervix para a entrada dos instrumentais cirúrgicos. Esse acesso foi guiado
pelo endoscópio, que havia sido introduzido levemente caudal à cicatriz umbilical. O
mesovário e os vasos ovarianos foram ocluídos com clipe de titânio ou eletrocirurgia
bipolar via vaginal, enquanto os vasos ovarianos e o corpo do útero foram ligados
por cirurgia convencional após a exteriorização dos cornos uterinos e ovários pela
ferida vaginal. A primeira paciente submetida a essa modalidade cirúrgica
demonstrou rápida recuperação pós-operatória e mínimo desconforto associado à
ferida vaginal (48), estimulando esse grupo de pesquisa a desenvolver a OSH por
NOTES total, a partir do ano de 2009.
Baseado nessas considerações, no ano de 2010 Silva et al. (49) descreveram
o primeiro relato de OSH totalmente NOTES na medicina veterinária. Para o acesso
transvaginal, os autores tracionaram a região do fundo vaginal e pinçou para melhor
exposição. A mucosa vaginal foi incisada com tesoura de Metzenbaum e o tecido
submucoso divulsionado de forma romba. Um trocarte foi posicionado no local da
incisão e meticulosamente inserido na cavidade abdominal. Em seguida,
estabeleceu-se o pneumoperitônio e a óptica rígida com canal de trabalho foi
introduzida para inspeção inicial da cavidade abdominal. Posteriormente, o ovário
25
esquerdo foi apreendido e suspenso para passagem de sutura de sustentação
transparietal. O complexo artiriovenoso ovariano esquerdo foi seccionado com pinça
de coagulação bipolar e corte. A mesma manobra foi realizada no lado contralateral,
e em seguida os ovários foram apreendidos e tracionados para o interior do trocarte,
juntamente com o corpo do útero, até sua exteriorização. Após, o corpo uterino foi
pinçado, ligado, seccionado e posteriormente reposicionado na cavidade abdominal.
Nessa mesma linha de pesquisa Souza (50) realizou experimentalmente
biópsia hepática transvaginal em cadelas por endoscopia flexível, concluindo que o
procedimento é viável e seguro, desde que sejam realizadas melhorias técnicas
quanto ao acesso vaginal. Para essa operação o autor recomendou a realização do
acesso vaginal em plano mais profundo na vagina do que o descrito, buscando a
introdução do endoscópio flexível cranialmente à gordura pélvica. Nesse mesmo
ano, Carvalho et al. (51), utilizou o acesso vaginal para exploração da cavidade
abdominal por NOTES total em éguas. O método evidenciou eficiência e mínima
invasibilidade para exploração de vísceras abdominais em fêmeas equinas, ficando
clara sua relevância para diagnóstico de patologias abdominais como seu uso para
realização de biópsias.
Infelizmente, apesar da categoria NOTES representar um grande avanço na
medicina veterinária, algumas desvantagens ainda precisam ser superadas. Com a
introdução desses procedimentos cirúrgicos refinados e consequentemente, com as
modificações nos acessos peritoneais e equipamentos cirúrgicos, percebe-se uma
mudança no perfil de algumas complicações, principalmente ao comparar a cirurgia
aberta com a laparoscópica. Por exemplo, hérnias e infecções de feridas dão lugar à
síndrome da compressão e à infecções intra-abdominais. O cirurgião que embarcar
26
na NOTES deve compreender e reconhecer essas mudanças para evitá-las ou
controlá-las adequadamente (40).
Até poucos anos, para NOTES com endoscópio flexível o abdome era
insuflado com ar de forma descontrolada (39). A insuflação através de endoscópios
flexíveis geralmente não apresenta controle de pressão e a taxa de fluxo é muito
menor que um insuflador laparoscópico típico (35). Dessa forma, os clássicos efeitos
hemodinâmicos do aumento da pressão abdominal decorrente da insuflação têm
sido descrito em vários animais e em humanos. Esses efeitos são taquicardia,
aumento da pressão arterial, vasoconstrição periférica, diminuição do volume
sistólico e débito cardíaco e diminuição do fluxo sanguíneo renal, especificamente
com a pressão acima de 15mmHg (40). Essas alterações certamente apresentam
um potencial risco do paciente com reserva fisiológica menor, desenvolver injúria
renal,
hipoventilação
e
colapso
cardiovascular.
Algumas
técnicas
foram
desenvolvidas para minimizar esses problemas, uma delas é introduzir uma agulha
de Veress percutânea para monitorar a pressão intra-abdominal e agir como um
escape. Alternativamente, insufladores autoregulados podem ser conectados nessa
agulha para fornecer melhor controle da pressão intrabdominal (40). Cabe ressaltar,
que ao se utilizar cânula convencional ou outro dispositivo através do orifício natural,
é possível insuflar e manter a insuflação de forma segura utilizando o próprio portal
de acesso.
Outra complicação em potencial dos procedimentos da cirurgia endoscópica
transluminal é a infecção intrabdominal. Durante o acesso, a cavidade peritoneal
pode tornar-se contaminada com o contato com o endoscópico não esterilizado ou
pela passagem do endoscópio e instrumental cirúrgico através de um orifício
27
contaminado. Além disso, o fechamento da parede do órgão de acesso pode ser
inadequado e, dessa forma, ocorrer vazamentos para a cavidade (40).
Na peritonioscopia transgástrica tem se obtido sucesso para prevenir
infecções pós-operatórias usando solução antibiótica para lavagem gástrica,
antibióticos parenterais profiláticos e desinfecção rigorosa do endoscópio (40). Além
disso, Shafi et al. (39), também recomendam que antes do procedimento, todos os
animais sejam alimentados com dieta líquida, seguindo de jejum por 24 horas. Outro
aspecto que requer consideração é o emprego de inibidores da bomba de prótons.
Estudos mostram que o uso desses fármacos tem resultado em maior crescimento
bacteriano intraperitoneal, e dessa maneira estariam contra-indicados nesses
procedimentos (40). Para peritonioscopia transcolonica, a profilaxia usualmente
consiste de cefazolina parenteral e enemas, o que demonstrou eliminar mais de 80%
das bactérias colônicas (40).
O Conselho de Avaliação e Pesquisa das Cirurgias Endoscópicas por Orifício
Natural (NOSCAR), criado no ano de 2005 pela Sociedade Americana de Cirurgia e
Endoscopia Gastrintestinal, concluiu que um fechamento gástrico ou colônico
perfeito é essencial para garantir que não haja infecção intraperitoneal. Atualmente,
os grampos cirúrgicos são usados para ocluir o sitio de acesso, mas estes
provaram ser insuficiente, especialmente no cenário das grandes incisões.
Normalmente, o intestino é ocluído com um fio de sutura ou grampos, que são
comprovadamente eficazes nos procedimentos convencionais e laparoscópicos,
mas que não são excelentes opções em procedimentos endoscópicos. Até o
momento, não há comercialmente disponíveis métodos simples, seguros e eficazes
para a síntese da gastrotomia, exigindo-se maior investigação científica em relação
à oclusão desse procedimento (39). Nesse ponto de vista, a categoria LESS é
28
atualmente mais segura que a NOTES devido o fechamento ser similar à
laparoscopia convencional. Entretanto algumas particularidades são notadas nessa
abordagem tais como a dificuldade e algumas vezes a impossibilidade de exposição
cirúrgica dos instrumentais no centro do monitor de vídeo e a necessidade de
movimentar simultaneamente a câmera e os instrumentais, o que requer
movimentos mais delicados e precisos que a laparoscopia (52).
Outra limitação da NOTES transgástrica é o tamanho do tecido que pode ser
removido da cavidade peritoneal. Este se encontra limitado pelas dimensões da
incisão estomacal, do diâmetro do esôfago, e/ou do diâmetro da cavidade oral. Isso
é importante principalmente na remoção de tecido maligno que poderia semear o
caminho de saída ou causar a ruptura. Além disso, a laparoscopia apresenta limites
associados à perda da habilidade táctil do cirurgião. Esse problema é exagerado no
NOTES devido à utilização de instrumentos flexíveis e maior distância entre o
operador e a extremidade distal do endoscópio. Ainda, atenção deve ser dada no
gerenciamento de complicações como as hemorragias, já que os principais métodos
disponíveis para hemostasia são clipes cirúrgicos, a eletrocirurgia convencional, ou o
coagulador de plasma de argônio (39).
Comparando-se as categorias de NOTES e LESS, embora a NOTES
transvaginal
esteja
se
consolidando
na
medicina
humana,
em
algumas
especialidades médicas a LESS parece mais promissora em virtude de se evitar a
remoção de espécimes através de vísceras ocas, evitando dessa forma a
necessidade de suturas de órgãos, com potencial risco de falha no fechamento da
sutura. Além disso, o acesso transumbilical fornece uma visualização da cavidade
peritoneal similar à laparoscopia convencional, evitando problemas de ângulo de
29
visão associada com as abordagens transvaginal, transgástrica ou transcolonica da
NOTES (20).
Conclusão
Conclui-se que, as cirurgias endoscópicas transluminais por orifícios naturais
(NOTES) e as cirurgias por acesso único (LESS) surgem como novas perspectivas
da cirurgia moderna, baseada nos princípios da abordagem com mínima ou até
mesmo ausência de incisões abdominais. Teoricamente, tendem a apresentar
vantagens em relação às outras formas de procedimentos cirúrgicos, mas precisam
ser consolidadas como prática segura factível e com bons resultados a curto e longo
prazos, exigindo-se a execução de estudos experimentais e prospectivos para que
seus resultados possam ser avaliados.
Abstract
The improvement of minimally invasive surgery can provides better postoperative
results, such as better scar healing, improved cosmetics results, less postoperative
pain and earlier discharge from hospital. Transluminal endoscopic surgery by natural
orifices can be an alternative to laparoscopic surgery, with the advantage of
eliminating abdominal incisions since it combines endoscopic and laparoscopic
techniques to access the abdominal cavity via natural orifices. Despite being a
technique under development, many advantages would be attributed to NOTES,
such as lower incidence of hernias, surgical wound infection and adhesion. The
Laparoendoscopic Single Site Surgery (LESS) is another current technique within the
video surgical procedures of laparoscopic procedures, which is used a single
abdominal incision, with our without specific devices and equipment. The indications
and contra indications of each approach will arise according to the development of
30
the surgical technique and they will be the focus of researches in human and
veterinary medicine. In this article, the authors review the history of the video surgery
in veterinary medicine and the current conditions of NOTES and LESS categories.
Keywords: minimally invasive surgery, scarless surgery, endosurgery.
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Figura I: Dois casos de OSH eletiva em cães via cirurgia endoscópica
translumenal por orifício natural (NOTES). Observa-se o pneumoperitônio
estabelecido e a posição do endoscópio rígido com canal de trabalho pelo acesso
vaginal.
Figura II: Dois diferentes casos envolvendo OSH em cadelas por LESS. À
esquerda, utilizou-se cânula convencional associado a um endoscópio rígido com
canal de trabalho, enquanto à direita, empregou-se dispositivo específico
(TriportTM), o qual foi posicionado através de uma hérnia umbilical, sendo o
defeito ampliado para acomodar o portal.
38
7 CONCLUSÕES
Frente a metodologia empregada, conclui-se que:
- As cirurgias endoscópicas transluminais por orifícios naturais (NOTES) surgem
como novas perspectivas da OSH em cadelas, baseada nos princípios da abordagem com
mínima ou até mesmo ausência de incisões abdominais;
- A técnica de OSH por NOTES total apresenta parâmetros cardiorrespiratórios,
pressóricos e hemogasométricos semelhante à técnica convencional e mais estáveis que a
técnica de NOTES híbrida utilizando-se artroscópio de 2,7mm;
- A técnica de NOTES total resulta em menor dor trans e pós-operatória quando
comparado com a técnica convencional e NOTES híbrida;
- As três técnicas experimentais testadas conduzem a inflamação sistêmica, contudo, a
técnica de NOTES total demonstra danos celulares oxidativos mais baixos, especialmente se
comparados com à técnica convencional.
- A perfuração intestinal é uma complicação que pode decorrer da intervenção de
NOTES total transvaginal e dessa forma, o cirurgião deve estar preparado para solucioná-la.
39
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