DOMINGO DE RAMOS - A 1ª Leitura: (Is 50, 4-7) 3º Canto do Servo de Javé: paciência e confiança – O 1º Canto do Servo, Is 42, fala da vocação (cf. Batismo do Senhor); o 2º Canto, Is 49, mostra a dificuldade de sua missão; o 3º Canto (hoje) descreve o Servo como sendo o perfeito discípulo, o profeta fiel, que não teme oposição e perseguição, pois estáédoalado de Deus (cf. 2ª leitura). -===Marcos 10,17-31 passagem 2ª Leitura: (Fl 2,6-11) O despojamento de Jesus Cristo por nós e sua exaltação – O Filho de Deus se tornou servo, obediente à vontade do Pai e exposto aos poderes deste mundo. No serviço fiel até a morte da cruz, mostrou sua grandeza. Por isso, Deus o glorificou e o tornou “Senhor”. . 2,6-8 cf. Cl 1,15-20; Jo 1,1-2; Mt 26,39-40; Rm 5,19 . 2,9-11 cf. Rm 1,4; Is 45,23. Evangelho: (Mt 26,14-27,66 ou 27,11-54) A Paixão de Jesus segundo Mt – O “relato da Paixão”é a parte dos evangelhos que foi codificado primeiro. Os evangelistas (sobretudo Mc e Mt) a transmitem com grande semelhança, mas cada evangelista também lhe imprimiu algumas características próprias. Segundo Mt, Jesus assume sua morte com consciência divina, unido ao Pai (veja 26,39-42). As muitas alusões ao AT significam o cumprimento do plano do Pai (tema do Servo, do justo oprimido). O tempo chegou (26,18). Jesus não é entregue contra a sua vontade, por traição. Ele se entrega por nós: isso significa os sinais de pão e vinho, doação livre e soberana de seu corpo e seu sangue e fundação da Nova Aliança. E, contudo, é a morte mais verdadeira que alguém jamais morreu (cf. 26,39; 27,46); pois foi vivida com toda a autenticidade de Deus. . cf. Mc 14,10-15,47; Lc 22,3-23,56; Jo 13,21-30.36-38; 18,1-19,42; 1Cor 11, 22-25. EVANGELHO Mt 27,11-54 – HOSANA AO FILHO DE DAVI Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo, segundo Mateus: Naquele tempo, 11Jesus foi posto diante de Pôncio Pilatos, e este o interrogou: “Tu és o rei dos judeus Jesus declarou: “É como dizes”. 12E nada respondeu, quando foi acusado pelos sumos sacerdotes e anciãos. 13Então Pilatos perguntou: “Não estás ouvindo de quanta coisa eles te acusam?” 14Mas Jesus não respondeu uma só palavra, e o governador ficou muito impressionado 15Na festa da Páscoa, o governador costumava soltar o prisioneiro que a multidão quisesse. 16Naquela ocasião, tinham um prisioneiro famoso, chamado Barrabás. 17 Então Pilatos perguntou à multidão reunida. 14 Mas Jesus não respondeu uma só palavra, e o governador ficou muito impressionado. 15Na festa da Páscoa, o governador costumava soltar o prisioneiro que a multidão quisesse. 16Naquela ocasião, tinham um prisioneiro famoso, chamado Barrabás. 17Então Pilatos perguntou à multidão reunida: “Quem vós quereis que eu solte: Barrabás, ou Jesus, a quem chamam de Cristo?” 18Pilatos bem sabia que eles haviam entregado Jesus por inveja. 19Enquanto Pilatos estava sentado no tribunal, sua mulher mandou dizer a ele: “Não te envolvas com esse justo, porque esta noite, em sonho, sofri muito por causa dele”.20Porém, os sumos sacerdotes e os anciãos convenceram as multidões para que pedissem Barrabás e que fizessem Jesus morrer. 21O governador tornou a perguntar: “Qual dos dois quereis que eu solte?”Eles gritaram: “Barrabás”. 22Pilatos perguntou: “Que farei com Jesus, que chamam de Cristo?Todos gritaram: “Seja crucificado!” 23Pilatos falou: “Mas, que mal ele fez?” Eles, porém, gritaram com mais força: “Seja crucificado!” 24Pilatos viu que nada conseguia e que poderia haver uma revolta. Então mandou trazer água, lavou as mãos diante da multidão, e disse: “Eu não sou responsável pelo sangue deste homem. Este é um problema vosso!” 25O povo todo respondeu: “Que o sangue dele caia sobre nós e sobre os nossos filhos”. 26 Então Pilatos soltou Barrabás, mandou flagelar Jesus, e entregou-o para ser crucificado. 27Em seguida, os soldados de Pilatos levaram Jesus ao palácio do governador, e reuniram toda a tropa em volta dele. 28Tiraram sua roupa e o vestiram com um manto vermelho; 29depois teceram uma coroa de espinhos, puseram a coroa em sua cabeça, e uma vara em sua mão direita. Então se ajoelharam diante de Jesus e zombaram, dizendo: “Salve, rei dos judeus!” 30Cuspiram nele e, pegando uma vara, bateram na sua cabeça. 31Depois de zombar dele, tiraram-lhe o manto vermelho e, de novo, o vestiram com suas próprias roupas. Daí o levaram para crucificar. 32Quando saíam, encontraram um homem chamado Simão, da cidade de Cirene, e o obrigaram a carregar a cruz de Jesus. 33E chegaram a um lugar chamado Gólgota, que quer dizer “lugar da caveira”. 34Ali deram vinho misturado com fel para Jesus beber. Ele provou, mas não quis beber. 35Depois de o crucificarem, fizeram um sorteio, repartindo entre si as suas vestes. 36E ficaram ali sentados, montando guarda. 37Acima da cabeça de Jesus puseram o motivo da sua condenação: “Este é Jesus, o Rei dos Judeus”. 38Com ele também crucificaram dois ladrões, um à direita e outro à esquerda de Jesus. 39As pessoas que passavam por ali o insultavam, balançando a cabeça e dizendo: 40”Tu, que ias destruir o Templo e construí-lo de novo em três dias, salva-te a ti mesmo! Se és o Filho de Deus, desce da cruz!” 41Do mesmo modo, os sumos sacerdotes, junto com os mestres da Lei e os anciãos, também zombavam de Jesus: 42”A outros salvou... a si mesmo não pode salvar! É Rei de Israel... Desça agora da cruz! e acreditaremos nele. 43Confiou em Deus; que o livre agora, se é que Deus o ama! Já que ele disse: Eu sou o Filho de Deus”. 44Do mesmo modo, também os dois ladrões que foram crucificados com Jesus o insultavam. 45Desde o meio-dia até as três horas da tarde, houve escuridão sobre toda a terra. 46Pelas três horas da tarde, Jesus deu um forte grito: “Eli, Eli, lamá sabactâni?” Que quer dizer: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” 47Alguns dos que ali estavam, ouvindo-o, disseram: “Ele está chamando Elias!” 48E logo um deles, correndo, pegou uma esponja, ensopou-a em vinagre, colocou-a na ponta de uma vara, e lhe deu para beber. 49Outros, porém, disseram: “Deixa, vamos ver se Elias vem salvá-lo!” 50Então Jesus deu outra vez um forte grito e entregou o espírito(Todos se ajoelham.) 51E eis que a cortina do santuário rasgou-se de alto a baixo, em duas partes, a terra tremeu e as pedras se partiram. 52Os túmulos se abriram e muitos corpos dos santos falecidos ressuscitaram! 53Saindo dos túmulos, depois da ressurreição de Jesus, apareceram na Cidade Santa e foram vistos por muitas pessoas. 54O oficial e os soldados que estavam com ele guardando Jesus, ao notarem o terremoto e tudo que havia acontecido, ficaram com muito medo e disseram: “Ele era mesmo Filho de Deus NEXO TEMÁTICO Estamos abrindo aquela semana que a Igreja chama de Semana Santa. Neste domingo evocam-se dois mistérios: a Entrada de Jesus em Jerusalém e sua Paixão. Por isso, este dia litúrgico é chamado de Domingo de Ramos e da Paixão. Na abertura da assembléia dominical, comemora-se de modo mais solene, com procissão ou de maneira simples, em cada Missa, a Entrada de Jesus em Jerusalém. A bênção dos ramos neste Ano A é seguida da proclamação do Evangelho da entrada de Jesus em Jerusalém, segundo Mateus (cf. Mt 21,1-11). Por esta comemoração a Igreja nos quer lembrar que esta entrada triunfal vai perpassar todos os passos da Paixão de Cristo. Da palma da vitória e do triunfo, transformada em cinza na Quarta-feira de Cinzas, brotará a vida e a imortalidade. Da árvore seca da Cruz de Cristo brotará a vida em abundância. Terminada a procissão, que serve de rito de abertura, mergulha-se no mistério da Paixão de Jesus Cristo. A 1ª leitura (cf. Is 50,4-7) descreve o Servo sofredor, na esperança da vitória final. Vemos nele a própria pessoa de Jesus Cristo. A 2ª leitura (cf. Fl 2,6-11) constitui a chave principal de todo o mistério deste Domingo: Jesus humilhou-se e por isso Deus o exaltou. O hino da carta aos filipenses descreve a preexistência do Filho; o mistério da encarnação, de sua paixão e morte e ressurreição. É nesta perspectiva que os cristãos são chamados a seguirem os passos de Cristo como seus discípulos na celebração do Tríduo Pascal. Segue a Paixão segundo Mateus. Mateus gosta de realçar que Jesus veio cumprir o plano do Pai. É ele somente quem faz Jesus dizer na agonia do horto: “Seja feita a vossa vontade” (cf. Mt 26,42). Jesus percorre o caminho da humildade, cumprindo as Escrituras. Se este é o caminho do Mestre, será também o dos discípulos. Por isso: “Vigiai comigo” (cf. Mt 26,38). As leituras apresentam uma profunda unidade. Por isso, no caso de uma razão pastoral levar a abreviar a abundante Liturgia da Palavra, sugerem-se duas possibilidades: 1) conservar intacta a narrativa da Paixão, omitindo uma ou ambas as leituras que a precedem; 2) ou usar a forma breve da Paixão, fazendo-a preceder de pelo menos uma leitura (cf. Lectionarium, tomo I, Ed. Típica 1970, p. 611). Não podemos esquecer de que a narração da Paixão não constitui algo de frio e neutro. Ela está acontecendo hoje, na Igreja e na humanidade. Cada qual poderá encontrar-se em algum personagem. .Frei Alberto Beckhäuser, Viver o Ano Litúrgico, vozes. MENSAGEM NO CONTEXTO Neste primeiro dia da Semana Santa, pelo menos na tradição católica no Brasil, com certeza não há comunidade que não celebre, com muito entusiasmo, a comemoração da entrada de Jesus em Jerusalém. Organizam-se procissões e encenações, e quase todos fazem questão de levar alguns ramos bentos para a casa. Porém é muito importante resgatar o verdadeiro sentido da entrada de Jesus em Jerusalém, para que possamos celebrar a festa com mais profundidade. O próprio Evangelho de Mateus nos dá uma dica, quando em v. 5 cita o profeta Zacarias. Pois Jesus, escolhendo entrar na capital desta maneira, estava fazendo uma releitura de Zacarias 9, 9-10. O profeta (conhecido como Segundo Zacarias, pois capítulos 9-14 do livro são pós-exílicos) vivia numa situação de grande opressão e pobreza, quando Palestina e o seu povo eram dominados pelos Impérios Helenistas (Cultura grega), depois de Alexandre Magno. O profeta procura animar o seu povo oprimido, manter viva a chama de resistência através da esperança na chegada dum Messias, que teria três grandes características: seria rei (9, 9-10), bom pastor (11,4-17) e “transpassado”(12, 9-14). APROFUNDANDO O TEXTO Morrendo, destruiu a morte e deu começo a um novo tempo No Domingo de Ramos lemos dois evangelhos: um antes de começar a procissão e outro na hora costumeira. Aparentemente o primeiro é festivo e aclama Cristo Senhor e Rei. E o segundo tem o gosto da morte. Na verdade, também o relato da Paixão, sobretudo na visão de Mateus, aponta para um Cristo vitorioso a quem foi dado – e nunca tirado – todo o poder no céu e na terra. Na nossa reflexão destacamos apenas algumas linhas e tópicos. Fique sempre lembrado que a Paixão do Senhor, sem deixar de ser um texto histórico e literário, é uma página para ser rezada, metidada no coração. As palmas bentas que carregamos hoje não sirvam de distração, mas ajudem a lembrar o Cristo mártir, vitorioso sobre a morte. O Cristo que morre condenado por homens, para garantir se às criaturas humanas a libertação da injustiça e da morte e a posse da santidade e da vida. As palmas em nossas mãos signifiquem que estamos prontos a fazer o mesmo caminho de Jesus. DIVISÃO DO TEXTO PARA AJUDAR NA LEITURA Mt 26,14-27, 11-54 (texto breve: Mt 27,11-54) 26,14-16: a traição de Judas 26,17-19: a preparação da Ceia pascal 26,20-25: o anuncio da traição de Judas 26,26-29: a instituição da Eucaristia 26,30-35: o anuncio da negação de Pedro 26,36-46: a agonia no horto das oliveiras 26,47-56: a prisão de Jesu no horto 26,57-68: Jesus diante do Sinédrio 26,69-75: a negação de Pedro 27,1-2: Jesus é conduzido perante Pilatos 27,3-10: a morte de Judas 27,11-26: Jesus diante de Pilatos 27,27-31: Jesus é coroado de espinhos 27,32-38: Jesus é crucificado 27,39-44: Jesus é insultado 27,45-54: a morte de Jesus LEITURA DO TEXTO v.11. “Jesus foi posto diante de Pôncio Pilatos, e este o interrogou”: é o face a face entre o poder de Deus e aquele do homem, entre o representante do imperador romano que domina o mundo e o Senhor que vem para salvá-lo. “Tu és o rei dos judeus?”: os Magos já tinham perturbado Jerusalém procurando o rei dos judeus (Mt 2,3). “Jesus declarou: ‘É como dizes’”: Jesus confirma de ser rei. Claramente, mas não como pensa Pilatos. A sua realeza não é como aquela do imperador, e nem se opõe a ela como concorrente; ao invés é a sua contradição radical. Não luta para ter a mesma coisa, mas quer simplesmente outra. Propõe algo de desconhecido aos reis deste mundo: ao invés de dominar, de impor-se e dar a morte, propõe de libertar, servir e dar a vida (Jo 20,25-28). O verdadeiro rei, o homem plenamente realizado a imagem de Deus, é a negação de tudo o quanto pensamos. O deus e o rei, que nós imaginamos, são uma simples perversão mortal daquilo que Deus é e nós somos. v.12. “E nada respondeu, quando foi acusado pelos sumos sacerdotes e anciãos”: diante das acusações Jesus nada responde. Se o acusado responde e mostra a sua inocência, quem acusa deve sofrer a pena correspondente à acusação que lhe fizeram. v.13. “Então Pilatos perguntou: ‘Não estás ouvindo de quanta coisa eles te acusam?’” : nós sentimos a agressão do mal e nos defendemos dela com força. Ao invés Jesus é como um surdo, que não escuta (Sl 38,14s). v.14. “Mas Jesus não respondeu uma só palavra...”: o seu silêncio é a Palavra, a grande palavra de misericórdia que nos salva: ao invés de nos acusar justamente, sofre a injusta acusação. Jesus é o rei, a imagem perfeita de Deus, que é todo e somente o bem, sem sombra de mal: nele a nossa violência não provoca violência, mas silêncio de compaixão. “... e o governador ficou muito impressionado”: o poder do mundo é reduzido a um estúpido silêncio pelo silêncio de Deus. MENSAGEM NO CONTEXTO Portanto, quando Jesus e os seus discípulos fizeram a sua entrada em Jerusalém, era uma maneira forte de proclamar a chegada do Messias, do Rei esperado pelos pobres de Javé. Mas o rei proclamado por Zacarias e concretizado em Jesus era bem diferente dos reis dos países de então. Enquanto estes faziam questão de apresentar-se publicamente com toda a pompa, montados sobre cavalos imponentes, o rei previsto por Zacarias iria entrar em Jerusalém montado num jumento – o animal do pequeno agricultor. Pois o seu reino seria, não de dominação, opulência e opressão, mas de paz, de justiça e de solidariedade: “Dance de alegria, cidade de Sião; grite de alegria, cidade de Jerusalém, pois agora o seu rei está chegando, justo e vitorioso. Ele é pobre, vem montado num jumento, num jumentinho, filho duma jumenta. Ele destruirá os carros de guerra de Efraim e os cavalos de Jerusalém; quebrará o arco de guerra. Anunciará a paz a todas as nações, e o seu domínio irá de mar a mar” (Zc 9,9). A entrada em Jerusalém de Jesus era verdadeiramente uma entrada triunfal – mas do triunfo de Deus, do Messias dos pobres e justos, e uma viravolta nos valores da sociedade. . APROFUNDANDO O TEXTO Uma morte prevista pelos profetas Cada um dos quatro evangelistas, ao contar a Paixão do Senhor, acentua alguns aspectos. Esses aspectos não se contradizem, mas se completam. Mateus, que lemos neste ano, procura mostrar sempre que Jesus realiza o plano divino da salvação, expresso clara ou veladamente em todo o Antigo Testamento. Ao contar os últimos dias de Jesus, aponta sempre para as profecias que se atualizam. Um dos panos de fundo de Mateus certamente é o Salmo 22, que começa com angustiada pergunta: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” O salmo inteiro, escrito com pesado realismo, cheio de símbolos fortes, fala dos que rodeiam o Servo de Deus como um bando de malfeitores, que “repartem entre si as vestes do justo e lançam a sorte sobre a túnica” (v. 19). Mateus coloca o verso 9 na boca dos sumos sacerdotes ao pé da cruz: “Pôs sua confiança em Deus, que Deus o livre agora!” A angústia vai dando lugar à confiança em Deus, ao convite para louvar, glorificar e venerar (v. 24) o Senhor, que não abandona o atribulado, e passa a falar da realeza do Senhor, diante de quem se prostrarão todos os poderosos da terra (v. 30), e do novo povo que há de nascer (v. 32). Outro pano de fundo é o capítulo 53 de Isaías, a condenação do Servo de Javé, que foi “castigado e humilhado por Deus” (v. 4), foi traspassado e esmagado por causa de nossos crimes (v. 5), “embora não tivesse praticado nenhuma violência nem houvesse falsidade em seus lábios” (v. 9). Apesar de tudo, “graças a ele, a causa do Senhor triunfará; depois dos profundos sofrimentos, ele verá a luz, sentir-se-á satisfeio e justificará a muitos” (v. 10 e 11). As trinta moedas de prata, que Judas recebeu, Mateus as vê preditas pelo Profeta Zacarias (Zc 11,12), onde também já vê escrito o destino de Judas. Unindo um texto de Zacarias a outro do Profeta Jeremias (Jr 32,6-9), Mateus dá um novo sentido à morte de Judas. Para Mateus, Judas é símbolo da pessoa que recebeu o Messias, mas o rejeita por interesses mesquinhos, e por isso será duramente julgada e condenada, mesmo percebendo seu erro (27,4). Jesus aparece como alguém que tem consciência da missão e aceita cumpri-la, apesar de todo o sofrimento e da própria morte (6,42). Alguém que se sente, apesar de tudo, protegido pelo Pai (26,53), ligado ao Pai (26,39), sabe-se Filho de Deus (26,64) e tem certeza da vitória (26,64). E enfrenta a morte como passagem necess LEITURA DO TEXTO v.15. “Na festa da Páscoa, o governador costumava soltar o prisioneiro que a multidão quisesse”: na festa da páscoa, recordação da libertação do Egito, o governador tinha o costume de conceder uma graça ao prisioneiro, a pedido do povo. v.16. “Naquela ocasião, tinham um prisioneiro famoso, chamado Barrabás”: é um rebelde e homicida, que tinha tentado uma revolta contra os romanos, mas sem sucesso (Mc 15,7; Lc 23,19). Tinha procurado fazer o jogo dos poderosos, mas foi vencido. Os bandidos são reis fracassados, e o rei dos bandidos realizados! Agora se encontra atado, no cárcere, na espera de sofrer morte violenta que tentou de infringir aos outros. Barrabás significa “filho do Pai” (bar Abba). É o nome que se da àqueles aos quais se ignora a paternidade. Barrabás, filho e irmão de ninguém, e por isto rebelde e homicida, vive esperando a sua execução. A sua situação é metáfora da condição humana: todos ignoramos o Pai, não somos filhos e nem irmãos, mas estamos em luta uns com os outros, na espera de acabar como teríamos querido que acabasse o outro. v.17. “Então Pilatos perguntou à multidão reunida: ‘Quem vós quereis que eu solte: Barrabás, ou Jesus, a quem chamam de Cristo?’”: Jesus é Deus salva, Barrabás é homem perdido. A quem a liberdade e a quem a morte? É a alternativa “teológica”, ou ele ou Barrabás. Pilatos espera desastradamente de salvar Jesus, porque sabe que ele é inocente. Mas não compreendeu ainda que é o Justo que leva à injustiça. v.18. “Pilatos bem sabia que eles haviam entregado Jesus por inveja”: por inveja do diabo a morte entrou no mundo (Sb 2,24): por inveja Adão “matou” o Pai e a si mesmo com filho, por inveja Caim eliminou Abel, por inveja os irmãos venderam José, etc. A inveja está na origem e forma o tecido da nossa história. Em vez de se alegrar pelo bem do outro, fazemos dele objeto de posse, a manter ou a cobiçar, a defender ou a roubar. Por inveja o bem, todo bem, se perverte em mal: se torna causa de violência, perpetrada e sofrida. v.19. “Enquanto Pilatos estava sentado no tribunal, sua mulher mandou dizer a ele: ‘Não te envolvas com esse justo, porque esta noite, em sonho, sofri muito por causa dele’”: Mateus dá relevo aos sonhos, que manifestam as coisas mais profundas, para quem sabe interpretá-los. A mulher de Pilatos, diferentemente daquela de Herodes, quer salvar o inocente. De qualquer modo o poderoso, além de todo conselho, bom ou ruim, não pode salvar o justo. Movido pelo seu jogo, não pode dar a não ser a morte, mesmo contra a própria vontade. Na verdade “deve” executar a vontade de todos aquele que o reconhecem como chefe. Se sede, perde o seu poder e se torna ele mesmo vítima. Pode usar mansidão somente quando é tempo forte de permiti-la para si, e se fazer chamar também de benfeitor (Lc 22,25). MENSAGEM NO CONTEXTO Era a rejeição dos valores opressores dos Reinos mundanos, a celebração de Javé, o libertador, que “ouve o clamor dos pobres e sofridos” (veja Ex 3,7). Celebrar a memória deste evento no Domingo de Ramos deve nos levar a um compromisso maior com a construção dum mundo de paz verdadeira e fruto de justiça, partilha e solidariedade. Quando falamos da entrada triunfal, lembremo-nos que é o triunfo da fraqueza de Deus, da Cruz, do projeto do Reino, pois como disse Paulo, “a loucura de Deus é mais sábia do que os homens e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (I Cor 1,25). Cuidemos de não transformar a celebração litúrgica num folclore, glorificando o poder e a dominação, fazendo o que fizeram em Jerusalém, conforme o hino “Queriam um grande Rei que fosse forte, dominador e por isso não creram nele e mataram o Salvador”. A celebração de Domingo de Ramos é realmente uma da vitória, mas da vitória que vem de fidelidade ao projeto de Deus, no seguimento de Jesus, até a Cruz e a Ressurreição. Evitemos criar uma caricatura de Jesus como Rei poderoso, conforme os padrões da nossa sociedade, e procuremos recuperar a finalidade da ação profética de Jesus – reacender a esperança dos excluídos, marginalizados, pobres e oprimidos, assumindo cada vez mais ações concretas na busca da construção do Reino de Deus entre nós. Thomas Hughes, SVD APROFUNDANDO O TEXTO A morte na Cruz revela um homem-Deus APROFUNDANDO O TEXTO O verso 64 do capítulo 26 “vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” dá uma visão nova à Paixão. A morte não está sendo vista como uma vergonha, mas como caminho de glória, uma “teofania”, isto é, uma manifestação de Deus. Várias vezes Jesus aplicou a si a expressão do Profeta Daniel: “Filho do Homem”. Também nesse momento em que é julgado e condenado, ele aproxima a expressão à glória divina. Por um lado, a expressão “Filho do homem”, na linguagem poética do tempo, tinha um sentido adjetivo de “criatura pequena, frágil, insignificante” – que cabia bem a Jesus amarrado, açoitado, sem defesa. Por outro lado, “Filho do Homem”, desde o profeta Daniel, significa “um ser misterioso, conduzido por Deus sobre as nuvens do céu para receber a realeza divina” (Dn 7,13s). Ao chamar-se com esse apelido, talvez Jesus quisesse afastar a ideia de um messias terreno, com força militar e estratégia humana, e acentuar sua origem, poder e destino divinos. A um messias apenas humano, os inteligentes poderiam compreender, adaptar-se a ele sem deixar os interesses pessoais. Mas a um messias divino, quem quisesse compreender e seguir deveria renunciar-se primeiro. Jesus mesmo prevenira: “Se alguém quiser me seguir, renuncie primeiro a si mesmo” (Mc 8,34). O momento da Paixão era decisivo. Decisivo para Jesus, Filho de Deus Salvador. Decisivo para os discípulos, a quem Jesus pedia: “Crede em mim” (Jo 14,1). LEITURA DO TEXTO v.20. “Porém, os sumos sacerdotes e os anciãos convenceram as multidões para que pedissem Barrabás e que fizessem Jesus morrer”: a salvação de Barrabás e a morte de Jesus é obra de todos, quem assim o quis e quem não, persuasores e persuadidos. Todos, grandes e pequenos, judeus e pagãos, discípulos e estrangeiros, jogamos no mesmo jogo. v.21. “O governador tornou a perguntar: ‘Qual dos dois quereis que eu solte?’”: é Barrabás que tem a necessidade de ser libertado, porque é escravo da violência. Jesus disto está livre! “Eles gritaram: ‘Barrabás’”: a multidão quer libertar Barrabás, porque se reflete nele. A vontade da multidão é a mesma do Senhor, que quer a nossa liberdade. Todos nós estamos aliados contra o Senhor e o seu Cristo, para cumprir o que o seu coração tinha preordenado que acontecesse (cf. At 4,28). v.22. “Pilatos perguntou: ‘Que farei com Jesus, que chamam de Cristo?’”: é o diálogo dramático entre o poderoso e os seus súditos. O que pode fazer o poderoso diante de quem lhe confere o poder, se não executar a sua vontade? “Todos gritaram: ‘Seja crucificado!’”: a condenação à morte é obra da multidão, que rejeitam o poder de Deus. De um rei como Jesus, ninguém sabe o que fazer dele. O modelo deles de homem é o violento, sucedido ou fracassado. Quando é fracassado, é um pouco simpático: é como todos! Também Pilatos corre o perigo de fracassar se não obedece. v.23. “Pilatos falou:’Mas, que mal ele fez?’”: Jesus é inocente. “Eles, porém, gritaram com mais força: ‘Seja crucificado!’”: por isto “deve” carregar sobre si a nossa injustiça. O bode expiatório é sempre inocente: mesmo se antes não o era, se torna quando não está mais em grau de causar mal! Enquanto inocente sacrificado à morte, Jesus nos liberta. Se quisesse ser como nós, nos crucificaria a todos! v.24. “Pilatos viu que nada conseguia e que poderia haver uma revolta. Então mandou trazer água, lavou as mãos diante da multidão, e disse: ‘Eu não sou responsável pelo sangue deste homem. Este é um problema vosso!’” : Pilatos quer libertar Jesus> Mas o seu Poter não tem esse poder. Se o libertasse, se tornaria como Jesus. Além de toda presumida inocência, o poder não pode não prejudicar: é autor ou vitima de violência. Não conhece via de saída, até quando não aceita como rei aquele pela qual gritam: “seja crucificado!”. v.25. “O povo todo respondeu: ‘Que o sangue dele caia sobre nós e sobre os nossos filhos’”: o sangue do cordeiro salvou os filhos de Israel na noite escura de páscoa (ex 12,13). O sangue do Messias, derramado sobre todos, é a nova aliança que salva a todos: é o sangue do Filho, que nos torna consangüíneos do Pai e irmãos entre nós. v.26. “Então Pilatos soltou Barrabás...”: Barrabás, filho e irmão de ninguém, atado no cárcere e condenado á morte, pelo sangue do Filho, se torna livre, filho do Pai. APROFUNDANDO O TEXTO Da morte nasce um novo tempo Mateus vê a Paixão como o começo de um novo mundo. O livro do Gêneses dizia que, na origem do mundo, as trevas cobriam o universo (Gn 1,2). Também na morte de Jesus “desde o meio-dia até as três horas da tarde houve escuridão sobre toda a terra” (v.45). No início do mundo Deus cria a luz. Agora aquele que é a luz do mundo “entrega o espírito” para que uma nova luz, a luz da vida (Jo 8,12), brilhe para toda a humanidade. Isso vem também figurado nos sepulcros que se abrem e nos mortos que ressuscitam. A figura é forte: na morte e da morte nasce a vida. A morte de Jesus não e um fim, é uma re-criação, um novo começo. Ressuscitam mortos em torno do Calvário, e, dentro de três dias, o próprio Jesus, morto e sepultado, ressurgirá vitorioso. Símbolo do fim de um tempo antigo e começo de um tempo novo é o rasgo “de alto a baixo” (v.51) do véu do templo. Essa cortina sagrada separava o povo do lugar santo, da morada de Deus. No novo tempo ela não tem sentido, porque o Cristo assumiu o povo, que passou a ser “o corpo do Senhor” (1Cor 12,27). Por outro lado, no novo tempo o novo templo de Deus ou é o próprio Cristo, morada perfeita, ou somos nós (1Cor 3,16;2Cor 6,16), em fase de crescimento (Ef 2,21). O “santo dos santos”, que marcava presença de Deus no templo, deixa de ser um lugar para ser uma comunidade: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles” (Mt 18,20). Nada mais separa Deus do povo que crê em Jesus de Nazaré. Poderíamos dizer que a história da Paixão, segundo Mateus, atravessa a ressurreição e alcança o auge na entronização de Jesus como Senhor do universo (Mt 28,18). O diz lindamente São Paulo na Carta aos Filipenses: “Humilhou-se, feito obediente até a morte e morte de Cruz; por isso Deus o exaltou e lhe deu um Nome que está acima de todo nome, para que ao Nome de Jesus se dobre todo joelho de quantos há na terra, no céu e nos abismos” (Fl 2,810). Na pessoa de Jesus, morto e ressuscitado, aconteceu em plenitude o que Ele prometera: “Quem se humilha será exaltado” (Mt 23,12). Temos hoje delineado o caminho e a missão do cristão: primeiro, crer e aclamar Jesus de Nazaré como Filho de Davi, isto é, como o Messias, o Ungido de Deus, O Salvador do mundo. Depois, tomar a cruz de cada dia – as cruzes normais da condição humana e as cruzes que nos são impostas – e caminhar atrás dele, como Ele mesmo advertiu: “ Se alguém me quiser seguir, tome sua cruz de cada dia e me siga” (Lc 9,23). Os que morrerem com Ele, com Ele terão a glória. Esta esperança-certeza de glória nos enche de alegria (Rm 5,2). Ministério da Palavra. Frei Clarêncio Neotti, ofm LEITURA DO TEXTO “... mandou flagelar Jesus...”: é o grande “troca” que nos salva: Jesus, Filho do Pai e irmão de todos, carrega sobre si a nossa maldição de filhos e irmãos de ninguém, entregues á violência e à morte. A troca entre Jesus e Barrabás fala de modo narrativo o significado teológico da cruz de Jesus: ele morre por nós, e nós vivemos por ele. É a verdadeira Páscoa. Barrabás, como todos os seus irmãos, não sabe disso. O compreenderá quando se render conta do fato. “... e entregou-o...”: o Justo, por vontade de todos, é entregue à morte ao invés do culpado. “... para ser crucificado”: sobre a cruz, patíbulo do escravo rebelde, inicia o seu reino: o seu corpo é entregue por nós que nos apropriamos dele, o seu sangue foi efuso por nós que o derramamos. v.27. “Em seguida, os soldados de Pilatos...”: os soldados representam a violência ao estado puro: se expõem á morte para matarem. Eles tem o poder de matar, que confere ao rei o domínio sobre os outros. O domínio do homem sobre o homem é fruto do exercício de violência feita e sofrida. “... levaram Jesus ao palácio do governador...”: é o lugar onde está a guarnição militar e se executa a “justiça”. Neste palácio se dá a coroação do rei. É o lugar mas apto: soldados e tribunal, violência e lei são “a família” do rei, a “casa” do poder de morte. “... e reuniram toda a tropa em volta dele”: no centro dá violência há o inocente. É a primeira lei fundamental da história: o mal está sobre os ombros de quem não o cumpre. v.28. “Tiraram sua roupa...”: a sua nudez é obra do seu despojamento. “O Rei nu”: o Filho do homem é revestido da nudez de Adão que “matou” o Pai, de Caim que elimina Abel, de todo homem que troca o próprio valer com o se prevaler. “... e o vestiram com um manto vermelho”: é a vestição do rei. O seu manto, de púrpura, é o hábito de sangue que vem da espoliação dos irmãos. A veste dos poderosos é a prepotência, que adere como uma veste ao corpo deles chagado. v.29. “depois teceram uma coroa...”: a coroa é sinal de glória: a aureola de ouro e de luz, que se difunde da cabeça do rei, reverbera daquela de Deus. Mas de qual deus? “... de espinhos...”: o Senhor queria que ninguém dominasse Israel (1Sm 8,1ss). Todo homem é filho e possui a glória do Pai: a liberdade! Renunciar a ela é desprezar Deus e abdicar a própria verdade. O que é a glória dos poderosos, senão a ignomínia de quem é submetido em escravidão? Em Juízes 9,7-15, quando as árvores da floresta se colocaram em caminho para procurar alguém que reinasse sobre elas, a oliveira, o figo e a parreira rejeitaram. Somente o espinheiro aceitou dizendo: “Se, de verdade, quereis ungir-me como vosso rei, vinde e repousai à minha sombra; mas se não o quereis, saia fogo do espinheiro e devore os cedro do Libano!” (Jz 9,15). “puseram a coroa em sua cabeça...”: glória do Ecce home (eis o homem) é sombra de espinhos e fogo do espinheiro: a ignomínia devastante da nossa violência. “O seu rosto é desfigurado para ter aspecto de homem”, “não fazia vista e nem tinha beleza a atrair o olhar, não tinha aparência que agradasse”(Is 52,14; 53,2). Transfigurado pela nossa desfiguração, sua beleza é a nossa feiúra, seu esplendor as nossas trevas. “Prostremo-nos diante de cristo, em lugar de estendermos túnicas ou ramos inanimados e folhagens que perdem, com a seiva, o seu verdor e alegram o olhar apenas algumas horas. Nós mesmos, revestidos de sua graça, ou melhor, de todo ele, prostremo-nos a seus pés como túnicas estendidas” Santo André de Creta LEITURA RANIERO CANTALAMESSA Os sofrimentos de Cristo O Domingo de Ramos é a única ocasião, além da Sexta-Feira Santa, em que se lê o Evangelho da Paixão de Cristo no curso de todo o ano litúrgico. Como não é possível comentar o longo relato por completo, detenhamo-nos em dois de seus momentos: Getsêmani e Calvário. De Jesus no horto das oliveiras, está escrito: «Começou a sentir tristeza e angústia.” Disse-lhes: ‘Minha alma está triste até o ponto de morrer; fiquem aqui e velem comigo” Um Jesus irreconhecível! Ele, que dava ordens aos ventos e aos mares e estes o obedeciam, que dizia a todos que não tivessem medo, agora é vítima da tristeza e da angústia. Qual é a causa? Ela está toda contida em uma palavra, o cálice. «Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice!». O cálice indica toda a sorte de sofrimento que está a ponto de cair sobre Ele. Mas não só isso. Indica, sobretudo a medida da justiça divina que os homens culminaram com seus pecados e transgressões. É «o pecado do mundo» que Ele tomou sobre si e que pesa sobre seu coração como uma pedra. O filósofo Pascal disse: «Cristo está em agonia, no horto das oliveiras, até o fim do mundo. “Não se pode deixá-lo só todo este tempo”. Agoniza lá onde haja um ser humano que luta com a tristeza, o pavor, a angústia, em uma situação sem saída como Ele aquele dia. Não podemos fazer nada pelo Jesus agonizante de então, mas podemos fazer algo pelo Jesus que agoniza hoje. Ouvimos diariamente tragédias que se consomem, às vezes em nossa própria vizinhança, na porta da frente, sem que ninguém perceba nada. Quantos hortos das oliveiras, quantos Getsêmanis no coração de nossas cidades! Não deixemos sozinhos os que estão dentro. Translademo-nos agora ao Calvário. «Clamou Jesus com forte voz: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?’ Dando um forte grito, expirou». Estou a ponto de dizer agora quase uma blasfêmia, mas me explicarei logo depois. Jesus na cruz passou a ser ateu, o «sem Deus». Há duas formas de ateísmo. DO TEXTO “...e uma vara em sua mão direita”: a vara é o cetro de comando. O cetro é um bastão, prolongação da mão, que alcança o que não pode ser pegado pela mão. O poder de quem tem o cetro não é agir, mas fazer agir os outros ao seu serviço: quem “comanda” manda os outros para a sombra e o fogo dos espinhos. O bastão é o seu “telecomando” age a distância, por meio do terror dos seus golpes. Reproduzindo as más imagens de uma cabeça enferma – as imagens se tronando realidade, observadas por todos, privando-as da sua glória. Esta vara bate na cabeça coroada de espinhos (Mt 27,30b). Assim é a ordem do mais forte senão um bater na cabeça, na inteligência e na vontade do súdito? Este reconhece como seu chefe quem o “decapita” , quem o priva da sua cabeça! “Então se ajoelharam diante de Jesus...”: é a prostração: o súdito oferece ao rei a sua nuca, reconhecendo como senhor da sua vida que, ao invés de dar-lhe a morte, o agracia por enquanto com a desgraça de quem o ameaça! Esta brincadeira diante de Jesus revela a tragédia do poder. “... e zombaram...”: zombar, irritar, tratar com escárnio: é em síntese qual é a atitude do homem diante do seu verdadeiro rosto! A atroz farsa, pela qual todos nós participamos, termina contra o Filho do homem, que revela-nos a nossa estupidez e a sua glória. Ele na verdade não age como nós: “não pode” porque é bom e amante da vida (Sb 11,26); por isto “deve” sofrer o que nós fazemos. Esta é a sua força, em que se prende o estúpido e cruel jogo da nossa inconsciência. “... dizendo: ‘Salve, rei dos judeus!’” : é a aclamação festiva de quem encontrou o que desejava. O rei é aquele que todos queremos ser, e que todos temos na cabeça. O que é o aplauso, numa relação de submissão, senão uma recíproca e inconsciente zombaria? v.30.”Cuspiram nele...”: depois da prostração e da aclamação àquele que está adornado das insígnias de chefe, se segue o beijo de adoração. Adorar significa beijar, levar à boca ( do latim ad-orare ) o objeto do próprio desejo, quase um comê-lo e introjetá-lo. Aqui o beijo é um desprezo. E assim é o que nós desejamos, senão o que é desprezível? “... e, pegando uma vara, bateram na sua cabeça”: no final se manifesta a que serve o cetro: bater na cabeça de quem não se inclina. Os soldados executam a ordem implícita que vem de todo poder: fazer violência ao inocente. “Inocente” é aquele que não faz o mal. Quem faz o mal é perigoso; que faz o mal mais do que os outros se trona rei. Se o rei tem o poder de dar a morte, o inocente tem aquele de recebê-la! v.31. “Depois de zombar dele...”: é o comentário do autor diante da comédia humana e divina do “Ecce homo” (“Eis o homem”). Quando os servos do poder executam uma zombaria: esta zomba de todos, patrões e servos, senhores e escravos. A narração mostra a gratuidade e a estupidez do mal: é horrível, e sem alguma vantagem pra ninguém! “... tiraram-lhe o manto vermelho...”: pela segunda vez o despojam; antes na sua veste, agora na nossa. “... e, de novo, o vestiram com suas próprias roupas”: são aquelas do Filho, que aos pés da cruz deixará em herança aos irmãos que o crucificaram (Mt 27,35). Santa Clara tinha consciência de ter sempre diante dos olhos a pessoa de Cristo que iluminava a sua vida e permitia se refletir nele e ele nela, com a imagem sugestiva do espelho ela admoesta santa Inês a se deixar envolver bela beleza, pelo brilho de Cristo: TEXTO FRANCISCANO No Crucificado, Francisco e Clara de Assis souberam ver o Rei pobre, ao assumir a vontade do Pai e todo o seu desígnio de amor que passa pela cruz. Santo Antônio assim fala das características do Rei Jesus: “O teu rei é pobre: aniquilou-se a si mesmo tomando a forma de servo. O teu rei é obediente: Adão rejeitou de obedecer ao Senhor; então o Senhor tomou a forma de servo e se fez servo do servo para que o servo não se envergonhasse mais de servir ao Senhor. Durante a paixão o despojaram das suas vestes e a sua carne foi traspassada pelos pregos; porém foi então que a sua realeza recebeu as suas últimas insígnias: coroa, púrpura, cetro...” LEITURA RANIERO CANTALAMESSA O ateísmo ativo, ou voluntário, de quem rejeita Deus, e o ateísmo passivo, ou padecido, de quem é rejeitado (ou se sente rejeitado) por Deus. Em um e em outro existem os «sem Deus». O primeiro é um ateísmo de culpa, o segundo um ateísmo de pena e de expiação. A esta última v.34. “Os fariseus disseram-lhe: 'Tu nasceste todo em pecado...”: pertence o «ateísmo» Madre Teresa de Calcutá, de quem é ainda cego acusa oRda ex-cego de estar totalmente nos pecados, ANIERO CANTALAMESSA quemquetanto se falou por ocasião daDeus publicação agora nele foram manifestadas as obras de (cf. Jo 9,3)de seus “‘... e estás nos ensinando?'”: os chefes querem ficar como os únicos escritos pessoais. detentores saber que sustenta o poder, reduzindo todo os outros a cegos e Na cruz,doJesus expiou antecipadamente o ateísmo pecadores. Projetando sobre eles a própria realidade (cf. Jo 9,41). queexpulsaram-no existe no mundo; não só o dos ateus declarados, “E da comunidade”: quem é livre do medo mas e da também oquem dos ateus práticos, aqueles que que vivem escravidão, abriu os olhos sobre a verdade nos «como faz livres,seé expulso para fora por quem está ainda nas trevas: nasceu para a luzna da Deus não existisse», relegando-o ao último lugar liberdade. Existe um diretor invisível que, deixando que os atores façam própria vida. «Nosso» ateísmo, porque, neste sentido, quilo que querem, toma a liberdade de tecer uma bela história também todos somos –nunca unspensados, mais,antes outros menos – 50,20; ateus, dos acontecimentos lamentáveis (cf. Gn At «indiferentes» dehumana Deus. éDeus é também hoje um 4,27s; Rm 8,28). Adiante comédia também sempre uma comédia divina. Agora o ex-cego, expulso das trevas quemda o queria cego dos à luz «marginalizado», marginalizado dadevida maioria de quem lhe deu a vista, pode encontrar o Rosto. homens. Igualmente aqui se deve dizer: «Jesus está na cruz até o v.35. “Jesus soube que o tinham expulsado”: Jesus escutou o que lhe fim do mundo». Ele está em todos os inocentes que tinha acontecido: por sua causa foi insultado e banido da comunidade, sofrem.participante Está pregado na cruz graves. Os tornado da sua mesma sortedos (cf. enfermos Jo 16,1-3). Agora, tornado pregos o atam àdecruz como ele, que terá aainda bem-aventurança vê-lo.são as injustiças que se “Encontrando-o”...: chamadoEm dos primeiros discípulos é uma série de cometem com os opobres. um campo de concentração encontros (cf. Jo 1,41b.43.45). Agora também o ex-cego como também o nazista, enforcaram um homem. Alguém, assinalando a ex-enfermo (Jo 5,14), encontra Jesus, porque procurado e encontrado vítima, perguntou a um crente que tinha ao lado: «Onde diretamente por ele. Nós podemos o encontrar porque ele por primeiro vem estáaoonosso teu encontro Deus agora?». para nos procurar. «Não o vês? – respondeu-lhe. “... perguntou-lhe: 'Acreditas todas no Filho Homem?'”: aoda ex-enfermo “Está aí, na forca”.Em asdo«deposições cruz», Jesus diz de não mais pecar,para que não lhe aconteça coisa pior (Jo sobressai a figura de José de Arimatéia. Representam 5,14). Lá Jesus era apresentado como aquele que tira o pecado; agora ao todos osé que também hoje adesafiam o regime opinião contrário aquele que completa criação, fazendo nasceroudoaalto. O excego, na verdade, já rompeu com odos mal:condenados, foi expulso! A dos ele Jesus propõe a pública para aproximar-se excluídos, plena luz: a fé nele, do O Filho, e luz do mundo. em ajudar algum dos portadores HIV,vida e se empenham A pergunta de Jesus é retórica, que supõe uma resposta positiva. Mas é deles a descer da cruz. Para algum destes «crucificados» também uma pergunta misteriosa. O titulo “Filho do homem” é uma de hoje, o “José de Arimatéia” designado esperado bem alusão ao Filho do homem de Dn 7,13, que vem paraejulgar o mundo (cf. Jo 9,39 onde juízo). Mas João, em dez veze em que aparece poderá ser seeu,falaoudepoderá ser em você. esta expressão, somente em Jo 5,27 se fala de juízo; as outras oito se referem a vários aspectos da obra da salvação que o Filho do homem realiza: a abertura do céu sobre a terra (Jo 1,51), a sua descida e subida ao céu (Jô 3,13; 6,62), a elevação sobre a cruz (Jo 3,14; 12,34), a sua glorificação (Jo 13,31) e o dom do pão (Jo 6,27.53). Aqui é a única vez em que a expressão “Filho do homem” é usada de modo absoluto, sem nenhuma ação que a especifique: indica todo o mistério da “sua” lama, aquela que Jesus colocou sobre os olhos do cego e que agora o ex-cego vê diante de si. Ao ex-cego, depois da experiência que fez, Jesus pede que creia no Filho do homem. v.36. “Respondeu ele: 'Quem é, Senhor, para que eu creia nele?'”: a pergunta pode significar “qual é” ou “quem é” o Filho do homem. “Qual “ seja, tomou-o da sua experiência; “quem” seja, está agora em grau de vê-lo, porque ele lhe deu a vista. A pergunta de Jesus serve para explicitar o seu desejo de conhecê-lo e crer nele. O milagre da vista é sinal da f´pe, que é ver a ele, o rosto do Filho do homem, verdadeiro rosto de todo filho do homem. v.37. “Jesus disse: 'Tu o estás vendo...”: Em grego, a língua original do Novo Testamento, existem três verbos para se definir o sentido de "ver": βλέπω/blépô é 'ver', 'olhar', ser capaz de 'ver'; literalmente 'ver de olhos abertos'. Em θεωρέω/theôréo temos: 'ver', 'olhar', 'contemplar'; literalmente 'apreciar com a visão', e όράω/horáo que é ver 'percebendo', DO TEXTO “Daí o levaram para crucificar”: depois da coroação no palácio, entre os familiares, segue o cortejo entre a multidão que o leva à entronização. O seu trono será o Calvário, diante das portas da cidade. v.32. “Quando saíam, encontraram um homem chamado Simão, da cidade de Cirene...”: é um estrangeiro que está de passagem, que vindo dos campos entra na cidade. Cirene está na África! Ele, e não Simão chamado Pedro, está “com” Jesus no momento da “sua” glória. “... e o obrigaram a carregar a cruz de Jesus”: no momento mais alto da história de Deus e do homem, Simão ajuda o Senhor a levar a cruz. É a cruz do mal do mundo, na qual acará Jesus. Discípulo é aquele que leva a própria cruz (Mt 16,24). Que é este que leva até a cruz do Senhor? O que Jesus faz conosco, o faz o Cirineu com ele: é o discípulo perfeito, que se identifica com o seu Mestre. Nele se cumpre a nosso favor o que ainda falta á paixão de cristo pela nossa salvação (cf. Cl 1,24). Mas ele não sabe disso, nem o quer. Mesmo toca a ele fazê-lo: é constrangido! Na verdade o menor dos irmãos ali presente nas portas de Jerusalém, aos pés do Calvário. A ele “toca” levar a cruz. Se fosse rico, poderoso ou sábio, teria podido descarregar sobre os outros” Ele também se tornará impuro como o Senhor, e não poderá celebrar a Páscoa. O seu caso é maldito, que ocorre a quem é fraco e não pode se rebelar: “deve” levar a violência dos outros. Depois do “Ecce homo”, eis outra pessoa como ele, inicio de uma numerosa fileira que abraça a todos os pobres e condenados da terra. Em Marcos Cirineu é o pai de Alexandre e Rufos (Mc 15,21): um pai que tem uma posteridade sem fim (dois é o numero aberto á multiplicidade). Todos os pequenos do mundo são cirineus! Somente mais tarde compreenderá o grande dom que lhe foi feito. A vocação para estar com Jesus não é fruto de vontade: é um dom que acontece, contra a vontade, a quem somente depois compreenderá. No momento é somente um lamentável incidente, que nunca teria desejado que acontecesse. v.33. “E chegaram a um lugar chamado Gólgota, que quer dizer “lugar da caveira”: aos pés do Calvário, pequeno relevo de poucos metros diante das portas da cidade, há uma gruta. A tradição coloca nela os restos do primeiro homem. A árvore da vida se levanta sobre o crânio de Adão, que quer roubar a semelhança com Deus. A sua vontade de poder causou a morte a ele e a seus filhos. Sobre sua cabeça agora desce o sangue do Filho inocente, cuja fraqueza tem o poder de dar a vida. v.34. “Ali deram vinho misturado com fel para Jesus beber”: aos condenados se dá uma bebida anestésica (cf. Pr 31,6): vinho com mirra. A ele foi dado “fel” ( cf. Sl 63,21s). Nenhuma consolação para ele, senão o fel de uma solidão amarga. “Ele provou, mas não quis beber”: todo o nosso saber é uma tentativa para não sentir a dor que a morte nos dá. Por isto reduzimos a nossa existência a fel. A “insensatez” de Deus rejeita esta sabedoria, Deus responde com a sua, que é a fraqueza e a loucura do amor. v.35. “Depois de o crucificarem..”: a cruz, patíbulo do escravo rebelde, é o seu trono. A descrição da crucificação é quase como que um protocolo, sem comentários: a execução do Senhor do universo é o maior acontecimento, a coisa mais sublime que o homem possa fazer. LEITURA “... fizeram um sorteio, repartindo entre si as suas vestes”: as vestes do Filho recobre aqueles que o crucificam . Deus tinha dado aos nossos progenitores duas túnicas de pele em troca das de folhas de figo, na expectativa de dar-lhes este dom. A herança do Filho é um legado aos irmãos que o crucificaram. São os primeiros que revestidos dele, darão glória a Deus. v.36. “E ficaram ali sentados, montando guarda”: entronizado o rei, agora observam, sentados. E vêem o juízo de Deus. v.37. “Acima da cabeça de Jesus puseram o motivo da sua condenação: ‘Este é Jesus, o Rei dos Judeus’”: o nome e o titulo da condenação, colocados no patíbulo, são a didascalía da cena. Cada um quer ver e compreender quem é o rei, aquele que liberta. v.38. “Com ele também crucificaram dois ladrões, um à direita e outro à esquerda de Jesus”: um à direita e outro á esquerda, os dois ladrões representam todos nós, que rapinamos a herança do Pai. No centro está o Filho que a oferece. A nossa morte justa é fruto da nossa injustiça; a sua, injusta, é fruto da nossa “justiça”, aquela de Filho perfeito como o Pai. Naquele ponto também os ladrões são “inocentes”: não podem mais fazer o mal, porque estão na cruz. O Emanuel está com eles: o Justo partilha a sorte deles, por mais culpados que tenham sido. v.39. “ As pessoas que passavam por ali o insultavam, balançando a cabeça...”: a blasfêmia é não reconhecer o Cristo, o Filho de Deus e o Juíz naquele que crucificamos por blasfêmia. v.40. “... e dizendo: ‘Tu, que ias destruir o Templo e construí-lo de novo em três dias...’”: foi a acusação contra Jesus (Mt 26,61). O templo destruído é ele, reedificado depois de três dias pelo poder do Espírito, lugar de comunhão com o Pai e entre os irmãos, aberto a todos os homens. “‘... salva-te a ti mesmo!...’”: toda a nossa violência vem da tentativa de nos salvar da morte que tememos como o fim da vida. Salvar a si mesmo está na origem do egoísmo que governa cada uma de nossas ações. Mas somente quem perde a sua vida, a salva (cf. Mt 16,25). “‘... Se és o Filho de Deus...’”: assim também Satanás tentou Jesus no deserto (Mt 4,3.6). “‘... desce da cruz!’”: Deus se revela tal, porque fica na cruz. Se descesse, seria um homem, como todos nós. v.41. “Do mesmo modo, os sumos sacerdotes, junto com os mestres da Lei e os anciãos também zombavam de Jesus...”: como antes também os soldados como os que passavam, agora também os chefes zombam dele. O poder e a sabedoria de Deus é blasfêmia e zombaria para o poder e a sabedoria do mundo, que blasfema e zomba de Deus. v.42. “’A outros salvou... a si mesmo não pode salvar!’”: Jesus não pode salvar a si mesmo: na verdade perde a si mesmo para nos salvar. “‘É Rei de Israel...’”: por isto é o rei, o homem livre da tentativa de salvar a si mesmo, que pode salvar os outros. “‘Desça agora da cruz! e acreditaremos nele’”: como se quer separar o Senhor da cruz, assim também se quer separar dele também a salvação. A cruz é a única revelação de Deus, e é também a nossa única salvação. Na verdade é a soma de todo mal que nós fazemos e de todo o bem que Deus faz por nós. Se Jesus descesse da cruz, nós é que estaríamos na cruz, e ele não seria nem Senhor e nem Messias. v.43. “Confiou em Deus; que o livre agora, se é que Deus o ama! Já que ele disse: Eu sou o Filho de Deus”: (cf. Sb 2,13.18-20). Jesus é o Filho cuja justiça é confiar-se no Pai, ao qual em obediência se confia aos irmãos perdidos. v.44. “Do mesmo modo, também os dois ladrões que foram crucificados com Jesus o insultavam”: a cruz é escândalo, também para aqueles pelos quais o Senhor se faz próximo, para levar a eles a sua benção. v.45. “Desde o meio-dia até as três horas da tarde, houve escuridão sobre toda a terra”: o sol do meio-dia se obscurece: é o fim do mundo! DO TEXTO Além da cruz do Filho de Deus, nenhum mal pode ir.. O pecado já atingiu o seu ápice: a luz, principio da criação, foi “presa” pelas trevas. E toda a terra faz luto pelo Filho (cf. Am 8,9s). v.46. “Pelas três horas da tarde, Jesus deu um forte grito: ‘Eli, Eli, lamá sabactâni?’ Que quer dizer: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?’” : (Sl 22). É o inicio do salmo 22, que expressa a confiança no desespero. O abandono de Deus é o mal realizado pelo homem, que deixou o Pai. O Filho, feito por nós maldição e pecado (Gl 3,13; 2Cor 5,21), leva sobre si o mal dos irmãos, e grita ao pai. Nele, que grita conosco a Deus, nenhum abandono é mais abandonado. Em cada abandono de Deus encontramos o Filho que se abandonou por nós. v.47. “Alguns dos que ali estavam, ouvindo-o, disseram: ‘Ele está chamando Elias!’”: Elias é aquele que deve vir antes do fim do mundo para reconciliar o coração dos pais para com os filhos e dos filhos para com os pais (Ml 3,23s). O Antigo testamento se fecha com estas palavras, que são a grande promessa. Esta se realiza agora no grito de Jesus ao pai, que nele se reconcilia com cada filho. v.48. “E logo um deles, correndo, pegou uma esponja, ensopou-a em vinagre, colocou-a na ponta de uma vara, e lhe deu para beber”: (cf. Sl 69,22). O vinagre é vinho estragado. O Filho tem sede (Jo 19,29) de nos dar a sua fonte de água viva (Gl 4,14). Por isto bebe a nossa morte. Depois que ele bebeu, tudo se cumpriu (Jo 19,30). v.49. “Outros, porém, disseram: ‘Deixa, vamos ver se Elias vem salválo!’”: Elias, elevado ao céu num carro de fogo, é invocado e esperado como o salvador das situações impossíveis. v.50. “Então Jesus deu outra vez um forte grito...”: depois do primeiro grito, cheio de toda a nossa morte gritada ao Pai, este segundo é a voz poderosa do Verbo criador que se difunde nas trevas e cria a vida. É o grito potente da nova criatura: o Filho de Deus, pela qual tudo foi feito, nasce sobre a terra” “... e entregou o espírito”: do alto da cruz, é enviado sobre a terra o Espírito do Filho, que a tudo dá a vida. v.51. “E eis que a cortina do santuário rasgou-se de alto a baixo, em duas partes...”: no batismo de Jesus o céu se abriu, desceu o Espírito e ressoou a voz que o proclamou Filho; na sua morte se abre o véu do templo e o Filho de Deus nasce sobre a terra, preenchendo o cosmos do seu Espírito. Deus não está mais atrás do véu do templo, no céu; está na nudez do Filho, que o desvela sobre a terra. “... a terra tremeu e as pedras se partiram”: o sol se obscurece, o céu se abre, a terra estremece, as pedras se partem; é o fim do mundo posto no mal, que na morte do Filho se consuma a própria violência. vv. 52-53. “Os túmulos se abriram e muitos corpos dos santos falecidos ressuscitaram! Saindo dos túmulos, depois da ressurreição de Jesus, apareceram na Cidade Santa e foram vistos por muitas pessoas”: é o inicio do novo mundo. O céu se abre para deixar descer Deus (Is 63,19), a terra estremece e se abre para restituir os mortos que tinha engolido. Aqui reconhecemos quem é o Senhor (cf. Ez 37,13). Por este Espírito os mortos agora vivem a vida que vence a morte; e entram na cidade santa, na Jerusalém celeste que agora é a pátria deles. Aquele que disse: “digo e faço” (Ez 37,14), agora cumpre a sua promessa. No Filho, que dá a vida por todos, todo irmão retorna à vida de filho de Deus. Estes santos são a sua antecipação. A morte não tem mais poder sobre eles: foi morto o corpo deles de pecado e foi dado a eles o Espírito doador de vida. v.54. “O oficial e os soldados que estavam com ele guardando Jesus, ao notarem o terremoto e tudo que havia acontecido, ficaram com muito medo e disseram”: o comandante e o seu pelotão de execução, que o mataram e o olham, agora reconhecem o Senhor da glória. “Ele era...” pela primeira vez o homem reconhece quem é Deus: o vê no corpo do Filho, dado a ele que o matou. Ver o Filho de Deus no Filho do homem é o grande mistério: mistério de Deus e salvação do homem. “... mesmo Filho de Deus!”: Não porque não saiba mais, mas porque agora se compreende “que” e “como” Jesus era Filho em toda a sua existência terrena. Lectio Caritas et Humilitas – organizador: Frei Eldi Pereira Silva- e-mail: [email protected] SILVANO FAUSTI, Uma communità legge Il Vangelo di Matteo, EDB, Bologna, 1998, p. 546-548.552-553.557-560