Mesa Temática: 1. Nuevas Cartografias de los Feminismos del Sur MULHERES E FUTEBOL: TORCEDORAS OU CAÇADORAS DE HOMENS? Luana de Paula Santos. [email protected] Estudante do Curso de Graduação em História/UFMT/CUR/ICHS/Departamento de História. Mulheres, futebol e elite No Brasil, antes mesmo da participação das mulheres dentro das quatro linhas dos gramados, a presença feminina já era constante nas partidas de futebol no final do séc. XIX quando o esporte passara a ser praticado no país, conforme afirma o autor alemão Anatol Rosenfeld: “Enquanto o futebol organizado foi cultivado essencialmente pelas camadas superiores da juventude e, em conseqüência disso, pôde conservar seu caráter puramente amador, fez parte, de forma comparável talvez ao tênis atual, das competições freqüentadas pela “boa sociedade” e preferido sobretudo pelo elemento feminino.” 1 De acordo, com o jornalista e escritor brasileiro Mario Filho, a presença de mulheres em torno dos campos de futebol era restrita a elite, assim como o próprio futebol na época. As mulheres da elite iam acompanhadas por suas famílias assistirem aos jogos, todas muito bem vestidas, deslumbrantes com seus leques e lenços luxuosos, conforme determinava todo o ensejo, aliás, o cenário era muito propício para que se fizessem bons arranjos de casamentos: “O futebol prolongava aquele momento delicioso de depois da missa. As moças, mais bonitas ainda. Tinham ido em casa, demorando-se diante do espelho, ajeitando o cabelo penteado para cima, encacheado (...) Na arquibancada, sentadas, abrindo e fechando os leques, sérias, sorridentes, quietas, nervosas, como que ficavam em exposição (...)As moças ficavam mais nervosas, aí é que não paravam de abrir e fechar os leques. Belos leques, uns grandes, de babados de renda, outros pequenos, de madrepérola. E os pais e as mães perto, achando tudo aquilo muito certo, muito direito (...) E tudo estava mesmo muito certo, muito direito. Os filhos no campo, as filhas nas arquibancadas. Pais, filhos, a família toda. Podiase dizer: as famílias todas. O que havia ali, no campo, na arquibancada, havia nos bailes do Clube das Laranjeiras...”2 Popularização do futebol, regime militar e a participação feminina 1 2 ROSENFELD, Anatol. Negro, Macumba e Futebol. São Paulo: Perspectiva, 2013, p. 80. RODRIGUES FILHO, M. O Negro no Futebol Brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, p. 24. Com a popularização do futebol e a criação de clubes de bairro formado pelas classes menos abastadas, como, por exemplo, o Sport Club Corinthians Paulista (S.C.C.P)3 em 1910, a elite passou a ter uma menor frequência nas arquibancadas, mudando assim o público expectador das partidas, que em grande maioria passou a ser formado por homens e mulheres das “periferias” do centro de São Paulo, aliás, os jogadores dos clubes de bairro eram operários, e não abastados como nos clubes de futebol de elite, como trata Fábio Franzini (Doutor em História Social, pela Universidade de São Paulo) em seu artigo Futebol é "coisa para macho"? Pequeno esboço para uma história das mulheres no país do futebol: “À medida que o futebol se popularizava, porém, a aristocracia deixava os estádios, levando consigo suas filhas e, em muitos casos, também os filhos. Mudavam os jogadores, que passaram a entrar em campo graças ao talento e não ao sobrenome, mudava também o público, que agora freqüentava mais os galpões das fábricas que os seletos salões de baile dos clubes...”4 Anos mais tarde no final da década de 1970, mais especificamente em 1969 surgira a Gaviões da Fiel, maior e principal torcida organizada do S.C.C.P, coincidentemente esse surgimento se deu durante o regime militar, período este em que era vetada por lei 5 a pratica de esportes como, por exemplo, o futebol por mulheres. Mesmo com a proibição da prática, algumas mulheres continuavam a frequentar as partidas como expectadoras, estima-se que o número de mulheres especificamente na Gaviões, era de 3 para cada 100 homens nos primeiros anos da torcida, conforme dados da própria entidade. Talvez um número pequeno em relação à quantidade de homens, porém importante e significativo tendo em vista o contexto histórico que o país vivia. A popularização do futebol trouxe também um significado muito maior do que apenas a prática para as classes menos abastadas no Brasil, mas sim um sentimento de nacionalismo, pois em uma situação como a da Ditadura Militar, era necessário um meio que atribuísse ao povo brasileiro a ideia de que “estava tudo muito bem” no país, para firmar esse sentimento, essa identificação do brasileiro(a) com o futebol, em 1970, durante a Copa do Mundo, o então 3 Clube de bairro paulistano, fundado em 01 de setembro de 1910 no Bairro do Bom Retiro por operários da São Paulo Railway (S.P.R). 4 FRANZINI, Fábio. Futebol é “coisa pra macho”? Pequeno esboço para uma história das mulheres no país do futebol. Revista Brasileira de História. São Paulo, 2005, v. 25, nº 50, p. 318. 5 Deliberação nº7 de 2 de agosto de 1965 do Conselho dos Desportos. presidente Médici 6 passou a demonstrar certa brasilidade, “vestindo a camisa” da seleção brasileira, a fim de mostrar que o seu governo era popular, conforme afirma Marcos Guterman, em seu artigo publicado na revista da PUC/SP, Médici e o Futebol: A utilização do esporte mais popular do Brasil pelo governo mais brutal do regime militar: “Com tal objetivo em mente, posou de torcedor número um, deu palpites públicos sobre os jogos e, ao final, com o título assegurado, deixou-se filmar e fotografar como um autêntico entusiasta do esporte. Para alguns observadores, esta atitude é suficiente para classificar Médici como um insidioso manipulador das ilusões das massas.” 7 E mesmo se tratando de um país onde o que se predominava desde então era a cultura patriarcal, e principalmente durante o regime militar vivenciado na época, onde mulheres não tinham voz para absolutamente nada, pode-se dizer que, a presença feminina nos estádios mesmo que fora dos gramados, significava muito mais do que torcer, ou um “lazer” e sim talvez fosse um fator importantíssimo para a libertação destas, talvez estar nas arquibancadas poderia também ser uma manifestação para a “liberdade”, uma manifestação “feminista”, pois haviam na época fortes movimentos populares de mulheres, aliás, também coincidia com um forte momento do feminismo, em que surgiam vários grupos feministas no mundo. Estas mulheres que antes iam aos estádios apenas para arranjos de compromissos (pelo menos em grande maioria), já podiam fazer parte do coro nacionalista e ufanista. Gaviões, futebol e carnaval: uma torcida que samba Uma possível crescente do número de associados (as) na Gaviões, deu-se a partir de 1973, quando a entidade começou a participar como bloco da Vai-Vai8 no carnaval paulistano, esta participação se deu, pois durante o “recesso” dos campeonatos de futebol, os membros (as) da torcida se afastavam da quadra, por isso participar do carnaval foi um estopim para manter os integrantes “ativos”, mais tarde a Gaviões se tornou um bloco independente no carnaval, e com algumas vitórias consecutivas do bloco, a entidade foi convidada a participar do grupo de acesso das escolas de samba de São Paulo em 1989, e em 1995 já fazia parte do grupo especial, logo, com esta popularização em meio ao carnaval, estima-se que também tenha começado a crescer o número de mulheres, principalmente na quadra da torcida corinthiana. Esse crescimento vem sendo notável até os dias de hoje, tanto na quadra, quanto no estádio, 6 Militar e Presidente do Brasil de 1969 a 1974. GUTERMAN, Marcos. Médici e o Futebol: A utilização do esporte mais popular do Brasil pelo governo mais brutal do regime militar. Revista Proj. História PUC/SP, 2004, p. 270. 8 Escola de Samba do carnaval paulistano. 7 quem frequenta as festas, as arquibancadas e muitos outros setores que fazem pertença ao futebol e torcida, percebe um número significativo de mulheres em meio a esse ambiente introjetado de masculinidade e virilidade como tratou Rosenfeld no livro Negro, Macumba e Futebol: “(...) O futebol tornou-se símbolo da virilidade flexível de uma juventude formada por uma cultura patriarcal em que a vigorosa potência viril e a elegância verbal literário-retórica contavam entre os valores mais altos...” O cenário atual... Hoje o cenário na torcida corinthiana, conta com um grande número de mulheres, segundo o departamento de comunicação da entidade, de um número aproximado de 101 mil torcedores (as), cerca de 30 mil são mulheres, ou seja, aproximadamente 30% da Gaviões é composta pelo público feminino, que também é assíduo nos estádios. A problemática que esta pesquisa em andamento levanta é a seguinte: Se diante de todo este contexto histórico as mulheres sempre tiveram participação nos estádios, sobretudo nas arquibancadas e o número de mulheres nos estádios vem crescendo, por que então há ainda mesmo que indiretamente esta separação entre “mulheres-macho” x “caçadoras de homens” no discurso das torcedoras? Este trabalho não irá oferecer uma resposta concreta para esta pergunta que me inquietou e ainda inquieta ao longo destes anos de torcida, mas hipóteses para que juntos possamos refletir e chegar a uma ou mais teorias mais próximas de possíveis respostas, e ativamente participarmos das mudanças que precisam ocorrer dentro deste ambiente machista. Ao longo deste trabalho perceberemos através de relatos de experiências em entrevistas com algumas torcedoras, como são dados estes discursos machistas ou “feministas”. É provável que esta associação das mulheres com roupas tidas como “inadequadas” frequentando os estádios serem pejorativamente taxadas de “Caçadoras de Homens”, esteja ligada ao fator histórico-social (como já vimos no início do texto) em que mulheres (da elite) que iam ao estádio com roupas luxuosas e muito bem arrumadas, realizavam este “ritual” de beleza antes de adentrar as arquibancadas para que conseguissem um bom partido. Mas, por que em séculos tão diferentes preserva-se este pensamento machista de que uma mulher com roupas que não correspondem o padrão (pois, o que se acredita em meio as torcidas que seja “ideal”, são vestimentas muito próximas das masculinas) em que se deve frequentar os jogos de futebol, esteja necessariamente “caçando um homem”? E por que se de fato estivessem procurando um bom partido seria “errado”? Sem dúvidas, o fato de nossa sociedade ser berço da cultura patriarcal até os dias de hoje, pesa muito para que ainda sejam predominantes esses discursos. Percebamos então neste momento, em uma pequena entrevista realizada através do facebook com algumas torcedoras da entidade, como são perceptíveis algumas ideias machistas e ideias que contrapõem esta “segregação” de sexos nas arquibancadas. Abaixo, na resposta da torcedora Larissa Neves sobre se: é perceptível algum tratamento diferenciado pelo fato de ser mulher? Como se sente enquanto mulher nas arquibancadas? A submissão das torcedoras em relação às regras colocadas pela entidade fica fortemente visível no discurso, e ao mesmo tempo a contradição destas regras quando há a cobrança tanto por parte dos torcedores ou de todos envolvidos nesse cenário social, de que, se uma mulher quer ser respeitada e tratada de igual para igual deve passar por todas as situações que indicam a virilidade de um homem, percebemos ai que estádios de futebol ainda são ambientes tidos como masculinos, e como as mulheres são vistas neste ambiente. E talvez, por isso a “necessidade” destas torcedoras se camuflarem em roupas “masculinizadas”. “(...) no estadio, no fervo da torcida apoiando o time acho q essa divisão homem/mulher vem sumindo, todos num só grito em prol do seu clube, ha diferença sim, muita, machismo ainda impera em muitas coisas. mais desde o inicio somos informadas disso, aceita estar ali quem quer (...) alem do machismo partir de dentro da propria torcida, ele vem de varios outros lados, policia, torcedores adversarios. ja levei spray de pimenta na cara simplismente pq o ser q fez isso disse q se mulher que quer ficar la no meio tem q aguentar o que os homens agüentam...”9 No discurso da torcedora Viviani Araujo, a seguir, fica nítida a associação de roupas com a ideia de “caçadoras de homens”, que mais uma vez ressalta a mesma ideia tida nos séculos XIX e XX, de que naquele contexto, o fator principal para que as mulheres frequentassem as arquibancadas, eram os arranjos de casamento. “A mulher tem que se portar com respeito (...) Se da respeito para ser respeitada (...) Se da o respeito seria não ser daquela meninas que chega na torcida atrás de macho . A mulher indo com um short mostrando a polpa da bunda chama atenção. Ate mesmo não mostrando. Uma vez li uma frase que nunca esqueci. Que e mulher em torcida é rainha” 10 9 10 Larissa Neves, Guarulhos/SP. Torcedora associada desde 2008. Viviane Araujo, Maua/SP. Torcedora associada desde 1996. No discurso da torcedora abaixo (a qual não quis ser identificada), fica mais uma vez perceptível essa ideia de “roupas adequadas” para o ambiente futebolístico, a relação do esporte com a forte submissão das mulheres à cultura patriarcal, e como as mulheres devem se portar para que sejam respeitadas neste cenário. “... existe preconceito, na visão masculina mulher deve ficar casa, lavando roupa, cuidando da casa, mulher não tem voz na torcida, são poucas que são ouvidas, assim se prega uma ideologia, mulher não da pita, ouve, aceita, e não fala nada.. Assim como se fosse em um lar normal, homem fala e a mulher obedece, embora hj estamos em outra época,hoje as mulheres ja tem seus direitos. Mas na torcida a ideologia é essa (...) E qto mais a mulher respeita isso, mais ela é bem vista. mulher deve se portar com diciplina, não usar roupas que chamem atenção, pra se alto preservar, e em respeito as pessoas que vão com familiares, marido filhos.”11 Percebamos na fala da torcedora Ariane Aline, mais uma vez a ideia de “roupas adequadas” associadas diretamente ao fato de estar na arquibancada procurando homens, e também a disputa por equiparação dos saberes, pois, além de manter a postura tida como adequada, uma mulher para ser respeitada precisa entender de futebol tanto quanto, ou mais que um homem. “... muitos homens acredita que nenhuma mulher pode entender de jogo que esta ali apenas pra ver pernas e grita gol , mas não e assim muitas sabe mais que qualquer homem . Apesar de ter aquelas que vão apenas para se assanhar o vulgo maria chuteira ou torcida (...) A mulher deve estar sempre e seu lugar nao sair se assanhado pra homens casados vestimentas adequadas a cada situação pois em um jogo em casa no frio não vai sair de shortes mostrando a polpa da bunda . Nem em festas dançando funk rebolando pra caras comprometidos .”12 Nesses discursos, será possível perceber uma cultura misógina nos estádios? Talvez, não declaradamente, mas implicitamente nas falas e atitudes de torcedores (as) isso seja muito perceptível. Contudo, também tem sido notável um “contradiscurso feminista” por parte de muitas torcedoras na perspectiva que traz a historiadora e feminista brasileira Margareth Rago, em seu livro Gênero e História: 11 12 Torcedora anônima associada desde 2006. Ariane Aline, Barueri/SP. Torcedora associada desde 2003. “... É na luta pela visibilidade da “questão feminina”, pela conquista e ampliação dos seus direitos específicos, pelo fortalecimento da identidade da mulher, que nasce um contradiscurso feminista e que se constitui um campo feminista do conhecimento. É a partir de uma luta política que nasce uma linguagem feminista...” 13 A partir daí, podemos perceber que mesmo que ainda haja uma forte resistência e submissão por parte de algumas mulheres, por outro lado também notamos que outras, mesmo que “aceitem” viver em meio a esta cultura tão misógina no meio futebolístico, estão se libertando cada vez mais: frequentando os estádios, tatuando os símbolos de seu clube no corpo e participando ativamente das eleições da torcida. Mesmo assim, o machismo ainda se faz presente, as características de virilidade também, tanto dentro, quanto fora de campo. É necessário problematizarmos seguintes questões dentro da torcida: Por que mulher não pode ser presidenta na entidade? Por que mulher não pode fazer parte do departamento de bandeiras? Sendo, que o mais alto cargo feminino ocupado dentro da Gaviões, é o de secretária (que por sinal é bem sugestivo a toda essa cultura machista). Por que mulher não tem voz? Por que isso “é coisa pra homem”? Não tenho respostas, para estes questionamentos, até mesmo porque sempre que questionei tanto os torcedores quanto as torcedoras, apenas obtive as seguintes respostas: “Isso é coisa pra homem”, “Mulher é página dois na torcida, sempre foi assim”, mas ter estas respostas talvez trouxesse um maior entendimento de que não é bem assim, pelo menos não deveria e nem precisa ser, estas mulheres que vejo ao frequentar as arquibancadas, estas mulheres que entrevistei, sejam elas consideradas “mulheres macho” ou “caçadoras de homens”, são todas mulheres, são todas torcedoras, e ambas estão buscando seus espaços seja a primeira, se vestindo de maneira muito parecida com a masculina (para conseguir assegurar respeito e crédito na entidade), ou seja, a segunda que se veste fora dos “padrões” colocados como corretos para se frequentar um estádio de futebol. Apesar, de toda a “segregação” do sexo feminino causada pelo discurso machista, mulheres estão vestindo aquelas roupas, são mulheres que ali estão lutando por um reconhecimento nas arquibancadas. 13 RAGO, Margareth. Gênero e História. CNT: Compostela, 2012, p. 32. Referências Bibliográficas FRANZINI, Fábio. Futebol é “coisa pra macho”? Pequeno esboço para uma história das mulheres no país do futebol. Revista Brasileira de História. São Paulo, 2005, v. 25, nº 50. GUTERMAN, Marcos. Médici e o Futebol: A utilização do esporte mais popular do Brasil pelo governo mais brutal do regime militar. Revista Proj. História PUC/SP, 2004. RAGO, Margareth. Gênero e História. CNT: Compostela, 2012. RAGO, Margareth. Feminizar é Preciso: por uma cultura filógina. Revista São Paulo em Perspectiva. v. 15, n 3. São Paulo. Jul/set de 2001. RODRIGUES FILHO, M. O Negro no Futebol Brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. ROSENFELD, Anatol. Negro, Macumba e Futebol. São Paulo: Perspectiva, 2013.