LUCIANA BERTINI LEITÃO
DAS INCONSTITUCIONALIDADES DO ARTIGO 28 DA LEI
11.343/06 E DO DIREITO À SAÚDE: ANÁLISE DA REALIDADE
DO DISTRITO FEDERAL
(DE 2006 A 2008)
LUCIANA BERTINI LEITÃO
RESUMO
Pesquisa apresentada ao Curso de Direito Constitucional
Brasília
Contemporâneo,
promovido pela Unb, em parceria com a
FESMPDFT.
2008
DAS INCONSTITUCIONALIDADES DO ARTIGO 28 DA
Orientador: Prof. Dr. Virgílio de Mattos.
LEI 11.343/06 E DO DIREITO À SAÚDE: ANÁLISE DA
REALIDADE DO DISTRITO FEDERAL
(DE 2006 A 2008)
A pesquisa, após abordar os principais conceitos sobre drogas psicotrópicas e
seus estereótipos, desenvolveu um debate acerca das inconstitucionalidades do artigo 28 da
Lei 11.343/06, em especial da violação do princípio da separação de poderes, da lesividade da
intimidade e da vida privada do usuário de drogas qualificadas como ilícitas, do desrespeito
ao princípio da igualdade, bem como acerca da importância do paradigma do Estado
Democrático de Direito e das teorias antiproibicionista e da redução de danos para o
enfrentamento da problemática decorrente do consumo de drogas psicotrópicas. Concluímos o
estudo com uma análise dos dados levantados sobre a realidade da saúde mental no Distrito
Federal de setembro de 2006 aos dias de hoje, em especial no tocante à problemática
decorrente do consumo de drogas psicotrópicas e, com a constatação da necessidade de se
desconstruir a idéia de que a única política criminal possível é da lei e ordem.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 6
1.DAS DROGAS E SEUS ESTEREÓTIPOS...........................................................................8
2. DAS TEORIAS ANTIPROIBICIONISTA E DA REDUÇÃO DE DANOS .................... 17
3. DAS INCONSTITUCIONALIDADES DO ARTIGO 28 DA LEI 11.343/06.................... 23
4. DA CONTRIBUIÇÃO DA DEMOCRACIA E DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL PARA O
ENFRENTAMENTO DA PROBLEMÁTICA DECORRENTE DO CONSUMO DE
DROGAS ILÍCITAS ............................................................................................................... 28
5. DA ANÁLISE DA REALIDADE DO DISTRITO FEDERAL (DE 2006 A 2008)........... 36
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 46
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................... 48
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INTRODUÇÃO
Há décadas a política criminal predominante no Brasil é a do proibicionismo,
ou seja, de repressão penal às condutas relacionadas à produção, distribuição, porte e
consumo de drogas. Contudo, inquestionável o surgimento de um movimento nacional em
busca de soluções distintas das aplicadas pelo modelo tradicional repressivo. Nesse contexto
foi promulgada a Lei 11.343/06, a qual, indubitavelmente, representa, ainda que de forma
tímida, uma ruptura ao paradigma lei e ordem, de origem estadunidense, de repressão penal às
drogas.
Por acreditar na possibilidade de novo incremento na sistemática prevista aos
usuários de drogas ilícitas, afastando-se as possíveis inconstitucionalidades dispostas no
artigo 28 da Lei 11.343/06, tais como o desrespeito ao princípio da separação de poderes, da
igualdade, da lesividade a intimidade e vida privada, entre outras, centra-se este estudo no
questionamento da adequação ou não do poder conferido ao Judiciário na ocasião da
aplicação da pena de medida educativa de comparecimento compulsório a programa ou curso
educativo pelo usuário ou dependente de drogas ilícitas flagrado pela ação policial.
O artigo 28 desvirtua o papel constitucional do Judiciário, visto que incumbe
ao Executivo, por meio de suas respectivas Secretarias de Saúde, implementar políticas
públicas de tratamento aos usuários de drogas, de forma universal e contínua. Destarte,
debateremos acerca das principais características do Estado Democrático de Direito brasileiro,
por ser questão subjacente à problemática acima referida.
O entendimento de que incumbe ao Executivo, por meio de suas respectivas
Secretarias de Saúde, traçar diretrizes e executar políticas aptas ao enfrentamento do uso
abusivo de drogas ilícitas, pressupõe a negação da política criminal atualmente existente no
Brasil, como também da legislação penal vigente e, por conseguinte, requer maior reflexão
acerca dessa temática, tanto sob uma ótica teórica como prática.
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Para a consecução deste ensaio, valemo-nos dos pressupostos teóricos e
conceituais imanentes ao tema, quais sejam, do paradigma do Estado Democrático de Direito,
das teorias antiproibicionistas e da redução de danos e das inconstitucionalidades do artigo 28
da Lei 11.343/06.
1. DAS DROGAS E SEUS ESTEREÓTIPOS
Prefacialmente analisamos alguns dos critérios mais conhecidos para definição
do que seja droga. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), “droga é toda substância
que, introduzida num organismo vivo, pode modificar uma ou várias de suas funções.” E por
dependência psíquica a OMS entende como sendo:
o impulso psicológico que leva ao uso contínuo da substância, para provocar prazer
ou evitar o mal-estar provocado por sua falta, caracterizando-se a dependência física
pelo estado fisiológico, manifestado por sintomas dolorosos, conhecidos como
síndrome de abstinência, decorrente da interrupção da ingestão regular da substância
em questão, também devendo se destacar o fenômeno da tolerância, entendido como
o estado de adaptação orgânica, caracterizado pela necessidade de utilização de
doses cada vez maiores de uma droga, para manutenção do efeito inicial. (KARAM,
1991, p. 26)
Já muitos autores se valem de conceitos um pouco mais imprecisos, tais como:
droga é toda substância que, atuando sobre o sistema nervoso central, provoque
alterações das funções motoras, do raciocínio, do comportamento, da percepção ou
do estado de ânimo do indivíduo, podendo produzir, através de seu uso continuado,
um estado de dependência física ou psíquica. (ZORRILLA, 1983, p. 179 ).
Assim, percebemos com nitidez que muitas substâncias que não são
classificadas como ilícitas causam comprovadamente dependência física e, portanto geram
conseqüências danosas ao individuo. Podemos citar, a título de exemplo, algumas delas: o
álcool, os medicamentos como barbitúricos, tranqüilizantes, ansiolíticos, anfetaminas,
moderadores do apetite, tabaco, o café, o chá e a Coca-Cola.
A distinção entre drogas lícitas e ilícitas decorre de razões predominantemente
históricas, econômicas e políticas e não guardam nenhuma relação direta com a
potencialidade de dano que cada uma delas pode causar.
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Alessandro Baratta (2002), Maria Lúcia Karam (1991), Rosa Del Olmo (1990)
e Vera Malaguti Batista (2003) são os precursores de uma abordagem crítica da temática
drogas psicotrópicas e ensinam a desconstruir a idéia de que a política criminal de guerra às
drogas liderada pelos EUA é a única viável.
Criminalizar uma determinada droga, proibindo o uso e consumo, gera uma
variável artificial na estrutura do mercado, o que provoca uma brutal elevação dos preços
dessa droga e, por conseqüência, produz fabulosos lucros. Assim, a aparente repressão
funciona como um dos mais poderosos incentivos à produção mais lucrativa de qualquer
droga ilícita.
Podemos facilmente constatar que o processo de criminalização do uso e
comércio de algumas drogas tem levado a um aumento da diversidade de drogas disponíveis,
do mercado consumidor, da taxa de criminalidade com vítimas, da corrupção policial,
tornando o tráfico uma atividade empresarial altamente lucrativa e concentrada, ultrapassando
os lucros de muitos outros conhecidos oligopólios.
Em contrapartida, os consumidores, com a criminalização das drogas, ficam
mais suscetíveis aos riscos a suas saúdes, em razão, principalmente das condições
clandestinas em que se realizam a distribuição e o consumo. Sabemos que essas drogas não
são submetidas a qualquer controle de qualidade e muitas vezes contêm substâncias,
adicionadas à droga em si, de efeitos ainda mais danosos à saúde. Ademais, as condições
higiênicas precárias desse tipo de consumo provocam um aumento da incidência de
portadores do vírus da AIDS entre os aditos às drogas injetáveis, como também propiciam a
contração de outras doenças graves.
Comumente, os países centrais, após criarem um clima de tensão e pânico em
grande parte da população mundial, ao noticiarem a existência de poderosas organizações
criminosas que comercializam determinadas substâncias psicotrópicas, acabam por aquecer a
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demanda e a oferta dessas drogas e por suplantar políticas públicas básicas, indispensáveis aos
países periféricos como o Brasil.
Percebemos que os países centrais costumam pressionar os países periféricos a
adotarem diretrizes comuns, que visem ao combate de certas drogas, à repressão de usuários e
traficantes, por intermédio de ações policiais mais duras, imposição de penas mais rigorosas e
contenção da violência decorrente da disseminação dessas drogas. Tais atitudes, em geral, são
reforçadas por organismos internacionais, o que confirmar ainda mais a política internacional
das diferenças, países centrais versus periféricos.
Entre os citados países centrais, sabemos que os EUA é o Estado que lidera a
atual política de guerra às drogas. Concentram suas estratégias no combate às áreas de cultivo,
ao tráfico intercontinental, contudo rendem-se ao crescimento da adição e da criminalidade.
Por outro lado, a América Latina, há décadas, tem servido de fonte produtora de maconha,
cocaína, para forte consumo nos EUA e Europa.
O que se pretende ocultar é a crise econômica constante na geopolítica das
drogas, a queda de preços das matérias-primas, as multidões de camponeses empobrecidos e
desempregados urbanos. As novas políticas de ajuste econômico favorecem a expansão dessa
produção voltada para o comércio globalizado. A cada novo ajuste, uma nova onda de
criminalização e encarceramento.
Não podemos deixar de destacar o trabalho de Rosa Del Olmo (1990), quem
melhor investigou a trajetória das drogas no continente americano, em especial nas décadas de
cinqüenta, sessenta, setenta e oitenta do século passado. Por meio do seu relato, podemos
compreender melhor as realidades subjacentes às drogas e seus estereótipos.
Ao se fazer uma análise mais crítica, nota-se que a promulgação da primeira lei
federal estadunidense contra a maconha foi motivada pela crescente oferta de mão-de-obra de
imigrantes mexicanos no período da Depressão, assim como a migração chinesa na
E
Califórnia, desnecessária após a construção das estradas de ferro, foi intencionalmente
associada ao ópio. Ou mesmo quando, no Sul dos EUA, os trabalhadores negros das fazendas
de algodão foram responsabilizados pelo aumento do consumo da cocaína e da criminalidade,
coincidentemente no mesmo momento de suas lutas por emancipação. O medo do “negro
drogado” se deu no auge dos linchamentos e da segregação social legalizada. Na história das
drogas restou evidente que esses três grupos étnicos (imigrantes mexicanos, chineses e negros
do Sul dos EUA) representavam uma ameaça ao mercado de trabalho norte-americano, uma
vez que trabalhavam por menores salários que os brancos.
Na década de 80, as políticas de guerra às drogas foram ampliadas e os EUA
cedem às pressões internacionais relativas à nova divisão do trabalho e passam a serem
produtores da valiosa mercadoria – cocaína. Enquanto os países andinos assumem a maior
parcela de produção de cocaína, o Brasil, com relação às drogas pesadas, passa a representar
uma parcela significativa do mercado varejista e residual. O Brasil destacou-se pelo poderio
de seu mercado de consumo, ainda que residualmente, já que a maior quantidade dessas
drogas até hoje é produzida com o fim de atender à demanda dos mercados norte americano e
europeu. (BATISTA, 2003, p. 25).
O Brasil assume um papel de país consumidor de drogas pesadas e, portanto
afasta-se da posição periférica, a qual se encontra a maioria dos países andinos. Em
contrapartida, nota-se que a guerra no Brasil se dá contra o inimigo interno, já que as drogas é
preocupação eminentemente da pasta da segurança pública e não da saúde pública.
Alessandro Baratta (2002), ao prefaciar a obra Difíceis Ganhos Fáceis –
Drogas e Juventude Pobre no Rio de Janeiro, sintetiza essa problemática das fantasias em
torno das drogas em trecho bastante ilustrativo, o qual passamos a transcrever:
O ´mito da droga` aumenta o quinhão eleitoral da ilusão de segurança que os
governos e políticos vendem com a ajuda maciça dos meios de comunicação. De tal
modo, a economia da droga, além de ser elemento de legitimação do sistema
criminal, é também, através deste sistema (mas não somente através dele), um
elemento da economia política do poder. (BARATTA, 2002 ).
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Por outro lado Rosa Del Olmo (1990) nos ensina a escapar das armadilhas da
mencionada política dominante estadunidense através do incansável processo de identificação
dos estereótipos de cada década. A saber, o advogado Carlos González Zorrilla (ZORRILLA,
1991, p. 23) auxilia-nos na definição de estereótipo, afirmando que é “o conjunto de conceitos
de cultura e sistemas simbólicos como instrumentos de poder”. Ou seja, o campo simbólico
que ordena o mundo natural e social, por meio de alegorias da estrutura real de relações
sociais, aliado à percepção de sua função ideológica e política, que legitima a ordem arbitrária
em que se funda o sistema de dominação vigente. Enfim, entende ser a melhor expressão de
controle social informal, tão necessário para legitimar o controle social formal, cujo controle
formal no caso das drogas é a normativa jurídica. Interessante registrar que Zorrilla destaca
três tipos de estereótipos: o médico, cultural e moral.
Del Olmo (1990) baseia-se nos fundamentos trazidos por Zorrilla (1983) e
incrementa-os, construindo os três modelos que servirão para explicar as tendências
predominantes nas décadas de cinqüenta a oitenta do século passado: ético-jurídico, médicosanitário; político-jurídico transnacional e médico-jurídico.
Tais modelos nos auxiliam na identificação das diferenças de cada época. Na
década de cinqüenta prevaleceu o modelo ético-jurídico, sendo a droga considerada sinônimo
apenas de periculosidade e não representava uma grande preocupação nacional e não tinha a
mesma importância econômico-política da atualidade. Pertencia a um universo misterioso,
vinculado sobretudo aos opiáceos tais como a morfina e a heroína - e à maconha. Os
primeiros eram consumidos pelos integrantes da aristocracia européia (médicos, intelectuais,
músicos de jazz e grupos da elite latino-americana). Seu controle se limitava à proibição e seu
tratamento a penas severas nos famosos hospitais-prisão. A segunda (maconha), consumida
fundamentalmente por emigrantes mexicanos nos EUA e, nos países latino-americanos, pela
classe baixa, fato que fez com que fosse associada ao estereótipo da delinqüência.
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Já nos anos sessenta, com o aumento do consumo da maconha e do LSD por
jovens da classe média e alta, impôs o modelo médico-jurídico, centrado no estereótipo da
dependência. Foi a década da rebeldia juvenil, da chamada “contracultura”, das buscas
místicas, dos movimentos de protesto político, da Revolução Cubana, da rebelião dos
pacifistas, dos movimentos guerrilheiros da América Latina, da Guerra do Vietnã, entre
outros. Como o discurso era híbrido, médico-sanitário e ético-jurídico, serviu para estabelecer
uma ideologia da diferenciação, que distinguia o doente do delinqüente. As comunidades
terapêuticas, inicialmente, eram promovidas com um critério clínico-comunitário, e mais
adiante com caráter de seita, com um personagem carismático central, que em alguns casos
instituía sistemas de castigos. Depois, desenvolveram-se outros métodos de tratamento, como
os programas de manutenção com metadona para viciados em heroína. Registra-se, ainda, que
o combate à maconha mexicana abriu caminho para a produção de maconha na Jamaica e
depois na Colômbia, fato que levou muitos americanos a consumirem heroína (epidemia da
heroína) e outras drogas, no início dos anos setenta.
A década de 70 caracterizou-se pelo consumo da heroína pelos ex-combatentes
do Vietnã; da maconha, agora pelas classes baixa e média; das drogas sintéticas, produzidas
pelos grandes laboratórios (barbitúricos, anfetaminas, entre outras).
Os EUA, em cumplicidade com os governos do sudeste Asiático, não
permitiram que as plantações para a produção de heroína fossem destruídas, de forma que a
comercialização dessa heroína se desse por intermédio do crime organizado. O aumento do
consumo de mais de um tipo de drogas ilícitas justificou um discurso médico, bem como o
estereótipo da dependência.
Os programas de manutenção de metadona, existentes até hoje, substituíram
uma droga ilegal por uma legal, tão dependente ou mais do que a primeira (heroína), com o
agravante de ter sido criado o mercado negro da metadona. Os gastos públicos foram
excessivos, uma vez que o grupo de consumidores de heroína não representava uma epidemia,
contudo o discurso político prevaleceu e conseguiu-se ocultar a rede supracitada que
E
manejava o comércio de heroína. A ênfase no tratamento se explica porque não era
conveniente naquele momento da guerra no Vietnã atacar os principais centros de produção,
como a tribo dos Meo no Triângulo Dourado do Sudeste Asiático. Seus integrantes, junto com
uma série de governantes da região, eram grandes colaboradores da CIA na guerra, e esta, por
sua vez, apoiava o tráfico de ópio por razões de segurança. Tampouco se podia atacar o crime
organizado, a famosa Máfia, encarregada na época do tráfico de heroína, por suas vinculações
com altos funcionários do governo. Era mais adequado responsabilizar a China de Mao TseTung, com o que também se compraziam os governos inimigos da China no Continente
Asiático.
Em contrapartida, os países latino-americanos, por intermédio de seus
“especialistas”, de forma irresponsável, importaram uma série de informações sobre heroína e
divulgaram como se fossem informações pertinentes a drogas em geral, sem diferenciar os
tipos de drogas e os seus respectivos grupos sociais. Enquanto a heroína foi a droga contrarevolucionária dos EUA, nos países latino americanos foi a maconha na década de setenta.
A cocaína se consolidou no mercado internacional e no Brasil na década de
setenta, concomitantemente com o fortalecimento, em nível mundial, do neoliberalismo. A
cocaína movimenta, até os dias de hoje, um mercado paralelo milionário, cujos circuitos de
comercialização e produção são controlados pelos países centrais.
Na década de oitenta, nos EUA prevaleceu o modelo geopolítico da droga, cuja
preocupação central era com a droga procedente do exterior e, especialmente, com os aspectos
econômicos e políticos decorrentes do tráfico de cocaína. A repressão ao tráfico favoreceu a
formação de monopólios, os quais ditavam mecanismos de controle do preço da droga. O
tráfico utilizou a ameaça de violência do Estado para deter completamente o controle do preço
da droga. As operações financeiras decorrentes do tráfico e suas conexões com linhas aéreas,
bancos e empresas transportadoras representaram uma nítida disputa pelos “narcodólares”. A
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cocaína passou a contar com um sistema de divisão internacional do trabalhado e algumas
regiões da América – Latina especializaram-se na produção das folhas, outras no fabrico da
pasta, outras na comercialização.
Nos últimos cinco anos (de 2003 aos dias de hoje), nos grandes centros urbanos
do Brasil, incluindo o Distrito Federal, notamos um aumento significativo do consumo de
drogas sintéticas - como o ecstasy e o LSD - pelos jovens da classe média e alta.
Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal,
divulgados recentemente no Correio Braziliense1, a população da classe média e alta,
residente principalmente no Plano Piloto, tem consumido em larga escala drogas sintéticas,
tais como o LSD e ecstasy, também conhecidas, respectivamente, por “bala” e “doce”. Outras
drogas muito consumidas também são a maconha, a merla2, a cocaína, a heroína, o crack, o
haxixe e o lança - perfume.
As drogas sintéticas são normalmente encontradas em festas com música
eletrônica, freqüentadas por jovens das classes média e alta do DF. Ainda que muitos usem
essas drogas sem dispender grandes gastos, já que comumente são distribuídas gratuitamente
nesses ambientes, elas representam um produto muito lucrativo e atraente para o mundo dos
negócios. Os custos para o seu fabrico são baixos, já que não dependem de plantio, apenas de
um laboratório.
Tanto a merla como o crack são drogas fabricadas com os restos da cocaína e,
por possuírem muitos produtos tóxicos em suas misturas, os seus usuários em pouco tempo
ficam com suas saúdes debilitadas. A merla e a maconha são drogas mais baratas e usadas
1
2
Caderno Cidades, fls 31/2, em 03 de fevereiro de 2008
A merla é um composto de folha da coca e produtos químicos como ácido sulfúrico, querosene,
cal virgem, entre outros, que ao serem misturados se transformam em uma pasta, cuja concentração de cocaína é
em torno de 40 a 70%. Costuma ser inalada pura ou associada a um cigarro de maconha. É uma droga muito
danosa, causando dependência física e psíquica ao usuário.
E
normalmente pelas classes baixa e média. A maconha, em razão das características do
princípio ativo THC, não é uma droga que esteja associada à violência e seus usuários
costumam buscá-la com o fim da introspecção ou mesmo para conter a ansiedade.
A merla e a cocaína, ambas associadas ou não a bebidas alcoólicas, ainda são
as drogas mais relacionadas com a criminalidade violenta, como homicídios, estupros e
roubos, cujas vítimas, em geral, são pessoas das classes média e baixa. As pesquisas da
Secretaria de Segurança Pública do DF demonstram que essas duas substâncias psicotrópicas
estão ainda muito presentes nas estatísticas de crimes violentos, causados, em geral, em razão
de acertos de dívidas entre pequenos e médios traficantes e de desavenças entre grupos de
traficantes.
A atual preocupação da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal é
aumentar em mais quatro unidades da Polícia Civil e criá-las nas regiões administrativas com
os maiores índices de consumo e venda de drogas ilícitas, a saber, Planaltina, Ceilândia, Santa
Maria e Plano Piloto. Acredita-se que com mais Delegacias de Polícia Especializada em
entorpecentes, sob a coordenação da antiga equipe da Delegacia de Tráfico e Entorpecente
existente no DF, a política pública de combate ao uso e tráfico de drogas ilícitas será mais
eficiente.
Inconteste que a opção predominante por políticas públicas de guerra às drogas
demonstra uma predominância das políticas públicas contingenciais, ao invés de políticas
públicas básicas voltadas para direitos fundamentais como a educação e saúde.
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Tais dados nos levam a concluir que a população mais desfavorecida do DF ainda morre em
razão de dívidas contraídas, muitas vezes, em decorrência do consumo e tráfico de drogas
ilícitas. E o tráfico de drogas representa até hoje uma atraente alternativa de trabalho.
2. DAS TEORIAS ANTIPROIBICIONISTA E DA REDUÇÃO DE DANOS
Inicialmente, registramos que a criminologia crítica, como alternativa para
dirimir os efeitos perversos das disfunções provocadas pelo sistema penal, por intermédio de
políticas criminais alternativas, visa à minimização da incidência do poder punitivo, tendo
desenvolvido teorias antiproibicionistas como alternativa ao modelo punitivo de combate às
drogas qualificadas como ilícitas. Entre as teorias antiproibicionistas, cuja abordagem da
descriminalização é um consenso, situam-se as minimalistas, garantistas, abolicionistas e
realistas marginais.
As teorias antiproibicionistas a cada dia ganham mais força e suas teses
apresentam-se cada vez mais como soluções viáveis, uma vez que muitos tipos penais acabam
por quase nada influir na resolução da vontade dos seus agentes, ou seja, nas vontades de seus
autores.
Antes do adultério3 ser descriminalizado, notava-se que as sanções penais em
nada obstavam a sua prática, a qual curiosamente era inibida mais pelas sanções civis
previstas, tais como a separação de corpos, de bens, perda da guarda dos filhos comuns do
casal. Situação semelhante se percebe no crime disposto no artigo 28 da recente Lei
11.343/06. Este prevê alternativas onerosas ao Estado, principalmente por sua aplicação
necessitar de aparato policial, do Judiciário e de setores da sociedade civil aptos a oferecer,
inclusive, programa ou curso educativo sobre drogadição, sendo que sanções de natureza civil
e administrativa poderiam ser mais viáveis e eficazes.
A imposição de tratamento terapêutico por meio do Direito Penal há anos é
combatida, assim podemos extrair da transcrição abaixo, na qual Hulsman já defendia, em
1973, a descriminalização do porte de substância entorpecente:
A penalização não deve jamais ter como primeiro objetivo a criação de um sistema
visando ajudar ou tratar um delinqüente (em potencial) no seu próprio interesse [...]
no passado, as possibilidades de convencer pessoas precisando de ajuda a aceita-la,
3
Nilo Batista já defendeu essa tese anos atrás, conforme se pode extrair da leitura do texto Algumas
Palavras Sobre Descriminalização, in Revista de Direito Penal (13/14), SP: RT, 1974, p 28/40.
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sem a aplicação de medidas penais ou coercitivas, foram sempre fortemente
subestimadas. (HULSMAN, 1973, p. 23).
Para uma melhor compreensão do movimento antiproibicionista, importante
sabermos diferenciar política penal de política criminal. A primeira serve como resposta ao
exercício da função punitiva do Estado (lei penal e sua aplicação, execução da pena e das
medidas de segurança), e a segunda deve desempenhar o papel de política de transformação
social e institucional.
O movimento antiproibicionista deve ser entendido como uma alternativa de
política criminal que pretende estabelecer estratégias de superação dos limites do instrumento
penal, uma vez que concebe o direito penal como última via do controle oficial, que defende a
despenalização em muitos casos, ou seja, a contração ao máximo do sistema punitivo.
A estratégia da despenalização significa, também, a substituição das sanções
penais por formas de controle legal não estigmatizantes (sanções administrativas ou civis) e,
para Baratta (2002) ela significa, sobretudo, uma abertura de maior espaço de aceitação social
do desvio.
Como alternativa a políticas públicas de resposta contingencial, ou seja,
aquelas que priorizam ações de repressão à criminalidade, baseada no modelo “lei e ordem”,
as teorias antiproibicionistas vieram para questionar esse modelo tradicional e valorizar
soluções não penais, em especial a implementação de políticas públicas básicas com o
objetivo de enfrentar os problemas decorrentes do consumo de drogas psicotrópicas.
No tocante a temática drogas psicotrópicas, as teorias antiproibicionistas
centram-se na atenção à saúde do usuário ou dependente, de forma que o tratamento da
depressão subjacente ou da desordem de caráter, ou de ambas, seja uma etapa necessária do
tratamento por ele realizado. Ressaltam que, se o usuário ou dependente não seguir com um
tratamento adequado, após ter imaginado estar “livre da droga”, o retorno à droga inicial, ou a
E
outra com efeitos similares, será quase certo, na medida em que aquela aparece para ele como
um meio encontrado para o “ajustamento” de seus problemas pré-existentes. Portanto, a mera
imposição legal a tratamentos ou curso educativo sobre drogadição, a exemplo do disposto no
artigo 28 da Lei 11.343/06, provocam um efeito contrário, sem alcançar o fim maior que é a
saúde do usuário ou dependente.
A criminalização da conduta do usuário ou dependente de drogas psicotrópicas
é incompatível com a abordagem antiproibicionista, uma vez que tem como meta evitar a
estigmatização do usuário ou dependente, situação praticamente inviável no contexto da
Justiça Penal. O usuário deve ser considerado uma pessoa vulnerável ao isolamento social, à
marginalização, tendo em vista as alterações da personalidade, efeito primário das drogas, o
que já lhe dificulta muito o retorno ou manutenção em atividades laborativas de qualquer
natureza. Ademais, para o êxito de qualquer tratamento do usuário ou dependente de drogas
psicotróticas, tema que já é consenso entre muitos profissionais da saúde, a voluntariedade de
sua busca é pressuposto para o desenvolvimento de um tratamento eficaz, reconhecendo que o
envolvido com drogas é um sujeito com capacidade de diálogo. Esse deve ser o pressuposto
de qualquer modalidade de intervenção.
Ao lermos o artigo 28 da Lei 11.343/06, ou mesmo a Lei na sua integralidade,
percebemos um discurso jurídico de forte conteúdo moral. O consumo pessoal de substância
não autorizada ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar ainda é crime de
perigo abstrato, sujeito a pena, cujo bem jurídico que se objetiva tutelar – a saúde pública –
por incrível que pareça possui natureza jurídica intangível! Assim, nota-se que a opção
proibicionista do legislador pátrio apresenta-se muito distante de qualquer efetividade, já que
facilmente se verifica o constante aumento do consumo de drogas ilícitas e a total apatia e
desconhecimento da população quanto à disciplina objetivada pela legislação em vigor há
mais de um ano.
E
Maria Lúcia Karam já nos alertava para o fato de ser:
[...] evidente que na conduta de uma pessoa, que, destinando-se a seu próprio uso,
adquire ou tem a posse de uma substância, que causa ou pode causar mal à saúde,
não há como identificar ofensa à saúde pública, dada a ausência daquela
expansibilidade do perigo. Nesta linha de raciocínio, não há como negar a
incompatibilidade entre aquisição ou posse de drogas para uso pessoal - não importa
em que quantidade - e a ofensa à saúde pública, pois não há como negar que a
expansibilidade do perigo e a destinação individual são antagônicas. A destinação
pessoal não se compatibiliza com o perigo para interesses jurídicos alheios. São
coisas conceitualmente antagônicas: ter algo para difundir entre terceiros, sendo
totalmente fora da lógica sustentar que a proteção à saúde pública envolve a punição
da posse de drogas para uso pessoal. (KARAM, 1991, p. 125-126).
Impossível, portanto, criminalizar uma conduta que constitui unicamente um
perigo de autolesão!
Entendemos viável a substituição do modelo punitivo e moralizador das
políticas de drogas do Brasil, fundadas em uma lógica bélica e sanitarista, por um modelo
antiproibicionista, cujo bem jurídico que se busca tutelar é a integridade física do hoje autor
do crime capitulado no artigo 28 da Lei 11.343/06.
Esse também é o pensamento de Salo de Carvalho (2007) que defende, com
muita propriedade, a idéia de que há uma inversão do discurso de tutela da saúde pública em
detrimento da individual, quando se sustenta que todo usuário transforma-se em potencial
traficante, extirpando do sujeito o direito de disponibilidade sobre sua própria pessoa.
Indubitável a necessidade de se debater acerca da viabilidade e eficiência de
políticas antiproibicionistas, que apostam na descriminalização e no tratamento do ponto de
vista da saúde coletiva, valorizando-se políticas públicas básicas, ainda que na atualidade haja
inegáveis deficiências no sistema de saúde pública do Brasil.
Sabemos que afirmações apressadas e eivadas de preconceitos morais
veiculadas costumeiramente pelos meios de comunicação em massa podem transformar-se em
estímulo ao consumo de drogas hoje consideradas ilícitas, ampliando a possibilidade de
escolha entre substâncias de diferentes tipos e preços, tal como estabelece qualquer mercado,
ignorando seus diferentes graus de dependência, já que o fim máximo é o lucro.
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Por outro lado, só informar e não educar sobre os efeitos de cada substância em
separado, pode provocar, por conseguinte, seu consumo imprudente. Essa é a preocupação de
muitos toxicólogos, já que não é a droga em si que é o mais prejudicial, mas a forma como é
feito seu consumo, ou seja, fumando, injetando, ou ingerindo.
A confusão é agravada quando se tenta difundir um mesmo discurso universal,
atemporal e a-histórico sobre “o problema da droga”, como se a situação de cada país e de
cada droga fossem semelhantes. E mais, como se as condicionantes estruturais dentro de um
país fossem estáticas!
Redução de Danos é uma metodologia utilizada em ações de políticas de saúde,
reconhecida pela legislação brasileira apenas em 1998, após incansáveis trabalhos realizados
pela sociedade civil organizada nas cidades de Santos e Salvador. Essa estratégia objetiva a
execução de ações para a prevenção das conseqüências danosas à saúde que decorrem do uso
de drogas, sem necessariamente interferir na oferta ou no consumo.
Ações dessa natureza devem respeitar a liberdade de escolha do usuário, uma
vez que é indispensável para ações voltadas à saúde pública o respeito a usuários que não
conseguem ou não querem deixar de usar drogas psicotrópicas, devendo essas ações visar
minimizar o risco de infecções de doenças transmissíveis, tais como a AIDS e a hepatite,
riscos esses potencializados quando o consumo de drogas injetáveis se dá de forma
descuidado e não-higiênico.
Hoje a redução de danos é estratégia reconhecida tanto pelo Ministério da
Saúde, que a prevê com status de programa dentre as políticas de enfrentamento às drogas
ilícitas, bem como é autorizada pela Lei 11.343/06, conforme preconiza o inciso VI do artigo
19, a saber:
As atividades de prevenção do uso indevido de drogas devem observar os seguintes
princípios e diretrizes [:..] VI – o reconhecimento do “não-uso”, do “retardamento
do uso” e da redução de riscos como resultados desejáveis das atividades de
natureza preventiva, quando da definição dos objetivos a serem alcançados [...]
(Grifo nosso).
E
Concluímos, registrando que juristas como Maria Lúcia Karam (2006)
defendem uma aplicação mais ampliada da teoria da redução de danos, a qual deve ser
considerada como política de saúde pública para todas as drogas psicotrópicas e não apenas
àquelas içadas de ilícitas.
3. DAS INCONSTITUCIONALIDADES DO ARTIGO 28 DA LEI
11.343/06
À semelhança do desrespeito preconizado pela Convenção de Viena, das
Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotróticas, de 1971, a Lei 11.343, publicada em 23 de
agosto de 2006, por se apresentar em consonância com as disposições da mencionada
Convenção das Nações Unidas, em nosso sentir, viola o inciso III do artigo 1º, como também
o inciso X do artigo 5º, ambos os artigos da Constituição Federal brasileira.
A nova Lei Antidrogas ao impor, em seu artigo 28, o comparecimento a
programa ou curso educativo sobre drogas, a todo usuário flagrado portando uma das drogas
qualificada como ilícita, afronta o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do
Estado Democrático de Direito, como também o princípio da lesividade da intimidade e da
vida privada.
Os direitos à intimidade e à vida privada apresentam-se secularmente
fundamentados no princípio da separação de direito e moral. A saber, a nossa Carta Magna
recepcionou os valores do pluralismo e da tolerância à diversidade, o que impõe a proteção da
intimidade do indivíduo de intervenções indevidas na esfera da sua interioridade. Assim, o
que se busca proteger é a possibilidade de o indivíduo, de forma plena, ter liberdade de
escolha pelos seus atos, desde que sua conduta não afete, cause dano, ou mesmo coloque em
risco (perigo concreto) bens jurídicos de terceiros. Apenas nestes casos (dano ou perigo
concreto), vislumbramos as hipóteses que justificariam uma intervenção penal legítima.
E
Conforme defesa sustentada no capítulo anterior, entendemos que o delito
previsto no art. 28 do citado diploma legal por ser de perigo abstrato e visar à tutela, em tese,
da saúde pública (bem jurídico intangível), por si só, já inviabiliza a manutenção da proibição.
A integridade física do usuário e dependente de substâncias psicotrópicas é que
está sob ameaça, nítida hipótese de autolesão, inexistindo violação da incolumidade pública.
Dessa forma, não reconhecer que o usuário é sujeito portador de fala, com autonomia sobre os
seus interesses (no caso, sua saúde privada), em face da proeminência da saúde pública, é, ao
nosso sentir, aniquilar qualquer possibilidade de transformar o espaço jurídico em campo de
diálogo. A conduta autolesiva merece atenção estatal para promoção de ações de natureza
não-punitivas, que imponham políticas públicas básicas de educação e saúde.
Notamos que o princípio da ofensividade, insculpido no inciso XXXV do art.
5º da Constituição da República, o qual obriga a apreciação pelo Judiciário de toda lesão ou
ameaça a direito, ainda que essa lesão seja apenas à integridade física do usuário ou
dependente de droga qualificada como ilícita, tem sido desrespeitado pelo artigo 28 da Lei
11.343/06, uma vez que esse diploma legal, ao invés de protegê-lo, impõe ao usuário o
cumprimento de penas.
Entendemos, ainda, que o artigo 28 da Lei 11.343/06, bem como a Lei
11.343/06 em sua integralidade, implica violação ao princípio da igualdade, uma vez que
estabelece distinção de tratamento penal a drogas ilícitas e não-penal a drogas lícitas, com
efeitos psicotrópicos mais lesivos que muitas drogas ilícitas, a exemplo do tabaco e das
bebidas alcoólicas. A variabilidade da natureza do ilícito tornaria, portanto, a opção
criminalizadora essencialmente moral. Filiamo-nos ao entendimento de que o Direito Penal,
em razão de seu reconhecido caráter subsidiário, já que manifesta a sua ineficiência como o
único meio de controle social, deve ser restrito a hipóteses excepcionais de desvio.
E
Acreditamos que saídas jurídicas construídas pela doutrina e Jurisprudência de
considerar o porte (trazer consigo) de pequena quantidade de entorpecente como conduta
atípica, em face da insignificância não deve ser a regra utilizada pelos operadores do direito.
A aplicação excessiva do princípio da insignificância nos julgados da Justiça Penal, ou
mesmo a repetida declaração incidental da inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei
11.343/06, no nosso sentir, demonstra a necessidade de nova alteração legislativa.
Parece-nos ser mais viável descriminalizar a conduta de porte e uso de
qualquer droga psicotrópica, sem afastar a possibilidade de em alguns casos se prever a
intervenção penal, à semelhança do que ocorre com as bebidas alcoólicas, em que o controle
social formal se dá principalmente pela via administrativa e civil e não pelo sistema penal e,
apenas em hipóteses específicas, como a de dirigir veículo em via pública sob a influência de
álcool, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem (conduta típica prevista no artigo
306 da Lei 9.503/97, Código de Trânsito Nacional), autoriza-se uma punição estatal.
Dentre os princípios constitucionais violados, destacamos o princípio da
separação de poderes, insculpido no artigo 2º e petrificado por meio da vedação imposta no
inciso II do parágrafo 4º do artigo 60, ambos os artigos da Constituição Federal de 1988.
Vislumbramos a necessidade da adequação dos papéis dos três poderes constituídos,
Executivo, Legislativo e Judiciário, nos três âmbitos federativos, para o aprimoramento das
formas de identificação dos processos desviantes dessas funções típicas de cada um dos
poderes.
Sob esse prisma da afronta ao princípio da separação dos poderes, destacamos
a necessidade de reconhecimento da ausência de caráter punitivo na medida educativa
prevista como pena no inciso III do artigo 28 da Lei 11.343/06, o que não justifica a
intervenção da Justiça Penal. Entendemos que é função típica do Executivo propor e executar,
E
a toda a população indistintamente, políticas públicas básicas que visem ao enfrentamento da
problemática decorrente do consumo de drogas psicotrópicas.
Ademais, filiamo-nos ao entendimento de que o núcleo das sanções penais
deve sempre conter uma medida de cunho punitivo, à semelhança das penas previstas no
inciso XLVI do artigo 5º da Constituição Federal, como as penas restritivas de direito,
privativas de liberdade, pecuniárias, de suspensão ou interdição de direitos, entre outras.
A pena prevista no inciso III do artigo 28 da Lei Antidrogas, medida educativa
de comparecimento compulsório a programa ou curso educativo, no nosso sentir, não possui
natureza jurídica de pena e, portanto não deve ser cominada a nenhuma conduta juridicamente
tipificada como crime.
O comparecimento a programa ou curso educativo, como anteriormente
exposto, deve ser uma das estratégias das políticas públicas básicas das pastas da saúde e
educação, direcionadas, portanto, indiscriminadamente, a toda população brasileira. O caráter
compulsório da medida prevista no citado inciso III, bem como a sua incidência restrita
apenas ao usuário ou dependente de drogas qualificadas como ilícitas flagrado pela ação
policial, devem ser, no nosso sentir, expurgados da legislação pátria.
Nítido o caráter moralista da pena de advertência, prevista tanto no inciso I do
caput do artigo 28 da Lei 11.343/06, como no inciso I do parágrafo 6º do mesmo artigo, em
que pese ser restritiva de liberdade. A admoestação prevista na Lei Antidrogas adquire como
objeto único e exclusivo a reprovação da opção pessoal pelo consumo de determinadas
substâncias, fruto do livre exercício da autonomia da vontade do usuário.
Entendemos que a aproximação entre pena e medida (seja ela educativa ou de
segurança) deixa aberto espaço para o aniquilamento do sujeito, transformando em possível
objeto de intervenção pelo “laboratório criminológico-sanitário” de medidas ora de caráter de
segurança ora educativo.
E
Concluímos, afirmando que, embora o Brasil encontre-se, desde a década de 70
do século passado, inserido no modelo transnacional de controle de drogas qualificadas como
ilícitas, modelo ratificado pela Convenção de Viena das Nações Unidas e, em função desse
modelo tem adequado sua legislação e sua máquina administrativo-punitiva com o fim de
saldar compromissos político-criminais assumidos com as agências centrais, vislumbramos a
necessidade dos brasileiros debaterem amplamente acerca da problemática decorrente do
consumo de drogas psicotrópicas, de forma a se conscientizarem dos efeitos desse consumo
abusivo, bem como sugerirem soluções mais viáveis ao enfrentamento do problema.
Acreditamos que eventual alteração legislativa deve decorrer do trabalho de
movimentos sociais, à semelhança do que houve com a Lei Maria da Penha. A discussão mais
democrática e sem cunho moralista permitirá o debate quanto à viabilidade ou não da retirada
do problema da ilegalidade, de alternativas possíveis que visem ao incremento da informação
educacional ou ao controle e à regulação estatal do comércio e do uso de substâncias
entorpecentes.
4. DA CONTRIBUIÇÃO DA DEMOCRACIA E DA PARTICIPAÇÃO
SOCIAL
PARA
O
ENFRENTAMENTO
DA
PROBLEMÁTICA
DECORRENTE DO CONSUMO DE DROGAS ILÍCITAS
Interessante abordarmos a problemática do consumo de drogas ilícitas sob a
ótica da Teoria da Constituição, uma vez que poderemos trabalhar com alguns conceitos de
Estado e seus paradigmas, bem como discutirmos a contribuição da democracia para o
enfrentamento dessa problemática.
Inicialmente, explanaremos acerca do paradigma do Estado Democrático de
Direito, por entendermos que ele contribui para a compreensão dos papéis constitucionais de
cada poder constituído.
E
Distintamente do paradigma do Estado Social, o modelo do Estado
Democrático de Direito surge na década de setenta do século passado, com o reconhecimento
da hipercomplexidade das sociedades da era da informação e o advento de interesses difusos
tais como os ambientais, do consumidor, da infância e juventude, entre outros.
Nesse contexto, o Estado ora apresenta-se diretamente responsável pelo dano
verificado, ora negligente no seu dever de fiscalizar e atuar, por ser responsável pela situação
difusa de risco existente em desfavor de toda a população, o que requer uma participação mais
pluralista e aberta de toda a população acerca do debate público que informa e conforma a
soberania democrática desse novo modelo.
Menelick de Carvalho Netto nos ensina com muita nitidez a diferenciarmos as
contribuições de cada um dos três grandes paradigmas constitucionais (a saber, o do Estado
de Direito, o do Estado do Bem-Estar Social e do Estado Democrático de Direito), alertandonos para a necessidade de mudança do aplicador do direito, conforme extraímos do trecho
abaixo transcrito:
Desse modo, no paradigma do Estado Democrático de Direito, é de se requerer do
Judiciário que tome decisões que, ao retrabalharem construtivamente os princípios e
regras constitutivos do Direito vigente, satisfaçam, a um só tempo, a exigência de
dar curso e reforçar a crença tanto na legalidade, entendida como segurança jurídica,
como certeza do Direito, quanto ao sentimento de justiça realizada, que deflui da
adequabilidade da decisão às particularidades do caso concreto.
Para tanto, é
fundamental que o decisor saiba que a própria composição estrutural do
ordenamento jurídico é mais complexa que a de um mero conjunto hierarquizado de
regras [...] (CARVALHO NETTO, 1998, p 239).
Destacamos, ainda, os ensinamentos do citado autor, o qual nos auxilia na
compreensão das teorias construídas por Ronald Dworkin e suas contribuições para melhor
identificação dos papéis constitucionais dos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário,
E
de um Estado Democrático de Direito. Assim, para melhor clarear esses ensinamentos,
transcrevemos:
As propostas de Dworkin para uma interpretação construtiva teoricamente dirigida
do Direito vigente podem, assim, ser defendidas nos termos de uma leitura
procedimentalista que altera as exig~encias idealizadas da construção de uma teoria
sobre o conteúdo idealista dos pressupostos pragmáticos necessários ao discurso
jurídico, a operar no interior dos limites requeridos pelo princípio da separação de
poderes, sem que o judiciário invada as compet~encias legislativas e subverta os
estritos
limites
legais
da
Administração
(Gesetzesbindung
der
Verwaltung).[...](CARVALHO NETTO, 1998, p 242).
O Brasil, a partir de outubro de 1988, com a promulgação do novo texto
constitucional, fez opção, por intermédio dos parlamentares constituintes, por um Estado
Democrático de Direito, com o dever de assegurar o exercício de direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos.
Sob o contexto dessa nova ordem jurídica que devemos analisar os papéis dos
três Poderes, tanto no âmbito nacional como no Estadual, Distrital e Municipal. Para uma
melhor compreensão da realidade brasileira e, em especial, da realidade do Distrito Federal,
não podemos deixar de citar algumas características do Estado brasileiro, infelizmente ainda
presentes, quais sejam: constante alteração do texto constitucional; excesso de medidas
provisórias; fraqueza de um modo geral das instituições oficiais; inoperância do Legislativo e
Judiciário, abusos do Executivo e apatia e descrenças populares.
Tais particularidades confirmam o distanciamento do ordenamento jurídico das
realidades sociais, políticas, econômicas e culturais existentes no Brasil. A efetividade do
exercício dos direitos fundamentais preceituados na Constituição da República brasileira
incontestavelmente deve ser a meta a ser perseguida por todos os operadores do direito.
E
Quando um Estado de Direito opta por se constituir sob o regime Democrático,
não pode simplesmente promulgar um conjunto de normas com aspirações contemporâneas,
contudo dissociadas de uma realidade onde os cidadãos, sujeitos de direitos dessa sociedade
naturalmente desigual, não são cônscios de que a desigualdade deve se restringir apenas às
diferenças naturais e pessoais, como ser pobre ou rico, ser analfabeto funcional ou
alfabetizado.
Os operadores do direito, ao contrário do que normalmente ocorre no Brasil,
não devem obrigar ninguém em razão da condição de seu nascimento, mas devem objetivar o
fim dos privilégios de nascimentos, ou mesmo aqueles decorrentes de cargos ou funções, de
grupos e classes, entre outros privilégios. A igualdade é formal, geral, ou seja, válida para
todos e, portanto, deve ser apta a por fim à rígida hierarquia e imobilidade sociais.
Entendemos que para minorar essas desigualdades existentes na sociedade
brasileira, outro caminho não há senão o aumento gradativo do nível de escolaridade de nossa
população, o que permitirá uma melhor compreensão da realidade, bem como uma
participação mais efetiva nos processos decisórios dos poderes constituídos do Estado.
Boaventura de Sousa Santos e Leonardo Avritzer4, ao analisarem alguns casos
recentes de participação de movimentos comunitários nos processos decisórios de diversos
países, apontam para a experiência do orçamento participativo em Porto Alegre como uma
prática exitosa. A participação mais ampliada de todos os segmentos sociais parece ser uma
alternativa bastante viável ao déficit das formas de representação das democracias
representativas hoje existentes, nas quais os cidadãos, em regra, sentem-se cada vez mais
menos representados por aqueles governantes ou parlamentares que elegeram.
4
No Capítulo Democratizar a democracia – Reinventar a emancipação social para novos manifestos, in
Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa, Boaventura, S. S.(org.), RJ: Civilização
Brasileira, 2002.
E
O orçamento participativo tem permitido a institucionalização de mecanismos
de participação por qualquer cidadão, combinando as democracias direta e representativa. A
participação se dá por meio da alocação de recursos para investimentos baseada em critérios
gerais e técnicos, cujas prioridades são estabelecidas pelos próprios cidadãos, cabendo à ação
governamental, apenas, impor o respeito às exigências legais e aos limites financeiros.
A título de curiosidade, registra-se que, segundo dados obtidos entre 1997 e
2000, outros 140 municípios adotaram o orçamento participativo, sendo a grande maioria
(127) em cidades com até 500 mil habitantes. A extensão do orçamento participativo para
outras regiões do Brasil, independentemente de proposta política, demonstra o potencial das
experiências bem-sucedidas da democracia participativa.
Práticas como a participação na elaboração do orçamento de um município
busca intensificar e aprofundar a democracia, quer reivindicando a legitimidade da
democracia participativa, quer pressionando as instituições da democracia representativa a
torná-la mais inclusiva.
Ao se valorizar práticas locais de democracia participativa, contribui-se para a
construção de redes regionais, nacionais, continentais e até globais de práticas locais, de modo
a ampliar e servir de exemplo, eventualmente, a outros países e continentes.
Em outro giro, ao nos atermos à problemática demanda e oferta de drogas
ilícitas, percebemos que práticas semelhantes à acima citada podem ser aptas a fomentar a
participação de movimentos comunitários em processos decisórios de idealização e
implementação de ações e programas de enfrentamento ao consumo de drogas ilícitas.
Alternativas à democracia representativa aparecem em decorrência da
necessidade de serem valorizados os movimentos sociais e de serem reconhecidas as diversas
formas de expressão da diversidade cultural, de serem transformadas as antigas práticas
dominantes em ações cidadãs, cujos sujeitos saibam quais são os seus direitos e deveres
E
prescritos no ordenamento jurídico, de modo a serem incluídos nas relações cotidianas os
atores sociais normalmente excluídos.
Tais alternativas não podem ser confundidas com ações que visam ao
privatismo e a apropriação de recursos públicos, tendência neoliberal mundialmente
disseminada, a qual prega a institucionalização de processos de flexibilização, terceirização e
privatização de serviços públicos essenciais, sob a principal alegação da má gestão dos
recursos públicos pelo Estado.
No Brasil a citada tendência neoliberal tem ganhado força, uma vez que se
constata a existência de presídios privatizados, centros de internação juvenil privatizados,
rodovias privatizadas, entre outros exemplos. No Distrito Federal é marcante a presença de
movimentos pela terceirização dos serviços públicos de saúde, entre outros bens públicos. É
sabida a liderança desses movimentos por grupos com forte poder econômico, os quais seriam
diretamente beneficiados com esse privatismo.
Asseveramos o quão importante é para o enfrentamento mais efetivo de
problemas epidemiológicos como do uso de drogas ilícitas o reconhecimento e, posterior
institucionalização, pelo Estado, de novas formas de participação social no processo decisório
de suas ações típicas.
Reconhecimento pode se dar ora pelo apoio, financeiro inclusive, de ações
pontuais como, por exemplo, a de associações de bairro que decidem construir uma quadra
poliesportiva em local onde havia quiosques que vendiam bebidas alcoólicas e drogas ilícitas,
ora pelo fomento de novas formas de participação social, por meio de ações que incentivem o
livre e amplo debate do tema em instituições de ensino, igrejas, associações de bairro, entre
outros ambientes comunitários.
E
A institucionalização posterior de novas formas de participação social se faz
relevante, em vista, principalmente, da necessidade de serem legitimadas e perpetuadas essas
novas formas de participação, a exemplo dos municípios cujos orçamentos são participativos.
Reconhecimento e institucionalização não podem significar clientelismo dessas
novas formas aceitas ou instrumentalização de interesses partidários ou silenciamento ou
manipulação de instituições participativas ou burocratização dessas novas formas de
participação, preocupação pertinente de Boaventura e Avritzer (2002), visto que a democracia
é um princípio sem fim e suas tarefas se sustentam somente quando elas próprias são
definidas por processos democráticos cada vez mais exigentes.
Relevante frisar que, na atualidade, os debates existentes sobre a temática uso
de drogas ilícitas, normalmente, apresentam-se limitados por abordagens ainda muito
moralistas e midiáticas, o que inviabiliza a proposição de soluções mais concretas para o
problema.
Percebemos que, de certa forma, embora desempenhem relevante papel social,
os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Entorpecentes acabam por burocratizar
excessivamente a forma de participação de representantes da sociedade civil, restringindo, ao
invés de ampliar, as tão carentes formas de participação de segmentos sociais excluídos dos
tradicionais processos decisórios de um Estado de Direito.
Permitir o envolvimento de todos os segmentos sociais na busca por soluções
ao enfrentamento do uso de drogas ilícitas parece ser uma possível meta a ser perseguida. A
participação favorece o amadurecimento da sociedade, uma vez que passa a protagonizar
soluções, assumir responsabilidades, ao invés de apenas suportar as conseqüências de ações
governamentais, ou mesmo refutá-las com apatia e descrença.
A participação de brasileiros, em nível local, não apenas através da escolha dos
parlamentares e governantes eleitos, na elaboração de propostas orçamentárias e, por
E
conseguinte, a participação no acompanhamento da execução das rubricas orçamentárias
aprovadas, no que tange a ações de saúde, assistência e segurança pública em prol do
enfrentamento da problemática drogas, parece-nos uma nova forma de participação social
bastante razoável. Desta forma se estaria apostando no amadurecimento da população dessa
localidade, como também no aprimoramento dos possíveis meios de enfretamento dessa
problemática.
Concluímos o capítulo transcrevendo um trecho da obra de Baratta, no qual
desenvolve o seu pensamento acerca de uma perspectiva da contração e da “superação” do
direito penal, por acreditarmos que se apresenta em consonância com o debate desenvolvido
acima sobre democracia e enfrentamento de desvios sociais:
Nós sabemos que substituir o direito penal por qualquer coisa melhor somente
poderá acontecer quando substituirmos a nossa sociedade por uma sociedade
melhor, mas não devemos perder de vista que uma política criminal alternativa e a
luta ideológica e cultural que a acompanha devem desenvolver-se com vistas à
transição para uma sociedade que não tenha necessidade do direito penal burguês, e
devem realizar, no entanto, na fase de transição, todas as conquistas possíveis para a
reapropriação, por parte da sociedade, de um poder alienado, para o
desenvolvimento de formas alternativas de autogestão da sociedade, também no
campo do controle do desvio (....) Se se aplica um conceito positivo, e não só um
conceito negativo de desvio, se poderá dizer que a sociedade igualitária é aquela
sociedade que deixa o máximo espaço ao desvio positivo. Porque, neste sentido
positivo, desvio quer dizer diversidade.(...) A sociedade igualitária é aquela que
deixa o máximo de liberdade à expressão do diverso, porque a diversidade é
precisamente o que é garantido pela igualdade, isto é, a expressão mais ampla da
individualidade de cada homem, portanto, que consente a maior contribuição
criativa e crítica de cada homem à edificação e à riqueza comum de uma sociedade
de “livres produtores”, na qual os homens não são disciplinados como portadores de
papéis, mas respeitados como portadores de capacidades e de necessidades positivas.
(BARATTA, 2002, p. 207-208)
5. DA ANÁLISE DA REALIDADE DO DISTRITO FEDERAL (DE 2006 A
2008)
Introduzimos o capítulo citando alguns dados sobre o Distrito Federal, com o
fito de ilustrar, brevemente, o contexto em que se insere a realidade abordada nas entrevistas
das duas Gerentes dos Centros de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas (CAPS AD), um
E
situado no Guará II e o outro em Sobradinho-II. Realizamos também uma entrevista a um
representante da Gerência de Saúde mental do Distrito Federal (GESAM/DF).
O Distrito Federal é uma unidade singular no cenário socioeconômico e
político nacional, é a sede da capital brasileira, desenvolve atividades vinculadas à
administração pública local e federal, concentra habitantes vindos de diversas regiões do país
e possue a maior renda per capita do Brasil, segundo dados constantes no site oficial do
Governo do Distrito Federal.
O Índice de Desenvolvimento Humano - IDH do DF, medido pela ONU, em
uma escala que varia de 0 a 1, passou de 0,799 em 1991 para 0,849 em 2003, bem acima da
média brasileira, que é de 0,766.O IDH consubstancia a mensuração do grau de
desenvolvimento humano em um país ou região com base em indicadores que correspondem
às três dimensões básicas desse desenvolvimento: longevidade, educação e renda.
Em que pese à existência de muitos indicadores econômicos e sociais
favoráveis à realidade do Distrito Federal, a saúde mental da população do Distrito Federal
posiciona-se em penúltimo lugar, perdendo apenas para o Amazonas, segundo os parâmetros
desenvolvidos pelo Ministério da Saúde.
Conforme acima mencionado, realizamos três entrevistas, duas com as
Gerentes dos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD de Guará e
Sobradinho), Dalila Maria Dourado dos Santos (Gerente na Unidade desde 26 de outubro de
2007, formação em Serviço Social) e Valéria de Oliveira Costa (Gerente na Unidade desde 08
de novembro de 2006, formação em Serviço Social) e uma com Leonardo Gomes Moreira
(Chefe do Núcleo de Análises, Assistência e Supervisão da Gerência de Saúde Mental do DF,
formação em Medicina, com especialidade em psiquiatria).
Todas as referidas entrevistas foram realizadas em novembro de 2007, tendo
todas sido presenciais. As entrevistas com as Gerentes dos CAPS ADd pautaram-se no
E
seguinte Roteiro, a saber: 1. Qualificação do entrevistado (nome e formação e data em que
assumiu a Gerência); 2. A equipe técnica é composta por quantos profissionais ou agentes de
saúde? Qual a formação de cada um deles? 3. No mês de outubro, qual foi a demanda do
atendimento especializado para álcool e drogas ilícitas? Qual a área de abrangência deste
CAPS AD? Quais os órgãos públicos que mais encaminham usuários? E a iniciativa privada
encaminha? Há demanda espontânea? 3. Houve alguma campanha ou entrega de cartilhas
para a população usuária? Quando? 4. Qual o tempo de duração de cada atendimento e qual a
permanência, em média, no atendimento? E a desistência/evasão é significativa (mais ou
menos que 50%)? 5. Qual a metodologia adotada para o atendimento? Quantas intervenções?
E para os familiares ou apoiadores? 6. Quais as maiores dificuldades encontradas? 7. Há
projetos ou novas políticas a serem implementadas? Entre os CAPS AD há alguma atuação
integrada/conjunta/ complementar? 8. Após a entrada em vigor da Lei 11.343/06, houve
alguma mudança no atendimento? Aumentou ou diminuiu a demanda?
No tocante ao atendimento disponibilizado pelos CAPS AD, podemos concluir,
com base nas respostas obtidas, que as equipes técnicas compostas em ambos os CAPS AD
são provisórias, tendo em vista a contratação ter se dado por meio de contratos temporários
com a Fundação Zerbini. Com o fim da parceria entre a Secretaria de Estado da Saúde do DF
e a citada Fundação, novos contratos terão que ser atualizados, o que implicará contratação de
novos profissionais.
A multidisciplinariedade é respeitada em ambas as equipes, contendo
terapeutas ocupacionais, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, fisioterapeutas,
farmacêuticos, médicos com especialidade em Clínica Médica e Psiquiatria, psicólogos e
assistentes sociais. O número de profissionais é insuficiente para atender a enorme demanda
das duas regiões, Norte e Sul, sendo que muitos deles trabalham em escalas de apenas
30hs/semana.
E
Ambos os CAPS AD atendem regiões muito grandes, o que implica enormes
demandas reprimidas, embora em ambas as entrevistas as Gerentes não admitem a exist~encia
de um significativo atraso na marcação dos atendimentos No CAPS AD de Sobradinho,
informou-se que, por mês, iniciam, em média, 40 a 50 novos atendimentos.
Os critérios estabelecidos para avaliação das altas de cada paciente e seus
familiares não são muito claros, uma vez que ambas as Gerentes justificam a não realização
de avaliações das altas porque os atendimentos são definidos segundo critérios
individualizados, ou seja, um para cada paciente. Não admitem o abandono, afirmando que o
paciente “sempre volta”. Cada atendimento individual dura em média 45 minutos e em grupo
a atividade se dá por período, matutino ou vespertino. Acreditam que o atestado de
comparecimento é o suficiente para justificar as faltas dos pacientes em suas atividades
laborativas ou demais compromissos. Contudo, notamos que a estigmatização do paciente e a
sua dificuldade em manter-se em atividades laborativas ou não é uma preocupação das
Gerências dos dois CAPS AD, uma vez que desconhecem detalhes dessas dificuldades
enfrentadas, bem como não formalizam parcerias com outras Secretarias de Estado ou
sociedade civil organizada para se conseguir alternativas de ocupação e inclusão de seus
pacientes. Embora os Autores do crime capitulado no artigo 28 da Lei 11.343/06 reclamem
muito da impossibilidade de participarem de programa e curso educativo em razão dos gastos
com transporte, esses dados não mencionados pelas duas Gerentes.
A avaliação individual acerca do comprometimento do indivíduo com drogas
psicotrópicas lícitas e ilícitas é discutida com a equipe técnica, de modo a ser definido o seu
fluxo de atendimento, se irá participar da psicoterapia de grupo e quais oficinas. Respeitam os
parâmetros fornecidos pelo Ministério da Saúde de não se avaliar o grau de dependência
química por meio de exame de urina, mas apenas com relação aos efeitos da droga em sua
vida e quanto compromete suas relações pessoais e familiares.
E
Os pacientes encaminhados pela Justiça acabam recebendo um tratamento
diferenciado, já que as equipes devem apresentar Relatórios de desempenho e normalmente os
acompanhamentos não devem ultrapassar o prazo de seis meses.
Há Circunscrições Judiciárias que os Juízes de Varas Criminais Comuns e do
Juizado Especial Criminal encaminham muitos usuários de drogas para acompanhamento,
enquanto que há circunscrições em que o próprio Judiciário, por meio de sua equipe
multiprofissional, desenvolve o programa ou curso educativo, com o fim de atender ao
previsto no inciso I do artigo 28 da Lei 11.343/06.
Apenas em datas específicas realizam atividades convidando toda a
comunidade residente na área abrangida pelo atendimento, normalmente realizam festa na
semana da Saúde Mental, festa junina e de fim de ano. Não possuem cartilhas ou informativos
próprios para divulgar os seus trabalhos.
As maiores dificuldades relacionadas pela Gerente do CAPs AD Sobradinho
foram as seguintes: falta de sala com privacidade e isolamento acústico adequado; falta de
espaço para as atividades em grupo; refeitório para os pacientes está em reforma; falta de
digitador, embora haja três computadores; falta de equipamentos eletrônicos, uma vez que o
aparelho de fax e impressora são emprestados; falta servidor para realizar serviços de
secretariado, bem como um servidor para serviços gerais de manutenção da casa; falta curso
de capacitação e reciclagem da equipe técnica como um todo e medidas que favoreçam a
construção da rede de atenção.
Depois da promulgação da Lei 11.343/06, ambas as Gerentes não notaram
mudança significativa no que diz respeito a uma maior ou menor demanda, não notaram
nenhuma mudança significativa. Ambas afirmam que a demanda espontânea é maior, depois
em número maior são os encaminhamentos da Secretaria de Estado da Saúde e por último da
E
Justiça. E de um modo geral, entendem que suas respectivas equipes são muito engajadas, em
que pese todas as dificuldades.
As maiores dificuldades elencadas pela Gerência do CAPS AD Guará são: falta
de pessoal para cobrir as faltas dos servidores; falta de serviços de internações para casos de
desintoxicação prolongada na rede pública, acabam contando com suporte de Ongs; falta
definir melhor a área de abrangência dos CAPs AD; falta melhor articulação do transporte
entre Hospital de Referência (HRGua), SAMU e CBMDF; falta transporte para atender às
atividades terapêuticas, em especial visitas domiciliares e institucionais; falta suporte técnico
de manutenção dos serviços (informática /manutenção e reparo); falta recursos humanos
administrativo e o quantitativo de pessoal é insuficiente; constata-se o desvio de função
(Técnicos como administrativos), o que prejudica a qualidade do atendimento prestado;
grande parte da equipe foi contratada por meio de contratação temporária, cujo prazo se
expira em set/2008; a carga horária reduzida dos que são estatutários (concursados); ausência
de gratificação e/ou incentivo financeiro para quem trabalha com saúde mental; problema na
estrutura organizacional dos CAPs, na sua opinião a estrutura é muito engessada; equipe
técnica sem formação em saúde mental; gestores sem formação em gestão; desconhecimento
sobre os processos de APACS (Falta de treinamento por parte da Secretaria de Saúde); falta
repasse de recurso financeiro do Fundo conforme preconizado pelo Ministério da Saúde para
o Gerenciamento do CAPs AD, apesar do CAPs AD Guará estar cadastrado no Ministério da
Saúde.
Ambas as Gerentes manifestaram que o planejamento segue as Diretrizes do
Ministério da Saúde, bem como da Política de Atenção a Álcool e Drogas, contudo cada
Unidade tem autonomia para elaborar seu Planejamento Estratégico individualizado, de forma
que seu funcionamento tenha características próprias.
E
As Gerentes esclareceram que os serviços de assistência prestados são os
seguintes: Atendimento Médico; atendimento Psiquiátrico; atendimento à Família;
atendimento medicamentoso; atendimento em grupo Domiciliar; atendimento em Grupos
(Psicoterapia, Grupo de Terapia Ocupacional, Operativo, Suporte Social, Psicoeducativo e de
Orientação); acompanhamento social; oficina terapêutica. e atividade com a comunidade. Os
atendimentos de Grupo consistem em psicoterapia de grupo; grupo e terapia ocupacional;
grupo de família; de educação e saúde; de orientação em sexualidade, entre outros.
Percebemos ao entrevistar o Dr Leonardo, integrante da Gerência em Saúde
Mental do DF, que o planejamento estratégico está ainda no papel, tendo em vista que ainda
não se iniciou a execução e implementação do Programa Distrital de Atenção Total a Álcool e
Drogas (PRODAAD). Esse programa abrange sete abordagens simultâneas, quais sejam: de
prevenção, tratamento, treinamento em dependência química, combate e repressão ao uso e
tráfico de drogas ilícitas.
O programa abrange um trabalho de prevenção, em colaboração com outras
entidades e órgãos que já fazem um trabalho com esse tipo de público, como ONGS e o
Hospital Universitário de Brasília e nos ambulatórios especializados em álcool e drogas, para
evitar sobreposição de tarefas. Para tanto se conseguiu com o Ministério da Saúde a
nomeação de supervisores, provenientes da equipe de profissionais do HUB, para acompanhar
o trabalho dos CAPs AD.
Pretende-se, por meio desse PRODAAD, desenvolver uma política de
assistência dentro do DF que permita a autorização dos repasses de verbas do Ministério da
Saúde, os quais até a presente data ainda não ocorreram.
O
PRODAAD,
em
suas
sete
frentes
principais,
desenvolverá,
concomitantemente, atividades de prevenção em Centros de Saúde, Escolas, Faculdades e, por
meio dessas atividades, objetiva-se formar multiplicadores, para no futuro ministrarem cursos
E
na Faculdade de Saúde do GDF, de forma que novos profissionais sejam capacitados para
fazerem essa prevenção mais abrangente – primária.
Desde 1994 há uma Portaria que proíbe o Hospital São Vicente de Paulo
(HPAP) de receber pacientes em razão de crises de abstinência, o HPAP não tem
desfibrilador, entre outros equipamentos, medicamentos e treinamentos típicos do tratamento
de crises de abstinência. Os Hospitais Regionais estão aparelhados para isso.
A segunda frente do PRODAAD será o tratamento das crises de abstinência
nas emergências dos Hospitais Regionais (pacientes em crise de abstinência em razão do
álcool se prolonga normalmente até mais de sete dias, 15 dias, já drogas ilícitas em geral de
três a sete dias). A Coordenação do PRODAAD pretende sentar com os Diretores dos
Hospitais Regionais e Corpo de Bombeiros (paramédicos), para repassar e rever toda essa
política de atendimento, para ao final redigir um PROTOCOLO orientando essas
emergências. Os Hospitais Regionais possuem equipe multidisciplinar, ou seja, médico
clínico, enfermeiro, auxiliares de enfermagem, assistentes sociais e psicólogos.
O paciente ficará com um protocolo, notifica-se a rede regional primária e para
tanto se pretende treinar todos os profissionais/agentes de saúde da atenção básica para
atendimento de álcool e drogas. A meta também é a criação de mais oito CAPs AD, em oito
regiões administrativas que já possuem Hospitais Regionais.
No entendimento do Dr Leonardo, o controle/repressão às drogas ilícitas é
essencial. Em que pese à descontinuidade de políticas públicas, imagina que não seria
possível alcançar as metas traçadas pelo PRODAAD se não se punir o usuário e/ou traficante
de drogas ilícitas. Acredita que o controle colabora com a política de saúde. E com a
descriminalização do porte, somente a muito longo prazo que a saúde conseguiria assumir
toda a demanda de usuários, em parceria com a educação e os meios de controle nãopunitivos do Estado.
E
Outra etapa do PRODAAD é a análise do impacto de tudo que foi
implementado. Desconhece a criação da Comissão prevista na Lei Distrital 3802/06, bem
como desconhece os valores existentes e disponíveis no Fundo para Prevenção e Controle e
Tratamento de Dependente Químico no Distrito Federal, conforme Quadro de Detalhamento
de Despesa apresentado a ele, atualizado até 29 de outubro de 2007.
Dr Leonardo informa que não tem conhecimento da elaboração de Relatórios
Avaliativos quanto ao quantitativo de pacientes que abandonam o atendimento nos CAPS ad,
mas acredita que seja baixo.
Em contradição ao que disse anteriormente, logo após afirma que na medicina,
os maiores índices de abandono de tratamento são da psiquiatria e dentro da área da
psiquiatria, o maior índice de abandono de tratamento é do dependente químico.
Inquirido
acerca
dos
critérios
para
se
determinar
o
término
do
acompanhamento individualizado, afirmou que são os seguintes: possibilidade do paciente
manter a abstinência; a possibilidade social do paciente, o que ele está fazendo nos dias em
que não vai ao CAPS ad; a existência ou não de outro distúrbio psiquiátrico ou distúrbio
clínico geral; capacidade de entendimento do paciente e quando o juiz manda. Se o psiquiatra
achar que o paciente possui algum transtorno mental, o psiquiatra deve encaminhar o paciente
para perícia – incidente de sanidade mental, e para que informe se esse é o melhor tratamento
ou não.
Inquirido acerca das políticas desenvolvidas com o fito de amenizar a
estigmatização, afirmou que elas são praticamente inexistentes e que é muito difícil afastar o
usuário da subcultura do uso. Orienta para que sejam trabalhados todos os hábitos do
paciente. A assistência social deve colaborar muito para auxiliar na criação de novos vínculos
laborais, trabalhar a auto-estima, engajar a família no tratamento, aceitar a pessoa e não
aceitar o comportamento do usuário. Pacientes sem suporte familiar e financeiro, sem suporte
E
laboral ou cognitivo e incapacidade de se auto-determinar são bem mais difíceis. Justifica que
as vezes é necessária uma internação num período maior, a exemplo dos moradores de rua e
usuários de álcool há muitos anos.
O PRODAAD inclui no programa da saúde da família o atendimento de álcool
e droga e esse levantamento será realizado com auxílio das Universidades existentes no DF.
O PRODAAD escolherá a RA que primeiro terá CAPS AD, segundo o critério
de maior índice de criminalidade. Imagina-se que seja Santa Maria, depois Ceilândia e depois
Taguatinga. O espaço físico adequado segundo os parâmetros do Ministério da Saúde é muito
importante porque senão não há Portaria de Cadastramento e os repasses não vêm.
Defende a existência de ambulância nos CAPS ad e treinamento para quem irá
conduzi-la. Admite que a Secretaria de Saúde não promove treinamento na equipe técnica dos
CAPs AD para primeiros socorros. Admite a necessidade de veículos para os CAPS AD para
realizar visitas nas residências dos pacientes. Os CAPS AD precisam de instrumentos e
equipamentos simples para injetar medicamentos endovenosos, soro, contudo não devem ter
desfibriladores, porque são equipamentos específicos dos Hospitais Regionais e dos
atendimentos emergenciais.
Relaciona as maiores dificuldades enfrentadas pela saúde mental no DF, no que
tange à temática drogas, como sendo as seguintes: falta de pessoal treinado; falta de Centros
para internações mais longas; falta de mais CAPS AD e de mais profissionais; realização de
contratação via CLT, valendo-se da contratação temporária apenas para os casos
emergenciais.
Concluímos que, segundo as três entrevistas realizadas, muitas são as
dificuldades enfrentadas pela população do Distrito Federal, no que pertine a problemática
decorrente do consumo de drogas psicotrópicas.
E
Faltam profissionais especializados nas equipes técnicas; falta investimento das
verbas disponíveis no Fundo para Prevenção, Controle e Tratamento de Dependentes
Químicos no Distrito Federal, que, segundo Quadro de Detalhamento de Despesa, atualizado
até 29 de outubro de 2007, são no montante de R$ 494.354,00; falta realização adequada de
contratação e seleção de pessoal; falta criação de mais CAPs AD; falta disponibilizar
capacitação e reciclagem às equipes técnicas e falta a contratação de mais servidores para as
áreas de apoio administrativo e manutenção dos CAPs AD.
Notamos que as ações decorrentes do PRODAAD ainda não se iniciaram, o
que confirma os dados fornecidos pelo Ministério da Saúde - o DF apresenta-se na penúltima
posição com relação ao cumprimento das metas e diretrizes do Ministério da Saúde, perdendo
apenas para o estado do Amazonas. Cabe, assim, a indagação: o que a Secretaria de Estado da
Saúde do Distrito Federal tem feito com as rubricas orçamentárias destinadas à saúde mental,
em especial as destinadas aos dependentes de drogas psicotrópicas?
CONCLUSÃO
A presente pesquisa, após o levantamento de breve panorama da realidade da
saúde mental no Distrito Federal de setembro de 2006 aos dias de hoje, identificou alguns dos
possíveis motivos que justificam o não cumprimento pelo Governo do Distrito Federal das
diretrizes e metas estabelecidas para a saúde mental pelo Ministério da Saúde, em especial no
que tange a drogas psicotrópicas.
Destacamos, primeiramente, a descontinuidade de políticas públicas nessa área
específica, como um dos principais motivos a não efetividade das ações atuais de
enfrentamento da problemática drogas psicotrópicas.
A recenticidade do PRODAAD, que não iniciou nenhuma etapa dentre as sete
frentes a serem implementadas, demonstra o desinteresse no enfrentamento dessa
problemática pelo GDF. A ausência de vontade política até 2007 restou evidenciada, já que os
E
Quadros de Detalhamento de Despesa orçamentária de 2007, no que pertine a saúde mental e
usuários
de
drogas
psicotrópicas,
indicam
a
disponibilidade
de
altos
valores
(aproximadamente quase meio milhão de reais) aptos a serem liquidados até 31 de dezembro
de 2007, caso não houvessse realocação para outras rubricas orçamentárias.
Verificamos que há necessidade de incentivo e promoção de ações que
valorizem o amplo debate pela população do Distrito Federal acerca dos meios possíveis para
enfrentamento da problemática decorrente do consumo de drogas psicotrópicas. Debates que
informem e favoreçam o questionamento das soluções até então existentes, demonstrando a
fragilidade das soluções já apresentadas e a necessidade de ruptura desse atual modelo
existente.
As inconstitucionalidades do artigo 28 da Lei 11.343/06, em especial a
violação do princípio da separação de poderes, a lesividade da intimidade e da vida privada do
usuário de drogas qualificadas como ilícitas, o desrespeito ao princípio da igualdade ao
permitir tratamento diferenciado ao usuário e não usuário de drogas psicotrópicas são as
principais inconstitucionalidades apontadas que demonstram a necessidade de nova alteração
legislativa, de preferência decorrente de propostas de alteração legislativa provenientes de
movimentos sociais.
A ausência de caráter punitivo da medida educativa prevista aos usuários de
drogas ilícitas flagrados pela ação policial e sua violação do princípio constitucional da
separação de poderes, de forma emblemática, demonstram a necessidade da continuidade do
debate amplo acerca das soluções possíveis para o enfrentamento da problemática decorrente
do consumo de drogas ilícitas,
As ações de políticas públicas básicas de saúde e educação, no que pertine a
temática drogas, se forem valorizadas, em detrimento das atuais políticas públicas
E
contingenciais, representarão uma desconstrução da idéia de que a única política criminal
possível é da lei e ordem.
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RESUMO DAS INCONSTITUCIONALIDADES DO ARTIGO 28 DA