MÁQUINAS 1 – CAPÍTULO 9 TRANSFORMADOR O transformador é um componente utilizado para converter o valor da amplitude da tensão de uma corrente alternada. O transformador é uma máquina elétrica que transfere energia de um circuito para outro modificando somente os valores de tensão e corrente. A energia elétrica produzida nas usinas hidrelétricas é levada, mediante condutores de eletricidade, aos lugares mais adequados para o seu aproveitamento. Ela iluminará cidades, movimentará máquinas e motores ca, proporcionando muitas comodidades. Para o transporte da energia até os pontos de utilização, não bastam fios e postes. Toda a rede de distribuição depende estreitamente dos transformadores, que elevam a tensão e ora a rebaixam. Nesse sobe e desce, eles resolvem não só um problema econômico, reduzindo os custos da transmissão a distância de energia, como melhoram a eficiência do processo. Antes de mais nada, os geradores que produzem energia precisam alimentar a rede de transmissão e distribuição com um valor de tensão adequado, tendo em vista seu melhor rendimento. Esse valor depende das características do próprio gerador, enquanto a tensão que alimenta os aparelhos consumidores, por razões de construção e sobretudo de segurança, tem valor baixo, nos limites de algumas centenas de volts (em geral, 110Vca ou 220Vca). Isso significa que a corrente ca, e principalmente a tensão ca fornecida, variam de acordo com as exigências. Nas linhas de transmissão a perda de potência por liberação de calor (as chamadas perdas ôhmicas) é proporcional à resistência dos condutores e ao quadrado da intensidade da corrente que os percorre (P = R.⋅I2). Para diminuir a resistência dos condutores seria necessário usar fios mais grossos, o que os tornaria mais pesados e o seu transporte absurdamente caro. A solução é o uso do transformador que aumenta a tensão, nas saídas das linhas da usina, até atingir um valor suficientemente alto para que o valor da corrente desça a níveis razoáveis (P = V⋅I). Assim, a potência transportada não se altera e a perda de energia por aquecimento nos cabos de transmissão estará dentro dos limites aceitáveis. Na transmissão de altas potências, tem sido necessário adotar tensões cada vez mais elevadas, alcançando em alguns casos a cifra de 400kVca. Quando a energia elétrica chega aos locais de consumo, outros transformadores abaixam a tensão até os limites requeridos pelos usuários, de acordo com suas necessidades. Por exemplo, uma linha de 735kVca é usada para transmitir energia elétrica no Canadá desde a usina Hidrelétrica La Grande 2, em Quebec, até Montreal, a 1000km de distância. Suponhamos que a corrente seja de 500A e o fator de potência próximo da unidade. Assim, a energia é fornecida na taxa de Pmed = ε rms ⋅ I rms ⋅ cos(φ ) = (7,35 × 10 5 V ) ⋅ (500 A) ⋅ (1) = 368MW A linha tem uma resistência por quilômetro de aproximadamente 0,22Ω e, assim, uma resitência total de 220Ω para toda a extensão da linha. Nesta resistência, a energia é dissipada na taxa de 2 Pmed = R ⋅ I rms = (220Ω) ⋅ (500 A) 2 = 55MW que é cerca de 15% da taxa de fornecimento. Imagine o que aconteceria se dobrássemos a corrente e reduzíssemos a tensão à metade? A energia seria suprida pela usina na mesma taxa anterior de 368MW, mas agora a energia na linha seria dissipada na taxa de 2 Pmed = R ⋅ I rms = (220Ω) ⋅ (1000 A) 2 = 220MW que é quase 60% da taxa de fornecimento. Conseqüentemente, a regra geral de transmissão de energia elétrica é: transmitir na mais alta tensão possível e na corrente mais baixa possível. 1 Existe uma outra classe de transformadores, igualmente indispensáveis, de potência baixa. Eles estão presentes na maioria dos aparelhos elétricos e eletrônicos encontrados normalmente em casa, tais como, por exemplo, computador, aparelho de som e televisor. Cabe-lhes abaixar ou aumentar a tensão da rede doméstica, de forma a alimentar convenientemente os vários circuitos elétricos que compõem aqueles aparelhos. Princípio de funcionamento de um transformador Um transformador pode ser esquematizado conforme a Figura 1. Duas bobinas eletricamente isoladas uma da outra compartilham o mesmo núcleo de ferro. Este material por sua vez é altamente magnético, de forma que todo o fluxo magnético (Φ) gerado é conduzido pelo núcleo. A aplicação de uma corrente variável no tempo numa das bobinas, como, por exemplo, no enrolamento primário, gera um fluxo magnético variável que, por sua vez, induz uma tensão na outra bobina (secundário), conforme lei da indução de Faraday. VP = tensão do primário. VS = tensão no secundário. NP = número de espiras no primário. NS = número de espiras no secundário. IP = corrente no primário. Figura 1 – Um transformador mostrando duas bobinas enroladas num núcleo de ferro em circuito aberto. A bobina que recebe a corrente é denominada enrolamento primário. No enrolamento secundário temos a tensão induzida. O símbolo usado para um transformador de núcleo de ferro é semelhante ao de um indutor, tal como Mas existem outros símbolos para transformadores específicos mais comumente utilizados em diagramas elétricos e eletrônicos tais como: Transformador com dois enrolamentos e núcleo de ferro. Transformador com três enrolamentos. Os pontos mostram o início de cada enrolamento. 2 Transformador abaixador (step-down) ou elevador (step-up). O símbolo mostra qual o enrolamento é maior (mais espiras), mas não necessariamente a relação entre eles. Transformador com blindagem eletrostática, que protege contra acoplamento eletrostático entre os enrolamentos. O transformador que se adquire num fornecedor de material elétrico não é ideal porque os enrolamentos possuem resistência elétrica que produzem perdas (ôhmicas) de potência. Além disso, o núcleo laminado possui correntes parasitas (correntes de Foucault) que produzem perdas adicionais. Por causa dessas perdas indesejáveis, um transformador ideal é um componente difícil de ser especificado. Resumindo: no mundo “real” não há transformadores ideais, mas sim, transformadores reais. Graças às técnicas com que são fabricados, os transformadores modernos apresentam grande eficiência, permitindo transferir ao secundário cerca de 98% da energia aplicada no primário. As perdas – transformação de energia elétrica em calor – são devidas principalmente à histerese, às correntes parasitas e às perdas no cobre. As perdas no cobre resultam da resistência dos fios de cobre nas espiras primárias e secundárias. As perdas pela resistência do cobre são perdas sob a forma de calor e não podem ser evitadas. As perdas por histérese consiste na energia que é transformada em calor na reversão da polaridade magnética do núcleo do transformador. As perdas por correntes parasitas (correntes de Foucault) ocorrem quando uma massa de metal se desloca num campo magnético ou é sujeita a um fluxo magnético variável no tempo, de modo que circulam nele correntes induzidas. Essas correntes produzem calor devido às perdas na resistência do núcleo ferromagnético. Para fins didáticos, consideramos o transformador em estudo como sendo ideal, pois isto simplifica muito nossas análises. Usando um transformador ideal, desprezamos o efeito causado pelas perdas ôhmicas, nos enrolamentos primário e secundário, por histerese e pelas correntes de Foucault. Assim, podemos considerar a tensão induzida nestes enrolamentos como sendo igual à força eletromotriz induzida nos mesmos (V = ε), de modo que o mesmo fluxo magnético atravesse o primário e o secundário. Para tanto, iniciamos por considerar o circuito abaixo na Figura 2, que consiste em um transformador ideal com núcleo de ferro, cujo enrolamento primário de NP espiras está conectado a um gerador de tensão V (tensão esta que, geralmente, varia senoidalmente com o tempo) e o enrolamento secundário de NS espiras conectado a uma carga puramente resistiva R. Num caso mais geral, a carga também conteria elementos indutivos e capacitivos, mas vamos no restringir a este caso especial. Figura 2 – Um transformador com núcleo de ferro. O primário está conectado a um gerador de tensão V e o secundário a uma carga resistiva R. Conforme a lei da indução de Faraday, temos a relação entre tensão e fluxo magnético no primário: VP = − N P ⋅ ∆Φ P ∆t (1) Para o secundário, vale a relação similar: 3 VS = − N S ⋅ ∆Φ S ∆t (2) Na situação ideal, o fluxo magnético gerado no primário é totalmente dirigido ao secundário, de forma que as taxas de variação do fluxo magnético no primário e no secundário são idênticas, isto é, ∆ΦP/∆t = ∆ΦS/∆t. Podemos, então, dividir as equações (1) e (2) acima, chegando à primeira relação básica do transformador: VP N P = VS N S (3) Vemos de (3) que com uma escolha adequada no quociente NP/NS, pode-se obter qualquer tensão no secundário a partir da tensão no primário. Se VS>VP, tem-se um transformador elevador de tensão e se VP>VS, tem-se um transformador rebaixador de tensão. Se o circuito for completado por uma carga de resistência R, então temos que IS = VS/R. Na condição ideal também temos a mesma potência em cada bobina, pois a taxa (potência) com que o gerador fornece energia ao primário é a mesma com a qual o primário transfere energia, via campo magnético, para o secundário. Assim, temos que PP = PS e, como P = V⋅I, então V P ⋅ I P = VS ⋅ I S (4) VP I S = VS I P (5) NP IS = NS IP (6) Escrevendo (4) como podemos, então, combinar (3) e (5) para obter: Ainda, podemos agrupar (3), (5) e (6) numa única relação mnemônica: VP N P I S = = VS NS IP (7) Casamento de Impedâncias Conforme colocado acima, se o circuito secundário for completado por uma carga de resistência R, então temos que IS = VS/R e, por considerações de conservação da energia, que a taxa (potência) com que o gerador fornece energia ao primário é a mesma com a qual o primário transfere energia para o secundário, conforme (4). Então, combinando (4) com a expressão para a corrente no secundário, IS = VS/R, e a equação (5) para eliminar IS e VS, obtém-se IP = VP (N P / N S ) 2 ⋅ R (8) 4 Combinando (8) com a expressão para a corrente no primário, IP = VP/RP, para eliminar IP e VP de modo a resolver a equação resultante para RP obtemos que N RP =R eq = P NS 2 ⋅ R (9) Conseqüentemente, quando o circuito secundário é completado por uma carga resistiva R, o resultado é o mesmo que se obteria se o gerador ca fosse ligado diretamente a uma resistência igual a R multiplicada pelo quadrado da razão entre o número de espiras do primário e o secundário. Em outras palavras, a equação (9) sugere ainda uma outra função para o transformador: o transformador “transforma” não somente tensões e correntes como também “resistências” (mais especificamente impedâncias). Pode-se demonstrar que a transferência máxima de energia entre um gerador e uma resistência de carga R ocorre quando esta é igual a resistência interna do gerador (o que não será feito aqui, pois está além do objetivo da disciplina). O mesmo princípio se aplica aos circuitos ca com a resistência de carga R substituída pela impedância Z do circuito secundário e onde a resistência do primário (RP) mais especificamente representa a resistência (ou impedância) do circuito primário (Req). Quando se precisa ligar uma fonte ca de alta impedância a um circuito de baixa impedância, como, por exemplo, um amplificador de som conectado a um alto-falante, a impedância da fonte pode ser igualada à do circuito inserindo-se um transformador que tenha a razão correta entre o número de espiras dos enrolamentos primário e secundário. Autotransformador O autotransformador é um equipamento semelhante ao transformador, possuindo a mesma finalidade. A única diferença é que neste dispositivo existe apenas um único enrolamento, do qual uma parte deste faz o papel do que seria o outro enrolamento num transformador comum (de dois enrolamentos: primário e secundário). O autotransformador não apresenta isolamento elétrico (entre primário e secundário) e, portanto, não pode ser usado quando este aspecto é necessário. A Figura 3-a mostra um autotransformador redutor (rebaixador) de tensão usando um enrolamento único como primário, de NP espiras, do qual uma parte deste, de NS espiras, é usado como enrolamento secundário. Já a Figura 3-b mostra um autotransformador elevador de tensão usando o enrolamento único como secundário, de NS espiras, do qual uma parte deste, de NP espiras, é usado como enrolamento primário. (a) (b) Figura 3 Citando algumas de suas vantagens, o autotransformador é um dispositivo muito útil para algumas aplicações tais como autotrafos para uso doméstico, reguladores de tensão residenciais e para computadores e redes de transmissão/recepção na classe de 15kV por causa da sua simplicidade e baixo custo quando comparado com transformadores de vários enrolamentos. O autotransformador, tendo apenas um enrolamento, torna-se mais económico porque exige menos condutor e tem um volume total inferior (para a mesma potência). Além disso, as perdas por efeito de Joule são inferiores visto ter apenas um enrolamento, de modo que o mesmo apresenta 5 um bom rendimento. Também, as quedas de tensão, resistiva e indutiva, são inferiores, pelos motivos apontados anteriormente, de maneira que o mesmo mantém uma tensão mais constante com as flutuações da carga. Citando uma desvantagem, como no autotransformador o primário e o secundário não estão isolados eletricamente entre si, como acontece no transformador, tal fato pode originar sobretensões no secundário, no caso de se quebrar a ligação no ponto C mostrado na Figura 3. É principalmente devido aos problemas de isolamento entre o primário e o secundário que o autotransformador não pode substituir o transformador na grande maioria das aplicações. O autotransformador é geralmente utilizado ou com tensões baixas ou quando os níveis de tensão no primário e no secundário são muito próximos. Um autotransformador trifásico é utilizado no arranque de motores assíncronos de elevada potência. Por intermédio do autotransformador começa por aplicar-se ao motor uma tensão reduzida no arranque, de forma a reduzir a corrente de arranque. Quando o motor atingiu já uma velocidade próxima da nominal, aplica-se no mesmo finalmente a tensão total, manual ou automaticamente. Outra das várias aplicações do autotransformador é no arranque das lâmpadas de vapor de sódio de baixa pressão. Aqui a sua função é a de proporcionar no arranque uma tensão superior à da rede, provocando a descarga no tubo. Efetuado o arranque, a tensão no secundário do autotransformador baixa bastante, de modo a limitar o crescimento da corrente provocado pela descarga, o que se consegue em virtude de o autotransformador ter, como particularidade construtiva, elevada dispersão magnética quando a intensidade da corrente aumenta. EXEMPLO 1. Um transformador num poste de rede de energia elétrica opera sob 8,5kVca no seu enrolamento primário e fornece energia elétrica para as casas da vizinhança, a partir do seu secundário sob 120Vca. A taxa média de consumo de energia elétrica nas casas servidas por este transformador é de 78kW. Suponha que este transformador seja ideal, que as casas da vizinhança sejam representadas por uma carga resistiva RS e que o fator de potência, então, seja igual à unidade. Sendo assim, pede-se: a) b) c) d) e) f) O transformador é elevador ou rebaixador de tensão? Justifique sua resposta. A razão entre o número de espiras do enrolamento primário e secundário (NP/ NS). O valor eficaz da corrente no enrolamento primário. O valor eficaz da corrente no enrolamento secundário. A carga resistiva equivalente do circuito secundário. A carga resistiva equivalente do circuito primário. EXERCÍCIOS PROPOSTOS 1. Um gerador fornece 100V ao enrolamento primário, com 50 espiras, de um transformador. Sabendo-se que o enrolamento secundário possui 500 espiras, qual é a tensão no secundário? 2. Um transformador possui 500 espiras no primário e 10 espiras no secundário. Sabe-se que a tensão no primário é de 120Vca e que a carga resistiva do secundário vale 15Ω. Sendo assim: a) b) c) d) e) f) Qual é a tensão eficaz no secundário? Qual é a corrente eficaz no secundário? Qual é a corrente eficaz no primário? Quanto mede a carga resistiva equivalente do circuito primário? Qual é a potência do primário? Qual é a potência do secundário? 3. Um gerador de fem ca fornece energia elétrica para uma carga resistiva numa fábrica longínqua através de uma linha de transmissão com dois cabos, conforme esquematizado na figura abaixo. 6 Na fábrica, um transformador reduz a tensão da linha de transmissão do valor εT para um valor menor, seguro e conveniente para ser usado na fábrica. A resistência da linha de transmissão vale 300mΩ/cabo e a potência do gerador é de 250kW. Assim sendo, determine a queda de tensão ao longo de toda a linha de transmissão e a taxa com que a energia elétrica é dissipada na linha como energia térmica quando: a) εT = 80kVca; b) εT = 8kVca; c) εT = 0,8kVca; 4. A resistência interna de uma fonte ca de amplitude de tensão igual a 100V é de 10kΩ. Um transformador, conectado a essa fonte, tem ligado em seu secundário uma carga resistiva de 10Ω. Sendo assim, determine: a) A razão entre o número de espiras do enrolamento primário e secundário (NP/ NS). b) O valor eficaz da tensão no enrolamento secundário. RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS PROPOSTOS 1. 2. 3. 4. 1kV; a) 2,4V; b) 160mA; c) 3,2mA; d) 37,5kΩ; e) 384mW; f) 384mW; a) 1,88V e 5,86W; b) 18,75V e 586W; c) 187,5V e 58,6kW; a) 31,62 ≅ 32; b) 3,16V; 7