PROPOSTA DE LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS
Ronaldo Martins (http://www.ronaldomartins.pro.br)
DESCRIÇÃO
Você já deve ter ouvido falar em Guernica, o célebre painel de Pablo Picasso. O quadro é considerado um
monumento da arte contemporânea, e um manifesto contra a guerra e a violência. O seu efeito deriva, em grande parte, do
momento histórico que o pintor procura retratar: o bombardeio da cidade de Guernica, em 1937, pela força aérea alemã. A
cidade tinha 7.000 habitantes, dos quais morreram 1.654 (quase 24% da população) e saíram seriamente feridos outros
889. Quase todos eram civis. A dor dos que sobreviveram e os escombros do ataque estão magnificamente representados
no painel de Picasso, que não impensadamente escolheu, para representar o horror, tons de preto, de cinza e de branco.
Observe atentamente o quadro. Você tem uma reprodução bastante grosseira do original: uma versão fotocopiada,
reduzida, embaçada. Mas as personagens do drama estão todas aí: a lâmpada, o cavalo, a mãe com o filho morto ao colo.
É uma imagem. É uma experiência que toca antes os olhos. Não há palavra no painel de Picasso, e no entanto observe o
quanto o quadro "diz". Mas perceba também que esse "dizer" faz uso de estratégias bastante específicas, que dizem
respeito apenas ao mundo das imagens, e que são inevitavelmente perdidas quando passamos do visual para o verbal,
para a linguagem.
Imagine agora que você tem um grande amigo, e que esse amigo é cego. Vocês estão passeando por Madrid, e
param em frente ao Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia. É um antigo hospital, transformado em museu. O seu
amigo confessa que gostaria de conhecer o museu. Você fica um pouco constrangido  é um museu de artes "visuais", o
que um cego poderia "ver" ali? O seu amigo insiste, e vocês decidem entrar. Depois de percorrer algumas salas, você se
depara com o painel de Pablo Picasso. O seu amigo também o conhece, de nome. Ele pede que você conte como o
quadro é, que você o descreva. Ele exige detalhes, impressões. Quer sentir exatamente o que você sente diante do painel.
Você tem os olhos; ele tem apenas os ouvidos. É uma tarefa complicada, mas você não tem alternativa. Você gagueja, não
sabe por onde começar. O quadro é confuso. Você pede um tempo para digerir a obra, ler um pouco a respeito, dominar
essa explosão de impressões visuais. E promete escrever um texto sobre o quadro, um texto que você lerá para o amigo
cego, um texto que cumpra exatamente a função de reproduzir, em palavras, o que no quadro acontece por imagens. Este
exercício de produção é esse texto.
Algumas dicas:
1) Dê ao texto um título;
2) Faça efetivamente um texto, um todo, uma unidade. O quadro é assim: intrincado, mas único. Não faça do seu texto uma
colagem ou uma justaposição de elementos do quadro. Procure desenvolver, no texto, a idéia de conjunto.
3) Procure educar os seus olhos. Veja não apenas o painel, mas a história, a sociedade, o pintor por trás do painel. Mas
cuidado: não veja apenas a história, a sociedade e o pintor por trás do painel; veja, principalmente, o painel.
4) Segue, em anexo, uma coletânea de textos sobre Picasso e sobre Guernica. São textos de jornais, de enciclopédias e
de crítica de arte. Adquira esse hábito: antes de escrever, leia tudo o que você conseguir encontrar sobre o assunto. Mas
NÃO COPIE. Plágio é crime. Retome os textos lidos com suas próprias palavras (ou, se for mesmo indispensável, faça uso
das aspas).
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Ronaldo Martins (http://www.ronaldomartins.pro.br)
Guernica
Thomas, Hugh, A Guerra Civil Espanhola.
In: Século XX, p. 1758
O início da participação nazista na Guerra Civil Espanhola se deu em Guernica, capital da província basca. Essa
pequena cidade sempre fora considerada o berço da liberdade, onde reis espanhóis ou seus representantes juravam
respeitar os direitos do povo basco.
"No dia 26 de abril de 1937, uma segunda- feira (dia de feira, como era costume em Guernica), as 4h40 da tarde
começaram a surgir os Heinkel III, bombardeando a cidade e metralhando as ruas. Depois dos Heinkels vieram os Junkers
52, os velhos espectros da Guerra Espanhola. A população começou a abandonar a cidade, sendo metralhada na fuga.
Bombas incendiárias (pesando até quatrocentos e cinquenta quilos) e outros explosivos foram lançados por vagas de
aviões a cada vinte minutos até as 7h45. A destruição foi total."
Nações ultrapassam convenções territoriais
CINILIA T. GISONDI OMAKI
MARIA ODETTE BRANCATELLI
Folha de S. Paulo, 13/11/97
O sentimento nacionalista de minorias continua acima das convenções político-territoriais dos Estados.
Os bascos sempre defenderam sua independência, resistindo à incorporação pela Espanha e França. Durante a
Guerra Civil Espanhola (1936-39), o bombardeio alemão à Guernica, "berço da liberdade" basca, deu força ao franquismo,
minando a resistência nacionalista.
A ditadura de Franco (39-75) reprimiu as manifestações autônomas regionais e a cultura basca. Nasceu, então, a
ETA (Euskadi Ta Askatasuna - País Basco e Liberdade), inicialmente para manter os valores e costumes dessa minoria.
Nos anos 60, passou à ação armada.
Com a redemocratização, foi concedida autonomia política e cultural às províncias bascas, aquém do esperado. A
facção extremista da ETA intensificou o terrorismo, mas hoje o povo basco vem rejeitando a violência, querendo uma
solução pacífica para a autodeterminação.
Picasso, Pablo
http://cf3.uol.com.br:8000/enciclop/
(Pablo Ruiz y Picasso, 1881-1973), pintor espanhol naturalizado francês. Considerado por muitos o maior artista
do século 20, era também escultor, artista gráfico e ceramista. Pintor precoce, após a sua melancólica 'fase azul' e a lírica
'fase rosa' (1901-6), Picasso foi influenciado pelas artes africana e primitiva, como ilustra Les Demoiselles d'Avignon
(1907). Junto com Georges Braque, criou o cubismo (1907-14), cujos princípios já estavam presentes em Demoiselles.
Entre seus amigos dessa época estavam o crítico e poeta Apollinaire, o empresário de balé Diaghilev (para quem executou
cenários) e a escritora expatriada Gertrude Stein, que exercia grande influência sobre os artistas modernos. Em 1921,
pintou o quadro cubista Três Músicos e o clássico Três Mulheres junto à Fonte. Nos anos 30, adotou o surrealismo,
usando-o para despertar o horror à guerra na tela Guernica (1937). Seus últimos trabalhos empregavam tanto formas
cubistas quanto surrealistas, e podiam ter um caráter de beleza, ternura ou grotesco. Sua produção é enorme e quase no
fim da vida produziu uma brilhante série de gravuras. (c) Webster
surrealismo
http://cf3.uol.com.br:8000/enciclop/
Movimento artístico e literário iniciado na França, na década de 20, que causou rica e variada influência na cultura
ocidental. Tinha como característica o fascínio por temas e sentimentos bizarros, incongruentes e irracionais. Apresentou
muitas facetas, mas seu principal objetivo era o de tentar liberar as forças criativas do inconsciente, vencendo o domínio da
razão. André Breton, principal fundador e teórico do surrealismo, disse que sua meta era "solucionar as contradições
existentes entre sonho e realidade, transformando-as em realidade absoluta, uma super-realidade".
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Ronaldo Martins (http://www.ronaldomartins.pro.br)
Pablo Picasso
Pablo Picasso, o artista mais famoso e também o mais versátil do século 20, nasceu em Málaga, no sul da
Espanha, em 25 de outubro de 1881. O pai era professor de desenho, portanto o óbvio talento de Picasso foi reconhecido
desde cedo e, aos quinze anos, tinha já o seu próprio ateliê.
Após um falso início como estudante de arte em Madri e um período de Boemia em Barcelona, Picasso fez a sua
primeira viagem a Paris em outobro de 1900. A cidade continuava a ser a capital artística da Europa e foi lar permanente
do artista desde abril de 1904, quando ele se mudou para o prédio apelidado de Bateau-Lavoir (Barco-Lavanderia), em
Montmartre, a partir daí o novo centro da arte e da literatura vanguardista.
Durante este período, o trabalho de Picasso foi relativamente convencional, passando de uma Fase Azul
melancólica (1901-05) para a Fase Rosa, mais alegre e delicada (1905).
A mudança de estado de espírito pode ter se originado em parte pela sua ligação com Fernande Olivier, seu
primeiro grande amor. Na vida de Picasso, as mulheres e a arte estão inextricavelmente misturadas, o surgimento de uma
nova mulher freqüentemente sinalizava uma mudança de direção artística.
Embora os trabalhos de Picasso estivessem começando a ter sucesso comercialmente, ele decidiu abandonar
seu estilo "Rosa". Em 1907, inspirado pelas esculturas ibérica e africana, pintou Les Demoiselles d'Avignon, um dos
grandes trabalhos liberadores da arte moderna. Divertindo-se com uma nova liberdade pictórica, Picasso, junto com o
pintor francês Georges Braque, criou o Cubismo, em que o mundo visível era desconstruído em seus componentes
geométricos. Este foi comprovadamente o momento decisivo em que se estabeleceu um dogma fundamental da arte
moderna - o de que o trabalho do artista não é cópia nem ilustração do mundo real, mas um acréscimo novo e autônomo.
Graças ao Cubismo, a liberdade do artista estendeu-se também aos materiais, de foram que os meios tradicionais como a
pintura e a escultura puderam ser suplementados ou substituídos por objetos colados nas telas, ou "montagens" de itens
contruídos ou "achados".
Ao contrário de alguns contemporâneos seus, Picasso nunca chegou a criar uma arte puramente abstrata. De
fato, sua versatilidade o mantinha um salto adiante de seus dmiradores, muitos dos quais se surpreenderam quando ele
voltou a pintar figuras mais convencionais e depois, no início da década de 1920, desenvolveu um estilo neoclássico
monumental. Coincidentemente ou não, em 1918 se casara com a bailarina Olga Koklova, e adotara um estilo de vida
exageradamente próspero e respeitável - mas que ele achava cada vez mais aborrecido.
Em 1925, Picasso começou a pintar formas deformadas, violentamente expressivas, que eram em parte uma
resposta às suas dificuldades pessoais. A partir desta época, seus trabalhos se tornaram cada vez mais multiformes,
empregando - e inventando - uma variedade de estilos como nenhum outro artista havia tentado antes. Foi também um
escultor criativo (algumas autoridades o consideram o maior expoente da arte no século 20), e mais tarde dedicou-se à
cerâmica com grande entusiasmo. Em qualquer veículo que se expressasse, sempre foi imensamente prolífero, criando em
toda a sua vida milhares de obras.
No final da década de 1930, quando o impulso criativo de Picasso parecia finalmente estar enfraquecendo, os
acontecimentos o levaram a criar o seu quadro mais famoso: Guenica. Esta obra foi uma resposta aos horrores da Guerra
Civil Espanhola. o conflito começou em julho de 1936 com um golpe militar liderado pelo General Francisco Franco,
representando os elementos fascistas, tradicionalistas e clericais do país, contra a República Espanhola e seu governo
eleito da Frente Popular (centro-esquerda).
Ao estourar a guerra, Picasso imediatamente declarou seu apoio à República, levantando enormes quantias em
prol da causa e aceitando pintar um grande mural para o pavilhão espanhol na Exposição Internacional de 1937, em Paris.
Ainda não havia começado quando soube que, em 26 de abril de 1937, aviões nazistas, enviados por Hitler para ajudar
Franco, tinham bombardeado e arrasado a ciadade basca de Guernica. Picasso pôs-se imediatamente a trabalhar nos
esboços preliminares para Guernica e depois pintou a enorme tela em cerca de um mês (maio/junho de 1937). Ela foi a
expressão máxima não só do sofrimento espanhol como do impacto devastador dos armamentos modernos de guerra
sobre suas vítimas em todas as partes do mundo.
Apesar de tudo, os republicanos perderam a guerra civil, e Picasso ficou exilado da sua terra natal para oresto da
sua longa vida. Durante a segunda Guerra Mundial, ele ficou na Paris ocupada pelos alemães, proibido de expor mas sem
que ninguém o molestasse seriamente.
Depois da libertação de Paris, Picasso ingressou no Partido Comunista, e durante alguns anos certas obras suas
foram declaradamente políticas; mas ele era também uma celebridade internacional, residindo na região onde os ricos iam
se divertir no sul da França. Em seguida a uma série de ligações amorosas, ele finalmente casou-se pela segunda vez,
agora com Jacqueline Roque, em 1961 e levou uma vida cada vez mais retirada. Artisticamente prolífero até o fim da vida,
morreu aos 91 anos em 8 de abril de 1973.
Guernica
ou o manifesto político de P. Picasso
por Ângela Veríssimo
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Ronaldo Martins (http://www.ronaldomartins.pro.br)
Um dos quadros que melhor transmite todo o desespero advindo da guerra é o intemporal Guernica de Pablo
Picasso, fazendo plena justiça à expressão "uma imagem vale por mil palavras". No início de mais um ano, quase no fim do
milénio, aqui neste cantinho do Mundo Ocidental, é tempo de pensar no outro Mundo, cujos povos vivem em palco de
guerra, e para os quais nada resta senão esperar por dias de paz.
Picasso não tinha sido muito afectado pela I Guerra Mundial e só com a Guerra Civil Espanhola se interessou por
política, tornando-se vivamente solidário com os republicanos. As fotografias que aparecem na imprensa no ínicio de Maio
de 1937 relativas ao bombardeamento de Guernica (antiga capital do País Basco) em 36 de Abril tocam-no profundamente.
Passado pouco mais de um mês e após 45 estudos preliminares, sai do seu atelier de Paris o painél Guernica (3.50x7.82
m) para ser colocado na frontaria do pavilhão espanhol da Exposição de Paris de 1937 dedicada ao progresso e à paz.
Rapidamente o painél se transforma num objecto de protesto e denúncia contra a violência, a guerra e a barbárie:
"O quadro converte-se numa manifestação da cultura na luta política, ou melhor dizendo, no símbolo da cultura que se
opõe à violência: Picasso opõe a criação do artista à destruição da guerra"(1).
Donde vem a genial monumentalidade que faz de Guernica uma obra tão singular? Na minha opinião, o seu
poder advém da carga emotiva que possui. Efectivamente, o painél não representa o próprio acontecimento, o
bombardeamento de Guernica, mas "evoca, por uma série de poderosas imagens, a agonia da guerra total"(2), chegando a
constituir uma visão profética da desgraça da guerra que nos ameaça hoje e que nos ameaçará no próximo século que
segundo S. Huntington "se caracterizará por muitos conflitos de pequenas dimensões"(3), devido em grande parte à
existência, na actualidade, de mais de meia centena de estados fragéis e desintegrados. De facto, a destruição de
Guernica foi a primeira demonstração da técnica de bombardeamentos de saturação, mais tarde empregue na II Guerra.
Picasso já em fase pós-cubista, consegue aqui tornar o acto pictórico na narração objectiva da ideia que formou perante o
acontecimento e da emoção que sentiu. Com ele,"a pintura carrega consigo o seu património de experiências emocionais"
deixando de ser "um ideal abstracto de beleza formal ou de representação lírica da aparência vísivel"2. Citando o artista:
"Quando alguém deseja exprimir a guerra, pode achar que é mais elegante e literário representá-la por um arco e uma
flecha, que de facto, são estéticamente mais belos, mas quanto a mim (...) utilizaria uma metralhadora"(4).
Tecnicamente tudo em Guernica contribui para a transmissão de emoções avassaladoras a começar pelo uso da
técnica de "collage" de que Picasso e Braque tinham sido pioneiros em 1911-12 e que o primeiro aqui retoma, já não
"colando" objectos na superfície do quadro mas pintando como se fizesse colagens; com este Cubismo de Colagens cria-se
um conceito de espaço pictórico radicalmente novo não criado por nenhum artifício ilusionista mas pela sobreposição dos
"recortes" planos, neste caso especifíco em tons de preto e cinzento atravessados por claridades brancas e amareladas,
numa total ausência da cor, inexoravelmente evocativa da morte.
A par disso, Picasso recorre a formas dramáticas, violentas, a fragmentações e metamorfoses anatómicas que se
por um lado criam figuras que não aderem a nenhum modelo "real", por outro exprimem toda a realidade e agonia da dor
insuportável. A comprovar isso atente-se nas várias figuras que o pintor representa neste quadro que aparentemente livre,
obedece contudo a um rigoroso esquema em termos de construção (imagine-se a tela dividida em 4 rectângulos, com um
triângulo cujo vértice corresponde ao eixo vertical que a divide em duas partes iguais): a mãe chorando a morte do filho
(descendentes da Pietà...) e o ameaçador touro de cabeça humana, no 1º rectângulo, o "olho" luminoso do candeeiro que
derrama uma luz inóspita (no 2º), a mulher com a lâmpada na mão recordando-nos a Estátua da Liberdade (no 3º) e o
homem que em desespero levanta os braços ao céu (no 4º). Repare-se ainda no cadáver empunhando a espada partida
(um emblema da resistência heróica) e o cavalo ferido que aparecem no referido triângulo. O cavalo é à semelhança do
touro uma figura saída da mitologia espanhola; representa o povo que agoniza sob o jugo opressor do touro, símbolo da
brutalidade, das forças do mal.
Hoje, olhar para Guernica é partilhar o horror que Picasso sentiu há 59 anos perante as imagens da destruição da
povoação. Por isso, aqui vai um desejo para o novo ano: que em 1996 tratados como os de Dayton não fiquem pelo papel
e que haja sempre um pensamento na mente dos homens: GUERNICA NUNCA MAIS!
(1) in "Entender a Pintura", suplemento nº 2 da revista "Artes & Leilões", tradução de Margarida Viegas. (2) H. W. JANSON:
"História de Arte", 4ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1989. (3) CARDOSO,José: "O Terror Supremo",
REVISTA do Expresso, 23 de Dezembro de 1995. (4) SECKLER, J.:"New Masses", 3 de Julho de 1945, citado em
"Entender a Pintura", suplemento nº 2 da revista "Artes & Leilões", tradução de Margarida Viegas.
''Guernica'' não vai à abertura
CELSO FIORAVANTE
Folha de S. Paulo, 18/09/97
O Guggenheim Bilbao surge com uma polêmica. O motivo é uma das mais emblemáticas pinturas deste século:
''Guernica'', de Picasso, que retratou os horrores da guerra ao representar o bombardeio da cidade espanhola homônima
em 1937 (1.654 mortos e 889 feridos entre seus 7.000 habitantes).
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O Guggenheim Bilbao pediu a obra para sua inauguração, mas o Museu Reína Sofia se negou a emprestá-la,
alegando suas precárias condições de conservação.
''Fizemos um dossiê assegurando as condições do quadro em seu transporte e exposição, mas ainda não
tivemos resposta. A presença de 'Guernica' na inauguração do museu está descartada, mas continuamos com a esperança
de que a obra seja exposta no museu em um futuro próprio'', disse o diretor Juan Ignacio Vidarte.
Quadro foi feito em 6 semanas
MARTA AVANCINI
Folha de S. Paulo, 02/08/97
Picasso levou seis semanas para pintar ''Guernica''. Em 1937, recebeu encomenda do governo espanhol para
realizar uma ''obra forte e de dimensões monumentais'' a ser exposta no pavilhão do país durante a Exposição
Internacional daquele ano.
Como não havia um tema determinado, Picasso enfrentava, na época, dificuldade para encontrar uma fonte de
inspiração.
Essa situação persistiu até o bombardeio da cidade de Guernica pela aviação alemã em abril de 37, na Guerra
Civil Espanhola.
O fato causou reações indignadas da comunidade internacional — já que os alvos teriam sido civis — e
polêmica, pois o então líder Francisco Franco chegou a negar existência do bombardeio.
Os nazistas alemães apoiavam Franco em sua luta pelo controle da Espanha. As notícias e fotografias do
bombardeio foram a matéria-prima do quadro, a mais conhecida obra de Picasso e uma das mais importantes do século 20.
Em branco, preto e cinza, ''Guernica'' retrata o horror e a destruição — e se tornou um símbolo da luta pela
liberdade.
Aos 60 anos, ''Guernica'' agoniza em Madri
MARTA AVANCINI
Folha de S. Paulo, 02/08/97
''Guernica'', o famoso quadro do pintor Pablo Picasso que retrata o bombardeio de uma cidade homônima na
Espanha, está ameaçado devido às suas precárias condições de conservação.
Essa é a conclusão de um relatório elaborado pelo Departamento de Conservação-Restauração do Museu
Nacional Rainha Sofia, em Madri (Espanha), onde o quadro está exposto desde 1992.
Em 70 páginas, o relatório, ao qual a Folha teve acesso, descreve os tipos de danos sofridos pela obra em seus
60 anos de existência — o quadro foi pintado em 1937 a pedido do governo espanhol para ser exposto no pavilhão do país
na Exposição Internacional em Paris.
São diversos os problemas apontados no relatório. Um furo de 5 milímetros no olho do guerreiro, zona inferior
esquerda.
Rupturas na capa pictórica que atravessam a obra no sentido vertical, principalmente no centro.
Deformações de suporte. Rasgos em alguns pontos da tela, em especial nas bordas (dano considerado
irreversível). Acúmulo de resina em diversos pontos da superfície.
Por tudo isso, Pilar Sedano Spin, chefe do Departamento de Conservação-Restauração, conclui que ''Guernica''
não deve sair dos domínios do museu.
Os inúmeros transportes a que foi submetido e as restaurações realizadas nos anos 50 e 60 pelo Museu de Arte
Moderna de Nova York (MoMA), nos EUA, são as principais causas do precário estado de conservação de ''Guernica''.
Entre 1937 e 1992, a obra foi transportada 16 vezes para participar de mostras pelo mundo, de Estocolmo
(Suécia), em 1938, a São Paulo, em 1953, para integrar a 2ª Bienal Internacional de Arte.
Cada transporte implica retirar a tela do chassis, o que, ao longo dos anos, provocou as rachaduras na pintura e
rasgos na tela.
Devido às grandes dimensões — ''Guernica'' tem cerca de 3,5 metros de altura por 7,80 metros de largura — ,
ele tem de ser desmontado, enrolado e remontado cada vez que é transportado.
''A popularidade do quadro fez com que ele se tornasse muito solicitado. Os estragos acabaram sendo
inevitáveis'', disse o historiador da arte Jean-Louis Ferrier, que dedicou um dos quase 20 livros que escreveu a ''Guernica''.
As restaurações, prática que normalmente tem o objetivo de preservar uma obra de arte, foram, paradoxalmente,
outra causa de dano ao quadro.
A mais importante foi realizada pela equipe do MoMA. Na época, ele já apresentava problemas de perda de cor,
rugas e rasgos.
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Ronaldo Martins (http://www.ronaldomartins.pro.br)
Para solucionar o problema, foram usadas técnicas de restauração comuns na época, como o tratamento do
avesso da tela com uma mistura de cera de resina a fim de fixar a cor.
O resultado foi a impregnação, de maneira irreversível, da tela e da pintura, o que pode acelerar o processo de
deterioração delas.
O quadro ficou sob a guarda do MoMA entre 1939, onde estava exposto quando começou a Segunda Guerra
Mundial, e 1981, quando foi transportado para Madri, conforme desejo de Picasso.
Por causa do conflito, o pintor julgou que a obra estaria mais segura nos EUA, apesar de sempre ter reiterado que
ela pertencia à Espanha.
A transferência, no entanto, apenas ocorreu depois da morte de Picasso, em 1973, e com a estabilidade política
na Espanha.
Materiais dificultam restauro
MARTA AVANCINI
Folha de S. Paulo, 02/08/97
Os materiais usados pelos artistas no século 20 podem tornar a restauração e a conservação das obras mais
difícil e complicada.
''Como são materiais novos, desconhecidos, às vezes não sabemos exatamente que tipo de técnica usar para
preservar a obra'', disse France Dijou, conservadora da RMN (Reunião Nacional de Museus) da França.
A dificuldade se deve principalmente ao uso de materiais industrializados que não eram utilizados nos séculos
anteriores. Esse problema pode ter ocorrido com ''Guernica'', segundo o historiador de arte Jean-Louis Ferrier.
''Picasso usou um tipo de tinta muito utilizado na publicidade. Era um material alternativo para os padrões da
época. Nem ele sabia como aplicar esse tipo de material sobre a tela, nem os restauradores sabiam o que fazer para
preservar a obra'', disse.
Na opinião de Ferrier, Picasso optou por esse tipo de tinta por dois motivos: tamanho do quadro e concepção que
tinha da obra.
''Como 'Guernica' é muito grande, e o tempo para terminar era muito curto, não dava para ele trabalhar com a
técnica exigida pelo óleo, com pinceladas curtas. Ele tinha de preencher grandes áreas e rapidamente.''
Já a concepção interferiu na escolha do material, na opinião de Ferrier. ''Picasso fez um quadro sobre o século
20, com material do século 20. Ele queria se situar fora da arte dos museus.''
Ferrier conta ainda que o próprio Picasso não sabia direito como usar a tinta, o que causou uma ''instabilidade''
entre a pintura e o suporte (a tela).
''Nos anos 40 o quadro já apresentava problemas de perda de cor e ele chegou a ser molhado durante uma
tempestade enquanto Picasso estava pintando.''
Se o uso de materiais não-convencionais se consolidou como tendência na arte moderna e contemporânea, resta
aos conservadores e restauradores encontrar formas para preservar as obras produzidas nessa concepção.
''É uma de nossas maiores preocupações, mas sempre corremos o risco de usar uma técnica considerada correta
hoje e que se mostrará inadequada no futuro'', disse a conservadora France.
Para o historiador, o problema traz à tona a problemática natural da museologia — a preservação das obras para
o futuro. ''Talvez as obras não tenham que durar para sempre'', disse.
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Ronaldo Martins (http://www.ronaldomartins.pro.br)
Filho de Pablo Picasso se opõe a viagem de 'Guernica'
do "El País"
Folha de S. Paulo, 29/06/97
Claude Picasso, filho do pintor Pablo Picasso, chamou de "irresponsáveis" o Museu Guggenheim e políticos
espanhóis que lutam para que a obra "Guernica" seja exposta em Bilbao (norte da Espanha).
Atualmente, o quadro, um dos mais famosos do cubista Pablo Picasso, está exposto no Museu Reina Sofía, em
Madri.
Segundo Claude, a obra está em mau estado de conservação, fato que não permite seu transporte.
Há uma semana, o Parlamento espanhol aprovou uma moção que apóia a viagem do quadro para a mostra
inaugural do Museu Guggenheim em Bilbao, que deve ocorrer de 3 a 18 de outubro.
O principal patrocinador da causa é o Partido Nacionalista Basco, que representa a região do norte da Espanha.
"Guernica" retrata o bombardeio realizado durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) por aviões alemães
sobre a cidade que leva o seu nome e que fica na região basca.
No bombardeio, o primeiro da história cujos alvos eram civis, cerca de mil pessoas morreram.
"A votação no Parlamento não reflete nada que seja importante para a arte ou para a história da arte, nem nada
que seja benéfico para o quadro ou para sua conservação", afirmou Claude.
"'Guernica' tem um valor político inegável, mas não o valor que quer lhe ditar a moda. A obra não pode ser
utilizada como um objeto de promoção."
Questionado sobre por que o quadro, que já excursionou por mais de 60 vezes ao redor do mundo, não pode
viajar mais uma vez, Claude respondeu: "O quadro serviu para obter fundos e chamar a atenção para o fato de que muitos
espanhóis sofriam. Nas últimas décadas, porém, viajou apenas até os EUA. Não se pode pôr o quadro em risco".
A BOMBA
Carlos Drummond de Andrade
A bomba
é uma flor de pânico apavorando os floricultores
A bomba
é o produto quintessente de um laboratório falido
A bomba
é estúpida é ferotriste é cheia de rocamboles
A bomba
é grotesca de tão metuenda e coça a perna
A bomba
dorme no domingo até que os morcegos esvoacem
A bomba
não tem preço não tem lugar não tem domicílio
A bomba
amanhã promete ser melhorzinha mas esquece
A bomba
não está no fundo do cofre, está principalmente onde não está
A bomba
mente e sorri sem dente
A bomba
vai a todas as conferências e senta-se de todos os lados
A bomba
é redonda que nem mesa redonda, e quadrada
A bomba
tem horas que sente falta de outra para cruzar
A bomba
multiplica-se em ações ao portador e portadores sem ação
A bomba
chora nas noites de chuva, enrodilha-se nas chaminés
A bomba
faz week-end na Semana Santa
A bomba
tem 50 megatons de algidez por 85 de ignomínia
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Ronaldo Martins (http://www.ronaldomartins.pro.br)
A bomba
industrializou as térmites convertendo-as em balísticos
interplanetários
A bomba
sofre de hérnia estranguladora, de amnésia, de mononucleose,
de verborréia
A bomba
não é séria, é conspicuamente tediosa
A bomba
envenena as crianças antes que comece a nascer
A bomba
continnua a envenená-las no curso da vida
A bomba
respeita os poderes espirituais, os temporais e os tais
A bomba
pula de um lado para outro gritando: eu sou a bomba
A bomba
é um cisco no olho da vida, e não sai
A bomba
é uma inflamação no ventre da primavera
A bomba
tem a seu serviço música estereofônica e mil valetes de ouro,
cobalto e ferro além da comparsaria
A bomba
tem supermercado circo biblioteca esquadrilha de mísseis, etc.
A bomba
não admite que ninguém acorde sem motivo grave
A bomba
quer é manter acordados nervosos e sãos, atletas e paralíticos
A bomba
mata só de pensarem que vem aí para matar
A bomba
dobra todas as línguas à sua turva sintaxe
A bomba
saboriea a morte com marshmallow
A bomba
arrota impostura e prosopéia política
A bomba
cria leopardos no quintal, eventualmente no living
A bomba
é podre
A bomba
gostaria de ter remorso para justificar-se mas isso lhe é vedado
A bomba
pediu ao Diabo que a batizasse e a Deus que lhe validasse o batismo
A bomba
declare-se balança de justiça arca de amor arcanjo de fraternidade
A bomba
tem um clube fechadíssimo
A bomba
pondera com olho neocrítico o Prêmio Nobel
A bomba
é russamenricanenglish mas agradam-lhe eflúvios de Paris
A bomba
oferece de bandeja de urânio puro, a título de bonificação, átomos
de paz
A bomba
não terá trabalho com as artes visuais, concretas ou tachistas
PROPOSTA DE LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS
Ronaldo Martins (http://www.ronaldomartins.pro.br)
A bomba
desenha sinais de trânsito ultreletrônicos para proteger
velhos e criancinhas
A bomba
não admite que ninguém se dê ao luxo de morrer de câncer
A bomba
é câncer
A bomba
vai à Lua, assovia e volta
A bomba
reduz neutros e neutrinos, e abana-se com o leque da reação
em cadeia
A bomba
está abusando da glória de ser bomba
A bomba
não sabe quando, onde e porque vai explodir, mas preliba
o instante inefável
A bomba
fede
A bomba
é vigiada por sentinelas pávidas em torreões de cartolina
A bomba
com ser uma besta confusa dá tempo ao homem para que se salve
A bomba
não destruirá a vida
O homem
(tenho esperança) liquidará a bomba
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Guernica - Ronaldo Martins