GRAVEL ISSN 1678-5975 Novembro - 2005 Nº 3 117-120 Porto Alegre Novas Ações de Recuperação de Praias na Costa Atlântica da Flórida (USA) L. R. Martins1,3 & C. I. Santana2,3 1 Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica – CECO/IG/UFRGS; Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais – CPRM; 3 South West Atlantic Coastal and Marine Geology Group – COMAR. 2 118 Novas Ações de Recuperação de Praias na Costa Atlântica da Flórida (USA) INTRODUÇÃO A restauração de áreas costeiras do estado da Flórida (USA), após a ação devastadora promovida pela estação dos furacões no ano de 2004, mais especificamente vinculada aos eventos Charly, Francis e Jeanne, foi objeto mais uma vez da atuação do U.S. Department of Interior – Minerals Management Service (MMS), com a conseqüente utilização do potencial arenoso presente na plataforma continental (Outer Continental Shelf, OCS). Já anteriormente, em 1968, o MMS e o U.S. Army Corps of Engineers, haviam desenvolvido um projeto para utilização de areia da plataforma continental na recuperação da linha de costa do condado de Brevard, conforme indicado por MARTINS & URIEN (2004), com uso de cerca de 2.300.000 m3 de areia, já na primeira etapa dos trabalhos. Em 2000, o MMS abasteceu com uma quantidade de 550.000 m3 de areia a obra de recuperação da linha de costa Atlântica da Patrick Air Force Base, localizada no mesmo condado. No ano de 2001, a mesma agência disponibilizou cerca de 2.550.000 m3 de areia para restaurar a linha de costa, numa extensão de aproximadamente 10 km, do molhe sul do porto de Canaveral ao limite norte da Base Patrick, enquanto em 2003 houve o fornecimento de 1.300.000 m3 de areia para recuperação de 5 km de praias em Melbourne Beach (Fig. 1). AMATO (1994) indicou que as reservas de areia da plataforma continental sul da Flórida até a isóbata de 200 m eram formadas por 3,5 x 1010 m3 de areia limpa e por 2,8 x 1010 m3 de areia síltica, totalizando 6,3 x 1010 m3 de areia, considerando uma espessura média de 3 m. As indicações do mesmo autor para a área entre Cabo Canaveral e Palm Beach mostraram uma espessura de 0 a 4 m para o depósito de areia, podendo atingir 12 m nos bancos arenosos. Os depósitos arenosos da plataforma continental ao norte de Cabo Canaveral são formados por areia quartzosa fina, podendo conter até 75% de carbonato de cálcio, que ocorre principalmente sob a forma de fragmentos de conchas. A granulometria da areia aumenta da plataforma média em direção à plataforma externa. O total de areia e cascalho para a plataforma continental Atlântica dos Estados Unidos segundo AMATO (1994) é de 2,4 x 1012 m3. Os estudos realizados principalmente a partir da década de 60 (U.S. Geological Survey, U.S. Corps of Engineers, MMS), especialmente e mencionados em AMATO (1994) e, MARTINS & URIEN (2004) revelam que uma porção substancial da linha de costa Atlântica encontrase submetida à severa erosão, destruindo áreas de lazer e propriedades, alterando o dia a dia das comunidades costeiras (TIBBETTS, 2003). Recursos de areia presentes na plataforma continental (OCS) vêm sendo utilizados para enfrentar os problemas erosionais existentes na zona costeira. Ao longo dos anos, o MMS e outras agências têm estabelecido projetos cooperativos entre os governos federal, estadual e municipal em estados situados ao longo das costas do Atlântico e Golfo do México, com a finalidade de identificar fontes de areia presentes na plataforma continental e de utilização potencial em projetos de zonas costeiras (Alabama, Delaware, Flórida, Louisiana, Maryland, New Jersey, North Carolina, South Carolina e Virginia). Conforme mencionado, tal tipo de ação conjunta é desenvolvida em princípio por colaboração com os serviços geológicos estaduais, para identificação das necessidades e para propor áreas de mar aberto disponíveis para estudo. O método preferido para a proteção da zona costeira nos Estados Unidos, segundo CAMPBELL & BENEDET (2004) é a restauração praial em função do método para preservar os aspectos estéticos e recreacionais, mantendo as características naturais de praias e dunas. Segundo os autores, existem no país mais de 200 áreas restauradas, onde foram utilizados ao redor de meio bilhão de metros cúbicos de areia. AÇÕES MAIS RECENTES Nessa nova etapa na costa leste da Flórida (2004/05), está previsto o uso de 2.000.000 m3 de areia para restaurar danos produzidos ao longo das áreas North e South Beach em Brevard County. Foi estabelecido igualmente um acordo entre o MMS e a U.S. Air Force para o suprimento de 320.000 m3 de areia da plataforma continental, com objetivo de restaurar novamente a linha de costa da Base GRAVEL Martins & Santana Patrick, afetada em 2004. A areia dragada dos bancos Canaveral (Canaveral Shoals) é transportada por navio-draga para os locais do projeto e bombeada hidraulicamente para as áreas afetadas. Cerca de 20 km da linha de costa Atlântica situada na área de Jacksonville (Flórida, USA), afetados pela passagem de furacões, foram recuperadas com areia proveniente da plataforma continental. Através do acordo firmado, o MMS proveu cerca de 12.000.000 m3 de areia para as praias de St. John River e Duval County, tendo o U.S. Army Corps of Engineers efetuado a dragagem de areia de local situado a 12 km de Duval County. A estação dos furacões de 2004, mais especificamente dos eventos Charly, Francis, Ivan e Jeanne promoveram perdas significantes nas praias da costa Atlântica e do Golfo do México, tanto nos aspectos de infra-estrutura como na atividade econômica (BENEDET et al., 2005). A ação concentrada na costa central leste e norte da Flórida, através dos últimos anos, indica claramente a preocupação dos órgãos governamentais tanto em nível federal como estadual e municipal, com o grave problema da erosão costeira. Operações realizadas pelo MMS em outras áreas da plataforma continental dos Estados Unidos credenciam sobremaneira essa agência no estudo e equacionamento de problemas costeiros dessa natureza. Numa ação em conjunto com os estados, o MMS, localiza, identifica e caracteriza os recursos arenosos presentes na plataforma continental e conduz estudos ambientais e de análises complementares necessárias, visando assegurar que a remoção de areia não implique em danos ambientais e seja compatível com o tipo de material existente na praia a ser recuperada. ESTUDOS NO SUL DO BRASIL Na plataforma continental sul-brasileira e uruguaia, ações destinadas a identificação de áreas críticas sob o ponto de vista de erosão costeira e a busca de conseqüentes soluções, incluindo o mapeamento de áreas de ocorrência de areia existentes na plataforma continental adjacente, para utilização na recuperação de 119 zonas costeiras, são ainda insuficientes e em grande parte resultado da atuação de equipes vinculadas a programas nacionais e regionais não específicos como o Programa de Geologia e Geofísica Marinha – PGGM, Programme on Ocean Science in relation to Non Living Resources (OSNLR) e South West Atlantic Coastal and Marine Geology Group (COMAR). Torna-se necessário, no atual nível do conhecimento científico sobre sedimentologia da plataforma continental brasileira, o desenvolvimento de um programa nos moldes do congênere americano Sand Inventory Program, seguindo as diretrizes contidas no documento “Política Nacional de Ciência e Tecnologia Marinha”, elaborado pela Comissão de Ciências do Mar do Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT (2001). No entender dos autores, tendo por base suas experiências no acompanhamento e participação em estudos dessa natureza desde 1964, as tarefas hoje desenvolvidas pelo MMS nos Estados Unidos, o órgão governamental brasileiro mais credenciado para coordenar tarefa dessa natureza, face sua experiência em outras iniciativas (projeto REMAC, por exemplo), seria a Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais (CPRM), que deveria contar com a colaboração de outros organismos governamentais que tratam de gestão ambiental costeira, como o Ministério do Meio Ambiente (projeto de gerenciamento costeiro) e centros universitários tradicionais na abordagem do problema. Estudos relativos à avaliação e previsão dos eventos episódicos ou de longa duração que afetam a zona costeira, com conseqüências geralmente catastróficas, são extremamente recomendáveis. As contribuições nesse aspecto devem ter por objetivo minimizar os impactos na atividade humana a na infra-estrutura existente, bem como avaliar a capacidade da zona costeira em absorver as mudanças produzidas. O acompanhamento desse panorama inclui a formação e fortalecimento da capacidade científica e de uma comunicação cada vez mais efetiva entre cientistas, administradores e usuários para uma melhor condução de suas ações na zona costeira. GRAVEL 120 Novas Ações de Recuperação de Praias na Costa Atlântica da Flórida (USA) Figura 1. Mapa de localização das áreas de recuperação de praias na costa atlântica no estado da Flórida (USA). REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS AMATO, R. 1994. Sand and Gravel Maps of the Atlantic Continental Shelf with Explanatory Text. U.S. Department of Interior, Minerals Management Service – MMS. 35 p., 4 maps, Washington, DC, USA. BENEDET, L.; STIVE, M.; FINKL, C. W. & CAMPBELL, T. 2005. Morphological Impacts of Closely Spaced Hurricanes Francis and Jeanne (September 2004) on Nourished Beaches along the Florida Southern Coast, USA. International Conference on Coastal Dynamics, 5th, Book of Abstracts: 262-263, Barcelona, Espanha. CAMPBELL, T. J. & BENEDET, L. 2004. Beach Nourishment Magnitudes and Trends in the U.S. International Coastal Symposium, 8°, Summary: 277, Itajaí, Brasil. MARTINS L. R. & URIEN, C. M. 2004. Areias da Plataforma e a Erosão Costeira. Gravel, vol.2: 4-24, Porto Alegre, Brasil. Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT. 2001. Política Nacional de Ciência e Tecnologia do Mar. Comissão de Ciências do Mar, 22 p., Brasília, Brasil. TIBBETTS, J. H. 2003. A Line in the Sand. Coastal Heritage, 18 (3), 16 p., Charleston, USA. GRAVEL