MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE PIRACICABA
Av. Brasil, 1034 – Jd. Europa – Piracicaba/SP – CEP 13.416-530 – Fone: (19) 3447-4000
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DA __ª VARA FEDERAL DA
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PIRACICABA - SP
Procedimento administrativo n° 1.34.008.000366/2006-79
(Peças Informativas nº 1.34.008.000046/2007-08 – apenso)
Livre distribuição
“Esse cabelo era pra ter nascido no c*! É muito ruim, cara!”. 1
“Kléber Leite – Aí tira o trem assim pra fora da coisa, os bagos do
bicho assim, eu se fosse eu já cortava com facão, mas eles vão
cortar assim.. que nem capa um boi, ou vai usar alicate, táaaaa,
táaaaa. Nossa senhora, hein, o camarada nunca mais vai querer
nem, ele não vai querer nem olhar pra baixo. Ele pra mija ele vai
senta, ele vai senta no vasinho, que ele não vai querer mais! (...)”2
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da
República que esta subscreve, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, vem,
perante Vossa Excelência, com fundamento no art. 129, inciso III, da Constituição Federal,
na Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993 e na Lei nº 7.347 de 24 de julho de
1985, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA,
com pedido de tutela antecipada,
1
2
Frase dirigida pelo apresentador Ivann Gomes, vulgo “Batoré”, a um músico afrodescedente,
durante a exibição do programa “100 Protocolos” de 28/01/2008.
Comentário do apresentador Kleber Leite, do programa “A Hora da Verdade” de 31/01/2008,
após a exibição de matéria em que um senhor era suspeito de abusar sexualmente de suas
enteadas adolescentes, explicando o que deveria ser feito ao suspeito.
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em face de
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, pessoa jurídica de direito
privado,
concessionária
do
serviço
público
federal
de
radiodifusão,
CNPJ
nº
03.702.302/0001-08, com endereço na Rua Piauí, n° 493, Vila Claudia, município de
Limeira/SP;
SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA
pessoa jurídica de direito privado, CNPJ nº 03.034.143/0001-02, com endereço na Rua
Piauí, n° 493, Vila Claudia, município de Limeira/SP;
SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA, pessoa jurídica de
direito privado, CNPJ n° 54.474.994/0001-07, com endereço na Rua Alferes José Caetano,
n° 1.039, Centro, município de Piracicaba/SP;
AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES - ANATEL,
pessoa jurídica de direito público, localizada no SAUS Quadra 6, Blocos C, E, F e H, CEP.
70070-940, em Brasília/DF;
UNIÃO, com endereço na Av. Barão de Itapura, 950 - 9º andar
- Ed. Tiffany Office Plaza, Jardim Guanabara, CEP 13020-431, município de Campinas/SP.
na pessoa de seus representantes legais, pelos fatos e
fundamentos a seguir aduzidos:
I – DO OBJETO
Trata-se de ação civil pública, com pedido de antecipação de
tutela, que visa a extinção da concessão para exploração de serviços de televisão, com fins
exclusivamente educativos, outorgada à FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, considerando a
programação inadequada e lesiva aos direitos e preceitos constitucionais da pessoa
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humana, da criança e dos adolescentes, aos valores éticos e sociais da família, além do
descumprimento do contrato de concessão pelo desvio da finalidade educacional, pela
veiculação de publicidade paga e subconcessão da outorga sem prévia autorização do
Ministério das Comunicações.
Subsidiariamente, busca-se a readequação da programação do
canal concedido às finalidades educativas.
Objetiva-se também a indenização por danos morais coletivos
pela exposição aos telespectadores de programação com quadros atentatórios ao
sentimento público e a relevantes valores constitucionalmente protegidos.
Por fim, pleiteia-se sejam a UNIÃO e a ANATEL compelidas a
exercer seus poderes-deveres de efetivamente fiscalizar o cumprimento dos regramentos
impostos à sobredita concessão, aplicando as penalidades cabíves em razão dos
descumprimentos constatados.
II - DOS FATOS
A presente ação tem como suporte o procedimento
administrativo n° 1.34.008.000366/2006-79 instaurado no âmbito da Procuradoria da
República no Município de Piracicaba, em razão da remessa pela 4° Promotoria de
Justiça de Limeira de representação formulada pelos vereadores do município de Limeira
sobre o conteúdo inadequado da programação da emissora SISTEMA JORNAL DE RÁDIO
E TELEVISÃO S/C LTDA (fls. 06/103).
Apontava a representação a prática de atos de humilhação
contra um deficiente auditivo por parte do jornalista e apresentador Geraldo Luis no
programa “A Hora da Verdade” veiculado no dia 01 de maio de 2006 às 18 horas,
3
Doravante, a numeração das folhas citadas nesta petição inicial refere-se ao procedimento administrativo nº
1.34.008.000366/2006-79 que instrui a presente ação.
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deficiente este que fora detido numa ocorrência policial.
Segundo consta, o deficiente foi submetido a uma entrevista na
qual não podia se comunicar em razão de sua deficiência auditiva, motivo pelo qual foi
ridicularizado pelo apresentador do programa, por meio dos termos “mudinho sem
vergonha” e um “ser daquele”. Não bastasse, o deficiente foi exposto pelo apresentador a
um teatro de mímica com gestos obscenos, fazendo alusão a língua dos sinais.
Visando averiguar os fatos, foi requisitada a ré SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA cópia, em mídia digital, do programa em
que veiculadas as supostas imagens constrangedoras ao deficiente físico, exibidas em
01/05/2006 no programa a “Hora da Verdade” (fls. 14/15). Em resposta, a ré SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA alegou a impossibilidade de atendimento à
requisição, vez que não teria mais em seus arquivos cópia do indigitado programa, eis que a
Lei de Imprensa (nº 5.250/67) obrigaria a conservação do material pelo prazo de 60
(sessenta dias), nos termos de seu artigo 58 (fls. 16/18).
Tentativas de obtenção da fita por outros meios foram
realizadas (fls. 31/34), sem sucesso (fls. 37/38). Contudo, material demonstrando a
questionável “qualidade” do programa “A Hora da Verdade” foi encaminhada e juntada aos
autos (fls. 51/52 e 53), com cópias VHS dos programas veiculados nos dias 02/02/2007,
09/02/2007 e 16/02/2007 (fls. 57).
Posteriormente, outra representação foi encaminhada, desta
feita pela Promotoria da Infância e da Juventude de Limeira, autuada na Procuradoria da
República em Piracicaba como Peças Informativas n° 1.34.008.000046/2007-08, apensas
ao procedimento administrativo que já apurava os fatos, na qual consta relato de uma
telespectadora sobre o conteúdo inadequado do programa “A Hora da Verdade” veiculado
no dia 25 de janeiro de 2007.
Segundo o relato, o apresentador Geraldo Luis realizou uma
chamada para o quadro “as popozudas” (vide foto às fls. 53), apresentando um repórter
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que dançava e rebolava de forma sensual, dizendo ao longo da apresentação que era “a
favor do troca-troca quando pequeno”, insinuando a prática sexual entre crianças.
Prosseguindo nas diligências apuratórias, foi requisitada a ré
SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA cópias em mídias DVD's dos
programas “A Hora da Verdade” veiculados no período de 20/01/2007 a 30/01/2007 (fls. 05
e 07 das peças informativas n° 1.34.008.000046/2007-08 – apenso). Desta vez, a requisição
foi atendida (fls. 08/11 do apenso), com informação de que o programa em questão era
exibido de segunda a sexta-feira, no horário das 18h00 às 19h30min.
De
posse
do
material
encaminhado,
determinou-se
a
elaboração de relatório circunstanciado, com especial atenção para a eventual existência
de: cenas de nudez; sexo ou com apelo sexual; discriminação ou preconceito de qualquer
espécie; violência explícita; ofensivas à moral, à honra ou aos bons costumes; impróprias
para crianças ou adolescentes; que pudessem incitar a prática de crimes ou outras
condutas socialmente nocivas; ou outras cenas consideradas inadeqüadas para o horário
em que o programa “A Hora da Verdade” era veiculado (18h00 às 19h30) (fls. 59).
O relatório circunstanciado referente aos programas exibidos
em 20/01/2007 a 30/01/2007 (DVD's),
02/02/2007, 09/02/2007 e 16/02/2007 (VHS) foi
juntado às fls. 60/62, cuja degravação foi efetuada às fls 74/114.
Do relatório constata-se que o programa “A Hora da Verdade”
apresenta um formato de programa policial, com veiculação de imagens de pessoas,
inclusive de menores, sendo detidas após a prática de supostos crimes.
Neste
programa
eram
feitas
entrevistas
com
os
apreendidos e presos de forma constrangedora e sensacionalista. Os repórteres se
referiam aos detidos como se já fossem considerados culpados, forçavam os
mesmos a responderem perguntas que induzem a confissão do crime e exploravam
suas imagens quando algemados. O apresentador, por sua vez, no estúdio, tratava os
apreendidos/presos de maneira desprezível, incitando o público à prática de violência
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contra os detidos. Em muitas das cenas há a exibição de menores supostamente
infratores ou vítimas de crimes, bem como pessoas aparentemente portadores de
deficiência mental. Há ainda quadros com forte apelo sexual, como o concurso
intitulado “As popozudas do A Hora”, onde o programa buscava encontrar a garota
com os atributos que mais se compatibilizassem com o “título”. Nas mídias
analisadas, também evidenciou-se mensagens que estimulavam o preconceito racial
e religioso, assim como o emprego freqüente de palavras de baixo calão.
Apenas para ilustrar as irregularidades citadas, seguem abaixo
alguns trechos do relatório de fls. 74/114 referente ao programa, onde foi promovida a
degravação e a análise de seu conteúdo:
“Reportagem - “menor detido pela PM com maconha tinha
garrucha debaixo do colchão” - 36'22''; o apresentador vai ao
plantão policial e não é mostrado o rosto do menor;
Apresentador/repórter – essa arma é pra você usar?
Menor – dá licença, não tenho nada pra falar pra você, mano
Apresentador/repórter – essa arma é pra roubar ou pra defesa?
Menor – não tenho nada pra falar pra você, tio
Apresentador/repórter – eu não tenho sobrinho
Menor – então sai andando mano
Apresentador/repórter – não sou seu mano, não tenho sobrinho, se
tivesse sobrinho assim estava chorando, a polícia disse que você
estava fazendo assalto a ônibus
Menor – não roubo não, não preciso de roubar, não rapaz, sai de
perto de mim maluco
Apresentador/repórter – eu não sou seu mano, não sou maluco, não
sou nada, agora há um ano atrás você foi pego com granada e agora
com isso, você tá indo num caminho bom
Menor – ô mano Febem eu tiro de boa, mano, vou e volto, eu tô
preso mas não tô morto não tio
Apresentador/repórter - ainda, por que se continuar com granada,
arma, ainda vou falar do seu cadáver, por que esse caminho é bom,
essa vida do crime é boa
Menor – então continua do jeito que você tá porque o mesmo
caminho que eu vou ter você vai ter também
Apresentador/repórter – eu não, meu caminho é do bem, todos os
negos que nem você depois de três meses é cadáver no asfalto ou é
prisão
Menor – é isso mesmo, se você acha que é isso mesmo
Apresentador/repórter – não acho que é isso não, a vida do crime
não compensa
Menor – tá bom você já falou, gostou de falar comigo?
Apresentador/repórter – Deus o livre guarde
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Menor – então sai louco, você tá aqui ainda tio
Apresentador/repórter – que tio, você usou droga hoje?
Menor – sai louco, não tenho que falar nada pra você não
Apresentador comenta a reportagem, diz que “começou a trabalhar
aos nove anos de idade; acha que começou tarde e devia ter
começado antes; que tem duas carteiras de trabalho assinadas; que
essa molecada quando fala de trabalho passa longe; e que quanto
mais cedo os pais colocarem o filho pra trabalhar, melhor; que o
menor vai pra Febem, que é uma desgraça e não ressocializa o
menor”. (fls. 75/76) (Programa “A Hora da Verdade” exibido em
22/01/2007).
“Reportagem - “desempregada é pega com maconha, cocaína e
crack no Jardim Glória” - 53'28''; ela é menor e não tem o rosto
exibido;
Repórter – você é menor?
Suspeita – sou
Repórter – a droga é sua?
Suspeita – não, as drogas não são minhas, não pegou na minha
casa, não é minha
Repórter – você tinha conhecimento que essa droga estava no
quintal?
Suspeita - não
Repórter – você é casada?
Suspeita – não
Repórter - mas dentro da sua casa foram encontradas fotos de um
rapaz que está preso; você tem algum envolvimento com ele? é hora
de você se defender, se não for sua a droga é só falar que não
Suspeita – não é minha, eu já falei que a droga não é minha
Repórter – você trabalha ou não? tem passagem pela polícia?
Suspeita - não
Apresentador faz breve comentário – 59'13'';”.(fls. 80) (Programa “A
Hora da Verdade” exibido em 23/01/2007).
Como se verifica, essas entrevistas eram extremamente
vexatórias aos presos e ofendem diversos princípios constitucionais e legais. Foram
exibidas suas imagens em situação constrangedora, momento em que se tem
sensivelmente reduzida a autonomia de sua vontade para consentir livre e validamente com
a entrevista,
no caso de entrevistados maiores de idade. Em relação às crianças e
adolescentes, desnecessário dizer que ainda que autorizassem expressamente “entrevistas”
deste naipe, este consentimento isolado seria insuficiente. Ressalte-se que em geral,
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tratam-se de presos pobres, sem qualquer assistência jurídica no momento da entrevista
para a defesa de seus direitos.
Após a apresentação das matérias, o então apresentador do “A
Hora da Verdade”, Geraldo Luis, geralmente tecia comentários depreciativos dos suspeitos
detidos pela polícia, em tom bastante agressivo, considerando-os já culpados.
Constatou-se,
cabalmente,
nessas
transmissões,
graves
violações à ordem jurídica, mediante ofensas aos direitos dos presos, com veiculação
indevida de sua imagem, bem como lesão ao princípio da presunção de inocência e da
inexigibilidade de produção de prova contra si, incentivo à prática da violência policial;
veiculação de palavras de baixo calão e imagens chocantes nocivas à formação de crianças
e adolescentes, entre outras.
Diante do conteúdo inadequado do programa, especialmente
no horário em que era apresentado (18h00 às 19h00, de segunda a sexta-feira), o
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL solicitou ao Ministério da Justiça a classificação
indicativa do “A Hora da Verdade”, bem como a elaboração de laudo sobre a adequação do
seu conteúdo (fls. 73 e 129) . Em resposta, o Departamento de Justiça, Classificação,
Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça informou que, de acordo com a
Portaria n° 1.220/07, os programas jornalísticos ou noticiosos não se sujeitavam à
classificação indicativa (fls. 130 e 132/143).
Contudo, colhe-se da mesma Portaria que a impossibilidade da
classificação indicativa não isenta o responsável pelos abusos cometidos, nos termos dos
§1º e §2° do art. 5°, in verbis:
“§1º. Os programas veiculados ao vivo, de que trata o inciso V,
poderão ser classificados, com base na atividade de monitoramento,
constatada a presença reiterada de inadequações.
§2º. A não atribuição de classificação indicativa aos programas
de que trata este artigo não isenta o responsável pelos abusos
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cometidos, cabendo ao DEJUS/SNJ encaminhar seu parecer aos
órgãos competentes.” (Destaquei).
Paralelamente, objetivando apurar os termos e as condições
da exploração dos serviços de televisão por parte da ré SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E
TELEVISÃO S/C LTDA, solicitou-se ao Ministério das Comunicações cópia do ato de
concessão dos serviços de radiodifusão (fls. 63/64), ocasião em que se descobriu que não
constava outorga em nome da referida empresa. (fls. 66/69 e 117/118)
Considerando que até então todos os assuntos referentes ao
programa “A Hora da Verdade” eram tratados pela ré SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E
TELEVISÃO S/C LTDA (v.g., fls. 17/30), questionou-se referida empresa acerca do titular
da autorização para a execução do serviço de televisão (TV) e retransmissão de televisão
(RTV) e radiodifusão (fls. 121/122).
Para a surpresa do Autor, a resposta foi encaminhada pela ré
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, informando que a concessão estava em seu nome, nos
termos de Decreto de 16 de abril de 2001 (fls. 125).
Indagado (fls. 127/128), o Ministério das Comunicações, por
sua vez, confirmou a titularidade da concessão em nome da ré FUNDAÇÃO ORLANDO
ZOVICO e esclareceu, para surpresa ainda maior, que a exploração dos serviços televisivos
fora concedida para fins exclusivamente educativos (TV Educativa) na localidade de
Limeira/SP (fls. 145/146), o que reforçou ainda mais a conclusão pela inadequação e pela
incompatilidade do conteúdo do programa “A Hora da Verdade” no formato como estava
sendo apresentado.
O Ministério das Comunicações também encaminhou cópia
integral do procedimento administrativo nº 53830.000175/2000 (fls. 147/312) que tramitou
naquele órgão, em que destacam-se o Decreto Presidencial de 16 de abril de 2001 (fls.
277), que outorgou a concessão de serviço de radiodifusão de sons e imagens, com fins
exclusivamente educativos, à ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, o Decreto Legislativo
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nº 254, de novembro de 2002 (fls. 296/297 e 299), que aprovou a concessão, e o Contrato
de Concessão celebrado (fls. 303/306), datado de 08/01/2003 e publicado no Diário Oficial
da União de 28/02/2003 (fls. 307).
Diante da aparente “confusão” entre as rés FUNDAÇÃO
ORLANDO ZOVICO e SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA, este
Autor expediu ofício (fls. 315/316) à primeira para que informasse se possuía alguma
relação comercial ou vínculo de qualquer outra natureza com esta última ou com a ré
SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA, pessoa jurídica diversa das outras duas, mas cujo
contrato social foi apresentado às fls. 20/28, acostado em manifestação da lavra da ré
SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA (fls. 16/18).
A ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO respondeu que não
mantinha qualquer vínculo jurídico comercial com a ré SISTEMA JORNAL DE RÁDIO
LTDA, mas que com a ré SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA possuía
um “relacionamento”, sem entrar em maiores detalhes (fls. 319).
Informações extraídas da página eletrônica do Ministério das
Comunicações na rede mundial de computadores (internet) contendo informações acerca
da radiodifusão educativa foram juntadas às fls. 323/328.
Considerando as irregularidades apuradas até então no
procedimento administrativo que instrui esta ação, este Autor expediu a Recomendação nº
24/2007, de 18 de dezembro de 2007, dirigida à ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO (fls.
343/348), recomendando-lhe a adequação imediata do programa “A Hora da Verdade”,
bem como de todo o restante da grade de programação do canal, visando o atendimento
aos fins educativos, de acordo com as exigências do contrato de concessão realizado com a
União e com a legislação que regula a execução do serviço de radiodifusão de sons e
imagens, com fins exclusivamente educativos.
Cópias da recomendação foram encaminhadas à Promotoria
da Justiça da Comarca de Limeira e à Secretaria de Serviços de Comunicação
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Eletrônica, Departamento de Outorgas de Serviços, do Ministério das Comunicações
(fls. 321/322, 350 e 352), para a adoção das medidas cabíveis nas respectivas áreas de
atribuição.
A ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO alegou, em resposta à
Recomendação, que o programa havia sido totalmente reformulado e que o apresentador
Geraldo Luis já não fazia mais parte dele (fls. 355). Acrescentou que havia realizado um
Contrato Particular de Parceria com o SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C
LTDA para a execução dos serviços de radiodifusão de sons e imagens em caráter
educativo. Tal instrumento encontra-se datado de 19 de dezembro de 2004, mas com firma
reconhecida apenas em 26 de dezembro de 2007 (fls. 356/359).
A fim de apurar a efetiva regularização das impropriedades
constatadas, após a expedição da Recomendação, este Autor oficiou novamente a ré
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO requisitando informações sobre toda a programação da
emissora, com sinopse descritiva dos programas, os dias da semana e horários em que
eram veiculados e respectivas cópias em mídia digital (DVD) das gravações exibidas pela
emissora no período de 29/01/2008 a 31/01/2008 (fls. 365/366 e 378).
A resposta da ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO foi
apresentada às fls. 372/382 e os DVDs juntados às fls. 383, depreendo-se a seguinte grade
de programação própria da emissora:
Nome do Programa
Gênero (de acordo com a ré)
Exibição
JORNAL DA CIDADE
Jornalismo
Segunda a sábado das 19h30
às 20h00
CASA & CIA
Variedades
Segunda a sexta das 09h30 às
11h30 e reprises
FATOS E NOTÍCIAS
Jornalismo
Segunda a domingo das 11h30
às 12h30 e reprises
A HORA DA VERDADE
Jornalismo policial e ajuda Segunda a sexta das 18h00 às
social
19h30
100 PROTOCOLOS
Entretenimento
Segunda das 21h30 às 23h00
e reprise
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Nome do Programa
Gênero (de acordo com a ré)
Exibição
MÉDICO EM CASA
Utilidade pública
Quinta das 20h00 às 20h30 e
reprise
BEAT CLIP
Entretenimento
Sábado das 20h00 às 21h00 e
reprises
CENÁRIO
Entretenimento
Sexta das 22h00 às 23h00 e
reprise
BASTIÃO E LORIVAL
Histórias humorísticas
Domingo das 10h40 às 11h10 e
reprise
REALIDADE
Religioso
Segunda à sexta das 13h00 às
14h00 e reprises
À
partir de relatório circunstanciado (fls. 453/464) que
analisou o conteúdo dos DVDs dos programas exibidos pela emissora no período de
29/01/2008 a 31/01/2008, constatou-se que as graves irregularidades do programa “A Hora
da Verdade” persistiam, ou quiçá, restaram ainda mais agravadas.
O ofício nº 033/2008/ASS/GAB/DEAA/SC/MC (fls. 387), datado
de 31/03/2008, oriundo do Ministério das Comunicações, informou que em decorrência da
cópia da Recomendação enviada pelo Autor, a ré ANATEL teria procedido uma
fiscalização na emissora, o que ensejou a instauração do Processo de Apuração de Infração
sob o nº 53000.012873/2008 em desfavor da ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, “tendo
em vista o apontamento de transmissão de publicidade comercial na programação da
emissora”.
Além disso, o Ministério das Comunicações encaminhou
cópia da degravação do programa “A Hora da Verdade” exibido em 30/01/2008 e
31/01/2008 (fls. 388/451), que também confirmou a não adequação do formato do programa
e a perpetuação das irregularidades, conforme ilustram alguns trechos reproduzidos abaixo:
“(...)
Repórter – Tava com a droga aí, jovem? Tava com a droga? Tava
com essa droga ou não? Não vai falar por quê? (...)
Acusado 1 – Não quero falar não!
Repórter – Essa droga aí é tua? E você, jovem de verde, quer falar
alguma coisa não?
Acusado 2 – Não quero falar não, oh, sai de perto de mim!
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Repórter – Essa droga aí, essa droga aí é tua? E você, jovem, pega
qualquer trem?
(...)
Repórter – Passagem pelo que, você tem informação?
Guarda Municipal – Tráfico, roubo. Tudo o que você pensar ele
tem...
Repórter – Tudo o que imaginar, ele tá enrolado, né. Não vai falar
nada não? Vai ficar sem mostrar o rosto, sem falar mesmo. Ah tá, ele
não vai falar?! Daqui a pouco nós vamos conseguir pegar foto do
RG dele mesmo, não quer falar por bem, mas vai mostrar por
mal depois! (...)” (Programa “A Hora da Verdade” exibido em
30/01/2008 – Destaques meus).
“Repórter – Quantos anos você tem, jovem?
Acusada – Dezessete.
Repórter – Você estava com esta droga aí? Como é que eles... até
você então? O que você estava fazendo na hora que eles te
abordaram?
Acusada – Não vou falar nada não.
Repórter – Só fala o que você estava fazendo! Você é culpada ou
inocente neste caso aí?
Acusada – Sou inocente.
Repórter – Então, se você é inocente, você tem certeza que não
deve nada, então você pode falar pra gente o que aconteceu! O
que você estava fazendo na hora? Quem não deve, não teme!
Acusada - <<Silêncio>>
Repórter – Por que não?
Acusada – Porque não!!!
Repórter – Você vai ficar sem se defender ou vai deixar o povo
em casa achar que é culpada?
Acusada – Deixa achar o que quer, né meu!
Repórter - ...seu bairro pode estar assistindo e pode achar que é
culpada se não se defender.
Acusada – O importante é eu achar que estou certa.
(...)
Repórter – Dos Reis, é a velha desculpa que não sabem de nada,
né, a droga não estava junta, é sempre assim, né?
Policial – Sempre assim, é comum o pessoal sempre negar. No caso
deles aí, é até de se estranhar que nem querem fazem comentário
nenhum, né? Segundo um ditado antigo, 'quem cala, consente'”
(Programa “A Hora da Verdade” exibido em 31/01/2008 –
Destaquei).
“(...) a menina de 15 anos, inclusive, eu sei que é, parece de família
boa, família tradicional da cidade, claro que não vou dizer o nome
aqui porque não me interessa, mas é uma vergonha para a família.
Tinha que pegar esta menina agora, pegar o reio e falar 'minha
filha, já que na boa não vai, vai no chicote'! Quem sabe
endireitava a cabeça dela, né (...)” (Kléber Leite, apresentador do
“A Hora da Verdade”, em programa exibido no dia 31/01/2008 –
Negritei).
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Bastou assistir a poucos minutos das mídias digitais do “A
Hora da Verdade” exibido no período de 29/01/2008 a 31/01/2008 para concluir que,
apesar da alteração do apresentador, agora Kléber Leite, não houve qualquer adequação
ao fins educativos da concessão.
No estúdio, o apresentador Kléber Leite tecia comentários a
respeito dos fatos trazidos ao conhecimento do telespectador. Foram freqüentes os
impropérios dirigidos pelo apresentador do programa, contra os presos e apreendidos, como
“chupeta”, “vagabundo”, “canalha”, “sem vergonha”. As considerações incitavam a
violência contra os detentos. Nesse sentido, o apresentador muitas vezes empunhava e
brandia instrumentos, como um chicote ou uma faca, simulando a sua utilização para
espancar ou ameaçar os detidos. As expressões a seguir, empregadas pelo apresentador,
bem exemplificam como o programa é conduzido: “tinha que pegar essa menina agora
(...) e falar: 'minha filha, já que na boa não vai, vai no chicote'. Quem sabe não
endireitava a cabeça dela” (31/01/2008 – fls. 456) e “Aí tira o trem assim pra fora da
coisa, os bagos do bicho assim, eu se fosse eu já cortava com facão, mas eles vão
cortar assim... que nem capa um boi, ou vai usar alicate, táaaaa, táaaaa.” (30/01/2008 –
fls. 444).
Por outro lado, o programa caracteriza-se ainda pela utilização
de vocabulário inapropriado, que ao longo da programação usa palavras de baixo calão ao
se referir às pessoas e às situações apresentadas, inclusive com expressões obscenas e de
forte apelo sexual, como “chupeta”, “queimando rosca”, “bosta”, “troca-troca”.
Do
relatório
circunstanciado
(fls.
453/464)
observou-se,
ademais, que outros programas transmitidos também não obedeciam às finalidades
educativas,
pois
apresentavam
cenas
com
apelo
sexual,
referências
obscenas,
discriminatórias e preconceituosas, vocabulário de baixo calão e ofensivos à moral e aos
bons costumes, destacando-se negativamente o programa “100 Protocolos”, como se
depreende dos trechos do relatório elaborado pelo Autor (fls. 457/458), a seguir:
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“O “100 Protocolos” é um programa semanal de entrevistas,
apresentado por Ivann Gomes, mais conhecido pela alcunha de
“Batoré”. Ao longo do programa, o apresentador freqüentemente
manifesta-se com um linguajar obsceno, de baixo calão,
utilizando-se
“cagando”,
de
expressões
“fudido”,
“merda”,
como
“corno”,
“bunda”,
“cu”,
“cagada”,
“caralho”,
“cacete”, “filho da puta”, “porra” (esta última dita ao menos dez
vezes ao longo do programa), entre outras.”
(...)
“Após um telefonema de um telespectador, que pediu para o grupo
tocar uma música de um outro grupo de pagode, seguiu-se o
seguinte diálogo entre
o apresentador e um dos integrantes do
grupo: Ivann Gomes: “(...) eles tocam tudo, inclusive o que você nem
imagina que eles tocam! Aliás, eles tem até cara de tocador”; Músico:
<Apontando para outro músico> “O cara toca tão bem que até
quebrou a mão! Não sabe brincar!”; Ivann Gomes: Quase engravidou
o banheiro”.
(...)
Em novo telefonema de um telespectador, este, em tom jocoso,
chamou o Ivann Gomes de “feio”, enquanto o apresentador, também
em tom de brincadeira, disse ao espectador: “vai pra puta que
pariu”.
Quando do encerramento do programa, ao dar espaço para que cada
um dos músicos dissesse uma última mensagem, Ivann Gomes se
referiu-se ao cabelo de um dos músicos de apoio dizendo “esse
cabelo era para ter nascido no cu! É muito ruim, cara!””
(Programa exibido em 28/01/2008 – Destaquei)
Enquanto alguns programas da emissora possuem conteúdo
de duvidosa compatibilidade com os fins exclusivamente educativos da concessão
outorgada, caso do “Beat Clip”, que dedica-se à exibição de videoclipes e notícias do meio
musical (fls. 459) e o “Casa & Cia”, que nas edições analisadas divulgou as receitas de um
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pudim de mandioca e de um mousse de couve com limão e ensinou aos telespectadores
passos de dança de axé e samba (fls. 464), os programas “A Hora da Verdade” e “100
Protocolos” mostraram-se manifestamente desconformes com o conteúdo veiculável em
qualquer televisão, mormente uma TV Educativa. A situação do “A Hora da Verdade” é
ainda mais gritante diante do anterior encaminhamento da Recomendação por parte deste
Autor.
Ademais, em claro descumprimento à finalidade educativa da
concessão televisiva, bem como à finalidade não comercial da ré FUNDAÇÃO ORLANDO
ZOVICO, restou patente o uso de publicidades comercias ao longo da programação,
mediante anúncios publicitários de empresas de veículos (Ford Báltico, Lojas IBN Veiculos),
de móveis (Magazine Luiza, Mesig Móveis, Terraço Móveis), de drogarias, óticas, dentre
outras (conforme certidão às fls. 473).
O desvio para fins comerciais de uma TV concedida para
finalidade exclusivamente educativa a uma fundação foi reforçado pela análise de notas
fiscais (fls. 478/501, 506/508 e 512/523) e dos contratos publicitários (fls. 477, 505 e 511),
firmados com a emissora, que vieram aos autos por requisição do MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL. Note-se que tais documentos não foram assinados pela concessionária
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, mas sim pela ré SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E
TELEVISÃO S/C LTDA.
Apenas para ilustrar a receita angariada com a publicidade
veiculada na emissora, o contrato firmado com a empresa “La Chance Veículos, Peças e
Serviços Ltda”, com a previsão de 20 (vinte inserções) mensais de 30 (trinta) segundos
cada no programa “A Hora da Verdade”, previu o pagamento de R$ 40.077,00 (quarenta mil
e setenta e sete reais) (fls. 477).
Cumpre repetir que a Procuradoria da República no
município de Piracicaba buscou junto a FUNDANÇÃO ORLANDO ZOVICO a adequação
da programação e a obediência ao contrato de concessão firmado com a União, através da
Recomendação nº 24/2007, de 18 de dezembro de 2007, e de audiência entre as partes,
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porém a concessionária não adequou o serviço concedido.
Eis o relato dos fatos e da apuração realizada pelo Autor.
III - DA “CONFUSÃO” ENTRE AS PESSOAS JURÍDICAS FUNDAÇÃO ORLANDO
ZOVICO, SISTEMA JORNAL DE RÁDIO TELEVISÃO S/C LTDA E SISTEMA JORNAL
DE RÁDIO LTDA
Além da inadequação do conteúdo dos programas e o claro
desvio da finalidade educativa, buscou-se apurar outra irregularidade quanto a prestação do
serviço concedido pela União, consistente na relação jurídica/comercial existente entre a
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO (concessionária) e o SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E
TELEVISÃO S/C LTDA.
De fato, restou constatado que existe uma verdadeira simbiose
entre o SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA, a empresa SISTEMA
JORNAL DE RADIO LTDA e a FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, o que caracteriza a
subconcessão dos serviços de televisão sem prévia autorização do poder concedente, cujas
conseqüências jurídicas serão melhor analisadas em tópico específico adiante.
Esta “confusão” entre as três pessoas jurídicas de direito
privado acima foi evidenciada pelas seguintes constatações:
a-) o SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA
(CNPJ n° 03.034.143/0001-02) apresentou resposta (fls. 16/19) ao ofício desta
Procuradoria da República Autora anexando o contrato social da empresa SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO LTDA (CNPJ n° 54.474.994/0001-07), empresas estas que não
possuem concessão de serviços televisivos em seus respectivos nomes (fls. 20/30).
b-) na procuração (fls. 29) outorgada pela empresa SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA a Eduardo Zovico para representar a
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empresa nas respostas aos ofícios desta Procuradoria da República Autora, consta como
sócia-gerente Marinez Bortolan Zovico. Contudo, esta pessoa não é sócia atualmente do
SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA, já que esta é formada somente
pelas sócias Fabiana Brisolla Mercuri Zovico e Sandra Karina Bertolini Zovico Ltda,
conforme registro na JUCESP (documentos anexados).
c-) a sócia-gerente Marinez Bortolan Zovico, mencionada na
procuração do SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA, na verdade é
sócia do SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA juntamente com ORLANDO JOSÉ ZOVICO,
conforme contrato social apresentado (fls. 20/28).
d-) no suposto contrato de parceria firmado entre a
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO (parceiro outorgante) e o SISTEMA JORNAL DE RÁDIO
E TELEVISÃO S/C LTDA (parceiro outorgado), consta na qualificação desta última o CNPJ
da empresa SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA, e foi assinado por Marinez Bortolan
Zovico, que não é sócia nem representante legal do SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E
TELEVISÃO S/C LTDA, de forma que não teria poderes para firmar o contrato de parceria.
e-) Orlando José Zovico, por sua vez, é sócio da empresa
SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA e também sócio fundador e conselheiro diretor da
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO (fls. 224/236). Também são sócios-fundadores da
fundação Marinez Bortolan Zovico, Eduardo Zovico, Ricardo José Zovico, Cláudia
Zovico, Reinaldo David Bueno de Miranda e Amábile Formigari Zovico (fls. 235/236).
f-) o endereço da sede da FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO
(fls. 224) e da sede do SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA (fls. 16) é
o mesmo, ambas localizadas na Rua Piauí, n° 493, Vila Claudia, Limeira/SP.
g-) no estatuto da FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO (art. 5°,
§2°) (fls. 225), datado de 28 de fevereiro de 2000, consta que a entidade poderia utilizar-se
do nome fantasia “Sistema Jornal de Radio e Televisão”, que é homônimo da razão social
da empresa SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA.
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h-) no suposto contrato de parceria (cláusula 2ª – fls. 357),
datado de 22 de janeiro de 2004, consta que o SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E
TELEVISÃO S/C LTDA cederia à FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, de forma definitiva, o
uso da expressão “Sistema Jornal de Rádio e Televisão” a título de nome fantasia,
quando isso já tinha sido previsto no estatuto da fundação desde 2000 (!?!).
i-) as notas fiscais referentes às inserções publicitárias
veiculadas no programa “A Hora da Verdade” foram emitidas pela empresa SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA (v.g., fls. 478, 480 e 482).
j-) no verso do contrato publicitário assinado pela Ótica e Foto
Lince Ltda, o nome fantasia atribuído à FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, Sistema Jornal
de Rádio e TV, foi utilizado para fazer referência à empresa SISTEMA JORNAL DE RÁDIO
E TELEVISÃO S/C LTDA (fls. 505).
Verifica-se que as empresas e a fundação pertencem à família
Zovico, de forma que atuam conjuntamente na exploração do mercado de rádio e televisão,
ao seu bel prazer.
Há a utilização do nome de sócios de uma empresa em
contratos realizados por outra, troca do CNPJ das empresas em atos jurídicos, a sede das
entidades localizam-se no mesmo endereço, o nome fantasia da fundação corresponde à
denominação jurídica de uma das empresas, fatos que demonstram a simbiose das
pessoas jurídicas e do seu controle unificado.
Da mesma forma, com relação à FUNDAÇÃO ORLANDO
ZOVICO observa-se que a concessão outorgada é exercida, de fato, pelo grupo de
empresas formado pelo SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA e pelo
SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA, tendo em vista o suposto contrato de parceria
firmado.
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Não obstante o contrato firmado entre as pessoas jurídicas de
direito privado, não há de fato parceria, pois o SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E
TELEVISÃO S/C LTDA e o SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA sempre exerceram a
atividade de televisão perante os telespectadores e patrocinadores, sem quaisquer
referências à FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, titular da concessão de radiodifusão (canal
televisivo). Constatou-se que o SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA
responde pela grade de programação, celebra os contratos de publicidade, emite as notas
fiscais e aufere os lucros do empreendimento.
IV - DA VIOLAÇÃO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS QUE
REGULAM O SERVIÇO PÚBLICO DE RADIODIFUSÃO
Estabelece o artigo 21, inciso XII, alínea “a” da Constituição
Federal, a competência exclusiva da União para explorar a radiodifusão de sons e imagens,
podendo, no uso de suas atribuições, concedê-la à pessoa jurídica de direito privado, na
forma do artigo 175 da Constituição Federal e do artigo 2º, inciso II4, da Lei nº 8.987/95.
Mediante
contrato
de
concessão
(fls.
303/306),
a
ré
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO recebeu da ré UNIÃO a concessão do serviço público de
radiodifusão de sons e imagens, e, como tal, está sujeita às normas de direito público que
regulam este setor da ordem social.
Embora a ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO seja uma
pessoa jurídica de direito privado, enquanto concessionária de serviço público, deve
submeter-se a um regime jurídico semi-público. Por conta disto, é obrigada a observar todo
o regramento imposto ao serviço público concedido, não podendo, ao seu bel prazer, agir
de acordo com as suas conveniências. A sua atuação somente é legitimada se as
4
“Art. 2º. Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:
(...)
II- concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente,
mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas
que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo
determinado;”
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condições da concessão são fielmente observadas, contemplando-se o interesse público.
Não obstante, a ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO vem
utilizando o serviço público que lhe foi temporariamente concedido em desacordo com
valores fundamentais declarados na Constituição Federal, descumprindo, dentre tantos
outros, o artigo 221, que obriga as emissoras a respeitar os valores éticos e sociais da
pessoa e da família, em especial a dignidade da pessoa humana.
Com efeito, malgrado existam garantias constitucionais que
protegem a livre expansão do pensamento, da expressão, da criação e da informação, bem
como a vedação de toda forma de censura de natureza política, ideológica ou artística (art.
220 da CF), tais preceitos não são absolutos, pois na letra do artigo 5º, em seu inciso X,
“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, direito
fundamental não respeitado pela concessionária. Ademais, também prevê o mesmo artigo
5º da Magna Carta que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais” (inciso XLI).
Observa Rodolfo de Camargo Mancuso, no artigo “Controle
Jurisdicional do Conteúdo da Programação Televisiva” in Boletim dos Procuradores da
República, nº 40, Agosto/2001, ao comentar a televisão para fins comerciais, mas aplicável,
em parte, à radiodifusão educativa:
“Lendo-se os dispositivos que regem a programação televisiva à luz
do que visa garantir a liberdade de iniciativa e a livre concorrência
(CF, art. 170, caput e inciso IV), chega-se a esta exegese: É
autorizada a exploração comercial da difusão televisiva privada, com
natural apropriação dos lucros daí resultantes, desde que venham
observados os princípios e guardadas as restrições especificadas
para tal atividade. Em suma, livre iniciativa com responsabilidade
social; lucro empresarial sem capitalismo selvagem.
De outra parte, deve o intérprete precatar-se de não baralhar o
entendimento do que seja um padrão básico de qualidade na
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programação televisiva, em face de textos outros que em verdade
apenas reflexamente tangenciam aquele tema, tais os que vedam a
censura artística e garantem a liberdade de expressão (CF, art. 220,
caput e § 2º). Aí, a nosso ver, não se trata do fenômeno conhecido
por colisão entre preceitos constitucionais, visto não ser razoável
pretender-se que os valores liberdade de expressão e vedação de
censura prévia viessem preservados às custas do aniquilamento de
outros preceitos constitucionais reguladores de uma atividade que é
estritamente regulada, como se passa com a radiodifusão de sons e
imagens.
Sem esses cuidados, o intérprete pode tomar a nuvem por Juno,
extraindo dos textos de regência o que neles não se contêm, porque
é evidente que não esteve na intenção do constituinte franquear um
laissez faire, justamente na programação televisiva, atividade para a
qual a própria constituição fixou parâmetros cogentes. Seria no
mínimo estranhável, escreve José Carlos Barbosa Moreira, ‘que se
houvesse de deixar a determinação ao arbítrio das emissoras, isto é,
dos próprios infratores potenciais ou atuais (...)”
Não
por
outro
motivo
que
o
Código
Brasileiro
de
Telecomunicações, Lei nº 4.117 de 27 de agosto de 1962, prevê a responsabilização pelos
abusos cometidos no exercício dessa atividade. Confira-se:
“Art. 52. A liberdade de radiodifusão não exclui a punição dos que
praticarem abusos ao seu exercício.
Art. 53. Constitui abuso, no exercício da liberdade de radiodifusão, o
emprego desse meio de comunicação para a prática de crime ou
contravenção previstos na legislação em vigor no País, inclusive:
(...)
e) promover campanha discriminatória de classe, cor, raça ou
religião;
(...)
h) ofender a moral familiar, pública, ou os bons costumes;”
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A FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO vem descumprindo, ainda,
o artigo 28 do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto Presidencial nº
52.795/63), que obriga as concessionárias a “não transmitir programas que atentem contra
o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em
constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico”.
O Regulamento vai além e estabelece, em seus artigos 67 e
122, as infrações na execução dos serviços de radiodifusão:
“Art. 67. As concessionárias e permissionárias de serviços de
radiodifusão, observado o caráter educacional desse serviço,
deverão na organização dos seus programas, atender, entre outras,
às seguintes exigências:
1. manter um elevado sentido moral e ético, não permitindo a
irradiação de espetáculos, trechos musicais cantados, quadros,
anedotas ou palavras, contrários à moral familiar e aos bons
costumes;
(...)”
“Art. 122. Para os efeitos deste Regulamento são considerados
infrações na execução dos serviços de radiodifusão os seguintes atos
praticados pelas concessionárias ou permissionárias:
1. incitar a desobediência às leis ou às decisões judiciárias;
(...)
8. ofender a moral familiar, pública, ou os bons costumes;
(...)
18. não organizar a sua programação de acordo com o que
estabelece o artigo 67 deste Regulamento;
(...)
34. executar os serviços de radiodifusão em desacôrdo com os
têrmos da licença ou não atender às normas e condições
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estabelecidas para essa execução;
(...)”
Deve ser relembrado que o serviço público prestado em
desacordo com as condições estabelecidas pelo ordenamento jurídico e pelo contrato de
concessão implica na sua inadequação, nos termos do artigo 6º da Lei nº 8.987/95, in
verbis:
“Art. 6º. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de
serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme
estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo
contrato.” (Destaquei).
Patente, pois, a violação pelas rés SISTEMA JORNAL DE
RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA, SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA e FUNDAÇÃO
ORLANDO ZOVICO de diversas normas constitucionais e infraconstitucionais que regulam
o serviço público de radiodifusão para fins educativos.
V - DA VIOLAÇÃO DE NORMAS DE ESPECIAL PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO
ADOLESCENTE
A concessionária do serviço de radiodifusão de sons e imagens
vem agindo em desacordo com o artigo 227 da Lei Maior, vez que é dever do Poder Público
e de seus concessionários, com absoluta prioridade, manter crianças e adolescentes a
salvo de toda forma de violência, in verbis:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
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discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Em reforço ao comando constitucional, o art. 5º do Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069/90) preconiza que “nenhuma criança ou
adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou
omissão, aos seus direitos fundamentais”.
O artigo 17 do mesmo Estatuto explicitou que “o direito ao
respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do
adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos
valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.
A propósito, cumpre ser observado que o Estatuto da Criança
e do Adolescente, nos seus artigos 71, 74, caput, e 76, é bastante enfático no que concerne
à proibição de programação, diversão ou espetáculos contrários à proteção das crianças e
dos adolescentes, in verbis:
“Art. 71. A criança e o adolescente têm direito a informação, cultura,
lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que
respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
(...)
Art. 74. O poder público, através do órgão competente, regulará as
diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles,
as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que
sua apresentação se mostre inadequada.
(...)
Art. 76. As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no
horário recomendado para o público infanto juvenil, programas com
finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.”
Obrando em completo desrespeito às normas protetivas
colacionadas acima, as rés vêm exibindo diversos programas com conteúdos inadequados
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e sensacionalistas. Dentre as inúmeras irregularidades detectadas, podem ser citados os
quadros com forte apelo sexual, como o já comentado concurso das “Popozudas do A
Hora”, matérias e comentários incitando a violência e o desrespeito aos direitos dos
suspeitos pela prática de crimes e atos infracionais, mensagens preconceituosas e
ofensivas a religiões e raças, dentre outros.
O programa “A Hora da Verdade”, onde foram identificadas as
irregularidades mais graves, é exibido de segunda a sexta-feira, das 18h00min às
19h30min. Nessa faixa de horário, a audiência televisiva é composta por um grande número
de crianças e adolescentes, de modo a submeter esse público especial a conteúdo que só
tem a prejudicar o desenvolvimento psicológico da pessoa em desenvolvimento.
A representação encaminhada à Promotoria de Justiça da
Infância e Juventude da comarca de Limeira constante das fls. 03 das Peças
Informativas nº 1.34.008.00046/2007-08 (apenso), por uma cidadã inconformada com a
situação, bem ilustra os efeitos prejudiciais da programação televisiva à formação das
crianças e dos adolescentes:
“No dia 25 de janeiro de 2006, aproximadamente às 19 horas,
ao assistir o programa da TV Jornal, com o apresentador Geraldo Luis, o mesmo estava
com o repórter sem rosto, fazendo uma chamada para um quadro das 'popozudas', e o
repórter estava a rebolar sensualmente e o apresentador dizia que o certo é fazer o 'trocatroca' quando criança, ou pequeno, porque é melhor; fazendo menção, ou seja, falando
explicitamente que o melhor é que os meninos façam sexo entre si enquanto crianças.
Liguei na Emissora, mas mas o tal apresentador não falou
comigo e então, deixei recado com a secretária Mônica para dizer a ele do meu 'choque' ao
ouvir tamanho descalabro e indução na mente das crianças para que façam isso.
Isso sem dizer das matérias que são exibidas sobre
prostituição e homossexualismo, no horários das 18 horas. Cadê a censura? Cadê os
órgãos competentes que possam fazer alguma coisa, por um povo humilde, com
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pouca alfabetização e sem condições financeiras de Ter entretenimento decente que
visa a alegria, o bem estar, sem vulgaridade, a 'baixaria' e com respeito e moral para
com as famílias”. (Destaquei).
VI - OFENSA À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A programação emissora de televisão vai muito além de
descumprir o contrato de concessão e as normas que regulam a radiodifusão de sons e
imagens em caráter educativo, ofendendo nada menos do que o princípio maior da
República, a dignidade da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana é pedra fundamental da
Constituição Federal de 1988, de onde irradiam os demais princípios e normas do Estado
Democrático de Direito, estabelecendo logo em seu artigo 1º:
“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III – A dignidade da pessoa humana;
(...)”
Nesse “quesito” destaca-se de forma negativa, novamente, o
programa “A Hora da Verdade”, exibido de segunda à sexta-feira, das 18h00min às
19h30min, apresentado até o final de 2007 por Geraldo Luís, hoje na Rede Record, e
atualmente por Kléber Leite. Trata-se de um programa pretensamente jornalístico, voltado
para a exibição de matérias policiais, mas que prima por oferecer, como entretenimento, o
drama enfrentado por vítimas de crimes e a exposição e humilhação de presos ou suspeitos
de condutas criminosas, bem como o incentivo à violência contra presos ou suspeitos.
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Outro programa que apresentou graves irregularidades e
desrespeito à dignidade da pessoa humana foi o “100 Protocolos”, programa semanal de
entrevistas, apresentado por Ivann Gomes, mais conhecido pela alcunha de “Batoré”,
exibido às segundas-feiras, das 21h30min às 23h00min, e reprisado às quartas-feiras, das
22h00 às 23h30min.
Além do uso freqüente de palavras de baixo calão, como
“corno”, “cagada”, “cagando”, “fudido”, “merda”, “bunda”, “cu”, “caralho”, “cacete”, “filho
da puta” e “porra”, quando do encerramento do programa, Ivann Gomes, referindo-se ao
cabelo de um músico afrodescendente, que tocava junto com o grupo, disse: “esse cabelo
era pra ter nascido no cu! É muito ruim, cara!”.
Na pequena amostra analisada pela Procuradoria da
República Autora, logrou-se identificar as mais variadas violações ao princípio da dignidade
da pessoa humana e das garantias constitucionais dele decorrentes.
Assim, ante o desrespeito a valores basilares de nossa
sociedade e à omissão dos órgãos fiscalizadores das concessões públicas de rádio e TV,
cabe à Justiça brasileira conferir plena efetividade ao princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, fazendo cessar, imediatamente, as humilhações e constrangimentos
praticados por uma concessionária do serviço público federal de radiodifusão de conteúdo
educativo.
A - DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOS PRESOS E SUSPEITOS, INCLUSIVE MENORES
E PORTADORES DE DEFICIÊNCIA
A investigação que dá suporte a esta Ação Civil Pública
originou-se de representação por parte de vereadores de Limeira/SP, membros da
Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal daquele município, recebida por esta
Procuradoria da República em 23 de junho de 2006, em razão de supostas ofensas
cometidas em 1º de maio de 2006 pelo então apresentador do programa “A Hora da
Verdade”, Geraldo Luis, contra o deficiente auditivo Alexander Felisberto (fls. 06/10).
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Consta da representação que o apresentador, em entrevista à
Alexander, durante ocorrência policial, referia-se ao deficiente como “mudinho semvergonha”, fazendo gestos obscenos ao indivíduo a fim de obter alguma resposta,
chegando inclusive a perguntar em direção à câmera se os telespectadores gostariam de
estar em seu lugar naquele momento, tentando uma conversa com um “ser daquele”. Em
depoimento encaminhado pela Câmara dos Vereadores de Limeira, a tia de Alexander,
Luzinete Caetano Felisberto (fls. 51/52), disse que o repórter mencionava que ele estava
fingindo ser deficiente para não falar com a emissora, mas que na verdade ele só se
comunica por linguagens de sinais, o que era impossível vez que ele se encontrava
algemado durante a entrevista.
Na matéria citada abaixo, embora o suspeito, de apelido
“Ursão”, apresentasse aparentes sinais de perturbação mental, o repórter do programa “A
Hora da Verdade” passou a inquiri-lo insistemente, tendo dele obter uma confissão:
“Reportagem na Delegacia de Defesa da Mulher em Limeira/DDM
– “rapaz acusado de tentar molestar mulheres na Cecap é
detido” - 1:06'41'';
Repórter – ursão, denúncias apresentadas hoje contra você aqui na
DDM, o que você tem a dizer?
Acusado – eu tenho a dizer que aqueles rapazes da Cecap filhos de
traficantes estavam com pedaço de pau e querendo me matar, eu
estava no ponto de ônibus, aí eu tive que correr pro mercadinho do
seu Pedro, eles estavam em dez mais ou menos, todos com pedaço
de pau e outro estava armado
Repórter – mas por quê eles estavam correndo atrás de você, por
quê eles queriam te matar?
Acusado bom, eles queriam me matar, dizem eles que eu estava
caguetando a boca deles de fumo porque eles vendem cocaína lá
Repórter – mas a denúncia hoje é porque você estaria correndo
atrás das mulheres lá pela Cecap
Acusado – não, isso é engano deles, é bandidagem deles, eles
estão inventando isso porque eu não estava correndo atrás de
ninguém, simplesmente eu estava no ponto de ônibus, pode
perguntar, eu tenho testemunha, tinha umas senhoras no ponto de
ônibus e eles chegaram com pedaço de pau
Repórter – mas a denúncia de hoje é porque você estava correndo
atrás das mulheres, então isso não acontece?
Acusado – isso eu desconheço, esses fatos eu desconheço
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Repórter – então todas as vítimas, todas as pessoas que fizeram
essa acusação estão mentindo?
Acusado – acredito que isso seja inveja, porque eu tenho uma
sobrinha que é uma princesa, sabe, uma princesa
Repórter – ursão, você já tem passagem pela polícia?
Acusado – eu tenho porque eu quase matei meu pai porque ele
brigou com minha mãe
Repórter – só isso? tentativa de homicídio, furto, lesão corporal?
Acusado – eu tenho furto
Repórter – ursão, você acha que tem problemas mentais?
Acusado – eu acredito que não, eu não, apesar do pessoal me
chamar de louco
Repórter – na sua opinião você não precisa de nenhum tratamento,
de nenhuma internação, na sua opinião você não é louco?
Acusado – não, acredito que não, apesar que eu estive internado já
Repórter – tem muita gente fazendo reclamação mesmo que você
está correndo atrás das mulheres, você chega agarrando
Acusado – é inveja da minha sobrinha, é inveja, porque eu tenho
uma sobrinha muito linda
Repórter – agora percebi que você tem manchas nas costas, o que é
isso?
Acusado – isso foi porque eu quebrei a cara do vizinho, isso é
verdade, eu quebrei a cara dele, é um safado
Repórter – essas manchas das suas costas, você pode mostrar pra
gente?
Repórter – isso teria sido uma bomba que vizinhos teriam jogado em
você com ácido
Acusado – isso foi ácido que a mulher do vizinho jogou em mim
Repórter – e porque ela jogou ácido?
Acusado – desde o dia que ela chegou lá ela queria intimidade com
a minha mãe, minha mãe não gosta de intimidade com ninguém, ela
já foi querer puxar papo com a minha mãe, a minha mãe é meio débil
mental, mas só que ela fica lá no cantinho dela tranquila, sossegada
Repórter – eu percebo que você tem uma cicatriz na cabeça, o que
foi isso?
Acusado – eu fui embora de casa, eu fui pro Rio de Janeiro
Repórter – os vizinhos não fizeram isso?
Repórter – isso foi lá no Rio de Janeiro
Acusado – e os vizinhos estão muito revoltados, dizem inclusive que
você ameaça eles
Repórter – é inveja, porque a minha sobrinha é uma princesa
Acusado – mas não é estranho muita gente estar fazendo a mesma
acusação?
Repórter – mas isso é inveja, é inveja, as pessoas não têm o que
falar, falam isso
Acusado – e você está tranquilo, a partir de hoje você teme que
venha alguma outra vítima?
Repórter – eu estou super tranquilo
O acusado usa bigode ralo, com isso o apresentador o imita, usando
um bigode postiço, e o chama de “Hitler da Cecap”– 1:18'53'';”.
(Programa “A Hora da Verdade” exibido em 25/01/2007).
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Foram exibidas também entrevistas com pessoas detidas, que
supostamente praticaram atos criminosos, em que o repórter, sem qualquer respeito à
dignidade desses indivíduos, faz perguntas agressivas, buscando obter uma confissão ou
colocá-los em uma situação vexatória, normalmente seguidas de comentários jocosos por
parte do apresentador Geraldo Luís.
Ilustram e exemplificam esta situação, dentre tantas outras, as
seguintes matérias analisadas pelo Autor:
Matéria: “Senhor de 50 anos é preso após ser pego com
maconha” (exibida em 22/01/2007)
“(...)
Apresentador/repórter – isso aí pelo que eu tô vendo não era pra
tráfico
Acusado – eu uso, sabe, Geraldo, eu sou viciado
Apresentador/repórter – há muito tempo é viciado?
Acusado – desde os treze anos, quatorze anos só uso esse tipo de
droga, já venho batalhando há muito tempo pra parar mas não
consigo, hoje eu saí pra buscar uma mercadoria pra ter em casa,
vinha vindo e parei pra dar uma arrumada na bike e vi o policial parar
atrás de mim eu suspeitei de alguma coisa e eu já tinha passado
perto deles antes e saí pelo Limeirão como se fosse fazer cooper e
quando vi que eles pararam atrás de mim me apavorei e saí
correndo; eu tinha acabado de comprar e estava com um dinheiro
que não é furto, eu não vivo de droga, eu trabalho também, tenho
meus filhos na escola, fui comprar pra um conhecido meu que
também é pai de família, também gosta de fumar um e aconteceu
isso comigo
(...)” (fls. 76/77).
Matéria: “Desempregada é pega com maconha, cocaína e crack
no Jardim Glória” (Exibida em 23/01/2007)
“Repórter – você é menor?
Acusada – sou
Repórter – a droga é sua?
Acusada – não, as drogas não são minhas, não pegou na minha
casa, não é minha
Repórter – você tinha conhecimento que essa droga estava no
quintal?
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Acusada - não
Repórter – você é casada?
Acusada – não
Repórter - mas dentro da sua casa foram encontradas fotos de um
rapaz que está preso; você tem algum envolvimento com ele? é hora
de você se defender, se não for sua a droga é só falar que não
Acusada – não é minha, eu já falei que a droga não é minha
Repórter – você trabalha ou não? tem passagem pela polícia?
Acusada – não” (fls. 80).
Matéria: “Foragido é preso no Odécio Degan” (Exibida em
24/01/2007)
“Apresentador/Repórter – Fabiano, você estava foragido há quanto
tempo?
Acusado - quatorze dias
Apresentador/Repórter – e você fugiu de lá por quê?
Acusado - fugi não eu perdi o ônibus
Apresentador/Repórter - e foi aquela saidinha?
Acusado - no natal
Apresentador/Repórter - e o que você estava fazendo em Limeira?
Acusado – vendo meu pai e eu perdi o busão e não tive como
retornar
Apresentador/Repórter - e você estava foragido da cadeia e decidiu
não voltar mais
Acusado – não, nada a ver senhor
Apresentador/Repórter - você ainda está cumprindo aquela bronca
da dinamite ainda? A informação da polícia é que você teria fugido da
cadeia
Acusado - nada a ver
Apresentador/Repórter – saiu já a sua condenação?
Acusado - já
Apresentador/Repórter – como você está na cadeia?
Acusado – estou tranquilo senhor
Apresentador/Repórter lembra?
a condenação foi de quanto, você
Acusado – seis anos
Apresentador/Repórter – já cumpriu quanto?
Acusado – dois anos e cinco meses
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Apresentador/Repórter - a informação que recebi foi que quando a
polícia chegou lá você não reagiu
Acusado - eu estava escovando o dente senhor
Apresentador/Repórter - não tinha arma?
Acusado – nada a ver
Apresentador/Repórter – sua vida na cadeia como está hoje,
Fabiano?
Acusado - normal
Apresentador/Repórter – do crime você não vai querer saber mais
quando sair?
Acusado – sossegado” (fls. 82/83).
Matéria: “Menores furtam empresa e se arrependem no 3º DP”
(Exibida em 25/01/2007)
“Repórter – jovem, você não precisa disso, não é? precisava furtar?
Repórter – jovem, você trabalha?
Acusado 1 – não
Repórter – quantos anos?
Acusado 1 – doze
Repórter – por quê foram furtar lá?
Acusado 1 – não fui não senhor
Repórter – você estava precisando de dinheiro?
Acusado 1 – não senhor
Repórter – não foi você que furtou?
Acusado 1 – não senhor
Repórter – você estava com eles?
Acusado 1 – eu estava só subindo a rua, daí o homem parou nós
Repórter – tinha material com você?
Acusado 1 – não, comigo não
Repórter - nunca trabalhou?
Repórter – não
Acusado 1 – estuda?
Repórter – estudo, trabalhei uma vez só
Acusado 1 – e por quê não vai trabalhar mais?
Repórter – porque o juizado não deixa, né, aí não pode, né
Acusado 1 – o juizado de menor não deixa”
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“Repórter – jovem, você trabalha?
Acusado 2 - não
Repórter – furtou a peça da firma?
Acusado 2 – não, só estava junto só
Repórter – sabia que a coisa podia ficar complicada?
Acusado 2 - sabia
Repórter - arrependido?
Acusado 2 - claro
Repórter – qual seu sentimento agora em relação a sua família, a
sua mãe chegar agora e ver você nessa situação?
Acusado 2 – pena, eu tenho dó dela
Repórter – você sente pena da sua mãe?
Acusado 2 - sinto
Repórter – o que você acha que ela vai sentir quando te ver aqui?
Acusado 2 – sei lá, meu, coitada dela”
“Repórter – jovem, o que você acha que a sua mãe vai sentir quando
te ver aqui?
Acusado 3 – pena, eu tenho muito dó dela
Repórter – você acha que ela merece isso?
Acusado 3 - não
Repórter – e se você pudesse falar alguma coisa pra ela?
Acusado 3 – ah, mãe, desculpa, não tenho nada a ver com isso, eu
não fiz nada, não preciso dessas coisas
Repórter – você não precisa disso?
Repórter - alguém de vocês usa droga?
Repórter – vocês tem tempo de recomeçar ainda?
Repórter – vai servir de lição?
Acusado 3 - vai
Repórter – e pôr a mão nas coisas dos outros?
Acusado 3 – nunca mais, os meus pais me dão de tudo” (fls. 85/86).
A ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO apresentou cópia de
programas editados do “A Hora da Verdade” (fls. 368), analisado através do relatório de fls.
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465/468, e, embora tenha informado a este Autor ter reformulado o programa, mediante
novo formato, novo apresentador, com o intuito de levar notícias ao telespectador com
seriedade e respeito, bem como promover campanhas assistenciais (fls. 367), em referido
programa continuou a ser exibido um conteúdo ofensivo e inadequado.
As exibições do dia 30 e 31 de janeiro foram objeto de
degravação pela ré ANATEL (fls. 388/451), bem como de relatório elaborado pelo Autor (fls.
453/457), onde se verificou que o novo apresentador, Kléber Leite, reiteradamente, utilizouse de expressões de baixo calão, como “chupeta”, “queimando rosca”, “puta merda”.
Em referência a matéria exibida no dia 29/01/2008, na qual o
padrasto, supostamente, teria abusado sexualmente de suas enteadas, o apresentador
Kleber Leite, a todo momento, incitou violência contra o investigado, declarando que “esse
também tem que cortar com chicote, porque ele talvez só entenda a linguagem do
chicote”, como ainda exibiu um crachá com foto e o nome do mesmo, bem como com o
nome do estabelecimento onde o investigado trabalhava, identificando-o para os
telespectadores.
No dia seguinte, dando prosseguimento à matéria, a repórter
do “A Hora da Verdade” entrevistou o suspeito de forma agressiva, sumariamente
interrogando o investigado, buscando fazê-lo se contradizer nas afirmações e obter uma
confissão. Encerrada a matéria, o apresentador Kléber Leite atendeu a telefonemas de
telespectadores, e passou a incentivar a violência contra o suspeito, bem como defendendo
a castração do indivíduo dizendo que “tinha que arrancar fora”, que o acusado “vai ter
que sentar, pra mijar vai ter que sentar, vai virar mocinha”. O apresentador, com o cabo
de um chicote e com um alicate, simulou a castração do suspeito, afirmando:
“Kléber Leite – Aí tira o trem assim pra fora da coisa, os bagos do
bicho assim, eu se fosse eu já cortava com facão, mas eles vão
cortar assim.. que nem capa um boi, ou vai usar alicate, táaaaa,
táaaaa. Nossa senhora, hein, o camarada nunca mais vai querer
nem, ele não vai querer nem olhar pra baixo. Ele pra mija ele vai
senta, ele vai senta no vasinho, que ele não vai querer mais! (...)”.
(fls. 444).
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Em outra matéria, o “A Hora da Verdade” noticiou um furto a
uma padaria, supostamente praticado por dois homens, um deles menor de 18 anos, sendo
que, novamente, o apresentador estimulou a violência contra detidos. O repórter, de forma
incisiva e agressiva, buscava obter a confissão dos investigados, como verifica-se dos
trechos a seguir:
“Kléber Leite - Muito bem! Falar agora de um assalto na padaria,
chupeta foi assaltar a padaria e se deu mal! Por causa de vinte reais
os caras são tontos rapaz, o camarada nem pra bandido serve! Esse
tem que apanhar de reio dobrado! Porque nem pra bandido
serve (...)
Repórter – Esse aqui é o rapaz, Kleber, que taria envolvido ai no
caso da padaria. Tem alguma coisa a falar, jovem?
Acusado – Não, fala não!
Repórter – O que acontece então?
Acusado – Tenho nada pra falar não!
Repórter – Culpado ou inocente?
Acusado – Inocente!
Repórter – Então porque que a polícia pegou você?
Acusado – Por acaso!
Repórter – Mas o que é, a polícia tava passando e não gostou da
sua cara? Foi isso?
Acusado – Tenho nada a falar não!
Repórter – Você assaltou a padaria?
Acusado – Não assaltei nada!
Repórter – Então se defende!
Acusado – Não assaltei nada!
Repórter – O que você tava fazendo por lá?
Acusado – Se eu me defendo você vai me tirar da cadeia? Não tem
como se defende não!
Repórter – Então fala a sua versão, jovem!
Acusado – Não vo fala com você não!
(...)
Kléber Leite – Ai, ai o camarada é cara de pau! Bandidinho cara
de pau! Vê o repórter pergunta pra ele “você é inocente?” “Sou,
inocente eu sou! Você não tá vendo pela minha cara que eu sou
inocente, eu sou tão gente boa!” Vai chupar uma meia, oh
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chupetinha, tontinho, você acha que os outros é tonto, rapaz? Ai
ele confessa pros policiais “eu roubei porque eu tava precisando de
uma grana! Pra pagar uma droga...” Tem que ir pra cadeia e tem
que mofar lá, aliás esse povo que tá indo pra cadeia tinha que tudo
trabalhar, trabalhar das seis da manhã as oito da noite, não tem
tempo nem de respirar, chegar e desmaiar na cama, ai não ia pensar
em besteira, e aprender a dar valor as coisas!”. (fls. 397/399 Destaquei).
Em nova ofensa à dignidade dos presos, o “A Hora da
Verdade” exibiu no dia 31 de janeiro de 2008 reportagem sobre a prisão de um homem por
posse de entorpecentes. O repórter entrevista o investigado enquanto este está algemado,
ainda dentro da viatura policial e, mesmo com o indivíduo repetindo que não queria falar, o
repórter é incisivo, apenas se satisfazendo com a obtenção da confissão do suspeito.
A transcrição do áudio dessa reportagem também foi realizada
pela ré ANATEL, consoante abaixo:
“(...)
Repórter – Meu jovem, o que aconteceu aí?
Acusado – Não tenho nada a falar, só com advogado, senhor!
Repórter – Você estava com droga, não?
Acusado – Não tenho nada com droga, senhor.
Repórter – Você estava com droga, perguntei isto?
Acusado – Não tenho nada com droga, senhor.
Repórter – Não tem nada com droga?
Acusado – Não, não senhor, só abordaram eu de frente da padaria,
senhor.
(...)
Repórter – Deixa eu fazer uma pergunta para você. Esta droga não
era sua, não estava com você, esta droga estava aonde afinal?
Acusado – Esta droga não... estava comigo, senhor. Não tenho nada
a falar, senhor. Só com advogado, senhor.
Repórter – Tá aparecendo droga por lá, é isso?
Acusado – Não tenho nada não senhor.
Repórter – A informação que chegou pra mim aqui é que a droga
estava com você, não estava nem longe, estava com você... e aí?
Você não quer falar, você não pode falar, o que que é? Esta
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droga era sua, fala a verdade vai!
Acusado – Não tenho nada a falar, não senhor. Só com
advogado, senhor. Vai ser chamado, senhor.
Repórter – Você usa droga?
Acusado – Sou viciado.
Repórter – Você é viciado?
Acusado - Sou.
Repórter – Em que?
Acusado – Sou viciado, senhor.
Repórter – Você é viciado em que droga?
Acusado – Sou viciado, senhor.
Repórter – Em que droga você é viciado?
Acusado – Não sei, senhor. Sou viciado, senhor.
Repórter – Você usa droga e não sabe o que usa?
Acusado – O que foi encontrado aí comigo.
Repórter – Ah. Então foi encontrado aí com você? Você acabou de
falar que é viciado na droga que foi encontrada com você! Que droga
é aquela?
<<<Risadas ao fundo>>>
Repórter – Assume, véio! Você está aqui no plantão, a casa já
caiu. Agora é melhor coisa é você falar a verdade!
Acusado – Não tem nada. A casa não caiu não. Não tenho nada com
plantão de polícia, senhor. To limpo, senhor, minha passagem é
limpa, senhor.
Repórter – Tava limpa, a droga foi encontrada, você acabou de
falar que você é viciado na droga que foi encontrada, deixa eu
acabar de falar que já falo com você! Você foi encontrado com a
droga e você acabou de dizer que é viciado nesta droga, e aí? A
casa não caiu? A casa não caiu não?
Acusado – A casa não caiu não senhor.
Repórter – Aí Kléber, tentou dizer que não, que não sabia de nada
etc. e tal, mas a droga foi encontrada com ele e ele acabou dizendo
que é viciado nesta droga. O rapaz tentou mentir, mas acabou
confessando que a droga era dele!” (fls. 410/413 - Destaquei).
A linha adotada pelo programa viola frontalmente o princípio da
presunção da inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, além de
expor de maneira indevida os suspeitos pela prática de ilícitos penais. Incita a violência
contra os detidos, chegando ao extremo de sugerir a castração de suspeito pela prática de
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crimes sexuais.
Note-se que em muitos dos casos analisados, as pessoas
“entrevistadas” eram menores de idade suspeitos da prática de atos infracionais. Um deles,
de apenas 12 (doze) anos de idade. Embora se recusassem a responder às perguntas do
repórter do programa, eram insistentemente inquiridos diante das câmeras. Ora, ainda que
tais suspeitos se dispusessem a responder voluntariamente às perguntas assacadas pelo
entrevistador, este consentimento seria, indubitavelmente, inócuo, vez que exteriorizado por
pessoa civilmente incapaz.
Demais disso, apesar dos rostos dos menores suspeitos não
terem sido exibidos pelas câmeras da reportagem, diversos sinais pessoais destes eram
demoradamente mostrados, permitindo àqueles que já os conhecessem facilmente
identificá-los. Cite-se, por exemplo, a exibição de grandes tatuagens de alguns dos
suspeitos.
Destarte, também restaram violados os preceitos contidos no
do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), in verbis:
“DO DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE
(...)
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da
integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente,
abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia,
dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
(...)
DAS INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS
(...)
Art. 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por
qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de
procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou
adolescente a que se atribua ato infracional.
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Pena – multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários de referência,
aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
§ 1º
Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente,
fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou
qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe
sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou
indiretamente.
§ 2º Se o fato for praticado por órgão de imprensa ou emissora de
rádio ou televisão, além da pena prevista neste artigo, a autorização
judiciária poderá determinar a apreensão da publicação ou a
suspensão da programação da emissora até por 2 (dois) dias, bem
como da publicação do periódico até por 2 (dois) números.”
Constata-se, pois, dúplice violação às regras protetivas das
crianças e dos adolescentes. Em relação ao público telespectador, face o conteúdo
impróprio da programação; e quanto àqueles que são “alvos” das entrevistas, que não têm
as suas identificações preservadas e não vêm seu direito à presunção de inocência
devidamente respeitado.
B - DO APELO SEXUAL
Este Autor degravou as matérias exibidas no programa “A
Hora da Verdade” entre os dias 22 e 30 de janeiro de 2007, destacando-se negativamente
o concurso “As Popuzadas do A Hora”, em que foram convocadas jovens da região a
participarem mediante expressões como “popozudas, venham aqui mostrar o popozão”
(fls. 74). No dia 24 de janeiro, o apresentador Geraldo Luís ressaltou: “garotas acima de 17
anos que tenham um popozão; não adianta ter nádegas bonitas, tem que saber
dançar, ter rosto bonito, tem que ser gostosa” (fls. 82).
Nas edições analisadas do programa, ressalta a forte
conotação sexual que permeou o concurso, onde as candidatas dançam no palco do
estúdio, não raro em trajes sumários, instadas a todo momento a exibir em destaque a parte
de suas anatomias que dá nome ao concurso. Confira-se alguns trechos constantes do
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relatório circunstanciado que cuidou de analisar o programa:
“No programa do dia 22 de janeiro (...)
Divulgou também o apresentador o concurso 'As popozudas da
Hora', com a participação de jovens da região que fossem bonitas, soubessem dançar e
tivessem glúteos grandes. A chamada se repetirá em todos os programas.
(...)
O dia 26 de janeiro é o início do concurso 'As popozudas da
Hora', com a apresentação de dançarinas. Uma delas aparenta ser menor de idade. Nos
comentários dos jurados e do apresentador há forte conotação sexual.
(...)
Consta também juntado aos autos a fls. 64, uma fita Vhs com
os programas dos dias 2, 9 e 16 de fevereiro de 2.007.
Basicamente estes programas são muito parecidos, devido a
um concurso, intitulado 'As popozudas da Hora', que ocupa todo período do programa. O
que se destaca nesses programas é:
a) dia 2 de fevereiro: o apresentador e seus auxiliares insinuam
constantemente ao sexo com as dançarinas. Usam também, em algumas oportunidades,
termos ofensivos. Segundo o apresentador, somente pessoas sem-vergonha devem
participar daquele concurso, enquanto o apresentador fala sobre o concurso, imagens de
dançarinas de 'funk' são colocadas em vídeo atrás do apresentador.
Algumas das jovens participantes aparentam ter menos de 18
anos (em geral, são todas muito jovens). Na apresentação das dançarinas, há clara
exploração da imagem com cunho sexual.
Enquanto dançam as dançarinas recebem notas dos auxiliares
e do público que liga ao programa ou acessa a internet. Na página eletrônica do programa,
as fotos das dançarinas são de caráter erótico.
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(...)
A (sic) piadas do apresentador e seus auxiliares são,
basicamente, de cunho sexual.” (relatório circunstanciado - fls. 60/62).
Desnecessário mencionar que concurso desse jaez não se
compatibiliza com os escopos de uma televisão educativa.
C - DO CONTEÚDO RACISTA E ATENTATÓRIO À LIBERDADE RELIGIOSA
Durante os programas analisados, o então apresentador
Geraldo Luís exibiu um comportamento absolutamente condenável, mediante uso de
palavras de baixo calão, afirmando, entre outras opiniões questionáveis, ser a favor do
trabalho infantil para a formação do caráter dos jovens, referir-se à prática de “troca-troca”
entre crianças e dirigir-se a um jurado do concurso “As Popozudas do A Hora”,
afrodescendente, como “coisa negra”, “macumba de encruzilhada”, “macumba mal
feita”.
Essas
ocorrências
foram
consignadas
no
relatório
circunstanciado que cuidou de analisar os programas exibidos, conforme trechos
reproduzidos abaixo:
“Em determinado momento, o apresentador se dirige ao jurado
afrodescente chamando-o de 'coisa negra'”. (fls. 61).
(...)
“Em determinado momento, uma das auxiliares, denominada
Flor, faz comentário irônico sobre a opção religiosa, afirmando 'não fui encontrada em
nenhum despacho', ao se referir a outro dos auxiliares.” (fls. 62).
Como é cediço, a Magna Carta assegura a igualdade,
independentemente da raça, religião ou cor, bem com a liberdade religiosa, um dos
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objetivos fundamentais da República, erigindo esses preceitos à condição de direitos
fundamentais, cláusulas pétreas, nos seguintes termos:
“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil:
(...)
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
(...)
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias;”.
Indubitavelmente, essa inaceitável postura das pessoas
jurídicas de direito privado rés violou frontalmente os mandamentos constitucionais acima,
ao tratar com menoscabo personagem caracterizado pela raça negra. Além disso, a prática
de macumba foi ridicularizada em público, causando, certamente, sensação de desconforto
aos adeptos desse tipo de ritual religioso.
VII - DA INOBSERVÂNCIA DA FINALIDADE EDUCATIVA DA CONCESSÃO
A ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, conforme o seu
estatuto (fls. 224/236), é uma instituição voltada para o desenvolvimento cultural, sem fins
lucrativos.
Consta do estatuto, registrado em 05 de abril de 2000 perante
o 2º Cartório de Notas de Limeira/SP, em seu artigo 5º, que a ré FUNDAÇÃO ORLANDO
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ZOVICO tem como suas precípuas finalidades:
“Art. 5º. A Fundação tem como finalidades:
a-) Realizar e divulgar programas sociais de interesse das
comunidades carentes da região, especialmente idosos, crianças,
grupos de mães, deficientes físicos, população de baixa renda etc.;
b-) Criar, manter, e administrar atividades e programas de
serviço à cultura e a educação, através de canais próprios de
radiodifusão educativo, sem finalidades comerciais, tendo
sempre como objetivo prioritário os interesses comunitários,
especialmente aqueles citados na letra anterior;
c-) Executar serviços especiais de retransmissão ou distribuição de
sinais de televisão em regime simultâneo, não simultâneo ou misto,
atendendo os objetivos de implantação de serviços comunitários
informativos e de programas de interesse das comunidades;
d-) promover iniciativas e campanhas de cunho social-beneficentes
com a colaboração de entidades de programação e assistência
social;
e-) Fundar, manter e/ou administrar entidades, obras de serviço,
centros de cultura, museus, bibliotecas e centros de lazer,
incentivando a expansão da cultura, artes e educação;
f-) Incentivar a Fundação de creches, bem como cursos e escolas de
todos os graus e, ainda, instituir e conceder bolsas de estudos e
estágios;
g-) Instituir cursos de formação profissional nas diversas áreas da
radiodifusão, utilizando-se das instalações da Fundação;
h-) Patrocinar e divulgar eventos culturais, como exposições, festivais
de artes, espetáculos teatrais, de dança, de música, de ópera, de
circo de atividades congêneres, visando sempre a manutenção dos
valores culturais da região;
i-) Preservar o folclore e as tradições populares da região, bem como
patrocinar os espetáculos folclóricos sem fins lucrativos;
j-) Estabelecer contratos com emissoras de radiodifusão com o
propósito de produzir programas culturais informativos e
educativos;
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k-) Imprimir revistas, livros e jornais para o apoio e divulgação de
suas atividades;
l-) Estimular e apoiar pesquisas, planos e projetos em todas as áreas
de conhecimento e da cultura;
m-) Prestar serviços a terceiros, sempre tendo em vista os objetivos e
finalidades da Fundação;
n-)
Produzir,
vender
e
distribuir
livros,
cadernos,
revistas,
monografias, filmes, vídeo e áudio-cassetes, discos e teses que
versem sobre a cultura, desporto e ação comunitária.”
Em 31 de março de 2000, a ré FUNDAÇÃO ORLANDO
ZOVICO procedeu perante o Ministério das Comunicações pedido de concessão de
serviço público de radiodifusão de sons e imagens de conteúdo educativo (fls. 148/210), in
verbis:
“FUNDAÇÃO
ORLANDO
ZOVICO,
com
endereço
para
correspondência na Rua Piauí, nº 493, sala 13, na cidade de Limeira,
Estado de São Paulo, CEP 13.480-265, por seu representante legal
vem solicitar a V. Exa. outorga para executar serviço de
radiodifusão em sons e imagens (T.V.), com fins exclusivamente
educativos, na cidade de Limeira, Estado de São Paulo (...).”
(fls. 148 - Destaquei).
Nos mesmos termos, o despacho nº 475/2001, da Consultoria
Jurídica do Ministério das Comunicações (fls. 275), que pugnou pelo “(...) deferimento do
pedido de outorga de concessão para explorar serviço de radiodifusão de sons e imagens
(TV), com fins exclusivamente educativos (...)”.
O Decreto Presidencial sem número, de 16 de abril de 2001
(fls. 277), que concedeu à ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO a concessão do serviço
público de radiodifusão de sons e imagens, estabeleceu, in verbis:
“Art.
1º
-
Fica
outorgada
concessão
às
entidades
abaixo
mencionadas, para executar, pelo prazo de quinze anos, sem direito
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de exclusividade, serviço de radiodifusão de sons e imagens, com
fins exclusivamente educativos:
(...)
III - FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, na cidade de Limeira, Estado
de São Paulo (Processo nº 53830.000175/00).” (Destaquei).
Finalizando o procedimento da concessão do serviço público
de radiodifusão, foi editado pelo Congresso Nacional o Decreto Legislativo nº 254 (fls.
297), em novembro de 2002, publicado no Diário Oficial da União em 08 de novembro de
2002 (fls. 299), nos seguintes termos:
“Art. 1º Fica aprovado o ato a que se refere o Decreto s/nº, de 16 de
Abril de 2001, que outorga concessão à Fundação Orlando Zovico
para executar, por quinze anos, sem direito de exclusividade, serviço
de radiodifusão de sons e imagens, com fins exclusivamente
educativos, na cidade de Limeira, Estado de São Paulo.” (Destaques
meus).
Verifica-se, portanto, que, nos termos do pedido da ré
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO e da concessão de serviço público por parte da ré
UNIÃO, foi concedida a radiodifusão de sons e imagens de conteúdo exclusivamente
educativo.
A página eletrônica do Ministério das Comunicações na rede
mundial de computadores (internet) fornecem as principais informações e contornos da
radiodifusão educativa (fls. 323/328). Confira-se:
“O que é radiodifusão educativa?
É o Serviço de Radiodifusão Sonora (rádio) ou de Sons e Imagens
(TV) destinado à transmissão de programas educativo-culturais, que,
além de atuar em conjunto com os sistemas de ensino superior de
qualquer nível ou modalidade, vise a educação básica e superior, a
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educação permanente e formação para o trabalho, além de abranger
as atividades de divulgação educacional, cultural, pedagógica e de
orientação profissional.
(...)
Qual
deve
ser
a
programação
das
rádios
e
televisões
educativas?
Será admitida apenas a transmissão de programas com finalidades
educativo-culturais. Os programas de caráter recreativo, informativo
ou de divulgação desportiva poderão ser considerados educativoculturais, se neles estiverem presentes elementos instrutivos ou
enfoques educativo-culturais identificados na sua apresentação.
(...)
Pode
haver
publicidade
em
emissoras
de
radiodifusão
educativa?
O parágrafo único do art. 13 do Decreto-lei n.º 236, de 28 de fevereiro
de 1967, diz que as televisões e rádio educativas não têm caráter
comercial, sendo vedada a transmissão de qualquer propaganda,
direta ou indiretamente. Uma melhor análise desse artigo, contudo,
deve levar em conta o art. 19 da lei 9.637, de 15, de maio de 1998,
que traz o seguinte enunciado: as entidades que absorverem
atividades de rádio e televisão educativa poderão receber recursos e
veicular publicidade institucional de entidades de direito público ou
privado, a título de apoio cultural, admitindo-se o patrocínio de
programas,
eventos
e
outras
práticas
que
configurem
comercialização de intervalos. Assim, as entidades de radiodifusão
educativa qualificadas como organização social, de acordo com a Lei
9.637, podem veicular publicidade, desde que essa se enquadre no
conceito de apoio cultural.”
O conceito de radiodifusão educativa consta do Decreto-Lei nº
236/67, que dispõe em seu artigo 13:
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“Art. 13. A televisão educativa se destinará à divulgação de
programas educacionais, mediante a transmissão de aulas,
conferências, palestras e debates.
Parágrafo
único.
A televisão educativa
não tem
caráter
comercial, sendo vedada a transmissão de qualquer propaganda,
direta ou indiretamente, bem como o patrocínio dos programas
transmitidos, mesmo que nenhuma propaganda seja feita
através dos mesmos.”
Verifica-se, portanto, que a programação veiculada pelas rés
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA e SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA contraria não apenas a concessão
outorgada pela ré UNIÃO, como também a legislação atinente à radiodifusão de conteúdo
educativo.
A Constituição Federal, em seu artigo 221, inciso I, estabelece
que a programação das emissoras de rádio e televisão, em geral, deve preferenciar um
conteúdo de finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.
Se todas as emissoras são obrigadas, constitucionalmente, a
veicular um conteúdo educativo e cultural, esta obrigação ganha contorno e relevância
ainda maiores ao tratar-se de uma emissora cuja finalidade é a execução de conteúdo
exclusivamente educativo.
Ademais, estabelece o Decreto-Lei nº 236/67, em seu artigo
13 retro citado, que as emissoras educativas não tem caráter comercial, sendo vedadas a
veiculação de anúncios publicitários ou patrocínios de qualquer espécie.
O contrato de concessão celebrado entre a ré UNIÃO e a ré
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO estabelece em suas Cláusulas 3ª e 4ª (fls. 303/305):
“Cláusula 3ª. A concessionária é obrigada a:
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(...)
j) observar as normas fixadas pelo Ministério das Comunicações para
modificar seus atos constitutivos, bem como para transferir a outorga;
(...)
p) executar o serviço dentro das condições técnicas indicadas pelo
órgão competente;
Cláusula 4ª. Na organização da programação, a concessionária
deverá:
a) subordinar os programas de informação e divertimento às
finalidades educativas e culturais da radiodifusão;
b) manter um elevado sentido moral e cívico, não permitindo a
transmissão de espetáculos, trechos musicais cantados,
quadros, anedotas ou palavras contrárias à moral familiar e aos
bons costumes;
c) não transmitir programas que atentem contra o sentimento
público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma,
redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja
jornalístico;
(...)
g) não irradiar identificação de emissora utilizando denominação de
fantasia, sem que esteja previamente autorizada pelo Ministério das
Comunicações;
(...)
m) manter em dia os registros da programação;” (Destaquei).
Não obstante a existência da vedação legal, as rés
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA e SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA firmaram dezenas, quiçá centenas de
contratos publicitários, veiculados durante toda a programação da emissora, podendo ser
destacados o firmado com a concessionária de veículos Renault La Chance, no valor de
R$ 40.077,00 (quarenta mil e setenta e sete reais), por 12 meses de contrato (fls. 477/501),
e o celebrado com a empresa Óticas Lince, mediante parcelas de R$ 6.000,00 (seis mil
reais) e R$ 3.000,00 (três mil reais), perfazendo um total de R$ 27.000,00 (vinte e sete mil
reais) (fls. 504/523).
Conforme exposto anteriormente, a programação da emissora
é um afronte a preceitos que fundamentam a Constituição pátria, como a dignidade da
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pessoa humana, a proteção às crianças e aos adolescentes, à família e a preservação da
moral e dos bons costumes.
Assim, resta claro que, além de transgredir as normas gerais
de telecomunicações e radiodifusão, estabelecidas pela Constituição Federal e pela
legislação esparsa, as rés FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, SISTEMA JORNAL DE
RÁDIO LTDA e SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA, ao veicularem
uma
programação
em
nada
educativa
e
firmar
contratos
publicitários,
prática
expressamente vedada tanto legalmente, quanto contratualmente, infringe diversas
condições estabelecidas no contrato de concessão federal.
VIII - DA AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO
O artigo 21, inciso XXI, alínea “a”, da Constituição Federal,
prevê que compete à União explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão o serviço público de radiodifusão sonora, e de sons e imagens.
Estabelece o artigo 37 da Constituição Federal de 1988 que as
obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação
pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes.
No mesmo sentido, o artigo 175 da Constituição Federal, que
“incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos” (Negritei).
Desse modo, a concessão de serviço público pela União há de
ser realizada sempre mediante licitação, excetuadas as hipóteses legalmente previstas, e
que se compatibilizem com os preceitos da Magna Carta, em que for a licitação
comprovadamente dispensável ou inexigível em razão das peculiaridades da situação
concreta.
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Com efeito, a obrigatoriedade do prévio procedimento licitatório
objetiva, a um só tempo, proteger os interesses da Administração Pública e dos particulares.
Permite ao Poder licitante, dentro de um contexto de ampla publicidade e concorrência,
escolher a melhor proposta oferecida. Aos particulares, garante a todos o acesso à disputa,
em igualdade, ao menos formal, de condições.
A concessão do serviço de radiodifusão de sons e imagens
pela ré UNIÃO à ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO ocorreu com fundamento no disposto
no artigo 14, § 2º do Decreto-Lei nº 236/67, e no artigo 13, §1º do Decreto nº 52.795/63, que
dispensam a abertura de licitação para a concessão de canal educativo.
Ainda que se admita a recepção pela atual Constituição da
outorga de concessão do serviço público de radiodifusão de sons e imagens, com base no
artigo 14, § 2º do Decreto-Lei nº 236/67 e no artigo 13, § 1º do Decreto nº 52.795/63, esta
somente será legítima ao ter-se em mira a finalidade exclusivamente educativa do objeto
da concessão.
Deveras, tendo por escopo a veiculação de programação
voltada essencialmente à cultura e à educação, outorga desta espécie de serviço público
sem a prévia realização de licitação pode, ao menos em tese, ser justificada apenas pelas
especificidades do objeto e da pessoa beneficiada, tornando a disputa dispensável.
No entanto, a partir do momento em que a entidade agraciada
desvirtua
os
ditames
da
concessão,
transformando-se
em
emissora
com
fins
manifestamente comerciais, caso das rés FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO LTDA e SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA, as
premissas justificadoras da dispensa do prévio procedimento licitatório não mais subsistem,
nulificando o exercício do contrato de concessão.
Na realidade, diante dos elementos coligidos à investigação,
pode-se concluir que no caso em análise, com o pedido de concessão de uma TV
educativa, as empresas rés buscavam tão somente obter a autorização do Poder Público
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para, com o controle de um importantíssimo veículo de comunicação local, exercer
atividades inerentes a uma TV comercial, furtando-se à necessária licitação e as exigências
daí decorrentes.
IX - DA CONFUSÃO ENTRE AS PESSOAS JURÍDICAS DE DIRETO PRIVADO RÉS E DA
SUBCONCESSÃO NÃO AUTORIZADA DO SERVIÇO PÚBLICO DE RADIODIFUSÃO DE
SONS E IMAGENS
O estatuto da ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO foi
registrado em 05 de abril de 2000, perante o 2º Cartório de Notas de Limeira, e prevê como
sua finalidade criar e manter programas educativos (fls. 224/236).
A concessão do serviço público de radiodifusão de sons e
imagens de conteúdo educativo foi outorgada em 16 de abril de 2001, mediante decreto
sem número, pela ré UNIÃO à ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, aprovado pelo Decreto
Legislativo nº 254 (fls. 297), em novembro de 2002, a fim de que esta instituição sem fins
lucrativos, cuja precípua finalidade é o desenvolvimento cultural, transmitisse uma
programação educativa, tal como aulas, conferências, palestras e debates, sendo vedada a
veiculação de anúncios publicitários.
Ocorre, entretanto, que a ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO
encaminhou a este Autor cópia de um contrato supostamente firmado com a ré SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA, datado de 19 de dezembro de 2004 (mas
com firma reconhecida apenas em 26 de dezembro de 2007), a fim de que esta sociedade
por quotas, sem qualquer restrição de caráter comercial, executasse “serviços de
radiodifusão de sons e imagens em caráter educativo na localidade de Limeira, Estado de
São Paulo, por meio do canal 39E, da outorgante” (fls. 356/359).
Verifica-se nesse contrato, encaminhado ao Autor pela própria
ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, que de forma no mínimo estranha, ainda que conste o
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nome da pessoa jurídica SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA, o
número do CNPJ referente a esta empresa é, na verdade, de outra pessoa jurídica, o
SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA. Veja-se, ainda, que quem assina esse contrato é
Marines Bortolan Zovico, esposa de Orlando José Zovico, sócia-gerente do SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO LTDA.
O quadro societário e o número cadastral na Receita Federal
constam de cópia de alteração do contrato social da ré SISTEMA JORNAL DE RÁDIO
LTDA (fls. 20/28), surpreendentemente encaminhado a este Autor por pessoa jurídica
diversa, a ré SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA.
Assim,
de
acordo
com
a
documentação
analisada,
encaminhada pelas próprias empresas rés, o suposto contrato de radiodifusão de sons e
imagens, isto é, de transmissão de televisão, teria sido celebrado pela ré FUNDAÇÃO
ORLANDO ZOVICO com uma empresa de radiodifusão sonora, o SISTEMA JORNAL DE
RÁDIO LTDA, emissora de rádio que atua em Piracicaba e região sob o nome de fantasia
“Rádio Alvorada” (conforme print de consulta do site da Receita Federal – anexado).
As três diferentes pessoas jurídicas são administradas pelo
mesmo grupo familiar, haja vista que o Presidente do Conselho Diretor da FUNDAÇÃO
ORLANDO ZOVICO, Orlando José Zovico, é sócio da empresa SISTEMA JORNAL DE
RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA junto com a sua esposa Marines Bortolan Zovico,
enquanto o quadro societário do SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA é composto por
Fabiana Brisolla Mercuri Zovico e Sandra Bertolini Zovico, esta última casada com
Eduardo Zovico, filho de Orlando José Zovico, membro do Conselho de Programação da
Fundação e apresentador do programa “Beatclip”.
A confusão entre essas pessoas jurídicas é tamanha que a
sede da FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO localiza-se na Rua Piauí, 493, município de
Limeira/SP, o mesmo endereço onde está instalado o SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E
TELEVISÃO S/C LTDA.
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Veja-se que, não obstante a ré UNIÃO tenha outorgado a
concessão de radiodifusão de sons e imagens com fins educativos à ré FUNDAÇÃO
ORLANDO ZOVICO, esta pessoa jurídica foi criada apenas com o fim de obter a
concessão, vez que quem de fato executa o serviço são as rés SISTEMA JORNAL DE
RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA e SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA, mesmo sem
qualquer comunicação à Administração Pública concedente.
Ao longo de toda a programação da emissora não há qualquer
menção ao nome do titular do serviço, a ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, sempre
sendo feito referência ao Sistema Jornal de Rádio e Televisão, nome fantasia utilizado
pela concessionária, homônimo à sociedade limitada ré SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E
TELEVISÃO S/C LTDA.
Outrossim, no início do procedimento administrativo que deu
azo a esta ação, quem respondia pela emissora de televisão, inclusive atendendo aos
ofícios encaminhados pelo Autor, era a ré SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO
S/C LTDA (fls. 16).
Da mesma forma, os contratos de veiculação de anúncios
publicitários contratados pela emissora junto à concessionária de veículos Renault La
Chance e às Óticas Lince foram firmados pela ré SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E
TELEVISÃO S/C LTDA, e não pela ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO (fls. 477 e 511).
Estes contratos só foram possíveis em razão da ré SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA ser uma sociedade limitada, vez que é
vedado à ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, concessionária do serviço público de
radiodifusão, a celebração de contratos comerciais, vez que entidade sem fins lucrativos.
Fica latente que a ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO foi
criada apenas com o intuito de receber da ré UNIÃO a concessão de radiodifusão de sons e
imagens educativas, sem nunca ter atuado como concessionária, vez que quem de fato
atua e sempre atuou como tal é o grupo de empresas formado pelas rés SISTEMA
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JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA e SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA,
que desenvolvem a programação, celebram contratos e atuam como responsáveis pela
emissora.
Não se olvide, ademais, que às fundações de direito privado o
Código Civil vigente delimitou um regime jurídico próprio, permeado de diversas
peculiaridades. É uma universalidade de bens afetada a consecução de finalidades
específicas, limitadas atualmente pelo parágrafo único do artigo 62 do atual Código Civil aos
fins “religiosos, morais, culturais ou de assistência”, até porque esta espécie de pessoa
jurídica não é constituída com a finalidade de lucro. Ao utilizar-se do expediente acima
descrito, as rés SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA e SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO LTDA lograram burlar a vedação legal de uso comercial imposto à ré
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO.
Mas não é só.
Conforme exposto, a ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO
celebrou um contrato com a ré SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA, cujo objeto é a
radiodifusão de sons e imagens em caráter educativo, idêntico ao da concessão outorgada
pela ré UNIÃO à Fundação, o que demonstra que a ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO
nunca atuou como concessionária do serviço público de radiodifusão de sons e imagens.
Estabelecem os artigos 26 e 27 da Lei nº 8.897/95, que dispõe
sobre a concessão de serviços públicos:
“Art. 26. É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato
de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder
concedente.
§ 1º A outorga de subconcessão será sempre precedida de
concorrência.
§ 2º O subconcessionário se sub-rogará todos os direitos e
obrigações da subconcedente dentro dos limites da subconcessão.
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Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário
da concessionária sem prévia anuência do poder concedente
implicará a caducidade da concessão.
§1o Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste
artigo, o pretendente deverá:
I - atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade
financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do
serviço; e
II - comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em
vigor.
§ 2o Nas condições estabelecidas no contrato de concessão, o poder
concedente autorizará a assunção do controle da concessionária por
seus financiadores para promover sua reestruturação financeira e
assegurar a continuidade da prestação dos serviços.
§ 3o Na hipótese prevista no § 2o deste artigo, o poder concedente
exigirá dos financiadores que atendam às exigências de regularidade
jurídica e fiscal, podendo alterar ou dispensar os demais requisitos
previstos no § 1o, inciso I deste artigo.
§ 4o A assunção do controle autorizada na forma do § 2o deste artigo
não alterará as obrigações da concessionária e de seus controladores
ante ao poder concedente.” (Destaquei).
Desta feita, vez que as empresas rés SISTEMA JORNAL DE
RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA e SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA sempre atuaram
como titulares da concessão, sub-rogando-se, para todos os efeitos, jurídica e
comercialmente, como responsáveis pela emissora e pela programação televisiva, verificase que, ainda que de forma tácita, a ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO transferiu-lhes a
concessão outorgada pela Administração Pública, sem prévia autorização da ré UNIÃO,
sem nunca ter atuado como efetiva concessionária.
Conforme já demonstrado, o contrato firmado entre as pessoas
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jurídicas de direito privado é fundamento para a extinção da concessão, pela modalidade
caducidade, haja vista que foi constituído com objeto idêntico ao do contrato de concessão
outorgado pela ré UNIÃO, sendo vedada a subconcessão não autorizada de serviço
público.
X - DOS DANOS MORAIS COLETIVOS
Observadas
as
irregularidades
praticadas
pelas
rés
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C
LTDA e SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA, restam claras suas responsabilizações por
danos morais causados à sociedade, vez que as condutas ilícitas praticadas ofenderam
valores fundamentais compartilhados por todos os brasileiros.
Como já exposto, a pessoas jurídicas rés descumpriram o
contrato de concessão de serviço público de radiodifusão de sons e imagens de conteúdo
educativo e as normas regulamentadoras das telecomunicações, eis que utilizaram-se de
um serviço outorgado exclusivamente para a veiculação de programas voltados à cultura e
à educação para transmitirem uma programação ofensiva à moral e aos bons costumes.
Ademais, descumpriram princípios basilares da República, em
especial a dignidade da pessoa humana, em severas ofensas à Constituição Federal,
sobretudo às normas protetivas das crianças e dos adolescentes, dos deficientes e aos
presos submetidos à autoridade e à responsabilidade do Poder Público.
É notória a influência que os programas de televisão têm na
formação da opinião, do caráter e dos valores de família, solidariedade e comunidade,
especialmente no público infanto-juvenil, de modo que programas ditos humorísticos que
utilizam linguagem de baixo calão, ou programas policiais que incitam a violência contra
presos, transmitem a imagem de que tais comportamentos são normais e socialmente
aceitos.
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Ao incurtir ou incentivar no público telespectador impressões
desse jaez, acaba por lesar toda uma gama de valores e princípios albergados pela Magna
Carta, causando irremediáveis prejuízos à formação das pessoas, sobretudo crianças e
adolescentes.
Dentro da pequena amostra examinada dos programas
exibidos pela emissora, foram constatadas relevantes violações aos direitos, coletivamente
considerados, dos suspeitos da prática de ilícitos criminais, inclusive menores de idade, de
deficientes físicos e mentais, de afrodescendentes, de praticantes de religiões diversas e
das pessoas do sexo feminino.
Neste sentido a lição de Carlos Alberto Bittar Filho:
“(...) o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de
uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de
valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato
de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente
considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico:
quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto
imaterial.”5
A possibilidade jurídica do pedido de indenização por dano
moral coletivo decorre de expresso dispositivo legal: o art. 1º, caput, da Lei da Ação Civil
Pública (Lei Federal n° 7.347/85):
“Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação
popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados:
(...)
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”
5
“Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro” in Direito do Consumidor, vol. 12- Ed. RT.
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As programações lesivas à coletividade foram exibidas nos
municípios de Limeira, Santa Gertrudes, Cordeirópolis, Iracemápolis, Engenheiro Coelho,
Artur Nogueira, Cosmópolis, Americana e Santa Bárbara D'Oeste, para um público virtual de
mais de 800.000 (oitocentas mil) pessoas.
Como observa Carlos Alberto Bittar, o valor devido a título de
indenização pelos danos morais coletivos:
“(...) deve traduzir-se em montante que represente advertência
ao lesante e à sociedade de que se não se aceita o comportamento assumido, ou o evento
lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos
interesses em conflito, refletindo-se de modo expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de
que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo
produzido. Deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das
potencialidades do patrimônio do lesante. Coaduna-se essa postura, ademais, com a
própria índole da teoria em debate, possibilitando que se realize com maior ênfase, a sua
função inibidora de comportamentos. Com efeito, o peso do ônus financeiro é, em um
mundo em que cintilam interesses econômicos, a resposta pecuniária mais adequada a
lesionamentos de ordem moral.”6
A indenizabilidade em razão do dano moral coletivo vem
recebendo acolhida pelo Poder Judiciário.
Em recente sentença prolatada pela MMA. 11ª Vara Federal
da Subseção Judiciária de Porto Alegre, da lavra do Excelentíssimo Juiz Federal Substituto,
Dr. Adriano Vitalino dos Santos, na ação civil pública nº 2003.71.00.001233-0, proposta pelo
Ministério Público Federal em face da Gravadora Sony Music Entertainment Indústria
e Comércio Ltda e Furacão 2000 Produção Artísticas Ltda, esta última foi condenada a
pagar R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) a título de danos morais coletivos pelas ofensas
à dignidade da mulher veiculadas através da música “Tapinha”. Pede-se vênia para
6
“Reparação Civil por Danos Morais” in RT, 1993, p. 220-222.
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transcrever um trecho da sobredita decisão:
“Desse modo, a condenação à indenização pelo dano moral
coletivo é medida que se impõe, uma vez que a Furação 2000 Produções Artísticas Ltda.,
ao divulgar o produto musical, não efetuou a devida análise do conteúdo da letra que, no
caso, excedeu os limites impostos pelo fim social e pelos valores éticos e sociais da pessoa
e da família à livre manifestação da atividade intelectual, artística e de comunicação. Nesse
sentido, leia-se o seguinte precedente:
(...)
Culpa da empresa produtora do fonograma que deixou de
proceder a uma análise do conteúdo ofensivo da obra ao adquirir os respectivos direito
autorais.
(...)
(Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro na
apelação cível nº 2000.001.16893, relator Desembargador Mário Robert Mannheimer, v. u.
em 10.2.2004)
O quantum da indenização por dano moral é arbitrado
judicialmente, levando em consideração critérios como o porte financeiro do causador do
dano e as repercussões do fato, devendo a indenização ter finalidade compensatória para a
coletividade e pedagógica para o infrator, de forma a desestimular a prática de novos atos
ilícitos, sem, no entanto, constituir imposição demasiada.
(...)
Assim sendo, entendo que a fixação da indenização em R$
500.000,00 (quinhentos mil reais) é proporcional ao dano causado e suficiente para
dissuadir a ré a não praticar novos atos ilícitos, devendo o montante ser revertido em favor
do Fundo Federal de Defesa dos Direitos, a teor do artigo 13 da Lei 7.347/85.”
Também admitindo a indenizabilidade do dano moral coletivo,
o seguinte precedente do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
“AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA.
OFENSAS
CONTRA
COMUNIDADE
INDÍGENA. DANO MORAL COLETIVO. MAJORAÇÃO.
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1. Tendo restado demonstrada a discriminação e o preconceito
praticados pelos réus contra grupo indígena Kaingang, é
devida
indenização por danos moral.
2. O dano moral coletivo tem lugar nas hipóteses onde exista um ato
ilícito que, tomado individualmente, tem pouca relevância para cada
pessoa; mas, frente à coletividade, assume proporções que afrontam
o senso comum.
3. Indenização por danos morais majorada para R$ 20.000,00, a ser
suportada de forma solidária por ambos os réus desta ação.”
(Origem: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO; Classe: AC - APELAÇÃO
CIVEL; Processo: 200371010019370 UF: RS Órgão Julgador:
TERCEIRA TURMA; Data da decisão: 10/07/2006 Documento:
TRF400131806; Fonte DJ 30/08/2006 PÁGINA: 472; Relator(a)
VÂNIA HACK DE ALMEIDA).
Dessa forma, entende o Autor, frente às graves ofensas aos
direitos constitucionais exibidas para um público virtual de centenas de milhares de pessoas
e ante as informações dos contratos comerciais firmados pelas pessoas jurídicas de direito
privado rés, que é razoável a fixação de indenização por danos morais coletivos no
equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do faturamento das empresas-rés SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA e SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA
percebido entre os anos 2003 a 2007, importância que deverá ser destinada ao Fundo
Federal dos Direitos Difusos.
A fixação de percentual dessa monta justifica-se pelo fato da ré
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO encontrar-se impossibilitada de comercializar inserções
publicitárias por força de vedação legal e contratual, óbice este burlado através das
empresas-rés SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA e SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO LTDA. As múltiplas lesões a direitos, em diferentes dimensões e
classes (crianças e adolescentes, portadores de deficiência, suspeitos de ilícitos, negros,
etc.) também impõe seja o dano moral coletivo estimado em montante dessa envergadura.
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XI - DA LEGITIMIDADE ATIVA
O
vigente
texto
constitucional
confere
legitimidade
ao
Ministério Público para zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas
necessárias à sua garantia. Ao mesmo tempo, assegura, como função institucional, a
promoção da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (artigos 127 e 129, II e III, CF):
“Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
(...)”
“Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos;
(...)”
A legitimidade ministerial é corroborada, ademais, pelos
seguintes preceitos normativos:
Lei Complementar nº 75/93 - Estatuto do Ministério Público
da União:
“Art. 5º. São funções institucionais do Ministério Público da União:
I - a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos
interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis,
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considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos e princípios:
(...)
II - zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos:
(...)
d) à seguridade social, à educação, à cultura e ao desporto, à ciência
e à tecnologia, à comunicação social e ao meio ambiente;
(...)
III- a defesa dos seguintes bens e interesses:
(...)
e) os direitos e interesses coletivos, especialmente da comunidades
indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso;
IV- zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União, dos
serviços de relevância pública e dos meios de comunicação
social aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e
vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à
comunicação social.
V - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos
serviços de relevância pública quanto:
a) aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às
ações e aos serviços de saúde e à educação;
(...)
VI - exercer outras funções previstas na Constituição Federal e na lei.
(...)
“Art. 6º - Compete ao Ministério Público da União:
(...)
VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
a) a proteção dos direitos constitucionais;
(...)
c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e
coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao
adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;
d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais,
difusos e coletivos;
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(...)
XIV - promover outras ações necessárias ao exercício de suas
funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis,
especialmente quanto:
(....)
e) à manifestação de pensamento, de criação, de expressão ou de
informação;
XVII - propor as ações cabíveis para:
(...)
d) cancelamento de concessão ou de permissão, nos casos
previstos na Constituição Federal;
(...)”
Art. 39. Cabe ao Ministério Público Federal exercer a defesa dos
direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de
garantir-lhes o respeito:
(...)
III – pelos concessionários e permissionários de serviço público
federal.
Lei nº 7.347/85 - Disciplina a Ação Civil Pública de
Responsabilidade Por Danos Causados ao Meio Ambiente, ao Consumidor, a Bens e
Direitos de Valor Artístico, Estético, Histórico, Turístico e Paisagístico (Vetado) e dá
outras Providências:
“Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da
ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de
11/06/1994).
(...)
II – ao consumidor;
(...)
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Art. 5º - Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação
cautelar:
I - o Ministério Público;
(...).” .
Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente
“Art. 201. Compete ao Ministério Público:
(...)
V – promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção
dos interesses individuais, difusos e coletivos relativos à infância e à
adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º, inciso II, da
Constituição Federal7;”.
Há que se considerar que os interesses defendidos na
presente ação referem-se à comunicação social, extrema e cuidadosamente tratada pela
Constituição Federal de 1988 e legislação ordinária, já que tem forte poder de influência na
vida das pessoas, posto que cria estruturas de pensar e agir, que determinam padrões de
comportamento na sociedade e repercutem na formação psíquica e moral dos
telespectadores.
Fernando de Almeida Martins, Excelentíssimo Procurador
Regional dos Direitos do Cidadão da Procuradoria da República no estado de Minas Gerais,
em petição inicial de ação civil pública ajuizada contra a Rede Globo, acentua que “apesar
da importância do serviço público de radiodifusão de sons e imagens, o Estado brasileiro
não vem exercendo a devida fiscalização sobre os concessionários desse serviço público,
deixando que os particulares disponham livremente sobre a forma de prestação dos
serviços, sem sofrer nenhuma controle e sem prestar contas a quem quer que seja”,
acarretando efeitos deletérios.
7
“Art. 220. (...) § 3º (...) II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a
possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que
contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que
possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.”
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Sobre o tema, muito bem se manifestou Barbosa Moreira, em
artigo reproduzido parcialmente a abaixo:
“O
interesse
em
defender-se
‘de
programas
ou
programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221’ enquadrase com justeza no conceito de interesse difuso. (...) Com efeito: em primeiro lugar, ele
se caracteriza, à evidência, como ‘TRANSINDIVIDUAL’, já que não pertence de modo
singularizado, a qualquer dos membros da comunidade, senão a um conjunto
indeterminado – e, ao menos para fins práticos, indeterminável – de seres humanos. Tais
seres ligam-se uns aos outros pela mera circunstância de fato de possuírem aparelhos de
televisão ou, na respectiva falta, costumarem valer-se do aparelho do amigo, do vizinho, do
namorado, do clube, do bar da esquina ou do salão de barbeiro. E ninguém hesitará em
qualificar de INDIVISÍVEL o objeto de semelhante interesse, no sentido de que cada canal,
num dado momento, transmite a todos a mesma e única imagem, nem se concebe
modificação que se dirija só ao leitor destas linhas ou ao rabiscador delas”8. (Destaquei).
Logo, verifica-se a conveniência social da defesa de tal direito
via ação civil pública, estando presente nítido interesse difuso a que a programação atenda
um padrão básico de qualidade, vez que a questão essencial em discussão relaciona-se à
comunicação social e à fiscalização que deve ser exercida sobre as concessionárias do
serviço público federal de radiofusão, passíveis de defesa pelo Ministério Público Federal.
XII - DA LEGITIMIDADE PASSIVA
O que se verifica no caso em tela é que o canal concedido à ré
FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO é uma TV Educativa, fazendo parte da rede pública de
comunicação, cuja concessão foi outorgada pela ré UNIÃO. O desvirtuamento de suas
funções caracteriza violação aos interesses da coletividade, que deve ser prontamente
8
“Ação Civil Pública e Programação de TV”, op. cit., pp. 243-244. No mesmo sentido, cf. o artigo de Rodolfo de Camargo
Mancuso, “Controle jurisdicional do conteúdo da programação televisiva” in Boletim dos Procuradores da República n.º 40,
agosto de 2001, pp. 20-29.
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sanada, através do ajuizamento da presente ação civil pública, de forma a impor à rés
UNIÃO e ANATEL o cumprimento do dever de zelar e fiscalizar pelo cumprimento dos
objetivos da concessão outorgada, adotando-se as medidas punitivas e reparadoras em
caso de descumprimento pela concessionária.
A ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO figura no pólo passivo
desta demanda obviamente por ser a concessionária dos serviços de televisão e
responsável pelo descumprimento do contrato de concessão realizado com a ré UNIÃO, ao
permitir a veiculação de programação com conteúdo inadequado, transferir a outorga sem
prévia autorização do poder concedente e utilizá-la para fins comerciais.
Por sua vez, a ré SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E
TELEVISÃO é a principal beneficiada pela ilegalidade que está sendo combatida nesta
ação, qual seja, a execução irregular dos serviços públicos de televisão. Esta empresa
exerce diretamente um serviço público sem a devida autorização da ré UNIÃO, formula e
produz programas com conteúdo inadequado, alheio às finalidades educativas, e obtém
vantagem econômica mediante contratos de publicidade, expressamente vedados para os
casos de TV Educativa.
O SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA deve figurar como ré,
tendo em vista ser parte do grupo de empresas da família Zovico, e teria inclusive firmado
um contrato de radiodifusão de sons e imagens junto a ré FUNDAÇÃO ORLANDO
ZOVICO, vez que consta do documento o seu número de CNPJ e a subscrição da sóciagerente, Marines Bortolan Zovico.
Tamanha é a confusão entre as pessoas jurídicas de direito
privado demandadas e tão patente é a participação do SISTEMA JORNAL DE RÁDIO
LTDA, que surpreendentemente o SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C
LTDA juntou aos autos cópia de alteração contrato social do SISTEMA JORNAL DE
RÁDIO LTDA como forma de comprovar a sua representação no procedimento
administrativo que acompanha a presente petição inicial.
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Assim,
o SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA é parte
legítima para figurar no pólo passivo da presente ação, vez que atua em conjunto com as
outras empresas do grupo familiar na execução da concessão outorgada pelo Poder
Público.
Por seu turno, a UNIÃO FEDERAL é parte legítima para figurar
na presente demanda, uma vez que o serviço público de televisão é uma rede pública,
outorgada à ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, mediante concessão da União, outorgada
através do Decreto sem número, de 16 de abril de 2001, sendo responsável pelo contrato
de concessão firmado e pela fiscalização das emissoras.
Enquanto poder concedente, a UNIÃO FEDERAL, através do
Ministério das Comunicações, tem o poder-dever de adotar as providências cabíveis em
caso de descumprimento do contrato de concessão, compatíveis com as violações
detectadas.
Contudo, instada a tomar as providências necessárias, a ré
UNIÃO FEDERAL, pelo Ministério das Comunicações, limitou-se a instaurar procedimento
para apurar somente o uso comercial da concessão (fls. 387), irregularidade que, data
venia, afigura-se a menos grave de todas as apuradas. A sua postura omissiva justifica a
sua inclusão no pólo passivo dessa demanda.
Além disto, considerando que no contrato de concessão que
se pretende extinguir com esta ação figuram como partes a FUNDAÇÃO ORLANDO
ZOVICO e a UNIÃO FEDERAL, mister que ambas sejam demandadas, para que os efeitos
judiciais possam surtir validamente em ambos os participantes do negócio jurídico
vergastado.
A AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES –
ANATEL (Lei nº
9.472/97) tem, entre suas finalidades, o dever de fiscalizar o
desenvolvimento das atividades relacionadas às telecomunicações brasileiras, após a
descentralização deste serviço, operada pela Emenda Constitucional n° 08/95.
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O desvirtuamento das finalidades educacionais da concessão
outorgada à ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, bem como as ofensas reiteradas à
dignidade da pessoa humana, à moral e aos bons costumes, deveriam ter sido detectadas
pela ANATEL, uma vez que é o órgão competente para fiscalizar se os meios de
comunicação vêm cumprindo os fins previstos em lei.
Verifica-se, pois, que a ANATEL não vem realizando a
contento o seu poder-dever fiscalizatório, circunstância evidenciada pelos fatos narrados
nesta ação. Ademais, em caso de procedência somente do pedido final subsidiário desta
ação (adequação da programação televisiva), o que se admite apenas por exercício de
argumentação, necessário impor a ANATEL a obrigação judicial de acompanhar e fiscalizar
o cumprimento da decisão judicial.
XIII - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
A exploração dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e
imagens compete à União, que pode realizá-la de forma direta ou mediante autorização,
concessão ou permissão, nos termos do art. 21, XII, “a” e do art. 223, ambos da
Constituição Federal.
No caso, trata-se de serviço de televisão para fins educativos
explorado mediante concessão pública federal outorgada à ré FUNDAÇÃO ORLANDO
ZOVICO, que está sendo desrespeitada pelas pessoas jurídicas de direito privado rés, em
razão da veiculação de programas com conteúdo inadequado e lesivos aos direitos
fundamentais e à dignidade da pessoa humana.
Tem-se, portanto, uma atividade estatal delegada, e em se
tratando de serviços de radiodifusão, esta delegação compete a órgão da Administração
Pública direta, em âmbito federal.
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Outrossim, a competência federal advém, neste caso, de
expressa disposição constitucional, tendo em vista que a UNIÃO e a ANATEL figuram como
litisconsortes passivos. Reza o art. 109, I, da Constituição Federal:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa
pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés,
assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de
trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e do Trabalho.”
Portanto, seja ratione personae, seja ratione materiae, a
competência jurisdicional é do Juízo Federal.
Já a competência ratione loci é desta 9ª Subseção Judiciária,
porquanto as pessoas jurídicas de direito privado rés situam-se na sua área de abrangência,
sendo que a veiculação das imagens atinge aos telespectadores da cidade de Limeira e
região, que igualmente pertencem a esta Subseção. Trata-se do local do dano, aqui
competência funcional.
XIV - DA TUTELA ANTECIPADA
A readequação da programação aos escopos da TV educativa
é medida necessária e urgente, tendo em vista que o provimento tão-somente ao final da
ação exporá telespectadores, principalmente, crianças e adolescentes, a imagens e
conteúdos inadequados, ofensivos à moral, aos bons costumes e a dignidade da pessoa
humana.
Prevê o artigo 273, do Código de Processo Civil, in verbis:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde
que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da
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alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório do réu.”
Tratando-se de obrigação de fazer ou não fazer, mister ainda
invocar os dispositivos abaixo:
“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação
de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da
obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
(...)
§ 3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo
justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz
conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado
o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a
qualquer tempo, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº
8.952, de 13.12.1994)
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença,
impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se
for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo
razoável para o cumprimento do preceito. (Incluído pela Lei nº 8.952,
de 13.12.1994)”.
Trata-se do instituto da tutela antecipada da realização
imediata do direito, ante os males da morosidade do processo. Dessa forma, desde que
presentes a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação, a tutela jurisdicional será
adiantada quando houver o periculum in mora, ou seja, o fundado receio de dano irreparável
ou de difícil reparação.
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A
verossimilhança
reside
num
juízo
de
probabilidade,
resultante da análise dos motivos que lhe são favoráveis e dos que lhe são desfavoráveis.
Se os motivos favoráveis são superiores aos desfavoráveis, tal juízo aumenta. A prova tida
por inequívoca é aquela aferível de plano.
No caso em tela, os requisitos exigidos pelo diploma
processual
para
o
deferimento
da
tutela
antecipada
encontram-se
devidamente
preenchidos.
A prova inequívoca decorre dos procedimentos administrativos
que instruem a presente ação, contendo provas materiais dos fatos narrados ao longo desta
petição inicial, principalmente pelos programas gravados e transcritos, repletos de ofensas
aos direitos invioláveis à dignidade da pessoa humana, à liberdade, à igualdade, à honra e à
privacidade
dos
telespectadores,
confirmando
a
irregularidade
da
programação
apresentada.
A verossimilhança da alegação exsurge cristalina, uma vez que
os argumentos exaustivamente desenvolvidos nesta petição e as normas constitucionais e
infralegais pertinentes à exploração da atividade de radiodifusão, estabelecem a preferência
à finalidade educativa e o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família para
as produções e as programações das emissoras de rádio e televisão. Em razão da
concessão outorgada à ré FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, esta obrigou-se a exibir
programas com fins exclusivamente educativos, o que, conforme explicitado, vem sendo
solenemente ignorado pelas empresas rés.
A omissão do dever do Estado de fiscalizar a prestação dos
seus serviços públicos concedidos também é patente.
O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
decorre da persistência da transmissão de programação com conteúdo apelativo,
inadequado, sensacionalista e atentatório à moral familiar e aos bons costumes, de maneira
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que, não sendo concedida a antecipação de tutela, inúmeros telespectadores, inclusive
crianças e adolescentes, continuarão sendo expostos a uma programação sem um padrão
básico de qualidade, que não atende à finalidade educativa do serviço público concedido,
causando prejuízos à formação e à dignidade da pessoa humana.
Ressalte-se que inexiste o perigo da irreversibilidade do
provimento antecipatório, tendo em vista que se, ao final, Vossa Excelência entender
legítima a programação no formato como vem sendo exibida, o que se cogita por puro
apego ao debate, as partes rés poderão reaver o que entendem devido, fundamentadas em
decisão judicial.
Desse modo, presentes os requisitos legais, o MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL requer seja concedida, inaudita altera pars, a ANTECIPAÇÃO DOS
EFEITOS DA TUTELA, para os fins de:
1-) determinar à FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, entidade
concessionária, ao SISTEMA JORNAL DE RÁDIO TELEVISÃO S/C LTDA e ao SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO LTDA, o cumprimento de:
1.1-) obrigação de não fazer, consistente na suspensão
imediata da exibição do programa “A Hora da Verdade”, uma
vez que apresenta formato e apresentação incompatíveis com
os fins educativos previstos no contrato de concessão e na
legislação
em
encaminhamento
vigor.
da
Ressalte-se
Recomendação
que
nº
malgrado
24/2007
o
pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO Autor (fls. 343/348), as pretensas
reformulações realizadas no indigitado programa (fls. 367) não
foram minimamente aptas a sanar as irregularidades, o que
evidencia a impossibilidade de manutenção deste programa
“no ar” em uma TV educativa. Subsidiariamente, em não
sendo deferido o presente item, requer-se a readeqüação do
programa em questão, nos termos do próximo item;
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1.2-)
obrigação
de
fazer,
no
sentido
de
readeqüar
imediatamente todos programas exibidos no canal concedido
aos escopos educativos, conforme estabelecido no contrato de
concessão e nas normas referentes à radiodifusão e
telecomunicações em geral;
1.3-) obrigações de não fazer, consistentes em não veicular
imagens e conteúdo ofensivos à moral, aos bons costumes ou
com apelo sexual, não se utilizar de palavras de baixo calão,
não veicular imagens de presos, em especial crianças e
adolescentes, de modo a expô-los de maneira vexatória;
1.4-) obrigação de não fazer, devendo abster-se de celebrar
contratos
publicitários
de
qualquer
espécie
relativos
à
veiculação de publicidade paga no canal televisivo para fins
educativos concedido, ainda que por outra pessoa, física ou
jurídica, de forma direta ou indireta;
1.5-) obrigação de fazer, devendo veicular, antes da exibição
de cada programa, mensagem escrita, com prazo de duração
não inferior a 30 (trinta) segundos, informando resumidamente
as obrigações impostas pela decisão judicial de antecipação
dos efeitos da tutela, sobretudo as consignadas no item “1.3”
acima, bem como esclarecendo que assim o faz em
cumprimento da decisão judicial.
Ainda que a concessionária de serviços públicos seja somente
a FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, mister a imposição das obrigações acima a todas as
pessoas jurídicas de direito privado rés, face a simbiose existente entre as mesmas
fartamente demonstrada alhures, a fim de que os efeitos da decisão judicial liminar alcance
todas elas.
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2-) determinar à FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, entidade
concessionária, o cumprimento de:
2.1-) obrigação de não fazer, devendo abster-se de transferir,
sob qualquer título ou denominação, o objeto da concessão ao
SISTEMA JORNAL DE RÁDIO
TELEVISÃO S/C LTDA e ao
SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA, ou a qualquer outra
pessoa, física ou jurídica, de forma direta ou indireta,
obrigando-a a executar, por conta própria e em seu próprio
nome, o objeto da concessão de canal de TV para fins
educativos.
3-) determinar à ANATEL o cumprimento de obrigação de
fazer, consistente na fiscalização e no acompanhamento permanente quanto ao
cumprimento do contrato de concessão, vez que é responsável pela fiscalização das
empresas que exploram serviços públicos de radiodifusão.
Requer-se, com supedâneo no art. 12, § 2º, da Lei nº 7.347/85,
para o caso de descumprimento da ordem judicial, a cominação de multa em valor a ser
estipulado por Vossa Excelência, mas não inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia
para o caso de descumprimento das obrigações acima descritas, com o fito de que sejam
compelidas as rés a cumprirem a decisão proferida.
XIV - DOS PEDIDOS FINAIS E REQUERIMENTOS
Ante o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL a
confirmação da tutela antecipada referida no tópico precedente, bem como:
1-) a citação das demandadas, na forma da lei, para,
querendo, contestarem a presente ação civil pública;
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2-) o cancelamento (extinção) da concessão outorgada
pela UNIÃO à FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO para executar o serviço de radiodifusão de
sons e imagens, com fins exclusivamente educativos, na cidade de Limeira, Estado de São
Paulo, haja vista o descumprimento da finalidade e de diversas obrigações relevantes
previstos no
contrato, bem como das normas que regem a radiodifusão e as
telecomunicações, da Lei nº 8.897/95, que dispõe sobre a concessão de serviços públicos,
da Constituição da República de 1988, nos termos da alínea “d”, inciso XVII, do artigo 6º da
Lei Complementar nº 75/1993 e do § 4º do artigo 223 da Constituição Federal;
3-) subsidiariamente, não sendo julgado procedente o pedido
de cancelamento (extinção) da concessão do serviço público de radiodifusão, o que se
cogita apenas por exercício de argumentação, requer-se sejam a FUNDAÇÃO ORLANDO
ZOVICO, o SISTEMA JORNAL DE RÁDIO TELEVISÃO S/C LTDA e o SISTEMA JORNAL
DE RÁDIO LTDA condenadas a se adeqüar a todos os ditames do contrato de concessão,
da Constituição Federal e da legislação que regula a radiodifusão para fins educativos,
sobretudo:
3.1-) na obrigação de fazer, no sentido de readeqüar
imediatamente todos programas exibidos no canal concedido
aos escopos educativos, conforme estabelecido no contrato de
concessão e nas normas referentes à radiodifusão e
telecomunicações em geral;
3.2-) nas obrigações de não fazer, consistentes em não
veicular imagens e conteúdo ofensivos à moral, aos bons
costumes e com apelo sexual, não se utilizar de palavras de
baixo calão, não veicular imagens de presos, em especial
crianças e adolescentes, de modo a expô-los de maneira
vexatória;
3.3-) na obrigação de fazer, devendo veicular, antes da
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exibição de cada programa, mensagem escrita, com prazo de
duração não inferior a 30 (trinta) segundos, informando
resumidamente as obrigações da decisão judicial, sobretudo as
consignadas no item “3.2” acima, bem como esclarecendo que
assim o faz em cumprimento da decisão judicial;
3.4-) na
obrigação de não fazer, devendo abster-se de
celebrar contratos publicitários de qualquer espécie relativos à
veiculação de publicidade paga no canal televisivo para fins
educativos concedido, ainda que por outra pessoa, física ou
jurídica, de forma direta ou indireta;
Conforme
esclarecido
anteriormente,
a
imposição
das
obrigações acima a todas as pessoas jurídicas de direito privado rés decorre da “confusão”
verificada entre as mesmas, com o objetivo de que a decisão não deixe de ser cumprida sob
alegação de negócios jurídicos supostamente entabulados entre elas (v.g., contrato de
parceria), ou outras escusas do tipo.
3.5-) condenação da FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO na
obrigação de não fazer, devendo abster-se de transferir, sob
qualquer título ou denominação, o objeto da concessão ao
SISTEMA JORNAL DE RÁDIO
TELEVISÃO S/C LTDA e ao
SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA, ou a qualquer outra
pessoa, física ou jurídica, de forma direta ou indireta,
obrigando-a a executar, por conta própria e em seu próprio
nome, o objeto da concessão de canal de TV para fins
educativos.
4-) a condenação dos réus FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO,
SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA e SISTEMA JORNAL DE RÁDIO
LTDA, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em valor a
ser fixado por Vossa Excelência, porém não inferior ao equivalente a 50% (cinqüenta por
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cento) dos faturamentos das empresas-rés SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO
S/C LTDA e SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA percebidos entre os anos de 2003 a
2007, acrescidos de juros moratórios e correção monetária a partir da citação, importância
que deverá ser revertida ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, instituído pela Lei Federal
nº 7.347/85.
5-) por fim, a condenação da UNIÃO FEDERAL e da ANATEL
à obrigação de fazer, qual seja a de, efetivamente, fiscalizar a execução do serviço público
de radiodifusão de sons e imagens por parte da concessionária-ré, no sentido de exigir o
cumprimento do contrato de concessão, bem como das normas gerais de radiodifusão e de
telecomunicações e da Constituição Federal de 1988, aplicando-lhe as penalidades cabíveis
em razão dos descumprimentos contratuais narrados nesta petição inicial.
6-) o deferimento da produção de todas as provas em Direito
admitidas, notadamente a juntada de documentos novos, o depoimento pessoal das
demandadas, a oitiva de testemunhas a serem oportunamente arroladas, a exibição, em
audiência de instrução, das mídias contendo os programas citados, e tudo o mais que
se fizer mister à completa elucidação e demonstração cabal dos fatos articulados na
presente inicial.
7-) a condenação das rés nos consectários da sucumbência.
8-) Requer-se, ainda, com fundamento nos artigos 381 e 382
do Código de Processo Civil, seja determinado, ab initio, à FUNDAÇÃO ORLANDO
ZOVICO, ao SISTEMA JORNAL DE RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA e ao SISTEMA
JORNAL DE RÁDIO LTDA a exibição dos Balanços Patrimoniais (BP) e das
Demonstrações do Resultado do Exercício (DRE), desde o início da concessão, no ano de
2003, até os dias atuais, da FUNDAÇÃO ORLANDO ZOVICO, do SISTEMA JORNAL DE
RÁDIO E TELEVISÃO S/C LTDA e do SISTEMA JORNAL DE RÁDIO LTDA, a fim de
possibilitar a quantificação dos danos morais coletivos.
Instrui a presente ação o procedimento administrativo –
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tutela
coletiva
nº
1.34.008.000366/2006-79,
as
peças
informativas
nº
1.34.008.000046/2007-08 a ele apensas, acompanhados dos originais das fitas VHS e das
mídias digitas em DVD onde gravadas as cópias dos programas.
Por fim, consigna-se que os documentos que acompanham
esta exordial não necessitam de autenticação face ao que preceitua a Lei nº 10.522/02 em
seu artigo 24: “As pessoas jurídicas de direito público são dispensadas de autenticar
as cópias reprográficas de quaisquer documentos que apresentem em juízo.”
Atribui-se a causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Termos em que,
Pede deferimento.
Piracicaba, 23 de junho de 2008.
FAUSTO KOZO KOSAKA
Procurador da República
R:\fausto\08\tut_jud\acp_inicial\ACP Zovico - Concessão TV - Final.odt
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