PIERRE VERGER E A LIMINARIDADE PIERRE VERGER AND LIMINALITY 1 Paulo Henrique Silva Costa - COFIL/UFSJ) Ignácio César de Bulhões - Orientador (DFIME/UFSJ) Resumo: O objetivo deste trabalho é explicitar e justificar a importância dos registros etnográficos e fotográficos do Francês Pierre Fatumbi Verger (1902 – 1996) para o estudo do Candomblé da Bahia e da África. Mediante os seus métodos de pesquisas, faremos uma reflexão a partir da perspectiva de autores, tais como Da Matta, onde evidenciaremos a iniciação de Verger ao Candomblé, por intermédio dos ritos de passagem, bem como, sua lida com a alteridade, caracterizada pelos laços afetivos, e dessa forma discutiremos o conceito de liminaridade expressa em Verger. Palavras-chave: Liminaridade. Alteridade. Rito de passagem. Identidade. Abstract: The purpose of this study is to explain and justify the importance of ethnographic and photographic records of the French Pierre Verger (1902-1996) for the study “Candomblé” in Bahia and Africa.Through their research methods, we will think from the perspective of authors, as Da Matta who showed the initiation of the Verger Candomblé, through the rites of passage, as well as its deal with the identity, characterized by emotional ties , and thus we will discuss liminality expressed Verger. Key words: Otherness. Rite of passage. Identity. Liminality. 1 - Membro do colegiado - Filosofia /UFSJ Revista Eletrônica Print by (http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.12, p 75-86 / 2010 76 | P a g e COSTA, Paulo Henquique & BULHÕES, Ignácio César de P ierre Fatumbi Verger nasceu em Paris no dia 4 de novembro de 1902, filho de uma família rica de origem belga e alemã e desfrutou de uma boa vida até seus 30 anos. Envolveu se com a fotografia em 1932 por intermédio de seu amigo, o fotógrafo Pierre Boucher, e viajou o mundo exercendo esse ofício. Em Agosto de 1946, Verger chega à Bahia, e logo se encanta com o povo e seus costumes. Em 1948, dedica-se aos estudos da cultura baiana e africana, mais precisamente com o tráfico negreiro e, principalmente, com o Candomblé e suas manifestações religiosas. Verger conhece o então escritor baiano Jorge Amado, que o introduz ao Candomblé e o apresenta a Oxum Mãe Senhora. Conforme relatado no documentário Pierre Verger: O mensageiro entre dois mundos, por ser um homem interessado e atencioso, logo conquista o carinho de Mãe Senhora, que o inicia na cultura do Candomblé dando-lhe a proteção e autoridade de ser aquele que fala em nome de Oxum. A partir de então, fascinado pelo povo baiano e pelo Candomblé, desembarca na África, no Golfo de Benin e na Nigéria, onde estuda as origens religiosas e culturais do Candomblé. Antes de apresentar as experiências etnográficas e antropológicas vivenciadas por Verger na África, faremos uma reflexão acerca dos conceitos elaborados pelo antropólogo brasileiro Roberto da Matta sobre o contato (familiar e exótico). Queremos aqui refletir sobre esses conceitos relacionando-os com as viagens de estudo de Verger à Bahia e à África. Pierre Verger chega à Bahia logo demonstra afinidade com o povo baiano, em especial com a Mãe Senhora, que o inicia no Candomblé. A partir desse contato com Mãe Senhora, ele inicia um processo de passagem que discutiremos posteriormente, por agora analisaremos esse Revista Eletrônica Print by (http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.12, p 75-86/ 2010 P a g e | 77 COSTA, Paulo Henrique & BULHÕES, Ignácio César de contato relacionando o aos estudos elaborados por Da Matta em seu artigo intitulado “O trabalho de campo como o rito de passagem”, referindo ao significado de “familiar e exótico”. Conforme Da Matta relata, esta passagem ou iniciação cultural, também chamada de rito de passagem, é composta por diferentes estágios de retirada, individualização, invisibilidade e de laços sociais. Segundo Da Matta, é nos extremos que ocorrem as principais etapas: na retirada, distanciamos daquilo que temos como familiar, enquanto que no final, estabelecemos laços sociais com o exótico, tornandoo dessa forma familiar. O antropólogo antes de desenvolver seu trabalho, deve primeiro analisar o grau de familiaridade que ele possui acerca da cultura estudada. Como exemplo, tomemos um antropólogo que trabalha com uma cultura da qual já possui informações prévias, (os índios Tupis Guaranis no Brasil), mediante essas informações ele constrói esteriótipos acerca dos índios, e isto ocorre por causa das informações errôneas ou não sobre a cultura. Esses esteriótipos só são desconstruídos à medida que o antropólogo possui um contato verdadeiro, ordinário com a cultura. No caso de um contato com o exótico (com aquilo que não se tem conhecimento prévio), tudo o que for produzido será caracterizado pelas experiências e não por preconceitos anteriores, e por informações equivocadas. No caso de Verger, na medida em que ele interagia e era introduzido ao Candomblé, através dos ritos de passagem, nos rituais, e à medida que eram expostas as novas informações, o aspecto exótico (distanciado, diferente, extraordinário) passa aos poucos a ser desfeito e, ocorre o estabelecimento de laços sociais. E é justamente o estabelecimento desses laços sociais, que torna o exótico familiar. Verger, quando ganha a confiança e o afeto da Mãe Senhora, passa então a interagir com o Candomblé sobre um novo prisma, ou seja, não interage como algo fora, inusitado, estranho, mas sim, com algo próximo, que era vivenciado no Revista Eletrônica Print by (http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.12, p 75-86/ 2010 78 | P a g e COSTA, Paulo Henquique & BULHÕES, Ignácio César de ordinário, em suas caminhadas pelas ruas de Salvador. Aos poucos o diferente, o exótico se aproxima, torna-se afetivo, familiar. A conquista desses laços sociais afetivos por Verger é um dos principais pontos dentro da legitimidade de suas pesquisas, pois agora não se tratava mais de um estrangeiro estudando uma cultura diferente da sua, e sim, de um iniciado cultural, alguém que trabalha com algo familiar. Essa era uma grande conquista de Verger, todos os seus relatos não provinham de uma análise exterior dos esteriótipos, mas sim, de uma análise de elementos ordinários da manifestação da cultura. Assim como revelado em seu documentário Pierre Verger: um mensageiro entre dois mundos, “O interessante é você conviver, fazer as mesmas coisas e participar sem intenção de entender. Participando, a coisa fica completamente diferente”. Além de compreender, interpretar e compartilhar as manifestações, ele ainda o fazia em caráter descritivo, isto é, como propôs Clifford Geertz em seu artigo “Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura”, utilizando suas fotografias como ferramenta descritiva de acontecimentos ordinários dentro e fora das manifestações religiosas (na maioria de seus trabalhos etnográficos, Verger utilizava a fotografia como legenda daquilo que estava sendo retratado em seus escritos). Com isso, a fotografia apreendia o que acontecia no ordinário e nos rituais; apreender no sentido de paralisar o que de fato ocorria. Uma das questões centrais dentro da antropologia cultural gira em torno desse aspecto de retratar o ordinário; como interpretar uma cultura distante se o que temos são vestígios? Já que de certa forma não conseguimos compartilhar dos mesmos códigos, e assim ficamos nas aparências, na soleira, além é claro do velho problema de atribuir valores, interpretações exteriores ao ordinário da cultura, em vez de descrevê-la. Nesse caso, Verger não meramente a interpreta, ele também a vivencia dentro e fora de seu ordinário. E é essa a resposta de Verger Revista Eletrônica Print by (http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.12, p 75-86/ 2010 P a g e | 79 COSTA, Paulo Henrique & BULHÕES, Ignácio César de para os estudiosos culturais. Da Matta também reconhece que o trabalho de campo é fundamental, pois, parte da prática para a reflexão teórica, parte da vivencia para os escritos etnográficos. Depois de ter sido iniciado no Candomblé da Bahia, Verger parte para a África tendo vários fatores favoráveis, o de ser um protegido e iniciado de Oxum, e de ser conhecedor de alguns elementos do Candomblé, dessa forma, a criação dos laços sociais fora facilitada. Entretanto, mesmo com essa familiaridade relativa, ele ainda estava em contato com o exótico (o que ligava os dois povos era a religião, mas os costumes eram bem diferentes). de fato ele não tinha uma dimensão do que seria o Candomblé na África, e na medida em que ele se relacionava com esse exótico, constituía mais um dos elementos do etnógrafo e principalmente do antropólogo, a alteridade. “Alteridade” (segundo o Dicionário básico de Filosofia Zahar) provém do termo em latino alter (outro), que designa a característica de ser do outro, a qualidade essencial de ser do outro, característica de ser do outro (particularmente o outro em relação a mim). Alteridade (ou outridade) na antropologia, particularmente, está relacionada à concepção de que todo homem se relaciona com o outro. Dessa forma, a existência da identidade de um “eu” definido só ocorre após um contato com o outrem. Ou seja, eu apenas existo aos olhos do outro, em uma troca do “eu individual e do eu coletivo”, o que é claro, também nos permite interpretar e compreender o mundo a partir de um olhar diferenciado, partindo tanto da identidade particular quanto da coletiva do outro, reafirmando a experiência do contato como uma construção de troca coletiva e individual. Segundo F. Laplantine (2000, p.21): A experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar, dada a Revista Eletrônica Print by (http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.12, p 75-86/ 2010 80 | P a g e COSTA, Paulo Henquique & BULHÕES, Ignácio César de nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que nos é habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos ‘evidente’. Aos poucos, notamos que o menor dos nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de ‘natural’. Começamos, então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a nós mesmos, a nos espiar. O conhecimento (antropológico) da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única . A manifestação da alteridade é em sentido lato a manifestação da identidade, no caso específico de um antropólogo que lida com o diferente, o outro a todo tempo, com aquele que está fora de sua identidade cultural. Esse contato não apenas apresenta e representa o outro, mas o auxilia na construção e estratificação de sua própria identidade. Muitos estudiosos culturais afirmam que a manifestação da identidade é mediada pelo contato do familiar e do exótico, e nesta medida nós somos construídos aos olhos dos outros. Como se fosse um estudo acadêmico, para se tomar uma posição sobre determinado assunto, devemos primeiro analisar todas as acepções sobre ele, sendo elas contrárias ou não, dessa forma a nossa posição, ou no caso, a nossa identidade individual, irá se manifestar de forma mais clara e precisa. Em Verger, esse aspecto da alteridade é expresso em seu comportamento e no que ele revela no documentário “Pierre Verger: O mensageiro entre dois mundos”. O seu comportamento era bastante inusitado. Homem quieto, que apenas observava e fotografava, nunca questionava e sempre estava disposto a interagir nos rituais. Olhava a todos como iguais. Segundo o documentário, o que fez com que Verger Revista Eletrônica Print by (http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.12, p 75-86/ 2010 P a g e | 81 COSTA, Paulo Henrique & BULHÕES, Ignácio César de fosse definitivamente aceito na cultura do Candomblé foi “porque ele raspou o fundo da cuia”. Até hoje não se sabe o significado desse ato, mas o que se sabe era que ele mostrava interação, respeito e vontade de conhecer e isso o levou a ser aceito cada vez mais. Essa postura que ele assumiu diande do Candomblé representa dois fatores: primeiro, de um antropólogo, e segundo, de um estudioso cultural que soube interagir com a identidade cultural do outrem, relacionando a com a sua. Verger revelava ainda o reconhecimento pela identidade do outro. Nessa frase do documentário (um mensageiro entre dois mundos) ele exprime toda a sua metodologia de estudo. “Não há o que perguntar, eles fazem aquilo porque aquilo faz parte deles, de seu ordinário, e não questionamos o nosso ordinário, apenas o fazemos, se perguntamos por que você faz isso ou aquilo, estaremos somente apresentando nossa ignorância”. Ainda se referindo à identidade como aquilo que se manifesta no ordinário da cultura ou do próprio indivíduo, e que é formado a partir do contato com o outrem, Verger identidficou que a religião Candomblé era o ponto de encontro entre as culturas africana e baiana, ou seja, a religião era a própria identidade se manifestando. Além disso, quando questionado se de fato ele acreditava em tudo aquilo que tinha vivenciado no Candomblé, Verger responde em seu documentário que, “eu sou só um francês racionalista, sou tolo por ser assim”, de fato muitas pessoas afirmavam que Verger não acreditava em tudo o que viu, mas, de certa forma em muitas coisas ele acreditou, tanto que em sua casa na Bahia ele as executava. Como por exemplo, ela sempre cortava o pé de jaca na raiz, nunca a deixava crescer, pois fora ensinado a ele que se deixasse crescer o pé de jaca, os Yamim ( são entidades misteriosas do Candomblé) iriam se manifestar. O trecho acima mostra a complexidade do processo de alteridade; Revista Eletrônica Print by (http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.12, p 75-86/ 2010 82 | P a g e COSTA, Paulo Henquique & BULHÕES, Ignácio César de mesmo o antropólogo e o etnógrafo tendo um contato direto com o outro, com o diferente, com a outra identidade cultural, e tentando assim interagir sem atribuição de valores, fazendo uma interpretação coerente, ainda sim, há vestígios de atribuições mediadas por sua cultura. Ou seja, por mais que um antropólogo tente conviver e compartilhar o ordinário, e por mais que o etnógrafo tente desenvolvê-lo na escrita, ambos serão influenciados por sua cultura , por vestígios de sua identidade cultural. A identidade cultural não pode ser desfeita completamente, ela pode ser abalada como em Verger, mas sempre restará vestígios culturais de sua criação. Para que haja um trabalho elaborado de forma satisfatória e legítimo, o antropólogo, assim como o etnógrafo, deve passar por esse processo de construção e reafirmação de sua identidade cultural, com o contato direto com o exótico. Mas, sua identidade deve servir apenas de ferramenta para uma interpretação mais elaborada, e não como um filtro cultural, atribuindo assim valores e preconceitos a cultura estudada. O verdeiro estudioso cultural descreve o ordinário, e não faz suposições regadas de valores. Depois desse processo de alteridade ( desse intenso contato, participação, interação dentro dos rituais, construção e desconstrução da identidade) exercida por Verger e de sua aceitação plena no Candomblé, ele é presenteado com um título, o de Babalaô ( pai do segredo). Verger recebeu todos os ensinamentos porque soube guardá-los, fez um juramento ao Candomblé, e a seus representantes máximos, por isso, ele é o pai do segredo. Se quando ele chegou à África ele já tinha previlégios por ser enviado e protegido de Oxum, agora com o título de Babalaô ele passou a ser parte central dentro dos rituais e da cultura, o que obviamente se tornou uma conquista expressiva, já que a princípio ele era um estrageiro. Isso é interessante de se pensar, Verger era um estrageiro que chega a uma cultura diferente da sua, e começa a compartilhar símbolos, manifestações culturais, e com isso é Revista Eletrônica Print by (http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.12, p 75-86/ 2010 P a g e | 83 COSTA, Paulo Henrique & BULHÕES, Ignácio César de aceito e passa a ser parte de toda a cultura, de fato uma conquista para Verger, tanto no que se refere a seus relatos, como nas experiências propriamente ditas. Esse aspecto de ser aceito e fazer parte, compartilhar símbolos, o antropólogo Da Matta revela em seu artigo, chamando o de invisibilidade. Há dois tipos de invisibilidade; pela ausência de atribuição de valores, e pela aceitação cultural. No caso de Verger, ele a conquistou através dos ritos de passagem. Quando aceito, Verger passou a ser parte “orgânica” da cultura, ganha uma invisibilidade por se tornar pedaço de um todo. A partir de então ele passa a executar a ponte de ligação entre as duas identidades (baiana e africana), sendo agora um mensageiro entre os dois mundos. Esse aspecto de mensageiro entre dois mundos é visto tanto no documentário quando em seus relatos. Quando ele viajava da África para Bahia, e da Bahia para África, sempre tazia consigo cartas, recados, presentes de ambos os povos, e nessa troca de gentileza, instaurou-se uma cordialidade. Como exemplo, a prórpia mãe Oxum de Verger, recebeu um título dado por uma entidade do Candomblé da África por intermédio de Verger. Com isso, Verger representava a ponte entre ambos os povos que estavam semparados apenas pela distância, mas que possuíam uma identidade cultural semelhante, a religião. E é essa ponte, esse apecto de mensageiro entre dois mundos que iremos explicitar, relacionando o com a liminaridade. Liminaridade ¹ é o sujeito cultural em trânsito, como algo invarialmente paradoxal, ambíguo, e no limite, perigoso e negativo, isto é, como um estado ou processo que desafia um sistema de classificação legalisticamente concebido como fixo, indiscutível e construído por categorias isoladas. Enxergar o mundo e não fazer parte de nenhum, interpretá-lo, analisá-lo e decodificá-lo em experiências acessíveis a todos. A liminaridade exercida por Verger possui uma legitimidade por dois fatores importantes: primeiro, porque Verger interpretava o Candomblé de dentro do Candomblé, e Revista Eletrônica Print by (http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.12, p 75-86/ 2010 84 | P a g e COSTA, Paulo Henquique & BULHÕES, Ignácio César de suas interpretações não ficavam na aparência, na familiaridade como já foi dito, e sim, ele as vivenciava nos rituais, descrevendo o que via, sem juízo de valores ocidentais, principalmente franceses. O segundo ponto era que ele utilizava diferentes ferramentas para ilustrar seus estudos, além de descrever em seus escritos e anotações o ordinário, ele também tirava fotos dos rituais religiosos para fazer uma ilustração daquilo que ele revelava nas anotações. Segundo revelado no documentário, Verger podia tirar as fotos nos rituais porque ele somente descrevia, relatava nas suas fotos o que estava acontecendo. Quando ele tirava uma foto de uma entidade nos rituais, e depois mostrava para as pessoas inseridas no contexto, todas eram categoricas em afirma que de fato o que estava na foto era a autoridade, era o Xangô que se manifestou a poucos instantes no ritual. _________ ¹ Liminaridade abrange tanto o indivíduo que está na solera, quanto ato limiar do ritual dentro da cultura. Um outro elemento importarte dentro da esfera da liminaridade e que se relaciona plenamente com Verger, se refere a dificuldade de limiar um indivíduo que interage tanto com uma cultura tendo cargos e títulos, quanto a outra totalmente diferente. E esse é um dos debates mais curiosos acerca de Verger. Por um lado um Francês racionalista bem visto pela cultura ocidental e européia por outro, um Babalâo, representante do Candomblé africano. liminaridade que significa o indivíduo na solera, que não é facilmente enquadrado dentro da cultura, é expresso em Verger, como um indivíduo que exercitou através da ponte ( elo entro a Bahia e a África ) uma solera específica, difícil de ser enquadrada, uma alteridade em trânsito, entre um Verger para certos olhos (ocidente), e outro Verger para outros olhos(Candomblé). Isso é facilmente visto se pensarmos que Verger de fato era um Francês, assim como de fato era um Babalaô. Pierre Fatumbi Verger, que a princípio realizava suas pesquisas para fins particulares, posteriormente através do Instituto Africano de Paris, que financiava suas viagens, fora obrigado a redigí-las e com o tempo se tornou um dos seus afazeres mais prazerosos. O que é interessante em destacar é que Verger nunca passou por uma universidade, e mesmo assim, fora conferido a ele pela Universidade de Sorbonne na França o título de Doutor em 1996, título de professor pela Universidade Federal da Bahia em 1973, além de servir como professor convidado na Universidade de Ifé na Nigéria. Seu acervo fotográfico gira em torno de 65 mil fotografias. Revista Eletrônica Print by (http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.12, p 75-86/ 2010 P a g e | 85 COSTA, Paulo Henrique & BULHÕES, Ignácio César de As contribuições de Verger para etnologia constituem dezenas de documentos de conferências, artigos de diário e livros; seus estudos sobre o Candomblé e sobre o tráfico negreiro principalmente, representaram grandes avanços para historiadores. Seu método antropológico tornou se referencial para estudantes e intelectuais da área. Algumas obras, tais como:. Flux et reflux de la traite des nègres entre le golfe de Bénin et Bahia de Todos os Santos du dix-septième au dix-neuvième siècle 1968, análise de arquivos referentes ao tráfico negreiro. Retratos da Bahia 1980, que retrata a vida charmosa e a arquitetura belíssima de Salvador, tornaram se clássicos. Além disso, a liminaridade exercida por ele, possibilitou uma grande aproximação entre a África e a Bahia, estreitando laços, tanto que em suas diversas viagens vários presentes e gentilezas foram trocadas por ambos os povos. Enfim, apesar de o próprio Verger não se considerar como um antropólogo, mesmo assim, ele foi um verdadeiro antropólogo em suas experiências vivenciadas no ordinário e um excelente etnógrafo em seus relatos sobre o Candomblé, além de desenvolver métodos específicos de análise, como exemplo, o método descritivo com o auxílio da fotografia. Com isso, ao fim desse trabalho concluímos que Pierre Fatumbi Verger de fato apresentou uma nova abordagem sobre como se fazer um estudo antropológico e etnográfico, mais precisamente com o debate sobre alteridade, no que se refere a construção da identidade a partir do outrem, destacando o aspecto de vestígios culturais, tanto no que se refere a construção e desconstrução cultural. Além disso, demonstramos ao decorrer do artigo as etapas do rito de passagem que ele vivenciou, dando ênfase ao processo de iniciação que não é uma simples iniciação, mas, um processo complexo que exige métodos. Dessa forma, Verger ao conquistar a confiança, compartilhar os ritos, fazer parte do todo, abriu portas para uma análise mais clara, tanto que o prórpio Verger fora presenteado com o título de Babalaô ( pai do segredo ) pelo Candomblé. E por fim, o aspecto central dentro da figura de Verger, a sua Liminaridade, ou seja, o não limiar de Verger que se apresentava como um ponte entre as duas culturas, um invíduo em trânsito, que decodificava as experiências vividas na África, em experiências acessíveis a todos; dessa forma, Verger representou a voz do Candomblé para o mundo. Referências Bibliográficas DA MATTA, Roberto . Relativizando: uma introdução à antropologia social. Petrópolis: Vozes, 1984, pp.150-173. FUNDAÇÃO Pierre Verger. Disponível em : <http://www.pierreverger.org/fpv/index.php?option=com_frontpage&I temid=1> acesso em 10 de Setembro de 2009. GEERTZ, Cliford. A interpretação das culturas. São Paulo: LCT, 1998, pp.03-21. Revista Eletrônica Print by (http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.12, p 75-86/ 2010 86 | P a g e COSTA, Paulo Henquique & BULHÕES, Ignácio César de JAPIASSÚ, Hilton. MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. LAPLANTINE, F. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2000. Pierre Verger: O mensageiro entre dois mundos. Conspiração filmes: 1998, direção Lula Buarque de Hollanda. RODRIGUÉ, Maria das Graças de Santana. Ore Ápéré Ó: o ritual das Águas de Oxalá. São Paulo: Selo Negro, 2001. Revista Eletrônica Print by (http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.12, p 75-86/ 2010