artigo TRANSMÍDIA Lost: a narrativa transmídia é só o começo A convergência midiática ainda é um processo, afinal, a cada dia inúmeros diagramas de Venn se interceptam criando, assim, novas possibilidades. A proliferação das caixas pretas começou, e o objetivo deste trabalho é compreender melhor que efeitos a convergência traz ao ethos contemporâneo e de que forma ela vem moldando e modificando os produtos midiáticos. Por Daiana M. Veiga Sigiliano L mação deste. Cada nova mídia traz OST representa um novo consigo um espectro de possibiliformato – fruto da cultura dades e potencialidades que antes da convergência – que vem não eram possíveis ou imaginadas. se espalhando por vários Conforme Jenkins: “O conteúdo meios de comunicação. Este fenôpode mudar (como ocorreu quando meno só foi possível porque o púa televisão substituiu o rádio como blico se transformou e vice versa. meio de contar histórias, deixando Assim como o Gato de Schrödinger, o rádio livre para se tornar a prinafirmar qual foi o desencadeador cipal vitrine do rock and roll), seu – se o sujeito contemporâneo ou público pode mudar (como ocorre a mídia - dessa mudança de paquando as histórias em quadrinhos radigma tão representativa é algo saem de voga, nos anos 1950, para incerto e equivocado. O que houve entrar num nicho, hoje), e seu stafoi um encontro de sujeitos disposi M. Veiga i Sigiliano, Si ili é memtus social pode subir ou cair (como tos a participarem das produções Daiana midiáticas e um novo âmbito do bro do grupo de estudos e projetos ocorre quando o teatro se desloca de um formato popular para um entretenimento disposto a produ- EraTransmídia dos Inovadores ESPM e jornalista com foco de peszir materiais dinâmicos e abertos quisa em fenômenos da Social TV e formato de elite), mas uma vez que o meio se estabelece as satisfazer a experimentações. A série norte a Second Screen. E-mail: daianasialguma demanda humana essenamericana funciona como uma ma- [email protected] cial, ele continua a funcionar denterialização do encontro do ethos tro de um sistema maior de opções contemporâneo, fragmentando e flutuante com a cultura da convergência que explora de comunicação”. LOST foi produzida e pensada para um indivíduo indiversas caixas pretas. A convergência faz com que as mídias se renovem e constante, que se afoga em informações, que conconvidem o antes espectador para mudar de papel. segue se comunicar instantaneamente com outros Vivenciar um momento de tamanha representabilidade sujeitos. LOST é uma obra de seu tempo, reflete os não é assistir a morte do mass media e sim a transfor- conflitos de indivíduos de seu tempo, por isso, ela 58 Revista da SET | jan-fev é compreendida, aceita e aclamada na contempora- jeito em diversos produtos midiáticos, para que esse neidade. Dificilmente, ela seria esse fenômeno midi- integre e se sinta co-autor ou co-produtor. As séries de ático se tivesse sido produzida na década de 50 ou TV, por serem um produto popular, seriado, com um até mesmo nos anos 80 e 90 do século XX. Não é tempo mais elástico permitem experimentações, por uma questão de produção ou técnica, e sim concei- isso, se tornaram propulsoras para a revolução nesse tual, pois ela está imbuída da ideologia reinante na segmento. Porém, ressalta-se que o esteio de qualcontemporaneidade. As estórias nos moldam, LOST quer obra é sempre a narrativa, pois, o ser humano, é uma estória construída para o sujeito contempo- independente de suas preferências deseja ou ouvi-las râneo e refletem simultaneamente nosso ethos que e ou contá-las quer se ver, compreender e se reinventar indepen- O sujeito seja ele do Iluminismo, Sociológico, Moderno ou Contemporâneo parte da mesma necessidade de se dente da plataforma. Como afirma Roberta Pearson em Readinf LOST - expressar e de contar estórias que reflitam seus dese“Como jogos e histórias são ensaios para a vida, cria- jos, medos e angustias. Desde a Antiguidade, o Homem usa plataformas e meios para exmos um mundo em microcosmo, pressar sua visão do mundo aos uma realidade alternativa, um outros sujeitos. A Convergência mundo que desejamos ou teme“LOST representa um Midiática só recria o mesmo ammos que fosse verdadeiro. E, em novo formato – fruto da biente, o mesmo anseio de contar seguida, mergulhamos nele. Isso nunca muda muito. Mas nossa cultura da convergência e ouvir estórias, porém, diante de outro âmbito social. Composto capacidade de entregar esse im– que vem se espalhando por indivíduos que estão em plepulso cresce a cada novo meio, e por vários meios de na crise de identidade, em que o com ele, os riscos por estarmos ethos flutua por modelos instaninseridos no processo”, (Livre comunicação. Este tâneos e passageiros criados por tradução da autora). fenômeno só foi possível uma Terceira Cultura dominante Assim, pode-se afirmar que as porque o público se que, ao mesmo tempo serve de narrativas contemporâneas também cumprem seu papel de re- transformou e vice versa” espelho, também engessa atitudes e comportamentos. Sujeito gulador social ou até mesmo de esse que tem o poder de implodir uma possibilidade de simular espaço-tempo, quebrar barreiras ações e atitudes impossíveis na vida real. Esse mecanismo pode tanto auxiliar esse territoriais e geográficas e vivenciar – mesmo que ilusosujeito a elaborar seus dramas existenciais ao vê-los riamente – culturas distantes. sendo desenrolados por outras personas, como tam- LOST é a síntese desse fenômeno contemporâneo, bém, pode se assujeitar face à avalanche de informa- porque ele é um microcosmo desse cenário em que o ethos simula e ou vivencia outras experiências devições e modelos de comportamento. Discutir a convergência em plena convergência é algo do às ferramentas provenientes da configuração das complexo, pois, por ser um processo, os conceitos novas tecnologias. A contemporaneidade deste cenáestão se modificando rapidamente. Em contrapartida rio é a convergência de meios, e a maneira como o analisá-lo se torna algo mais dinâmico quando se ethos interage com essas estórias. Assim, o sujeito está vivenciando-o. A convergência dos meios nos contemporâneo tem a possibilidade de se ressignificar coloca na rota de colisão, por isso, é tão relevan- infinitamente o que pode tanto o auxiliar a comprete estudarmos um fenômeno do qual somos parti- ender determinadas situações quanto se perder nesse cipantes ativos e que, de uma maneira tão inédita emaranhado de identidades. o integramos. Porém, entre tantas possibilidades e caminhos para este fenômeno, o que mais se mate- Referências rializa é a inversão da estrutura comunicacional, em 1. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: ALEPH, 2008. que emissor e receptor se fundem. A indústria cultural contemporânea percebeu esse fe- 2. PEARSON, Roberta Readinf LOST - Perspectives on a nômeno e tratou de incentivar a participação do su- hit television show. 2009, London, I.B Taubis jan-fev | Revista da SET 59