21º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental
II-214 - AVALIAÇÃO DO USO DA ÁGUA DESSALINIZADA NA COMUNIDADE
PEDRA D'ÁGUA NO CARIRI PARAIBANO
Raquel Costa Goldfarb Oliveira(1)
Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual da Paraíba; Especialista em Gestão
Territorial e Ambiental; pelo Departamento de Geografia da UFPB. Mestre pelo Programa
Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente-PRODEMA;
Professora da Área de Tecnologia Ambiental do CEFET-PB.
Tarciso Cabral da Silva(2)
Engenheiro Civil pela Universidade Federal da Paraíba – Centro de Tecnologia (UFPBCT); Mestre em Engenharia de Recursos Hídricos pela UFPB-CCT, Campina Grande, Paraíba; Doutor em
Engenharia Hidráulica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI-USP), São Paulo;
Professor Titular da UFPB-CT.
Carmen Lúcia Gadelha(3)
Engenheira Civil pela Universidade Federal da Paraíba – Centro de Tecnologia (UFPB-CT); Mestre em
Hidráulica e Saneamento pela USP - São Carlos, Doutora em Engenharia Hidráulica e Sanitária pela Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI - USP), São Paulo; Professora Adjunta da UFPB-CT.
Endereço(1): Rua Quintino Bocaiuva, 597, Torre - João Pessoa – PB. CEP: 58013-340 – Brasil – Tel: (83)
221-6829 – e-mail: [email protected]
RESUMO
O Estado da Paraíba apresenta-se em frágil situação de saúde pública nas várias regiões atingidas pela escassez
da água, em decorrência da qualidade da água consumida pela população, sob o ponto de vista químico e
microbiológico, além da quantidade insuficiente. Este fato tem se refletido em altos índices de doenças de
veiculação hídrica. O presente estudo objetivou avaliar as repercussões ambientais e sociais do uso da
tecnologia de dessalinização na Microrregião do Cariri Oriental, localizada no semi-árido paraibano. Para
tanto, vários aspectos relacionados com o uso da água e a situação de saúde pública foram investigados. De
acordo com os parâmetros utilizados, o fornecimento regular da água dessalinizada não é imediatamente
sentida na saúde da população, embora, tenha demostrado, em outros aspectos, um importante ganho na
qualidade de vida da população estudada.
PALAVRAS-CHAVE: Semi-árido, Dessalinização, Saúde Pública.
INTRODUÇÃO
O Nordeste brasileiro é uma região marcada pela carência hídrica, apresenta baixos índices pluviométricos,
altas taxas de insolação e evaporação, e solo cristalino (baixa capacidade de armazenamento). Além desses
fatores apresentados, os aqüíferos são geralmente salobros, apresentando Totais de Sais Dissolvidos (SDT),
em torno de 2000 a 5000 mg/l (ASSIS,1985).
Esta salinidade elevada das águas subterrâneas, torna-as impróprias para o consumo humano. Para amenizar
este grave problema de falta de água potável nessa região, desde de 1996, vem sendo implantados
equipamentos dessalinizadores em algumas regiões semi-áridas do Nordeste brasileiro. Inicialmente a partir de
doações da Fundação Banco do Brasil, hoje, a Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), do Ministério do Meio
Ambiente (MMA), desenvolve um projeto denominado ÁGUA BOA com o mesmo propósito.
A tecnologia de dessalinização selecionada foi a Osmose Reversa (RO), processo conhecido mundialmente,
por apresentar grande eficiência no tratamento químico e bacteriológico de águas.
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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A meta principal da pesquisa foi avaliar possíveis mudanças na vida da população com o uso da tecnologia de
dessalinização. Para tanto, elegeu-se duas comunidades do Município de Caturité – PB: Pedra D’água, que
recebeu equipamentos dessalinizadores e Serraria, povoado vizinho, que não consome água dessalinizada.
Realizou-se o levantamento dos principais aspectos relacionados ao uso da água, fontes de água, qualidade das
águas, consumo médio ”per capita” de água, aceitação da água dessalinizada e o quadro de saúde pública.
Através da comparação dos índices de diarréia, apresentados pelos povoados Pedra D’água e Serraria, foi
possível avaliar os efeitos da chegada do dessalinizador na saúde da população. Utilizou-se os casos
notificados pelo Posto de Saúde do município de Caturité-PB, nos anos de 1998, 1999 e de janeiro à outubro
de 2000.
Este estudo (seção transversal), segundo Rouquayrol (1994, p.78), consiste em captar a situação média num
determinado intervalo cronológico (anos, meses, dias ou grupos de dias). A premissa básica do estudo é que as duas
comunidades eleitas: Pedra D’água, que possui 318 habitantes, e Serraria 532i são comparáveis, por
apresentarem dados sócio-econômicos e de saúde semelhantes. Admitiu-se que qualquer fator que atuou
(positivamente ou negativamente) na saúde da população de Pedra D’água, também atuou em Serraria neste
período específico. A única diferença relevante é o consumo da água dessalinizada no povoado Pedra D’água
como principal fonte de “água de beber”, esta novidade foi o motivo da investigação.
Os dados coletados, dos casos notificados de doenças diarréicas, nos povoados Pedra D’água e Serraria, do
município de Caturité, nos anos 1998, 1999 a outubro de 2000 (total de 34 meses), foram analisados utilizando-se o
Teste “U” de Wilcoxon, Mann e Whitney (Costa Neto, 1977).
O consumo médio “per capita” foi calculado a partir da identificação da quantidade de litros de água
transportados diariamente para cada domicílio, dividido pelo número de moradores do mesmo.
A avaliação da qualidade da água consumida nos povoados de Pedra D’água e Serraria (Caturité/Pb.),
realizou-se através de estudo e monitoramento, das principais fontes de abastecimento, bem como, das águas
armazenadas em domicílios.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para a população do semi-árido nordestino a água é um bem finito e precioso. Muitos têm que andar
quilômetros por dia para transportar água da fonte mais próxima até a sua casa, fonte essa, que, apresenta-se
inconstante, alterando-se conforme o evento hidrológico. Nos períodos chuvosos: águas subterrâneas, captadas
em poços, águas pluviais acumuladas em pequenos barreiros, açudes, cisternas, tanques de pedras, e nos rios.
Nos períodos de estiagem, quando o lençol d’água se rebaixa, restam as águas das cacimbas, que são
escavações feitas pela população para captar águas infiltradas em um empoçamento basal, protegidas da
evaporação nas areias. Nos anos ditos “normais”, sem estiagens, o período chuvoso inicia-se no mês de março,
prolongando-se por mais dois a quatro meses; enquanto o período seco tem duração de sete a nove meses;
porém, durante as secas, este pode prolongar-se por dezoito meses ou mais. Restam também as águas
subterrâneas nas falhas do cristalino, captadas através de poços, que, como já foi dito, apresentam quase
sempre salinidade elevada.
No povoado de Pedra D’água - Pb, este quadro foi modificado com a instalação do equipamento para
dessalinização de água em junho de 1997, quando a população passou a dispor de uma fonte permanente de
água doce. Cada família do povoado recebe diariamente duas latas de água dessalinizada, totalizando uma
média de 36 litros, quantidade que sofre variações conforme o número de pessoas de cada família.
Além da água dessalinizada, utilizada como “água de beber”ii, a população de Pedra D’água continua
consumindo água de outras fontes para a chamada “água do gasto”. Utilizam principalmente a água salobra, do
poço que alimenta o dessalinizador, que é armazenada em reservatório ao lado do reservatório da água
dessalinizada, e que é usada livremente pela população, sem controle da quantidade levada por cada família.
Poucas famílias possuem cisterna e uma pequena proporção (8%) continua usando água de outras fontes, como
água do gasto.
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O transporte da água é uma atividade cotidiana realizada geralmente na manhã, pelos filhos (63%), ou outro
parente jovem do grupo familiar; observou-se também a existência de pessoas da comunidade que trabalham
para os vizinhos “botando água”. Esta tarefa é realizada com uso de jumentos, carregados com ancoretas
(pequeno barril fabricado de borracha de pneu) ou um boi de tração que carrega um tonel plástico. Os que não
podem pagar por esse serviço ou não dispõem de animais, transportam-na a pé, em latas de alumínio ou baldes
plásticos. Este trabalho é realizado em cerca de 25 minutos em Pedra D’água, enquanto em Serraria, devido a
distância das fontes, a população leva em média 2 horas para abastecer a casa com água.
O grande problema é que os recipientes utilizados para transportar a “água do gasto” são os mesmos utilizados
para a “água de beber”, os quais não recebem qualquer higienização para receber a “água de beber”, embora
sejam as águas armazenadas em recipientes diferentes. Em mais de 80% das casas pesquisadas, a água é
armazenada em vasos de argila, chamados localmente de “fôrma”.
Com relação ao tipo de tratamento utilizado pela população de Pedra D’água para desinfecção da água
consumida, a grande maioria acha desnecessário filtrar, ou ferver a água para beber, pela confiança na água
dessalinizada, enquanto que, no reservatório de água de uso geral, quase 60% dos entrevistados utilizam
esporadicamente a cloração.
De acordo com a Portaria N.º 36 do Ministério da Saúde e em consonância com a Resolução Nº. 20 do
Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), as águas naturais subterrâneas e superficiais da zona rural
do povoado Pedra D’água, município de Caturité, encontram-se com qualidade insatisfatória para o consumo
humano, inclusive a água dessalinizada distribuída à população.
A contaminação das águas subterrâneas pode ser explicada pelo reduzido percentual dos que dispõem de
instalações sanitárias, mesmo a nível precário na área estudada.
O reservatório que armazena água dessalinizada, apresentou contaminação bacteriológica. Possivelmente, esta
contaminação existe desde fevereiro de 2000, período em que o equipamento esteve danificado, provocando a
contaminação do mesmo, sem posterior desinfecção adequada; observou-se também que a tampa de proteção,
encontrava-se danificada no segundo semestre de 2000, sendo visível a presença de pássaros nas suas
proximidades. A ausência de um controle cotidiano de higiene, respectivamente, lavagens e cloração, deste
recipiente, é mais um fator de risco à qualidade da água.
Observou-se também, nas residências visitadas, alguns costumes, que facilitam a contaminação da água
armazenadas nos potes. O primeiro deles, deve-se ao transporte da água até os domicílios, este é realizado
através de balde ou ancoreta, utilizado também para transporte da “água de gasto”, sem haver posterior
higienização. Outro problema observado, é a dificuldade de se retirar da água das fôrmas sem introduzir a mão
na mesma. Como também, o modo de guardar e manusear as canecas usadas para retirar água e o fato de
algumas vezes, estas serem esquecidas sem a proteção das tampas.
O consumo médio de água na área estudada é muito baixo, variando em uma média de 30 litros de água, “per
capita”, diariamente, nas famílias que moram mais perto (menos de 100 metros), da fonte de água, a uma
média de 15 litros per capita de consumo, quando a família, mora em pontos mais distantes ou não possui
jumentos e ancoretas para transportá-la.
CONCLUSÕES
•
De um modo geral a instalação do equipamento de dessalinização no povoado de Pedra D’água, trouxe
um enorme ganho na qualidade de vida da comunidade, pelo fato de garantir o fornecimento regular de
água doce. Entretanto, não foi possível determinar o impacto exato desta melhoria na saúde da população
estudada.
•
Os dados de doenças diarreicas apresentados, demostram uma diferença não significativa dos casos
notificados em Pedra D’água, em relação ao povoado de Serraria, muito embora a água de beber
consumida em Pedra D’água possua qualidade muito superior a água consumida em Serraria.
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•
A água retirada diretamente do dessalinizador apresentou qualidade satisfatória para o consumo humano,
o que comprova sua eficiência tanto em reduzir a salinidade, quanto no tratamento bacteriológico da água.
Contudo, foram poucos os domicílios em que se encontrou água de qualidade segura, isenta de
contaminação bacteriológica. Nesse sentido, é pertinente a recomendação da utilização de cloro no
reservatório que armazena a água dessalinizada, como medida necessária a maior segurança sanitária da
comunidade estudada.
•
Embora a qualidade da água seja fundamental no controle das doenças diarreicas, não é o suficiente,
sendo mais significante a garantia da água em quantidade suficiente e de forma contínua; desde que a
mesma possua condições mínimas de potabilidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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ASSIS, Abelci Daniel. Solos. Atlas geográfico do Estado da Paraíba. Sec. de Educação do estado da
Paraíba / UFPB, João Pessoa: Editora Universitária/UFPB,1985. 100p.
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Secretaria de Recursos Hídricos(SRH), Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal.1999.
BRASIL, Ministério da Saúde. Normas e Padrão de Potabilidade das ÁGUAS Destinadas ao Consumo
Humano. Portaria 36/GM, 19 de Janeiro de 1990.
BRASIL, Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Resolução CONAMA Nº 20, de 18
Junho de 1986. Estabelece a Classificação de Águas doces, salobras e salinas. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, p.11.350, 30 jul. 1986.
COSTA NETO, Pedro Luís de Oliveira. Estatística. São Paulo: Edgard Blucher. 1977. 264p.
OLIVEIRA, Raquel C. Goldfarb. Efeitos sócios-ambientais do uso da tecnologia de dessalinização no
município de Caturité-Pb. 2001. 120 p. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente)
– Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa – Pb.
ROUQUAYROL, Maria Zélia (Org.). Epidemiologia & Saúde. 4 ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 1994.
i
Dados de novembro de 2000, fornecidos pelo Programa de Agentes Comunitários de saúde (PACS),
Secretaria de Assistência à Saúde / Secretaria Estadual de Saúde - PB.
ii
A população do Cariri costuma dividir a água, de acordo com o uso, em dois tipos:1. “água de beber”reservada para consumo humano e animais domésticos; e 2. “água do gasto”- reservada para higiene pessoal,
da casa, lavagem de roupas, regar de plantas ornamentais. Embora poluída é também utilizada para lavar
utensílios de cozinha e na preparação de alimentos.
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