UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE PAULO RENATO VERGUTZ UM POUCO DA HISTÓRIA DA ASSOESTE CASCAVEL – PR 2006 2 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE PAULO RENATO VERGUTZ UM POUCO DA HISTÓRIA DA ASSOESTE Monografia apresentada como exigência parcial para obtenção do título de Especialista em História da Educação Brasileira, do de Educação Centro Comunicação e Artes, da Unioeste. Orientadora: Neiva Gallina Mazzuco 3 CASCAVEL – PR 2006 Dedico este trabalho à minha esposa, Sueli Solange Voigt Vergütz, As minhas filhas Beatriz Renata Vergütz e Ana Paula Vergütz, 4 Que tanto me incentivaram nessa importante trajetória. 5 "O caos do mundo é causado por dois motivos; os medíocres enchem-se de si e os sábios enchem-se de dúvidas" Bertold Brecht AGRADECIMENTOS Agradeço à minha Mestra e Orientadora Neiva, Pelo seu rigor científico, sua amizade e inestimável apoio; Aos meus colegas, importantes companheiros nos momentos em que a trajetória torna-se pesada; À minha família, pela compreensão nos momentos de ausência; Ao corpo docente do Curso de Pós-Graduação em História da Educação Brasileira. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 3 PRIMEIRA PARTE 1 A EDUCAÇÃO NA REGIÃO OESTE DO PARANÁ CARACTERIZAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO............................................................... 7 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL E NO PARANÁ.................... 8 2.1 O Período Jesuítico – 1530 -1759......................................................................................... 8 2.2 A Educação Enquanto Preocupação Estatal...................................................................... 11 SEGUNDA PARTE 3 ASSOESTE – ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL DO OESTE DO PARANÁ ............... 30 3.1 O Projeto Especial Mec/Oea................................................................................................ 30 3.2 A ASSOESTE........................................................................................................................ 34 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................... 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 48 7 INTRODUÇÃO O presente trabalho foi desenvolvido tendo por objetivo reconstruir a história da ASSOESTE – Associação Educacional do Oeste do Paraná: sua origem, suas atividades, a importância de seu trabalho na melhoria da Educação na Região Oeste do Paraná, bem como compreender os motivos que levaram à sua extinção. Ainda que este texto tenha sido elaborado com uma finalidade específica – preencher um requisito parcial para obtenção de grau de especialista em História da Educação Brasileira – a idéia desta produção surgiu em momento anterior, por circunstância da fala proferida pelo Professor João Wanderley Giraldi, da Unicamp, em 07/11/2003 em um evento da Unioeste, que teve por tema “A Aula como Acontecimento”. Nesta ocasião, o saliente entusiasmo com que este renomado professor descreveu a ASSOESTE, colocando-a em lugar de destaque no cenário educacional, bem como as atividades por ela desenvolvida, seu empenho em melhorar as condições educacionais da Região Oeste do Paraná, despertou o interesse em muitos participantes do encontro em conhecê-la melhor. A ASSOESTE, assim como qualquer outra entidade ou associação, foi criada para fins específicos, não nasceu por acaso. O trabalho de pesquisa revelou que a Associação não teve origem em si mesma, mas de um Projeto que surgiu antes dela: o Projeto Especial Multinacional de Educação Brasil – Uruguai – MEC/OEA. Este Projeto foi criado como proposta da Organização dos Estados Americanos – OEA, objetivando cooperar com os governos de alguns países considerados pouco desenvolvidos, num esforço para fortalecer a infra-estrutura educacional nas regiões de sua atuação com o fim de prepará-las para solucionar novos e variados problemas gerados pelas transformações sócio-econômicasculturais, produzidas pelos grandes empreendimentos, de forma a diminuir os impactos causados à população por grandes construções, no caso específico da região Oeste do Paraná, pela construção da Itaipu Binacional. 8 O diagnóstico situacional do Projeto revelou que os problemas educacionais do Oeste paranaense eram variados e tinham diversas origens, mas certamente não eram novos. A tardia colonização deste território e o conseqüente atraso com que para cá eram trazidas as estruturas educacionais, o abandono e a falta de iniciativa dos poderes públicos em melhorar as condições educacionais fizeram com que, historicamente, o Oeste paranaense tivesse ficado à margem do circuito educacional nacional e até estadual, o que gerou, ao longo de sua história, um atraso em termos educacionais. Esta situação foi revelada pelo Diagnóstico Situacional do Projeto Especial MEC/OEA, mas certamente a busca por soluções aos problemas educacionais não se deve ao projeto em si, mas à iniciativa e ao interesse daquelas pessoas que por aquela ocasião coordenavam o Projeto na região, e pelo profundo comprometimento destas em conhecer efetivamente as causas do atraso, o que possibilitou suas ações de forma ampla e dialogada. O Projeto Especial MEC/OEA apesar de ter surgido de uma iniciativa externa à região, quando suas atividades tiveram início, por força da compreensão dos seus coordenadores regionais, não atuou como ferramenta de ação externa, ao contrário, apostou em melhorar as condições educacionais e tomou esta meta como um legado para ser discutido pelos diversos atores da comunidade oestina: educadores, representantes do poder público, instituições de ensino, entidades, cooperativas, entre outros. Foi tão profunda e marcante a atuação do Projeto Especial MEC/OEA na região, que mesmo antes de seu eminente fim, previamente determinado, houve o consenso entre os dirigentes dos municípios por ele beneficiados de que embora tal Projeto estivesse acabando, as atividades por ele desenvolvidas deveriam continuar. Assim surgiu a ASSOESTE: da junção de forças de educadores, de administradores de cooperativas de vários municípios do Oeste paranaense no sentido de dar continuidade a uma experiência que produzia bons resultados e que vinha modificando para melhor as condições educacionais desta região. 9 Com a intenção acima exposta, este trabalho foi composto de dois capítulos: o primeiro destinado à realização da recuperação histórica da educação na região Oeste do Paraná, considerando as condições históricas de sua colonização; o segundo capítulo foi destinado especialmente para recuperar a história da ASSOESTE, suas ações, projetos, atividades e principalmente para melhor conhecer sua atuação como grande contributo para a melhoria educacional do Oeste do Paraná. A metodologia utilizada para a realização deste trabalho contou com dois momentos distintos. Primeiramente fez-se uma pesquisa bibliográfica, através da qual foi possível identificar elementos por meio dos quais se constituiu a região Oeste do Paraná, onde se percebeu o estreito atrelamento entre a ocupação deste território com a educação que aqui se constitui. O segundo momento foi dedicado à coleta de dados para compreender a ASSOESTE, onde foram utilizados especificamente dois recursos: pesquisa em fontes primárias (documentos oficiais tanto do Projeto Especial MEC/OEA quanto da ASSOESTE) bem como de entrevistas realizadas com pessoas que desempenharam importantes papéis na sua formação. Inicialmente, o título deste trabalho seria “A História da ASSOESTE”. No entanto, já no início da investigação percebi o enorme leque de possibilidades que se abre ao estudar uma associação como esta, que realizou em seus mais de 20 anos de história, inúmeras atividades que deixaram profundas marcas na história da educação de toda a região oeste do Paraná. definiu-se portanto, que o titulo, para ser o mais fiel possível ao seu conteúdo, deveria receber a nomenclatura de “Um Pouco da História da ASSOESTE”, onde fizemos um breve resgate da constituição desta associação, seu processo de evolução e declínio até sua extinção. Por mais que tenhamos sistematizado aqui as principais atividades e concepções defendidas e disseminadas pela ASSOESTE, reconhecemos que provavelmente não tenhamos apresentado na totalidade todo o envolvimento, o trabalho e os projetos desenvolvidos pela ASSOESTE junto a professores, equipes de ensino, secretarias municipais e estadual de educação, bem como não nos foi possível investigar com maior 10 profundidade o efetivo reflexo das atividades desta associação na melhoria da qualidade de ensino no Oeste do Paraná, nem sua repercussão para o Estado do Paraná ou mesmo para outras regiões do país. Ainda assim, consideramos que os estudos aqui apresentados contribuem significativamente para o resgate desta tão importante associação e, com certeza, servirá de base para outras pesquisas, com aprofundamento em outros aspectos. 11 PRIMEIRA PARTE 1 A EDUCAÇÃO NA REGIÃO OESTE DO PARANÁ Caracterização e contextualização A história da formação do sistema educacional na região Oeste do Paraná, conforme indicam Emer (1991), Peris e Braga (2003) e Becker et al. (1988), se confunde com a própria história da ocupação da região Oeste do Paraná. De forma muito singular, a educação que aqui se constituiu nos primeiro tempos da colonização, ocorreu num movimento contrário ao que se fez presente nas regiões mais avançadas do país, do ponto de vista tecnológico. A partir das teses formuladas pelos autores citados, pretende-se reconstruir, utilizando-se do viés histórico, os primórdios da constituição da educação na região Oeste do Paraná, com o objetivo principal de compreender como se constituiu a Associação Educacional do Oeste do Paraná – ASSOESTE fundada em 1980, procurando analisá-la enquanto instituição que surge num processo histórico, que cumpriu, num determinado momento, a função de [...] desenvolver e articular ações básicas na promoção do desenvolvimento educacional em todos os graus e níveis; produzir e experimentar novo material didático, produzir ou socializar novas metodologias de ensino e desenvolver recursos humanos para a educação. (EMER, 1991, p. 298-299). Noutras palavras, pode-se afirmar que a ASSOESTE veio a cumprir o papel de organizar e aprimorar a estrutura educacional do Oeste do Paraná, considerando que o poder público não vinha atendendo satisfatoriamente tais questões nos municípios em que esta Associação atuou e, conforme complementa Emer (1991, p. 299): “[…] nos anos de 1981 e 1982, a 12 ASSOESTE desenvolveu sua infra-estrutura, contratou pessoal e formou sua equipe de trabalho para responder ao papel dela requerido.” Buscando compreender essa problemática destinar-se-á algumas laudas deste trabalho para uma retrospectiva histórica. 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL E NO PARANÁ 2.1 O Período Jesuítico – 1530 -1759 Os jesuítas foram os primeiros educadores que o país conheceu. Vindos de Portugal poucas décadas depois do descobrimento, durante duas décadas foram os principais responsáveis pela educação dos filhos de proprietários de terra, filhos de colonos, e catequizadores de indígenas conforme lembram Peris e Braga (2003). Foram os responsáveis pela criação, no Brasil-Colônia, de um sistema educacional fundamentado, basicamente, na difusão da fé, porém, fornecendo à classe dominante a educação clássica e humanista orientada pelo ideal europeu da época. A educação, para a elite, tinha por objetivo transplantar, da Metrópole para a Colônia, a cultura dominante da época, ou seja, a difusão dos hábitos e interesses burgueses. Emer (1991) lembra, que para os indígenas, os jesuítas representavam uma parte integrante dos invasores, que os aprisionava e os submetia ao trabalho forçado. Daí a estratégia utilizada pelos jesuítas para a domesticação dos indígenas foi a de suspender as missões ambulantes e desenvolver missões estáveis em locais determinados, longe das aglomerações coloniais escravistas. Baseados nisso, muitos historiadores acreditam que a missão jesuítica caracterizava-se pela tentativa de pacificar as relações entre indígenas e colonizadores e que, portanto, a escravização não fez parte das ações cristianizadoras. Assim, tendo por objetivo a domesticação indígena, os padres instalaram-se na região de Guaíra, onde os militares ainda não tinham forças suficientes para submeter os indígenas desta região aos seus mandos. Porém, há que se compreender as intenções centrais do 13 trabalho dos jesuítas, pouco presente na literatura. Não estavam a serviço dos espanhóis para fazer os índios aceitarem pacificamente a colonização? Para que domesticar os índios, tirá-los de sua tranqüilidade em que não precisavam trabalhar exaustivamente, mas apenas para suprir suas necessidades, se não para colocá-los a serviço da organização capitalista? Contudo, os jesuítas trabalhavam com a política de respeitar, dentro das suas reduções, a mesma estrutura de organização dos índios. Permitiam que dentro do espaço da redução os caciques continuassem a exercer a autoridade tribal. Esta consistia, talvez, na melhor explicação que se possa atribuir ao fato dos jesuítas terem sido os únicos a conseguirem dos indígenas a execução de trabalhos organizados, desde a produção de lavouras, a criação de gado e a extração de erva-mate. Pelo tratado de Tordesilhas, celebrado entre Portugal e Espanha em 1494, a região Oeste e quase todo o território paranaense pertenciam à Espanha. O avanço dos colonizadores espanhóis sobre os territórios indígenas foi, desde o começo, muito sangrenta e cruel. Daí o pedido dos colonizadores espanhóis pela vinda dos jesuítas, numa tentativa de que os indígenas fossem convencidos não só a aceitarem o domínio colonial, mas a colaborarem significativamente no campo produtivo, visando o fortalecimento e a intensificação da acumulação privada. O plano dos jesuítas consistia, em primeiro lugar, tornar os índios sedentários e desenvolver amplamente a base material, sem interferir drasticamente nos seus usos e costumes. [...] A preocupação inicial era implantar novos costumes sociais, estabelecer uma disciplina coletiva, dividir atividades e responsabilidades dentro das múltiplas funções criadas e desconhecidas dos índios. Trabalhar com esta perspectiva, criar animais, produzir e armazenar eram modos de subsistência desconhecidos dos índios. Os resultados do trabalho, as boas colheitas eram fundamentais, argumentos irrefutáveis diante dos índios para justificar o caminho pedagógico concebido pelos jesuítas. (EMER, 1991, p. 15-16) Emer (1991) revela que os indígenas que habitavam a região Oeste do Paraná, ainda quando das excursões de reconhecimento (sendo a primeira em 1531) pertenciam ao grupo cultural tupi-guarani. 14 Não encontrou-se registro na literatura consultada sobre a existência, até a expulsão dos jesuítas em 1759, da realização de outra atividade educacional na região oeste do Paraná que não fosse a domesticação indígena, visto que, diferentemente do que ocorreu noutras regiões do país, a colonização desta região ocorreu num momento bem mais tardio. “Especificamente dentro da região Oeste do Paraná, que fazia parte de Guaíra, as reduções dos jesuítas foram apenas duas e tiveram um curto período de existência, até a migração para o sul […]” (EMER, 1991, p. 23). A primeira divisão de terras americanas entre Portugal e Espanha, que havia ocorrido em 1494, jamais havia estabelecido, com precisão, os limites territoriais pertencentes a uma ou a outra coroa. Este limite, esclarece Emer (1991), só foi definido na metade do século XVIII, quando a coroa Portuguesa pode aproveitar-se da situação conflituosa em que a Espanha esteve envolvida na disputa territorial com a França e a Inglaterra. O sistema educacional jesuítico, que vigorou até 1759 quando da expulsão dos jesuítas de Portugal, não fez sentir seus efeitos na região Oeste do Paraná, senão pelos dois momentos em que aqui se constituíram reduções jesuíticas. Assim, não se constituindo neste território a colonização, também não se constituíram os aspectos que caracterizaram a educação jesuítica. O Oeste do Paraná foi considerado por Emer (1991, p. 38) uma região fora das rotas da produção econômica da época: Nos tratados de limites, e a partir de critérios adotados por Portugal e Espanha na solução dessa questão, a região passou a fazer parte do território brasileiro; mas, de 1750 até mais da metade do século passado, a região, embora uma área de fronteira, ficou completamente abandonada. Considerando seus recursos naturais e suas condições de produção econômica, o Oeste do Paraná só foi ocupado quando se desenvolveu um outro sistema de produção e quando os mercados tornaram-se favoráveis ao consumo de produtos. De acordo com Peris e Braga (2003), quando os jesuítas foram expulsos do território 15 brasileiro, houve a conseqüente paralisação total das atividades educacionais até então desenvolvidas. Não houve uma reforma educacional, nem sequer a substituição do até então sistema por outro. Ocorreu sim, a simples interrupção das atividades que até então eram desenvolvidas: fechamento das escolas e confisco dos bens dos jesuítas. Portanto, os movimentos educacionais que se fizeram presentes no território brasileiro, não foram sentidos na região Oeste do Paraná, pois não havia ainda por aqui público a ser educado, não havia demanda educacional, e mesmo a questão da domesticação indígena, uma das ações mais importantes da contribuição jesuítica para a formação educacional brasileira, não ocorreu por aqui, senão pelas duas reduções que pouco tempo de existência tiveram. 2.2 A Educação Enquanto Preocupação Estatal No âmbito do território colonial, os jesuítas foram expulsos do território português por conta de reformas realizadas por Sebastião José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal. As reformas consistiam em primeiro lugar, na extinção do sistema único de educação, implementado pela Companhia de Jesus. O objetivo maior das reformas era o de recuperar o atraso da metrópole lusitana em relação a outros países europeus. Entre os países europeus desenvolvidos, a partir do séc. XVII a educação vinha ocorrendo a partir dos moldes e métodos orientados pelo pensamento Iluminista, que preconizava a abertura do ensino às ciências experimentais, tornando-o mais prático e utilitário. (OLIVEIRA, 2004, p. 4). Ainda de acordo com Oliveira (2004), tais mudanças não foram imediatamente transplantadas para o Brasil. Devido à condição de colônia, fonte da exploração de matérias-primas, as primeiras ações no sentido de realizar a substituição dos educadores jesuítas começaram a ocorrer somente 13 anos depois da expulsão da Companhia de Jesus. Durante este período, ocorreu o desmantelamento da estrutura administrativa do ensino jesuítico e a implantação de ações pedagógicas responsáveis por oferta de disciplinas 16 isoladas, restringindo-se a algumas poucas “Escolas e Aulas Régias”: a uniformidade das ações pedagógicas implantadas pelos jesuítas havia sido superada. A chegada da família real e da corte de Lisboa ao Brasil, em 1808, trouxe modificações à paisagem cultural brasileira. Com a vinda de D. João VI, portanto, nascia o ensino superior brasileiro e o processo de autonomia política que iria culminar na Independência do país décadas depois. A educação do período colonial, conclui Xavier (1980, p. 22), ficou reduzida a algumas poucas escolas e aulas régias. Mas a Fase Joanina (1808 – 1821)1 da educação brasileira não se refletiu em nenhuma mudança no cenário educacional da região Oeste do Paraná, por ter sido um período muito curto da história, e também por ser este período considerado como fase intermediária entre o Brasil-Colônia e o Brasil Imperial. Esta fase da história educacional brasileira foi inaugurada quando da transferência da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808, período em que foi aqui instalada a primeira imprensa, a abertura das bibliotecas públicas e de algumas escolas técnicas. Mas, como informam Peris e Braga (2003), a estruturação de um novo sistema educacional no país ainda não ocorreu 1 1808 a 1821. Em 1808 a família real deixou Portugal, fugindo da invasão das tropas napoleônicas, e se instalou no Rio de Janeiro. A elevação do Brasil à condição de Reino Unido colocou o país numa posição de supremacia dentro do império português. Em 1821, D.João VI retorna a Lisboa e deixa aqui seu filho D. Pedro, o qual mais tarde se tornou líder da emancipação política brasileira. A partida da família real havia sido forçada pelas Cortes Gerais, que overnavam Portugal desde a Revolução Liberal do Porto, ocorrida em 1820. Por determinação das Cortes, o Brasil perderia seus privilégios e voltaria novamente a se submeter ao governo da metrópole. O período é marcado pela vinda da corte real portuguesa, fugindo da invasão napoleônica. A chegada da família real e da corte mudou a paisagem cultural do Brasil. O país passa a viver um ambiente de efusão cultural, em que se destacam a criação do Museu Real, do Jardim Botânico, da Biblioteca Pública e a Imprensa Régia. No setor educacional, surgem os primeiros cursos superiores, embora baseados em aulas avulsas e com um sentido profissional prático. Dentre eles, distinguiam-se a Academia Real da Marinha e a Academia Real Militar (depois transformada em Escola Militar de Aplicação), que formavam engenheiros civis e preparavam a carreira das armas. Já os cursos médico-cirúrgicos do Rio de Janeiro e da Bahia foram o embrião das primeiras Faculdades de Medicina. Assinala-se ainda a presença da Missão Cultural Francesa, que possibilitou a criação da Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, em 1820. 17 nesta época. Somente após a Proclamação da Independência, em 1822, é que surgiram as primeiras manifestações no sentido do poder público estruturar um sistema nacional de educação. Xavier (1980) citada por Peris e Braga (2003) indica que por ocasião da independência o país ainda não contava com nenhuma forma organizada de educação escolar. A partir do governo de D. Pedro I, inicia-se um processo de transferência de poder para um mesmo grupo de beneficiários, com acréscimo dos "letrados" aos cargos administrativos e políticos para o preenchimento do quadro funcional do Estado. As Faculdades de Direito, de São Paulo e Recife, criadas em 1827, passaram a formar os futuros funcionários do governo (OLIVEIRA, 2004). Em 1822, após a proclamação da Independência do país, D. Pedro I reconhece a necessidade de uma legislação específica sobre instrução pública. A primeira Constituição do país, que vigorou de 1823 ao fim do Império (1889), estabeleceu a gratuidade da instrução primária para todos os cidadãos, previa a existência de colégios e universidades, mas não obrigou o Estado pela oferta do ensino. Peris e Braga (2003) afirmam que a gratuidade da oferta de ensino público estatal foi um fracasso pela absoluta inexistência de meios técnicos e financeiros. Em 1827 foi aprovado um modesto projeto de lei sobre educação, que propunha apenas a criação de Escolas de Primeiras Letras, muito aquém das Escolas Primárias, previstas na Constituição. Em 1834, por meio de um Ato Adicional do Imperador, foi promovida uma das primeiras políticas de descentralização administrativa, conferindo às Províncias o direito de legislar sobre a instrução pública e de promover estabelecimentos próprios, excluindo os de níveis superiores, o que vai possibilitar uma dualidade de sistemas, com a superposição de poderes (provincial e central) relativamente ao ensino primário e secundário. Ao poder central ficou reservado o direito de promover e regulamentar a educação no Rio de Janeiro e a educação de nível superior, em todo o Império. Às Províncias foi delegada a incumbência de regulamentar e promover a educação primária e média em suas próprias 18 jurisdições (ROMANELLI, 1999). No contexto da dominação econômica e política da oligarquia rural, não era interessante ao Estado a implantação de um sistema nacional de ensino para uma sociedade rural e escravista, lembram Peris e Braga (2003) por não ser necessário à economia naquele momento histórico. Percebe-se, assim que a educação é movida de acordo com as necessidades do campo produtivo. O ensino somente passou ao encargo do Estado num período posterior, quando a sociedade brasileira já vinha apresentando características de transformação em seu modelo econômico, sobretudo em meados do século XX, período em que começaram a aflorar manifestações consideradas modernizadoras na sociedade brasileira como a urbanização e a industrialização. A província do Estado do Paraná foi criada em 1853, quando este foi desmembrado do Estado de São Paulo. De acordo com Peris e Braga (2003, p. 440), quando o Paraná foi tornado província, sua população era extremamente pequena e rarefeita, constituída por “52.059 habitantes livres e 10.189 escravos, totalizando 62.258 pessoas”. Quando a província foi criada estava ainda em vigência o Ato Adicional de 1834, que impunha às províncias a implantação de escolas e desenvolvimento da educação. No entanto, não estavam ainda estabelecidas no Paraná as bases sociais e econômicas que vislumbrassem o processo de urbanização, o que de fato somente veio a ocorrer de forma bastante tardia. A tendência à organização societária rural e o conseqüente domínio político econômico dos setores oligárquicos, mais a escassez de recursos e a ausência de pessoas preparadas para o exercício do magistério foram fatores que determinaram, por algumas décadas, o desastre da estruturação de um sistema de ensino na então Província do Paraná. Ainda que em 1854 tivesse sido estabelecida a “obrigatoriedade da instrução às crianças dos 6 a 14 anos residentes a menos de uma légua da casa escolar […] esta obrigatoriedade 19 não foi cumprida, pela ausência de pessoas preparadas ou dispostas a executar este trabalho mal remunerado” (EMER, 1991, p. 205). Com a obrigatoriedade do ensino, pais e tutores ficaram responsáveis por enviar as crianças à escola, mas estavam isentos desta obrigatoriedade os que comprovassem residir a mais de uma légua da escola e os que comprovassem que as crianças estariam recebendo instruções em casa ou em escolas particulares. O primeiro sistema escolar adotado na Província do Paraná foi o das Casas Escolares. Nesse sistema os professores eram contratados e remunerados pelo Governo Provincial que por sua vez, tinham a incumbência de alugar uma casa ou sala, formar a classe e ensinar as “primeiras letras”. Muitos professores não cumpriam as exigências impostas pelo Governo, que enviava inspetores para verificar as condições em que estava sendo ofertado o ensino. Como era de se esperar, as condições físicas e o próprio ensino em si eram de baixa qualidade. O resultado do desastre desta política educacional não tardou a aparecer: “Em 1882, com a reforma eleitoral do Império, passou a ser exigida, no ato do voto, uma assinatura. Por esta nova disposição, foi descoberto que 80% dos eleitores paranaenses não sabiam ler e escrever”. (EMER, 1991, p. 205). Essa exigência na votação fez aumentar consideravelmente o número de escolas criadas pelo poder público, mas uma grande parte destas instituições, apesar de terem sido criadas, permaneciam fechadas por falta de professores. Os imigrantes do Estado do Paraná não esperaram a iniciativa do governo para provirem os filhos da educação formal. Inicialmente, organizaram uma forma de prover o ensino que Emer (1991, p. 206) definiu como “escolarização familiar”, que consistia numa organização diferenciada do ensino na qual um determinado grupo de crianças reunia-se na casa de alguém disposto a ensinar. Por volta do século XIX e mais especificamente no início do 20 século XX, “os imigrantes passaram a construir suas escolas e a contratar seus professores” (Emer, 1991, p. 206). Esta modalidade educacional surgiu de uma necessidade, dado o aumento da demanda populacional por ensino, uma vez que os determinantes econômicos, agora pautados na produção agrícola mercantil orientada pela organização urbano-industrial que começava a tomar perfil no Brasil, exigia dos colonos “o domínio sobre um maior número de informações necessárias nas práticas sociais e políticas” (idem). Os imigrantes visavam o ensino que pudesse prover seus filhos a reprodução da cultura, dos costumes e da religiosidade da nação de origem. Por isso não faziam questão da intervenção do Estado. Por vezes, as escolas coloniais locais firmavam acordos de subvenção com o governo, mas as diretrizes do ensino eram mantidas pelo grupo de colonos. Mas este tipo de escola passou a despertar o interesse do Estado, que estava tentando construir uma identidade nacional via educação. Não era conveniente ao governo que as escolas ensinassem costumes e principalmente a língua estrangeira nas escolas. Assim, a partir de 1901 o governo do Estado do Paraná passou a subvencionar somente os professores que ensinassem o português. Como esta língua não era de interesse dos imigrantes, estes tendiam a retirar seus filhos da escola quando esta era a única opção. Organizavam nova escola e contratavam o respectivo professor. Emer (1991, p. 208) descreve com bastante riqueza este interessante conflito de princípios estabelecido entre Estado e colônias de imigrantes: “O Estado pretendia que a educação desempenhasse o papel de instrumento de nacionalização e homogeneização da população paranaense pela eliminação da heterogeneidade de línguas. O interesse dos colonos imigrantes era a manutenção dos traços de sua nacionalidade.” Ainda de acordo com Emer (1991), este conflito de interesses entre governo estadual e colônias de imigrantes perdurou por algumas décadas. A partir de 1914, o Estado passou a coagir as colônias de imigrantes que mantinham escolas de ensino em língua estrangeira: as instituições eram inspecionadas e fechadas em nome da nacionalização da população. Em 21 1920 a competição continuou existindo. A falta de recursos estatais para manutenção do ensino era eminente e, dado o interesse na nacionalização da população, o governo estadual passou a receber recursos do governo federal para dar continuidade às políticas de subvenções de escolas de colonos imigrantes. Somente em 1925 o governo estadual foi vencedor nesta queda de braço: amparado pela lei, recebeu do governo federal recursos para serem aplicados exclusivamente na manutenção das escolas rurais. De acordo com Emer (1991), entre os grupos sociais pioneiros da região Oeste do Paraná, podem ser identificados pelo menos quatro formas de escolarização e modalidades de escola: a prática de escolarização ou simplesmente instrução sem instituição escolar, que era a forma de ensino ministrada por uma pessoa que tivesse condições de fazê-lo, no lar do aluno ou organizados em grupos. Eram ensinados na casa de um dos membros do grupo ou mesmo do professor; a segunda forma destacada é a casa escolar, construída e mantida pelo grupo social pioneiro, mas sem ou com pouca intervenção financeira e curricular estatal; a terceira forma de organização educacional: a casa escolar pública dos núcleos urbanos, onde já existia a presença de algum serviço público; por fim, a quarta distinção: o grupo escolar, que se distinguia fundamentalmente por ser um tipo de escola construída em núcleos de povoamento mais desenvolvido e pela sua forma de funcionamento. Nas formas anteriores de modalidades educacionais o fundamental era aprender a ler e escrever No grupo escolar, a comprovação da escolaridade primária dava-se mediante exame, onde se destacava a preocupação em “passar” para a série seguinte, “num processo gradual de comprovação de conhecimento dos conteúdos definidos pelo ‘sistema’ educacional como requisitos de cada série” (EMER, 1991, p. 216). Em 1920 o Estado do Paraná sofreu um importante impulso ocupacional de migrantes vindos do Sul em busca de terras. “Os gaúchos, descendentes de imigrantes europeus, partem em busca de novas terras devido ao desmembramento de suas propriedades em heranças sucessivas. Entretanto, estes novos colonos mantêm-se isolados dos centros comerciais do Leste e do litoral, por causa da precariedade dos meios de transporte”. (BECKER, et al., 1988, p. 25). 22 Enquanto isso, a Oeste, o povoamento ainda era lento e gradual, não sofrendo grandes movimentos populacionais, tendo por população tão somente os “caboclos, posseiros e invasores que desmatam a floresta e praticam uma agricultura primitiva” (idem). O povoamento da região Oeste do Paraná só vai se intensificar a partir de 1940, como afirma Becker et al. (1988), impulsionado por uma ação conjugada entre governo e companhias privadas de colonização. Também a educação passou a assumir novos contornos a partir de então, influenciada tanto pela intensificação populacional como pelo processo de urbanização e industrialização, em função do Pós-Guerra, quando aumentou a demanda nacional e internacional de alimentos e ocorreu a intensificação da industrialização no Brasil. Para ter uma noção de quão retardatário foi a implementação do processo de escolarização na região Oeste do Paraná, de acordo com Emer (1991), do período de 1889 a 1912 (datas de criação e extinção da Colônia Militar de Foz do Iguaçu, respectivamente), não existiu em Foz do Iguaçu escola ou grupo escolar. Para os moradores da região, o ensino era privilégio das crianças de famílias abastadas que podiam manter os estudos dos seus filhos em outras localidades, outros centros urbanos, ou mesmo nos países vizinhos, o que é coerente com a sociedade de classes, que acentua cada vez mais a desigualdade social. E, mesmo quando o grupo escolar foi criado, em 1923 (suas atividades tiveram início em 1928), contraditoriamente, a criação da instituição de ensino só foi possível graças a um convênio firmado entre o Estado e a Paróquia. A paróquia de Foz do Iguaçu foi fundada em 1923, devido à grande dificuldade de acesso dos padres de Guarapuava (cidade de quem Foz do Iguaçu foi sede neste período), mesmo ano em que foi firmado acordo entre o Estado e a Igreja. Mesmo antes de ser construído, o grupo escolar ficou sob a direção de um padre paroquial. É interessante observar esta 23 parceria, que naquele momento justificou-se pela ausência, na região, de professores formados para o exercício do magistério. O ensino, assim, era ministrado por um sacerdote e por duas professoras escolhidas pelos padres entre a população de Foz do Iguaçu. Somente entre 1929 e 1930 a sede de Foz do Iguaçu passou a contar com normalistas formadas e, a partir de então, firmou-se parceria entre o Estado do Paraná e o Município de Guarapuava, de forma que os padres não mais necessitaram cumprir com o papel de ministrar aulas, passando a dedicar-se exclusivamente ao exercício do sacerdócio. O grupo escolar era mantido pela parceria, onde os salários das professoras passaram a ser pagos pelo governo estadual. De acordo com Peris e Braga (2003), de 1889 a 1930, a nível nacional, o sistema educacional passou por uma seqüência frustrada de reformas, que não trouxeram significativa melhoria para a educação como um todo. No entanto, no período que começa em 1930 são perceptíveis algumas mudanças, influenciadas por alguns fatos ocorridos nesta época: Revolução de 1930, industrialização, urbanização, populismo, desenvolvimento do espírito nacionalista. No que se refere à educação rural, principal forma educacional presente na região Oeste do Paraná desta época, Gritti (2003), relata que é a partir de 1930 que o atendimento escolar à população rural começa a ganhar relevância por parte dos governos federal e estadual. Estas informações são confirmadas pelo estudo de Emer (1991) em sua dissertação de mestrado. E, porque somente a partir de 1930 o Estado passa a mostrar maior preocupação com as questões educacionais? Na visão de Emer (1991), a escola era considerada uma das alavancas para a reorganização do capitalismo naquele período, pois o Estado via nessa instituição uma possível auxiliar na reprodução de papéis sociais, no interior de sua própria concepção capitalista de sociedade, na reprodução da força produtiva – melhoria da qualidade de mão-de-obra para a produção da riqueza em geral – a difusão do ensino como necessário ao progresso, à produção da mais-valia. O Estado pretendia, pela ação da escola, 24 introduzir um novo conceito de realidade, na ótica de sua concepção ideológica, excluindo a possibilidade de uma ação transformadora. A escola devia ser apenas criadora de possibilidades, mediante o esforço das camadas subalternas de atingirem níveis para viver na sociedade delineada pelo poder político do Estado. Enquanto estas formas de organização educacional se faziam presentes em várias regiões do país, sobretudo nas que tiveram colonização européia, a região Oeste do Paraná ainda não estava colonizada. O Paraná foi colonizado, a princípio, no litoral (região do Guarapuava) e primeiro planalto (região de Curitiba). Como forma de incentivo, grandes quantidades de terras eram doadas ou cedidas para colonização à empreiteiras e outros empreendimentos. O Norte paranaense foi colonizado por grandes proprietários de terra paulistas. O grande impulso ocupacional do território paranaense esteve sempre condicionado à criação de infra-estrutura, como estradas e estradas de ferro, que davam à população mínimas condições de deslocamento e de escoamento da produção. Merece destaque, também quanto à colonização do Oeste, a intenção do governo em suplantar a precariedade dos transportes, quando, no final da década de 1950 deu início a um programa de organização de infra-estrutura nessa área. Durante as primeiras décadas de colonização, devido à ausência do Estado, estabeleceu-se na região Oeste do Paraná a forma de escolarização denominada por Emer (1991) como “escola dos colonos”. Muitos dos colonos, vindos especialmente do Rio Grande do Sul, ao chegarem aqui traziam consigo um professor que seria o responsável pelo ensino. Os colonos providenciavam a estes mestres uma residência para instalar-se com sua família e se responsabilizavam pelo pagamento de seu salário. Os parágrafos a seguir, escritos por Emer (1991) explicam como se dava essa organização: Ao mesmo tempo que os imigrantes construíram a infra-estrutura de sobrevivência enquanto colonos, construíam também a sua escola; 25 escolhiam, dentre o grupo colonial, seu professor. Construída a escola e escolhido o professor, o grupo colonial reunido definia o currículo escolar, isto é, o que desejavam que a escola ensinasse a seus filhos. A escola era realmente deles e produzia conhecimentos de seu interesse e na sua ótica de percepção e interpretação de mundo, isto é, uma escola a serviço do grupo colonial (idem, p. 244). O professor na escola dos colonos era escolhido pela comunidade colonial que tinha construído a escola para seus filhos. Essa escolha envolvia uma série de questões importantes para o próprio grupo; afinal, seria a quem confiariam seus filhos para formar homens e mulheres nas suas perspectivas de vida. Segundo diversos depoimentos, os professores eram escolhidos por consenso do grupo colonial, a partir de critérios ou traços comuns deduzíveis de suas falas […]. Um exemplo de apreço e cuidado que os colonos tinham com seu professor é o que aconteceu no distrito de Novo Sarandi – Toledo. Um grupo de colonos que lá se estabeleceu, junto com suas mudanças, trouxeram de Sarandi – RS a da família de seu professor. Para convencer a acompanhá-los, adquiriram para ele um lote no núcleo urbano, construíram casa e adquiriram uma chácara próxima para produção de gêneros alimentícios […] (ibdem, p. 255). […] o exemplo explicita que a subsistência de sua família não podia depender exclusivamente do salário de professor. Cotizar-se entre si e proporcionar meios de vida a seu professor indica quanto os colonos levavam em conta a questão da educação para seus filhos. Por outro lado, o mesmo fato revela também a dificuldade que tinham em dispor de pessoas, consideradas suas concepções, em condições de serem escolhidas para ensinar. (ibdem, p. 256). Com o aumento da população, houve o conseqüente aumento da urbanização, que demandou escolarização a nível mais elevado que o primário. A região Oeste que estava se estruturando quanto aos seus meios de produção, era formada por municípios muito jovens, que não dispunham de recursos financeiros, nem quadro de magistério formado para oferta de níveis mais elevados de escolarização. Portanto, durante mais uma década a escola de colonos continuou sendo a principal forma de oferta de escolarização formal na região Oeste do Paraná. No entanto, esta entrou em crise no final da década de 1950 quando se ampliaram as necessidades educacionais, diminuindo as possibilidades de encontrar professores formados e disponíveis para a formação desejada pelos colonos e, principalmente, quando passou a haver uma maior intervenção do Estado no sentido de definir uma política educacional para toda sua 26 abrangência. Nesse sentido, Peris e Braga (2003, 455), citando Emer (1991), concluem: A década de 1960 foi marcada pela demanda de ensino ginasial, mas o atendimento só foi estabelecido pelo Poder Público Estadual, na segunda metade ou no final da década. A demora no oferecimento desta escolarização deveu-se, em parte, à falta de professores habilitados. Somente no final da década o Estado promoveu concursos públicos para suprir a demanda de professores. Apesar da crise, os colonos lutaram pela recuperação de sua escola, via formação de professores. Para tanto, foram criadas as Escolas Normais Regionais, algumas contando com internatos para a hospedagem de alunos que moravam longe da sede. Ainda no que se refere à luta dos colonos para não perderem sua escola, Peris e Braga (2003, p. 455) destacam: […] mesmo diante das dificuldades para recuperação de sua escola, os colonos não desistiram. E mobilizaram-se para construir inúmeros colégios confessionais, que teriam professores de seus próprios quadros. Grande número de colégios de religiosos e de outros grupos confessionais foi fundado, entre 1955 e 1965. No entanto, os esforços dos colonos entraram em choque com os acontecimentos históricos relacionados a questões econômicas, políticas e sociais. A escola dos colonos definhou-se, especialmente por três fatores: a Lei de Diretrizes de Bases de 1961 determinou que os professores deveriam estar habilitados para o ensino primário na Escola Normal Colegial, formação esta que os antigos professores das escolas de colonos não tinham; as escolas onde os professores leigos continuavam lecionando não ofereciam um ensino que atendesse às necessidades contextuais que foram sendo postas e a não apropriação do saber considerado necessário para as relações sociais. O segundo fator foi a ampliação das relações sociais proporcionada pelo aumento populacional, que teve como principal determinante a expansão da produção econômica, sobretudo das atividades comercias. A partir destes fatores, houve o crescimento da demanda educacional advindo de um outro público que não o dos colonos. O terceiro fator foi o significativo número de municípios que passaram a ser emancipados a partir da década de 19502. A emancipação do grande 2 Guaíra – 1951; Toledo – 1951; Cascavel – 1951; Guaraniaçu – 1951; Palotina – 1960; Marechal Cândido Rondon – 1960; Terra Roxa do Oeste – 1960; Matelândia – 1960; Medianeira – 1960; Catanduvas – 1960; 27 número de municípios levou a uma maior intervenção do Estado nas questões educacionais, com a ampliação da oferta da escola pública. Os colonos, em verdade, não se opunham à escola pública, no entanto, queriam ter um ensino voltado aos seus interesses. A tentativa dos colonos em recuperar sua escola moveu-se no sentido de construção de inúmeras escolas confessionais, com professores do seu próprio quadro. Algumas destas instituições iniciaram pela oferta do ensino primário, passando em seguida à oferta do ensino ginasial, outros, iniciaram com o ensino primário, ginasial comercial e depois ofertando o curso técnico em contabilidade, como cita Emer (1991), os exemplos dos colégios Marista e Lassalista. Ainda assim, as tentativas de recuperação das escolas dos colonos mostrou-se instável em função das rápidas mudanças ocorridas na região. A partir da década de 1960 foi consolidada a demanda pelo ensino ginasial, mas este não foi ofertado imediatamente, devido principalmente à falta de professores habilitados para o ensino neste nível. No final desta década, as congregações entraram em crise, devido à grande evasão de religiosos, reduzindo ainda mais o número de profissionais habilitados e disponíveis para o exercício do magistério. Contraditoriamente, foi na década de 1960 que a Região Oeste do Paraná passou a formar e estruturar seu sistema educacional. A oferta deste nível de ensino não ocorreu imediatamente. O atendimento à esta demanda só se estabeleceu por parte do Poder Público a partir do final da década de 1960, quando o Estado promoveu os primeiros concursos públicos professores. para suprir a demanda de O intenso processo de estadualização do ensino público foi o fator mais importante de definhamento da escola dos colonos. A década de 1960 foi marcada pela incorporação e definição da estrutura educacional da região Oeste do Paraná. Já estava consolidada a formação dos 18 núcleos urbanos e as sedes de municípios, contando com oferta de ensino proveniente das escolas confessionais, estaduais e dos grupos escolares municipais. A partir de então, conforme Peris e Braga Corbélia – 1961; Formosa do Oeste – 1961; São Miguel do Iguaçu – 1961; Capitão Leônidas Marques – 1964; Céu Azul – 1966; Assis Chateubriand – 1966; Santa Helena – 1967; Nova Aurora – 1967 (PIERUCCINI et al, 2003). 28 (2003) a população urbana passou a reivindicar outros níveis de escolarização. A centralização da questão educacional por meio da SEED – Secretaria de Estado da Educação fez com que a escola ficasse cada vez mais afastada da sociedade. Esta secretaria passou a definir questões tais como: os cursos de treinamento de professores, o currículo e os conteúdos. O momento político3 vivenciado pelo país naquele momento consistiu também num fator de intimidação para qualquer movimento social reivindicatório, ou qualquer outra organização, como a educacional. Aliás, bem sabiam os militares bem como os “Imperadores” do capitalismo mundial a que estavam subordinados, do poder ideológico da escola, do qual utilizavam a seu favor. Também se fez presente na região Oeste do Paraná alguns traços do modelo educacional que caracterizou a educação a nível nacional neste período: o caráter tecnicista, que, num amálgama com ranços tradicionais e alguns vícios do escolanovismo, contribuiu para a precarização da qualidade do ensino. Nos últimos anos da década de 1960 a Região sofreu novas alterações internas que modificaram inclusive suas características antropológicas: “a chegada dos mineiros e nordestinos, que se embrenharam na mata, longe das linhas onde já estavam estabelecidos os colonos descentes de europeus” (PERIS e BRAGA, 2003, p. 449). Este fator levou a região a uma forte heterogeneização da população, dos usos e costumes, as perspectivas de vida e do sistema produtivo. A maior parte desta população de origem nortista não era proprietária, dependendo dos cultivos de feijão e algodão, onde trabalhavam na colheita. Assim, não residiam por muito tempo em um determinado local. Tendiam a viver no campo nos períodos de colheita e nos vilarejos quando não havia trabalho. Esta instabilidade resultou numa grande evasão das crianças destas crianças em idade escolar neste período. 3 Em 1964 o país sofreu o Golpe que levou os Militares ao poder. Com a ditadura, ações populares e reivindicatórias são condenadas e duramente reprimidas. Este sentimento intimidatório se faz presente também na região Oeste do Paraná, constituindo, juntamente com outros fatores, elemento que justifica a transposição pacífica de uma forma de escola inteiramente voltada aos interesses dos seus usuários – como foi a escola dos colonos, para a escola pública estatal, verticalmente imposta, tal como vinha se configurando neste período histórico. 29 Conforme Emer (1991), as escolas rurais existentes eram precárias: tendiam a ser multisseriadas, os professores em geral tinham baixa escolarização, muitos inclusive sequer haviam concluído o ensino primário. Sofriam também com a carência e inadequação do material didático. Tentando contornar este problema, as prefeituras da Região Oeste do Paraná montaram uma equipe junto à Secretaria ou Departamento de Educação4, que centralizava o planejamento curricular, o desenvolvimento dos conteúdos e a avaliação. Realizavam visitas periódicas às escolas, promoviam encontros de professores, realizavam verdadeiros treinamentos, sob a perspectiva tecnicista da educação. Os currículos permaneciam por muitos anos inalterados, ainda assim consistiam no único material de apoio para os professores das escolas rurais. Serviam de base para a formulação das avaliações aplicadas pelas equipes de supervisão, que, durante as visitas, aplicavam exercícios aos alunos (tabuada, ditado, leitura) como forma de avaliar seus desempenhos. O considerado início da modernização da agricultura, no final da década de 1960/início de 1970, acelerou o desemprego de trabalhadores rurais, bem como inviabilizou a pequena agricultura, cujos proprietários rendiam-se e vendiam suas terras, dando margem à formação de propriedades com extensas quantidades de terras que empregavam pouca mãode-obra para cultivo. Essa situação ilustra a centralização do capital que a cada dia que passa está maior, o que significa que, neste processo, o número de expropriados e famintos também aumenta ininterruptamente. Este movimento veio também a inviabilizar a existência das escolas rurais, ao mesmo tempo em que aumentou a demanda por escolas nos perímetros urbanos. 4 Emer, 1991. O autor não especifica quantos municípios foram representados nessa comissão. Ainda assim, julgamos a informação relevante para este estudo como forma de identificar prematuramente uma intenção por parte dos órgãos responsáveis pelo ensino na região na mobilização por educação coerente com as necessidades específicas do Oeste do Paraná. 30 As conseqüências dessas mudanças foram desastrosas para a educação, pois muitas das populações evadidas dos perímetros rurais concentraram-se na periferia dos centros urbanos ou em perímetros rurais extremamente retirados, em ambos os casos, distante do acesso à escolas. Foram muitos os casos de evasão, desistência e repetência escolar por conta destas transformações. Estes acontecimentos geraram novas condições sociais, que, por conseguinte, geraram novas formas de demanda e um novo conceito educacional. A partir desta nova realidade foram promovidas ações no sentido de propor soluções aos problemas educacionais, dentre os quais, Emer (2005) cita quatro: a criação do ensino superior em algumas cidades na Região Oeste do Paraná; a implantação da reforma do ensino, determinada pela Lei 5.692/71; a implantação do Projeto Especial Multinacional de Educação do Ministério da Educação e Cultura e da Organização das Nações Unidas (Projeto MEC/OEA); e, por fim, a criação da Associação Educacional do Oeste do Paraná, cujas atividades dariam seqüência aos trabalhos até então desenvolvidos pelo Projeto MEC/OEA. De acordo com Emer (1991), a demanda por maiores níveis de escolarização justificou a criação das primeiras instituições de ensino superior. A escola secundária e ginasial requereu profissionais formados e habilitados para o exercício do magistério. A idéia central foi a de que melhorando a qualidade na formação dos professores seria possível a melhoria do ensino como um todo. Muitos dos profissionais que já exerciam atividades econômicas viram-se forçados a adequar-se à nova realidade, buscando elevar seu nível de escolarização. Com essa realidade, a década de 1970 assistiu ao significativo aumento de alunos cursando os cursos supletivos noturnos como forma de ajustarem sua formação aos níveis de escolarização requeridos para o mercado de trabalho, no qual muitos deles já se encontravam inseridos. Também nesta década foram multiplicados os números de escolas, construídas em parceria 31 entre prefeituras municipais e governo estadual. Apesar do excepcional crescimento da rede de ensino, esta ainda não era suficiente para o atendimento da demanda. Faltavam professores habilitados, licenciados e concursados. Muitos desses profissionais vieram para a região Oeste de outras regiões do estado e até do país. Assim, da mesma forma que ocorria noutros segmentos sociais, os professores não titulados sentiam-se permanentemente ameaçados de perder seu espaço de trabalho para os profissionais habilitados. Instituiu-se, neste contexto, uma situação de disputa de espaço sócioeconômico. Foi desta situação de disputa que surgiu a emergência da criação dos cursos superiores, dada a urgente necessidade que se fazia presente. A reivindicação de toda a região desse nível de ensino contou com amplo apoio político. Assim sendo, os primeiros cursos de formação a nível superior vieram a suprir a carência de graduação para os profissionais da educação. A Fecivel – Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Cascavel, primeira instituição de ensino superior da região Oeste do Paraná, autorizada em maio de 1972, ofertou os quatro primeiros cursos de graduação habilitando profissionais para licenciatura. Mais tarde foram implantados também os cursos de Pedagogia, com habilitação para Administração e Orientação Educacional, tendo por objetivo a formação de profissionais para orientar o processo pedagógico; e os cursos de Matemática, Ciências e Letras, que tiveram por finalidade suprir a demanda de professores destas áreas, que até então tinham formação somente no âmbito do segundo grau. Segundo Peris e Braga (2003, p. 462) “As primeiras turmas eram constituídas, quase que exclusivamente, por trabalhadores do ensino que buscavam, na graduação, a garantia do espaço de trabalho conquistado”. Os cursos superiores implantados em Foz do Iguaçu (1979), Toledo (1980) e Marechal Candido Rondon (1980), de acordo com Emer (1991) vieram a suprir outras demandas. Sem alternativas de geração de renda para a região, os novos cursos criados por estas faculdades tinham por objetivo a busca de qualificação para novos campos de trabalho por parte da população jovem. Criaram-se assim, cursos nas áreas de Economia, Administração de Empresas, Ciências Contábeis, Engenharia Agrícola, Enfermagem, entre outros. Foram 32 poucos os cursos de licenciatura criados nestas faculdades, estando entre eles: Letras (Foz do Iguaçu), Filosofia (Toledo) e Educação Física (Marechal). Embora a criação de tais cursos tenha contribuído para o avanço da região em vários aspectos, contraditoriamente, eles também foram excludentes, por serem remunerados, o que fez com que apenas alguns tivessem a possibilidade de cursá-los, reforçando a organização do modo de produção capitalista. Enquanto se deu a articulação deste nível de ensino para atender a uma determinada demanda imposta social e economicamente, a grande parte da população, excluída deste processo, foi privada, em muitos casos, até mesmo da escolarização mais elementar. Os filhos de proprietários de terras, antes da urbanização, freqüentavam a escola rural. Depois da urbanização, tiveram acesso à escola os que conseguiram se instalar, dentro do espaço urbano, em regiões em que houvesse escolas próximas. Os que se instalaram nas periferias urbanas ou que tiveram que permanecer nos espaços rurais, quase que despovoados em conseqüência do processo de modernização da agricultura, ficaram privados do acesso à escolarização. Tendo exposto algumas questões norteadoras no sentido de debater a construção do espaço sócio-histórico da região Oeste do Paraná e de como se deu o processo de criação de seu sistema educacional, procurou-se tecer as bases para a compreensão de um fenômeno que veio a culminar com a criação da Associação Educacional do Oeste do Paraná – ASSOESTE. Os pontos aqui levantados deixam a indicação de que a região Oeste do Paraná, por diversos fatores, nunca teve acesso a um pleno desenvolvimento educacional. Os fatores econômicos, tais como o tardio povoamento, o pouco tempo de sobrevivência da agricultura familiar, e uma urbanização forçada pela mecanização da agricultura fizeram com que o sistema educacional que aqui se criou fosse ação remediadora de problemas que já se encontravam consolidados. 33 É consenso entre os pesquisadores que estudaram a constituição do sistema educacional da região Oeste do Paraná a grande importância que a ASSOESTE exerceu no sentido de criar um ambiente de discussão onde se procurou discutir as questões educacionais voltadas aos interesses da população oestina. No próximo capítulo far-se-á um estudo aprofundado da ASSOESTE, onde serão discutidos os elementos que resultaram na sua criação, seus feitos, seu processo de ascensão e declínio. 34 SEGUNDA PARTE 3 ASSOESTE – ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL DO OESTE DO PARANÁ 3.1 O Projeto Especial Educacional Mec/Oea Estudar a origem da ASSOESTE – Associação Educacional do Oeste do Paraná implica a identificação de dois momentos distintos: o primeiro foi a criação do Projeto Especial Multinacional de Educação Brasil – Paraguai – Uruguai - MEC/OEA; e o segundo, com a extinção deste, a criação da ASSOESTE, que veio a cumprir com o papel de dar continuidade ao trabalho que o Projeto Especial vinha desenvolvendo até então. Este projeto foi criado em 1975, como resultado de um esforço internacional para diminuir os impactos e os problemas sociais gerados pelas transformações econômicas e pelas conseqüências da construção de grandes obras. No período da implantação do projeto, já havia sido iniciada a Itaipu, uma construção que teve repercussão a nível internacional. O projeto, desenvolvido em cooperação com os governos desses três países buscava o fortalecimento da infra-estrutura educacional nas regiões de atuação deste Projeto Especial com o fim de prepará-las para solucionar os novos e variados problemas gerados pelas transformações sócio-econômicas-culturais, produzidas pelos grandes empreendimentos de caráter econômico, sobretudo pela construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. A implantação do Projeto e o desenvolvimento de seus planos de ação exigiam uma ampla articulação dos órgãos educacionais municipais, estaduais e federais, polarizando estudos a respeito da realidade educacional regional. Para execução dos planos, o Projeto tinha uma Coordenação no MEC – Ministério da Educação e Cultura e uma Coordenação de Área, localizada em Cascavel - Paraná, na época assumida pelo Professor José Kuiava (EMER, 2005). 35 A coordenação de Área compreendeu que o projeto poderia produzir resultados ineficazes e improdutivos se antes não houvesse clareza no que diz respeito aos principais problemas existentes na região. Nesse sentido, o primeiro passo do desenvolvimento do projeto foi a realização de um minucioso trabalho de diagnóstico regional. O diagnóstico situacional foi concluído em 1978 e revelou, dentre outros, os seguintes problemas: índices de evasão e repetência em torno de 65% nas primeiras séries do 1º grau (atual Ensino Fundamental) de 65%5; tardio ingresso dos alunos à escola, que somado ao índice de evasão e repetência resultava numa grande defasagem idade-série; baixo rendimento escolar (professores não habilitados ou não treinados para o exercício do magistério; falta de domínio de conteúdos; metodologia de ensino defasada); grande êxodo e mobilidade populacional, que atingia inclusive os professores, fazendo com que muitos dos que iniciavam o ano letivo não o concluíssem; tardia substituição de professores; material didático-pedagógico caro e inadequado à realidade sócio-cultural regional; péssima localização das escolas; carência de material de apoio; insuficiência de salas de aula (escolas multisseriadas). O diagnóstico mostrou que o comprometimento da qualidade da educação não tinha origem somente dentro da escola; haviam fatores exógenos que refletiam seus resultados na escola. Dentre estes fatores citam-se: deficiência na saúde da população (contaminação de verminose, deficiência auditiva ou visual) e trabalho infantil (KUIAVA, 2005; EMER, 2005)6. Na verdade, estes e outros problemas são características do modo de produção capitalista que acentua continuamente as desigualdades sociais e, conseqüentemente, os prejuízos da miséria se tornam cada vez maiores. 5 EMER, 1991. Ainda segundo este educador, os índices de reprovação e evasão das demais séries iniciais também eram muito ruins, mas os números que revelavam a situação das 1ªs séries eram os que se sobressaíam em termos de ineficiência. 6 EMER, 2005 – entrevista concedida em 17 de fevereiro de 2005; KUIAVA, 2005 – entrevista concedida em 03 de março de 2005. Ambos forneceram a mesma informação, de forma que optamos por citar as duas referências, não sendo possível discriminar uma das duas como mais reveladora. 36 Segundo Kuiava (2005), o Projeto contava com recursos de aproximadamente U$ 2,5 milhões/ano. Através deste Projeto, foi possível proporcionar ao professorado da região cursos de formação, a ter acesso a materiais especificamente elaborados a eles bem como passaram a ter apoio didático-pedagógico, etc. Educadores altamente qualificados, vindos de instituições de renome nacional passaram a ser convidados para ministrar cursos de formação. Os cursos eram destinados não somente ao professorado, como também a outros profissionais que compunham o conjunto do sistema educacional regional, como por exemplo, secretários municipais de educação, supervisores, coordenadores de escolas e das próprias Secretarias Municipais de Educação, diretores, outras autoridades, especialistas, enfim, o quadro técnico responsável pelo planejamento e execução das atividades educacionais. A primeira medida tomada a partir do Projeto Especial foi a “Chamada Escolar”. As famílias foram convocadas, mediante campanhas dos órgãos educacionais e esclarecimento público via meios de comunicação, a matricular seus filhos na escola mais próxima, independentemente da existência de vagas. Este chamamento público criou uma demanda por escola maior do que as instituições podiam comportar. Para que fosse possível atender a esta demanda maior, o atendimento escolar ocorreu em salões de festas e igrejas, enquanto o poder público não providenciasse novas salas de aula ou novas escolas. Concomitantemente a esta ação, deu-se início ao processo de formação dos professores que já atuavam na área. Para tanto, o Projeto Especial realizou convênios com a SEED – Secretaria de Estado da Educação e com o CETEPAR - Centro de Treinamento de Professores do Paraná. Os cursos de treinamento foram num primeiro momento orientados para a formação de professores alfabetizadores, onde estes profissionais tiveram a oportunidade de conhecer e desenvolver práticas educativas por meio do método desenvolvido pelo professor Erasmo Pilotto (KUIAVA, 2005; EMER, 2005). Este método tinha uma certa penetração junto ao professorado do Paraná via Escolas Normais e foi escolhido por exigir poucos conhecimentos teóricos e domínio específico dos professores 37 habilitados (EMER, 1991). A primeira experiência de formação para professores alfabetizadores a partir do método Erasmo Pilotto ocorreu em Toledo, em 1976 e seus resultados foram considerados animadores pelos organizadores. Nos anos subseqüentes, milhares de professores da região tiveram a oportunidade de realizar este curso, só em 1982 foram 6.778. Além da melhoria das condições técnicas, metodológicas e dos materiais utilizados no processo de ensino, outras ações foram desenvolvidas como forma de buscar a melhoria do ensino. Cabe citar o programa de atendimento na área de saúde dos alunos, como por exemplo, a desverminação da população escolar mediante exames de laboratório e aplicação de medicamentos (EMER, 2005). Os efeitos deste programa, segundo Emer (1991), foram inócuos, pois a contaminação por verminose ocorria como conseqüência da falta de saneamento básico. Assim, na mesma proporção em que eram desverminadas, eram novamente infestadas. Por outro lado, Emer não abre mão de defender este programa, que, apesar de não ter surtido os efeitos desejados, serviu para alertar e pressionar as autoridades e o poder público a implantar os serviços de saneamento básico. Tinha-se o entendimento de que boa parte dos problemas educacionais poderiam ser reparados por meio da formação de docentes. Para tanto, havia grande necessidade de um ensino superior capaz de prover esta formação. A região necessitava de docentes, e estes vinham de outras regiões do Paraná e até do Brasil, o que justificava a urgência no fortalecimento e ampliação do ensino superior. Segundo Emer (2005) a melhoria no ensino superior seria capaz de melhorar os níveis educacionais anteriores: o fundamental e médio. Desde 1972 a região passava a contar com o ensino superior ofertado pelas faculdades isoladas. Com o apoio do Projeto Educacional Especial foi possível a ampliação do número destas faculdades: em 1979 Foz do Iguaçu passou a contar com uma instituição de ensino superior; em 1980, Marechal Cândido Rondon e Toledo (EMER, informação verbal, 2005). 38 A região Oeste do Paraná, por conta do Projeto Especial MEC/OEA, passou a colocar em circulação várias idéias educacionais. O Projeto nasceu com previsão de conclusão, tendo sido desenvolvido para auxiliar os governos a sanar alguns problemas sociais que se faziam evidentes. Sua realização proporcionou, entre outras ações, a ampla mobilização na região Oeste do Paraná na discussão dos problemas educacionais e a possibilidade de planejar soluções para os mesmos. A primeira fase do projeto teve início em 1975 e foi até 1979, quando foi prorrogado para durar mais quatro anos. Assim, o Projeto Especial de Educação MEC/OEA foi concluído em 1982, sendo que em 1983 elaborou-se o Relatório Final. Dos oito anos de duração do Projeto, três foram destinados à realização do diagnóstico sócio-econômico-educacional da região. Foram realizadas inúmeras atividades de formação para os professores, elaboração de material, intervenção junto à comunidade escolar no sentido de buscar a melhoria da qualidade educacional. Mas, como assegura Emer (1991), até o final da década de 1980 o processo de alfabetização havia centralizado as ações, ainda que outros problemas também tivessem sido identificados em outras séries iniciais. Havia o interesse de diversos setores e segmentos político-econômico e educacionais no sentido da ampliação e continuidade das ações até então desenvolvidas. 3.2 A ASSOESTE Com a evidência do fim do Projeto Especial Multinacional de Educação Brasil – Paraguai – Uruguai – MEC/OEA, prefeitos e demais autoridades da região mobilizaram-se no sentido de lutar pela manutenção desta proposta educacional. Criou-se, para dar continuidade às atividades até então desenvolvidas pelo Projeto Especial a ASSOESTE, financiada por 20 municípios oestinos7, as faculdades existentes8 e o sistema cooperativista. 7 Ao comemorar seus 15 anos, em 1995, a ASSOESTE já contava com 45 municípios filiados: Anahí, Assis Chateaubriand, Boa Vista da Aparecida, Braganey, Cafelândia, Campo Bonito, Capitão Leônidas Marques, Cascavel, Catanduvas, Céu Azul, Corbélia, Diamante do Oeste, Diamante do Sul, Entre Rios do Oeste, Formosa do Oeste, Foz do Iguaçu, Ibema, Iguatu, Iracema do Oeste, Itaipulândia, Jesuítas, Lindoeste, Marechal Cândido Rondon, Maripá, Matelândia, Medianeira, Mercedes, Missal, Nova Aurora, Nova Santa Rosa, Ouro Verde do Oeste, Palotina, Pato Bragado, Quatro Pontes, Ramilândia, Santa Helena, Santa Tereza do Oeste Santa Terezinha de Itaipu São José das Palmeiras, São Miguel do Iguaçu, São Pedro do Iguaçu, Terra Roxa, Toledo, Tupãssi, Vera Cruz do Oeste e 4 cooperativas: COTRIGUAÇU – Cooperativa 39 As transformações sócio-econômicas regionais, a ampliação da mobilização desencadeada pelo Projeto Especial MEC/OEA na discussão da educação, a efetiva participação da AMOP – Associação dos Municípios do Oeste do Paraná, a busca de novas alternativas de desenvolvimento cooperativo e outras formas associativas de superar problemas coletivos criaram condições efetivas para a constituição de uma organização de âmbito regional que sucedesse o Projeto (EMER, 1991; KUIAVA, 2005). Neste contexto e com estes componentes foi criada, em agosto de 1980, a Associação Educacional do Oeste do Paraná, constituída e mantida por 20 municípios seis cooperativas agropecuárias, uma central de cooperativas e as instituições de ensino superior da região. A Secretaria de Estado da Educação, apesar de não ser membro da Associação, foi, até meados de 19879, parceira da entidade, e em muitos momentos contou com ela para divulgação de trabalhos, metodologias e diretrizes educacionais como forma de fortalecer a difusão das idéias educacionais na região Oeste (como foi o caso do Currículo Básico para a Escola Pública do Estado do Paraná). Os principais objetivos desta instituição foram: promover o desenvolvimento educacional em todos os graus e níveis; produzir e experimentar novos materiais didáticos; produzir ou socializar novas metodologias de ensino e desenvolver recursos humanos para a educação10. Nos dois primeiros anos de sua existência, além de contar com as contribuições Central Regional Iguaçu Ltda,- Cascavel, COPACOL - Cooperativa Agrícola Consolata Ltda - Cafelândia do Oeste, COOPAGRO - Cooperativa Agrícola do Oeste Ltda - Toledo, COOPAVEL – Cooperativa Agropecuária Cascavel – Cascavel 8 Cascavel e Foz do Iguaçu já tinham suas faculdades isoladas: FECIVEL – 1972 e FACISA – 1979, respectivamente. No ano de criação da ASSOESTE os municípios de Toledo e Marechal Cândido Rondon passaram a contar com faculdades: FACITOL e FACIMAR respectivamente, ambas criadas em 1980. As faculdades de Foz do Iguaçu, Toledo e Marechal Cândido Rondon contaram com o apoio do Projeto Especial MEC/OEA na constituição de suas instituições de ensino superior. Quando da criação da ASSOESTE os diretores das quatro instituições se fizeram presentes, e as faculdades foram sócias fundadoras da Associação (EMER, 2005). 9 A parceria foi rompida por iniciativa do Governo Estadual a partir do Governo Álvaro Dias por questões políticas. A partir de então o Estado passou a elaborar seus próprios cursos de formação e planejamento educacional. 10 ASSOESTE – Estatuto, “De suas Finalidades”, citado por EMER, 1991. 40 das faculdades, cooperativas, municípios, ainda contava com os repasses do Projeto Especial MEC/OEA, que vigorou até 1982. É interessante perceber o interesse do sistema cooperativista na manutenção das atividades educacionais. Parte dos projetos e ações, principalmente no interior, aconteciam na área de interesse das cooperativas, que viam na Associação uma possibilidade de difusão do pensamento cooperativista, da solidariedade, entre outros aspectos. Ainda com recursos do Projeto Especial, nos anos 1981 e 1982 a ASSOESTE desenvolveu sua infra-estrutura, contratou pessoal e formou sua equipe de trabalho para responder ao papel dela requerido. Para tanto, organizou-se em três setores básicos: Departamento Editorial e Gráfico; Departamento de Desenvolvimento e Recursos Humanos e Departamento de Estudos Regionais e Apoio à Pesquisa. De forma estratégica, os coordenadores dessa Associação priorizaram como ações a serem desenvolvidas a montagem do próprio parque gráfico, a gráfica e a editora, para que a mesma pudesse produzir seus materiais didático-pedagógicos para as prefeituras, faculdades, enfim, tudo que fosse necessário em termos de impressão e divulgação de material. Dentre as ações mais significativas que a ASSOESTE desenvolveu, como forma de continuidade do Projeto Educacional Especial MEC/OEA, foi a realização anual do planejamento educacional da região Oeste. Dele participavam os Secretários de Educação e seus assessores, diretores de escolas, professores e outros profissionais da área. A partir destas discussões era possível estabelecer uma unidade de ações educacionais entre os municípios da região, trocar experiências, debater sobre os problemas concernentes à educação dos municípios, buscar alternativas teórico-metodológicas para encaminhá-los. Definiam-se as linhas teóricas a serem seguidas, os temas e conteúdos comuns a fim de que os municípios da região não desenvolvessem, cada um em seu município, ações isoladas e desarticuladas. O trabalho de formação para professores alfabetizadores, iniciado ainda no Projeto Especial 41 MEC/OEA resultou na produção de uma cartilha que recebeu o título “A Porta Mágica”, organizada pela professora Isolda Peixoto Ruoso, técnica do CETEPAR. A cartilha foi editada pela editora da ASSOESTE em 1981. Segundo Emer (1991), foram editados 40.000 exemplares os quais foram distribuídos gratuitamente às escolas rurais regionais e periferias urbanas dos municípios dela integrantes, para professores que adotassem o método Erasmo Pilotto. Foi produzido também um caderno que acompanhava a cartilha: “Manual do Professor” da mesma autora, com orientações de aplicação do método na prática em sala de aula. Segundo Kuiava (informação verbal, 2005), a cartilha foi recomendada pelo MEC e adotada em diversas regiões do país, inclusive no nordeste. Num só ano foram distribuídos 150.000 exemplares, chamando a atenção inclusive de grandes editoras, que naquela época se interessaram em comprar os direitos autorais da referida cartilha. Os direitos autorais não foram vendidos e enquanto foi distribuída, foi a ASSOESTE quem a reproduziu (KUIAVA, informação verbal, 2005). A metodologia de Erasmo Pilotto foi sendo, com o passar dos anos, superada por ser considerada mecanicista, repetitiva e não muito criativa. Outros métodos de alfabetização foram adotados contemplando as perspectivas interacionistas e integracionistas. Madalena Freire de São Paulo e Isolde Terezinha Feil de Ijuí, foram grandes colaboradoras nessas novas propostas de Alfabetização, que objetivavam, mais que as anteriores, acima de tudo a formação de um aluno crítico, capaz de ler o mundo e, quando possível, nele intervir. Mesmo com seus limites, não há dúvidas sobre a importância do método Erasmo Pilotto naquele momento histórico, tanto que serviu satisfatoriamente, por alguns anos, como orientador da prática pedagógica de muitos alfabetizadores da região (EMER, informação verbal, 2005). Segundo Emer (1991; 2005), um momento significativo da ASSOESTE ocorreu no ano de 1982, quando as discussões da educação regional apontavam que, para além da alfabetização, fazia-se necessária a construção de outras alternativas para melhorar a qualidade de ensino nas demais séries iniciais. Juntamente com a falta de preparo dos docentes, outro problema identificado foi a dissonância existente entre o material didático- 42 pedagógico adotado nas escolas e a realidade sócio-econômico-cultural do aluno. A partir desta constatação foi sendo nutrida a vontade política de realização de um trabalho que culminasse na recuperação histórica dos valores culturais das pessoas antigas, dos agentes responsáveis pela colonização territorial do Oeste do Paraná. Os técnicos da ASSOESTE passaram então a procurar parceria para a realização deste projeto de recuperação histórica do Oeste do Paraná. A partir de discussões, firmou-se parceria entre ASSOESTE e a Fundação Fidene (Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul)11 para a realização deste projeto que foi denominado “Projeto Memória”, do qual o Professor Ivo Oss Emer foi coordenador (EMER, 2005). O desencadeamento do projeto contou com uma fase onde professores organizados em grupos, em seis municípios regionais, desenvolveram um trabalho de aprofundamento teórico-metodológico tendo por objetivo identificar e registrar as manifestações culturais das comunidades. A partir dos registros obtidos, segundo Kuiava (2005), a Fidene enviou ao Oeste do Paraná um grupo de 21 monges, que permaneceram na região por um período de 40 dias fazendo coleta de informações. Foram escolhidas mais de 40 famílias pioneiras para serem entrevistadas. Os monges ficavam hospedados nas residências dessas famílias e coletavam os dados de forma informal, por meio de conversas, ouvindo os “causos” e as histórias dos colonos. Desse trabalho resultou um material composto de mais de 250 horas de entrevistas gravadas, material esse que depois de transcrito se traduziu em dois volumes de aproximadamente 1.500 páginas cada12. Também do Projeto Memória resultou a produção de 2.500 textos didáticos produzidos a partir dos registros obtidos em análises de documentos, entrevistas e outras formas de 11 Atual UNIJUÍ. Esta informação foi obtida em entrevista com Kuiava em 2005. Considera-se relevante mencionar o método de coleta de dados deste projeto, que pareceu tão simples e ao mesmo tempo revelou informações extremamente preciosas. Kuiava (2005), por ocasião da entrevista lamentou que este riquíssimo material não tenha sido guardado em local específico, para servir de fonte para as mais diversas investigações. O professor afirma não saber quem ficou com o material, acredita até mesmo que ele possa ter sido extraviado, o que seria uma perda irrecuperável em termos de informações históricas, até mesmo porque parte dos colonos entrevistados por ocasião do projeto já eram bastante idosos e possivelmente já tenham falecido. 12 43 obtenção de informações por diretores de escolas, professores, colonos, estudantes, comerciantes, pessoas consideradas de renome nas cidades onde viviam (médicos, advogados, etc), e consistiam no registro de histórias, fatos ocorridos e outras informações tendo por tema a vida do colonizador da região Oeste. A partir dos textos didáticos, foram selecionais 52 que constituíram o livro didático de Integração Social “Repensando o Oeste do Paraná”. A metodologia deste livro consiste na apresentação dos textos que serviam de pretexto para análise e discussão das realidades vividas pelos alunos. A partir da problematização de sua realidade os alunos produziam seus próprios textos, tratando de seu mundo e de como eles percebiam as relações sociais estabelecidas com outros segmentos sociais. A ASSOESTE também programou algumas ações para serem desenvolvidas nas cooperativas, como forma de retorno de sua contribuição, porém não na perspectiva que as cooperativas pleiteavam. A Associação via no cooperativismo uma forma de organização social, imprescindível aos colonos dessa região para a construção de um coletivo forte. As cooperativas, por sua vez, desejavam dessa associação a difusão de uma mentalidade que resultasse na maior participação e até no aumento do número de cooperados. Havia certamente um conflito de interesses entre as expectativas da ASSOESTE e as das cooperativas13. A referida Associação enfrentou algumas dificuldades quanto ao encaminhamento de seu trabalho por pautá-lo por uma linha teórica que objetivava uma leitura da realidade para além do aparente, numa perspectiva de totalidade, que buscava desvendar interesses, ideologias e contradições. A exemplo disso, pode-se citar alguns entraves quando da seleção dos textos para publicação produzidos a partir do Projeto Memória. Alguns desses 13 Entende-se, a partir da declaração feita pelo professor Emer (2005), que as cooperativas viam na ASSOESTE uma possibilidade de ampliação de abrangência quanto a aspectos comerciais. Esta, por sua vez, jamais manifestou intenção de reduzir seu trabalho a semelhante aspecto. Ainda assim, esta parceria resultou na produção de algumas cartilhas e também de obras, exemplo: BAGGIO, Adelar Francisco (organizador). Elementos de Cooperativismo e Administração Rural, Ijuí, FIDENE/ASSOESTE/COTRIGUAÇU, 1984,192p. 44 textos retratavam os conflitos pela posse da terra, questões fundiárias e colonos expulsos da terra por jagunços contratados por grandes empresários madeireiros, o que levou a SEED (Secretaria Estadual de Educação) a tentar censurá-los. Não somente por este fato, mas também pela pressão que seus organizadores sofreram como um todo, pode-se afirmar que o Projeto Memória foi um dos programas que mais movimentou a discussão da educação na região e também o que sofreu maiores restrições de segmentos sociais que temiam a revisão histórica e o desenvolvimento de níveis de consciência e integração da população. Outro momento de grande importância nas realizações da ASSOESTE foi o seu envolvimento com as instituições do ensino superior no Oeste do Paraná. Depois de 5 anos de atividades educacionais (sendo 2 deles de forma conjunta ASSOESTE/Projeto Especial MEC/OEA), os dirigentes da Associação perceberam que suas experiências encaminhavam-se para um nível de estrangulamento teórico-metodológico caso não se fizessem avanços relativos à fundamentação teórica das ações e projetos desenvolvidos. Para tanto, em 1981, quando ainda haviam recursos do Projeto Especial, a coordenação decidiu pela organização de cursos de formação tendo por objetivo o desenvolvimento de recursos humanos locais para que dois alvos fossem atingidos: renovação e aprofundamento questões de teórico/metodológicas e barateamento de custos administrativos posteriores, em função da possibilidade de dispor de recursos humanos locais. Foram então programados cursos de Especialização Lato Sensu14 em língua portuguesa, com professores vindos da UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas e do ISAE – Instituto de Estudos Avançados em Educação da Fundação Getúlio Vargas. A metodologia do curso previa a aceitação da forma de comunicação que o aluno leva para a escola, isto é, sua língua dialetal e a partir dela a introdução da produção de textos, escritos e reescritos, visando levar o aluno a chegar cada vez mais próximo da linguagem padrão. Além da 14 Este trabalho visou sobretudo a formação do professor de ensino de 5ª a 8ª séries e antigo 2º Grau (hoje ensino médio). O Projeto foi desenvolvido pela parceria entre ASSOESTE e Governo Estadual. Em meados de 1987/88, durante o Governo Álvaro Dias, o Governo Estadual rompeu a parceria com a ASSOESTE por motivos políticos. (GNOATTO, 2006) 45 produção de textos, a metodologia previa a leitura de textos curtos e longos, tendo por objetivo a superação de deficiências na leitura. (EMER, 1991; KUIAVA, 2005). A análise lingüística partiria dos textos explorados e/ou produzidos pelos os alunos. Esta experiência da oportunização do embasamento teórico-metodológico nas escolas do então nível de ensino denominado 1º grau, trouxe como resultado várias publicações. A primeira delas foi a publicação dos textos de fundamentação teórica, uma obra organizada por João Wanderley Geraldi, com o título “O Texto em Sala de Aula”, publicado (como não poderia deixar de ser) pela ASSOESTE em 1984. Em 1991 o livro já estava na sua 7ª Edição e contava com uma vendagem de mais de 24.000 exemplares. Atualmente seus direitos autorais pertencem à Editora Ática. Outro foco que movimentou as ações da ASSOESTE e que não pode deixar de ser mencionado neste trabalho foi sua decisiva contribuição na criação da Unioeste Universidade Estadual do Oeste do Paraná. As faculdades existentes na região até 1983, quando as ações em torno da organização de uma universidade regional tomaram corpo, eram mantidas por fundações municipais e por isso não tinham condições de se expandir e garantir a qualidade dos seus cursos de graduação. Nenhuma das instituições tinha efetivas condições de realizar ensino com qualidade, pesquisa e extensão como atividades acadêmicas permanentes. A partir de então passou-se a construir um esforço coletivo envolvendo agentes educacionais da ASSOESTE, representantes das faculdades regionais e entidades de apoio à causa do ensino público e de qualidade. O objetivo desse esforço conjunto era vincular as instituições e transformá-las numa única fundação mantenedora com a participação de recursos do Estado. De 1984 em diante a ASSOESTE esteve à frente de uma intensa mobilização para aproximar as faculdades isoladas, promovendo encontros de estudos, envolvendo diferentes segmentos sociais e seus órgãos de representação, políticos, órgãos e representantes do governo do Estado. Este processo viabilizou, em 1987, a criação da Federação das Faculdades do Oeste do Paraná, quando o Estado assumiu a folha de 46 pagamento das instituições regionais, depois de infindáveis confrontos e barganhas. Em 1988, a Federação foi transformada em Fundação Estadual de Ensino Superior do Oeste do Paraná – Funioeste, atual Unioeste – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, uma Universidade Multicampi, cuja carta-consulta de reconhecimento foi aprovada em 1994 (EMER, 1991; KUIAVA, 2005). A partir de 1990, por conta do estrangulamento financeiro sofrido pelos municípios de todo o país, a ASSOESTE começou a passar por problemas financeiros, pois a maior parte de seu financiamento provinha dos repasses feitos pelas prefeituras municipais. Como conseqüência, deixou de realizar os eventos de grande porte, característicos da Associação, bem como foi tendo dificuldades de cumprir com suas obrigações institucionais. Segundo Emer (2005), o primeiro sintoma dos problemas financeiros foi o não recolhimento das contribuições da previdência social dos funcionários. Aos poucos, também a gráfica já não teve mais condições de produzir e reproduzir seus materiais, ao mesmo tempo em que se recusava a produzir materiais para fins comerciais. Seus melhores quadros técnicos tanto na área educacional, quanto comercial, administrativa ou de produção deixaram a Associação em busca de outras oportunidades de trabalho. As cooperativas, pelos motivos já expostos, também pararam de contribuir com ela. Assim, esta Associação sofreu um profundo e irreversível processo de definhamento. Essa crise afetou, sobretudo, os municípios pequenos já que os grandes dispunham de recursos humanos e financeiros para a realização de seus próprios cursos de formação, realização de eventos, palestras, debates, etc. Já os pequenos tinham, na ASSOESTE, a única possibilidade de poder fornecer aos seus educadores as oportunidades de formação continuada, de discussões e participação de eventos. Ao longo de mais de 20 anos de história a ASSOESTE marcou profundamente a história da educação no Oeste do Paraná. Os feitos desta Associação se realizaram pautados no profundo comprometimento daqueles que dela fizeram parte em prol da melhoria da 47 qualidade do ensino público. Os projetos por ela desenvolvidos se caracterizaram pela inovação, pelo comprometimento com o povo oestino – sua história, sua formação, suas derrotas e conquistas. Atuou de forma incisiva na transformação da educação, de modo que seus efeitos foram sentidos também na forma de pensar e agir dos educadores que puderam compreender a educação como uma forma muito mais complexa e orgânica de formação social. A educação pensada de forma crítica e transformadora fez dos educadores do Oeste do Paraná sujeitos mais críticos, não somente quanto à questões relativas à educação, mas sobretudo na sua forma de ver o mundo. Entre as pessoas contatadas, que fizeram parte da história da ASSOESTE, e que hoje ainda desempenham papel importante dentro do processo de educação dos municípios do Oeste do Paraná são unânimes em afirmar que a ASSOESTE foi e é o maior processo de resgate da educação de toda a região oeste do Paraná. Muitos afirmam15 que já estão sentindo falta da atuação desta entidade, pois principalmente os municípios menores estão sem o mínimo apoio e os professores não estão recebendo as mesmas condições de outrora, levando-se em conta que ASSOESTE finalizou suas atividades no ano de 2002. Em 2003 estas foram lentamente retomadas pela AMOP– Associação dos Municípios do Oeste do Paraná, com a criação do Departamento Educacional. Hoje esse Departamento já conta com a participação de coordenadores de área, que, embora com uma carga horária ínfima, estão dando continuidade aos encontros periódicos com as equipes municipais de ensino, aos cursos nos municípios (em menor escala), bem como estão sistematizando uma proposta de educação para a região, com estudos nas diferentes áreas do conhecimento. Não se sabe qual será o futuro desta iniciativa da AMOP, se terá tanto sucesso e fará tanta diferença como fez a 15 KUIVA (2005), EMER, (2005), BOMBARDA (2006), SOARES (2006) e VENDRUSCOLO (2006) – educadores que atuaram na ASSOESTE – acreditam que a AMOP dificilmente conseguirá realizar o mesmo trabalho que a ASSOESTE porque a AMOP é uma organização política, que executa atividades orientadas de acordo com as vontades políticas de seus dirigente, e que, portanto, terá seu cunho ideológico comprometido com estes interesses políticos, diferentemente da ASSOESTE, que por ser uma associação independente, refletia os interesses de formação dos educadores do oeste, orientados inclusive pela concepção materialista histórica da educação. A Professora Ema Gnoatto, que foi por durante alguns anos diretora da ASSOESTE e é hoje Diretora do Departamento de Educação da AMOP, acredita que as atividades educacionais da AMOP tendem a se estender de modo a virem um dia a suprir a demanda por formação, articulação, organização e planejamento, buscando paulatinamente desempenhar pela educação papel semelhante ao que a ASSOESTE desempenhou. 48 ASSOESTE. Mas a existência do esforço no sentido de recuperar suas atividades deixa clara uma certeza: a ASSOESTE fez e faz muita falta para o Oeste do Paraná. 49 CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização deste trabalho possibilitou a compreensão das condições históricas que levaram ao surgimento da ASSOESTE, uma Associação que durante sua existência atuou de forma decisiva na melhoria das condições educacionais do Oeste do Paraná. De forma sintética, pode-se citar duas contribuições que este trabalho pode proporcionar. O primeiro diz respeito ao levantamento por meio do qual se reconstitui a História da Educação no Oeste do Paraná. As informações levantadas indicam que esta região chegou à metade da década de 1970 com uma estrutura educacional bastante defasada não por conta de fatores momentâneos e isolados, mas em decorrência da organização da sociedade de classes, de modo particular, pelo abandono desta região por parte dos governantes desde sua colonização. As primeiras experiências educacionais que por aqui ocorreram foram possíveis graças à iniciativa dos próprios colonos, que construíam suas próprias escolas e contratavam seus professores como forma de garantir o mínimo de escolarização a seus filhos. O Estado manteve-se ausente enquanto pode e, quando assumiu para si a responsabilidade de prover a educação à população oestina, as questões educacionais ficaram ainda por muito tempo fora das pautas de prioridades governamentais, de forma que ao longo do tempo os problemas educacionais foram se acumulando: precária qualificação dos educadores, turmas multisseriadas, ausência de apoio e material pedagógico. Os resultados do histórico descaso, associados às condições de vida da maior parte da população, explorada pela organização capitalista, se traduziram nos elevadíssimos índices de repetência e evasão presenciados ainda nas décadas de 1970/80. Com esse entendimento, pode-se afirmar que até a criação do Projeto Especial MEC/OEA não houve, nesta região, a efetiva preocupação em se resolver os problemas educacionais historicamente acumulados, aliás, estes problemas nem ao menos haviam sido precisamente identificados. Quando o Projeto foi criado, a necessidade de um sério levantamento diagnóstico revelou a precariedade da situação educacional no Oeste do Paraná. As 50 atividades planejadas para contribuir na solução dos problemas educacionais não previam resultados momentâneos. As ações do Projeto levaram em conta a efetiva participação dos diversos elementos constitutivos do contexto educacional e a formação contínua dos educadores. O Projeto acabou, mas suas ações tiveram continuidade na ASSOESTE, visto que o mesmo implementou a idéia de que problemas amplos e complexos exigiam ações amplas e complexas, e que se os problemas não são provocados por fatores isolados, então suas soluções também não podem ser encontradas a partir de decisões de um número reduzido de cabeças pensantes. Os melhores resultados alcançados pela ASSOESTE certamente não podem ser quantitativamente mensurados, contudo, entende-se que seu trabalho contribuiu significativamente para elevar o nível educacional, não somente quanto a aspectos técnicos, mas, principalmente na busca de um entendimento de homem, de sociedade e de educação, sob a perspectiva do materialismo histórico dialético. Esta compreensão, perseguida, principalmente por constantes reflexões teórico-metodológicas junto aos professores e seus respectivos coordenadores, contribuiu para a formação de um homem mais politizado, mais conhecedor das relações sócio-político-econômicas em que está envolvido e, conseqüentemente, dentro dos limites do modo de produção vigente, preparado para tomar decisões mais coerentes e por que não, muitas vezes, até intervindo em seu meio. Esta é uma constatação difícil de ser comprovada, porém pode ser melhor apurada em futuras pesquisas, privilegiadas, de preferência, por um maior espaço de tempo. Há que se ter presente que por mais de vinte anos de existência a ASSOESTE foi responsável por uma infinidade de atividades e projetos elaborados coletivamente pelo conjunto dos educadores representantes dos municípios que dela faziam parte. E esta idéia não foi deixada morrer: quando o Projeto Especial MEC/OEA chegou ao fim, a idéia da continuidade das ações educacionais regionalizadas continuou viva na ASSOESTE; quando a ASSOESTE teve seu fim, sua idéia resistiu no Departamento Educacional da AMOP – 51 Associação dos Municípios do Oeste do Paraná, que de forma diferenciada, vem contribuindo para a formação continuada dos professores de muitos municípios da região Oeste. O importante é que se dê sustentação à idéia de pensar coletivamente a educação no Oeste do Paraná, seja em forma de um Projeto, de uma Associação ou de um Departamento Regional de Educação. Esta idéia precisa ser mantida sempre em pé, resistindo aos contratempos e às intempéries que lhe são historicamente impostas. 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