Revolução
também estão reproduzidas em diversas mídias e disponibilizadas na internet. Mas,
como nos lembra Leandro Karnal, é importante que o professor leia também os
grandes clássicos da historiografia sobre o assunto, como Burckhardt.
VER TAMBÉM
Antiguidade; Arte; Barroco; Burguesia; Humanismo; Iconografia; Mercantilismo;
Modernidade.
SUGESTÕES DE LEITURA
BURCKHARDT, Jacob. A civilização da Renascença italiana. Lisboa: Presença, s. d.
BURKE, Peter. O Renascimento italiano: cultura e sociedade na Itália. São Paulo:
Nova Alexandria, 1999.
DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento. Lisboa: Estampa, 1984, 2v.
DURANT, Will. A Renascença: a história da civilização. Rio de Janeiro/São Paulo:
Record, 2002, v. V.
KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.
São Paulo: Contexto, 2003.
MARQUES, Adhemar; BERUTTI, Flávio; FARIA, Ricardo. História moderna através
de textos. São Paulo: Contexto, 1997.
REVOLUÇÃO
Palavra muito utilizada pela historiografia, revolução é uma das poucas categorias
das Ciências Sociais cujo significado não é controvertido. O problema, quando existe, está
no emprego político do termo, pois revolução é às vezes utilizada com o sentido de golpe
ou reforma. Primeiro, vamos definir uma revolução como um processo de mudança
das estruturas sociais. A palavra surgiu durante o Renascimento como referência ao
movimento dos corpos celestes, ganhando um significado político apenas no século
XVII, com a Revolução Inglesa. Nesse período, revolução significava retorno à ordem
política anterior que tinha sido alterada por turbulências. Assim, naquele momento, a
Revolução Inglesa não foi entendida como a guerra civil e a ascensão de Cromwell, mas
a volta à monarquia. Somente com a Revolução Francesa o termo ganhou o significado
que tem hoje: o de uma mudança estrutural, convulsiva e insurrecional.
Hector Bruit define uma revolução como um fenômeno político-social de mudança
radical na estrutura social; um confronto entre a classe que detém o poder do Estado e as
classes que se acham excluídas desse poder. Revolução é, assim, um confronto de classes.
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Revolução
O autor apresenta ainda algumas das características mais marcantes de uma revolução:
a rapidez com que as mudanças são processadas durante esse fenômeno e a violência
com que são feitas. Nesse sentido, uma revolução é sempre traumática porque tira a
sociedade de sua inércia, movimentando a estrutura social. Logo, toda revolução é vista
negativamente por seus contemporâneos.
Bruit trabalha com um tipo específico de revolução, aquela com base social e política. Mas o termo pode ser aplicado a diferentes áreas da vida humana: revolução
política, revolução cultural, revolução tecnológica. Assim como a contextos históricos,
como Revolução Francesa, Revolução Industrial. Revolução, como categoria de análise,
significa todo e qualquer fenômeno que transforma radicalmente as estruturas de uma
sociedade; quaisquer estruturas, e não apenas estruturas políticas, econômicas e sociais.
Na perspectiva política, a historiografia costuma classificar dois tipos principais de
revolução: as revoluções burguesas e as revoluções proletárias. Os principais modelos
são, respectivamente, a Revolução Francesa e a Revolução Russa.
A revolução burguesa, diz Modesto Florenzano, é um conceito adotado para
definir os fenômenos históricos protagonizados pela burguesia ou aqueles dos quais
ela foi beneficiada. Esse conceito está contextualizado no momento histórico do
nascimento do Capitalismo e de transformação da sociedade feudal em sociedade
burguesa, entre 1770 e 1850. Apesar da revolução burguesa clássica ser a Revolução
Francesa, as alterações políticas na Inglaterra entre 1640 e 1660 também são assim
descritas. Florenzano define ainda classe revolucionária: uma classe capaz de pôr
em prática um novo projeto social e de estabelecer uma nova sociedade. Florenzano,
como Bruit, considera que a revolução é um movimento de classe. Assim, para que
haja uma revolução é preciso primeiro que haja um conflito social, uma situação
de crise revolucionária. Sua tese é a de que a burguesia quase nunca foi uma classe
revolucionária, aparecendo quase sempre como reformista, não tendo iniciado nem
a Revolução Inglesa, nem a Francesa, nem liderado os principais momentos dessas
revoluções. Mas, sem dúvida, foi ela quem se beneficiou desses movimentos. Para o
autor, as revoluções burguesas foram mais consequência das forças desencadeadas
pela Revolução Industrial do que dos esforços revolucionários da burguesia.
Talvez a mais influente definição de revolução tenha sido a de Karl Marx e Friedrich
Engels. Cunhada em meados do século XIX, a ideia de revolução do materialismo
histórico influenciou não apenas os estudiosos, mas também os revolucionários,
impulsionando diversos movimentos políticos, inclusive a Revolução Russa. Marx
e Engels construíram o conceito de revolução pensando na revolução proletária
que deveria acontecer, a seu ver, inevitavelmente no Capitalismo. Para eles, uma das
exigências para a revolução proletária era que antes dela a revolução burguesa fosse
feita. Assim, não definiram só a revolução socialista, mas a revolução burguesa. Para
Revolução
eles, a Revolução Francesa foi o paradigma das revoluções burguesas: um movimento
social desenvolvido por uma burguesia revolucionária aliada a grupos populares que
derrubou as estruturas feudais. A revolução burguesa abriu espaço para o Capitalismo;
este, por sua vez, levaria à revolução socialista, desencadeada por uma nova classe
revolucionária, o proletariado, agora que a burguesia era a classe dominante. Essa tese
influenciou pensadores durante todo o século XX: de revolucionários como Lenin a
sociólogos como Florestan Fernandes.
Mas na América Latina, onde o desenvolvimento capitalista se deu de forma
diferente da Europa, é difícil aplicar esses conceitos de revolução burguesa e revolução
proletária. Alguns autores falam de revoluções camponesas, considerando esse termo
mais apropriado para a América Latina. Porém, nessa região, o imperialismo gerou
em especial revoluções caracteristicamente anti-imperialistas no século XX, não
burguesas ou proletárias. É Hector Bruit quem, ao se debruçar sobre as revoluções
mexicana, cubana e nicaraguense, defende que as revoluções latino-americanas
tiveram cunho mais nacionalista do que de classes. Mas ele ainda classifica a revolução
mexicana como burguesa e a cubana e a nicaraguense como proletárias, observando
sobretudo o resultado das revoluções. Não podemos esquecer, porém, que enquanto
esses movimentos estiveram ativos, setores da burguesia participaram da revolução
cubana, e os movimentos de massa foram fundamentais no México.
Importante noção atrelada ao conceito de revolução é a de contrarrevolução.
Florestan Fernandes nos diz que uma contrarrevolução é uma realidade histórica
contrária à revolução. É aquilo que impede uma revolução. Atualmente, autores
como Clóvis Rossi chamaram o golpe de 1964 de falsa contrarrevolução. Para esse
autor, os golpes militares na América Latina da segunda metade do século XX foram
fundamentados em uma filosofia que se dizia contrarrevolucionária, pregando a
tomada do poder por grupos de direita que procuravam impedir uma revolução
socialista. E, no entanto, nem no Brasil, nem na Argentina, nem no Uruguai, por
exemplo, havia uma revolução socialista em andamento, e os golpes militares foram
desfechados mesmo apenas contra a democracia.
Durante a própria vigência desses governos militares, os golpes de Estado que
lhes deram origem eram chamados de revoluções. Para Florestan Fernandes, o uso
da palavra revolução como sinônimo de golpe de Estado (principalmente no que
dizia respeito ao governo militar brasileiro e à tomada de poder em 1964) tem um
profundo caráter ideológico. Fernandes concorda que a definição de revolução oferece
pouca controvérsia: revolução é um fenômeno social e político de mudanças rápidas e
drásticas nas estruturas sociais, em que a ordem social vigente é subvertida. Mas o uso
das palavras sempre se remete às relações de dominação assim, empregar revolução
em vez de golpe de Estado para nomear um acontecimento que não transformou as
estruturas sociais é uma forma de escamotear a realidade histórica.
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Revolução
Também precisamos distinguir revolução de revolta. As revoltas são manifestações
populares de insatisfação, em geral de caráter mais efêmero, um protesto contra os
aumentos de preços, por exemplo. São muitas vezes espontâneas e sem organização
sistemática e, de modo diferente das revoluções, não chegam a alterar as estruturas sociais.
Se a historiografia trabalha de forma mais prolífica com o conceito político de
revolução, o que inclui as mudanças econômicas e sociais além de culturais, existe
todo um campo de estudo para as mudanças da técnica, o campo das revoluções
tecnológicas. Teóricos como Mandel definiram a revolução tecnológica como o
processo de mudanças radicais e qualitativas na base técnica sobre a qual se assenta
o sistema produtivo de uma sociedade. Os autores divergem sobre quantas e quais
foram as revoluções tecnológicas ao longo da história, mas quase todos concordam
com pelo menos uma, a Revolução Industrial. O conceito de Revolução Industrial,
inclusive, é questionável, pois para muitos é uma simples evolução da técnica. Para
aqueles como Francisco Iglésias que aceitam a definição de revolução, esse fenômeno
dos séculos XVIII e XIX é uma revolução em especial porque passa da manufatura
para a maquinofatura, ou seja, se até então os homens utilizavam ferramentas para
auxiliar a força humana, agora usavam a força da natureza nas máquinas. Também
substituíam a descoberta de técnicas, o que seria puro acaso, pela invenção, típica dos
estados mais “avançados” da civilização. Também Eric Hobsbawm fala de Revolução
Industrial como o processo em que o poder produtivo humano teria alcançado
níveis totalmente novos. Segundo ele, existiu uma Era das revoluções, o período entre
1789 e 1848, ou seja, entre a Revolução Francesa e a Revolução de 1848, momento de
desenvolvimento da Revolução Industrial e de muitas transformações da vida social
da Europa ocidental. Na verdade, ele fala de uma grande revolução que teria tomado
todo esse período e que teria mudado o rumo da história humana, com a ascensão da
indústria capitalista e da sociedade burguesa.
Alguns autores datam o surgimento da noção revolução na história. É o caso de
Henri Mendras, que, estudando as sociedades camponesas, afirma que a revolução
como fenômeno só surgiu em 1789, e antes disso as sociedades camponesas nunca
haviam feito uma revolução. Revoltas, levantes e sedições sim, mas revolução nunca.
Para Mendras, na Revolução Francesa, pela primeira vez, os camponeses se uniram
a outros grupos, estes urbanos, e tiveram facções dirigentes capazes de empreender
uma transformação radical no sistema de poder vigente.
Essas considerações nos levam a observar que todos esses autores usam o mesmo
conceito de revolução, o de transformação radical nas estruturas sociais. Se não há
dissenso sobre a ideia de revolução, devemos nos preocupar com a utilização da
palavra. Toda palavra tem seu significado e sua função específica na sociedade; assim,
toda palavra tem um uso político. Por isso devemos ser precisos com os conceitos e
Revolução Francesa
falar de golpe de Estado quando houver um e de revolução quando for o caso.
O emprego de um conceito por outro – como nesse caso citado – nunca é sem
consequências. Uma revolução é uma alteração profunda na sociedade, e quando
afirmamos que o golpe de Estado de 1964 foi uma revolução, estamos defendendo
que ele trouxe alterações sociais profundas, fato que não aconteceu.
VER TAMBÉM
Burguesia; Ditadura; Estado; Golpe de Estado; Ideologia; Marxismo; Massa/
Multidão/Povo; Revolução Francesa; Revolução Industrial; Tecnologia; Violência.
SUGESTÕES DE LEITURA
BRUIT, Hector. Revoluções na América Latina. São Paulo: Atual, 1988.
FARIA, Ricardo Moura. As revoluções do século XX. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2002.
FERNANDES, Florestan. O que é revolução. São Paulo: Brasiliense, 1984.
FLORENZANO, Modesto. As revoluções burguesas. São Paulo: Brasiliense, 1998.
GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. São Paulo: Contexto, 2003.
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
IGLÉSIAS, Francisco. A revolução industrial. São Paulo: Brasiliense, 1981.
MARQUES, Adhemar; BERUTTI, Flávio; FARIA, Ricardo. História contemporânea
através de textos. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2003.
MENDRAS, Henri. Sociedades camponesas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.). História da cidadania. São Paulo:
Contexto, 2003.
______; ______(orgs.). Faces do fanatismo. São Paulo: Contexto, 2004.
ROSSI, Clóvis. A contrarrevolução na América Latina. São Paulo: Atual, 1994.
REVOLUÇÃO FRANCESA
Talvez nenhum outro episódio histórico tenha sido tão debatido quanto a
Revolução Francesa. Os estudos produzidos sobre o tema contam-se às centenas.
Conhece-se sua trama política até nos detalhes. Aparentemente, pouco se teria a
discutir ainda sobre o tema, e, no entanto, não é isso que ocorre. A Revolução Francesa
é um desses acontecimentos que suscitam paixões, estimulando debates e polêmicas.
Não podia ser de outro modo: trata-se de um fato político da maior relevância para
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Revolução Francesa
toda uma época. No geral, a Revolução Francesa é reconhecida como o nascimento da
democracia moderna, pois enquanto a sociedade do Antigo Regime se fundamentava
na desigualdade entre os homens, surgiu pela primeira vez na história uma revolução
que tinha como bandeira a igualdade, a soberania do povo, a liberdade, a ideia de
Direitos do Homem. Segundo François Furet e Mona Ozouf, essa ruptura já exprime
a natureza ao mesmo tempo política e filosófica do movimento. E não é por acaso
que a Revolução Francesa é considerada o marco da transição da Idade Moderna
para a Idade Contemporânea.
Conceituar a Revolução Francesa é mais difícil do que parece, mesmo porque muitas
definições são construídas por diferentes visões historiográficas. A definição clássica, de
fundamentação marxista, é uma das mais utilizadas. Segundo ela, a Revolução Francesa
foi uma revolução política da burguesia. E essa classe, economicamente pujante no
século XVIII, mas politicamente excluída no Antigo Regime, teria assumido o poder
político formal pela revolução e, por meio dela, construído uma nova sociedade baseada
na ideologia liberal. Nesse sentido, a Revolução Francesa teria posto fim às estruturas
do Absolutismo e do Feudalismo e inaugurado a nova ordem capitalista. Essa definição
apóia a tese marxista de que a burguesia havia feito a sua revolução, e o passo seguinte
seria o proletariado fazer também a sua.
Muitos autores que estudam a Revolução Francesa reconhecem que havia um
descompasso entre as instituições arcaicas do Antigo Regime e as novas forças sociais
ascendentes. Essa, por exemplo, é a posição de Eric Hobsbawm, para quem a Revolução
Francesa não foi apenas mais um evento que abalou as estruturas do Antigo Regime,
mas um fato de consequências mais fundamentais para a contemporaneidade do que
qualquer outro, visto que foi uma revolução social de massa. Para esse historiador, se
a Revolução Industrial inglesa moldou a economia do mundo no século XIX, foi a
França, por sua vez, a Nação que deu às transformações econômico-sociais do período
uma linguagem política, com o liberalismo e a democracia. O próprio conceito
de nacionalismo é resultado da Revolução Francesa. Também Marx enfatizou a
especificidade desse fato histórico: sua velocidade, violência e abrangência. Para esses
pensadores, a Revolução Francesa não foi uma revolução comum, mas uma revolução
que sacudiu as instituições vigentes e propôs novas instituições e valores ao mundo.
Além disso, o discurso da Revolução Francesa teve caráter universal, tocando nos
anseios de todos os povos oprimidos e falando em nome deles por liberdade, igualdade
e fraternidade. Isso não significa dizer que a burguesia não tivesse projetos particulares,
pois ela foi, de fato, a real beneficiária desses novos valores, e não queria ir muito longe
no processo de radicalização. Mas toda revolução genuína, como diz Hobsbawm, tende
a ser ecumênica, e a Revolução Francesa é genuinamente uma revolução.
Revolução Francesa
Outro eminente historiador da Revolução Francesa é Albert Soboul. Também
de formação marxista, Soboul inicialmente interpretou a Revolução Francesa como
burguesa, mas de grande apoio popular, sobretudo dos camponeses. Ao longo de
seu amadurecimento intelectual, passou a caracterizar a Revolução Francesa como
uma revolução campônio-burguesa, chegando mesmo a usar a expressão revolução
camponesa para se referir ao evento. Soboul percebeu a importância das massas
camponesas nesse fato histórico e o fato de que sem elas o Feudalismo não teria
sido abolido. Tal afirmação hoje parece ser um consenso entre os pesquisadores.
Para ele, foi a revolução camponesa que impôs uma revolução burguesa no campo,
abrindo assim caminho para o Capitalismo.
Apesar de enfatizar a presença dos camponeses no evento, a interpretação de
Soboul pode ser descrita como “clássica”, porque remonta aos estudos de outro
historiador marxista francês, George Lefebvre, para quem a Revolução Francesa era
burguesa – Lefebvre expôs sua tese na década de 1920. Soboul, com uma interpretação
socioeconômica, retomou e ampliou a tradicional visão de Lefebvre. Contra essa
interpretação clássica, surgiram vários especialistas chamados de revisionistas, muitos
dos quais de origem anglo-saxã. Os argumentos dos autores revisionistas podem
ser assim expostos: a transformação social e econômica ocorrida no século XVIII não
acirrou o conflito entre nobreza e burguesia, pois cada um desses grupos era composto
por elementos tão heterogêneos, em termos de riqueza, posição social e perspectivas,
que sequer chegavam a constituir classes. Na verdade, o que teria havido foi uma
fusão dos escalões superiores da burguesia e da nobreza, criando-se uma classe de
“notáveis”, propensa à ideologia iluminista e coesa em pontos essenciais. Por que,
então, houve a revolução? Os revisionistas negam que ela resultou da luta de classes
entre nobreza e burguesia e entendem que o Antigo Regime ruiu pela confluência
de duas crises distintas ocorridas no final da década de 1780: a crise política oriunda
da bancarrota financeira da monarquia e a crise econômica agravada pelas más
colheitas. Para os revisionistas, a crise se tornou revolução. Em outros termos, como
havia nobres empreendedores e abastados, muitos deles eram adeptos e também
beneficiários das mudanças em curso: a França resultante seria menos uma França
burguesa em sentido estrito que uma França pelos e para os notáveis. Nesse ponto,
autores marxistas concordam que a burguesia só veio objetivamente a se estabelecer
de modo hegemônico no poder na chamada Terceira República, depois de 1871, mas
em pontos fundamentais as duas visões, a revisionista e a clássica, são inconciliáveis.
Outro ponto de discordância entre as duas interpretações é a influência do
Iluminismo nos acontecimentos da revolução. Na interpretação clássica, o Iluminismo
é a ideologia da burguesia. O Iluminismo, para os marxistas, tem relação inequívoca
com a Revolução Francesa. Ele configura um estágio historicamente importante no
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Revolução Francesa
desenvolvimento do pensamento burguês ocidental, sendo que as principais categorias
mentais da sociedade burguesa estavam presentes no pensamento iluminista: o
individualismo, a ideia de contrato, a igualdade, a universalidade, a tolerância, a
liberdade e a propriedade. Haveria, portanto, estreita correlação entre a revolução
burguesa ocorrida na França e o ideário iluminista. Todavia, a associação rápida entre
ideologia burguesa e ideologia iluminista perde de vista, segundo os revisionistas, a
heterogeneidade social e ideológica dos próprios pensadores do Iluminismo. Além
disso, argumentam eles, muitas parcelas da burguesia eram hostis ao Iluminismo, ao
passo que muitos nobres assumiam as ideias liberais então em voga nos salões e nas
academias. Não se poderia, portanto, fazer, como alguns marxistas, generalizações
do tipo: toda a burguesia é iluminista, ou a nobreza é avessa ao Iluminismo. Segundo
os revisionistas, as principais luzes haviam sido absorvidas pela alta sociedade do
Antigo Regime. A favor desse argumento está a constatação de que muitos pensadores
iluministas eram nobres, e não burgueses, e muitos leitores desses pensadores eram
também nobres. Muitos filósofos faziam mais críticas à religião revelada, associada ao
fanatismo, do que à nobreza da qual faziam parte. Seja como for, as duas interpretações
parecem concordar que o ambiente era bastante propício a que as ideias iluministas se
disseminassem e ganhassem força, chegando a influenciar a revolução, e configurando
uma das forças que desestabilizaram o Antigo Regime, como acredita T. C. W. Blanning.
A Revolução Francesa não foi uma revolução planejada e organizada. Os
fenômenos se sucederam, surgiram personagens na cena política, intervenções
estrangeiras, soluções para o prosseguimento do processo revolucionário, para
a estabilidade, e assim por diante. Não havia um líder, como não havia também
uma filosofia única que inspirava o movimento. Diferentemente de muitas outras
revoluções, ela não buscava realizar um retorno a um passado ideal, o resgate de
liberdades perdidas para o novo. Como notaram Furet e Ozouf, ela é uma promessa
sem fronteiras, aberta para um futuro ilimitado.
Assim, a leitura da Revolução Francesa deve estar atenta ao seguinte ponto:
uma coisa é a Revolução em si, cheia de cenas às vezes horríveis, cheia de eventos
que deixam escapar ambições puramente particulares; outra coisa é o despontar
de uma linguagem universal, de uma promessa que pode ser retomada por outras
revoluções. Muitos de seus ideais, universais na retórica do momento, tiveram de
ser conquistados ou ampliados por lutas posteriores. O professor de História, para
melhor discussão do tema, não pode deixar de projetar a Revolução Francesa para
a contemporaneidade, período que em grande medida ela criou. Além disso, o fato
histórico Revolução Francesa é uma fonte inesgotável de temas: é possível, a partir
dele, abrir espaço no conteúdo programático para discutir democracia, direitos
humanos, cidadania, nação, soberania, liberdade, terror etc.
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