Cinco Objectivos Estratégicos para Os Oceanos Sexta-feira, 19 de Novembro de 2004 No relatório "Um desígnio nacional para o século XXI", a Comissão Estratégica dos Oceanos aponta cinco objectivos estratégicos e apresenta as soluções possíveis para os pôr em prática. O PÚBLICO tenta aqui resumir as linhas fortes dessa proposta. 1 - "Valorizar a associação de Portugal ao oceano como factor de identidade" Em vez de ser mais um país do Sul, Portugal deve assumir-se como uma nação oceânica, abandonando a imagem que tem andado a vender de país do sol, praia, segurança, simpatia ou golfe, para começar a assumir-se como a "costa oeste e atlântica da Europa". Para isso, há que investir em políticas que se preocupem com o desenvolvimento sustentável dos oceanos, evitando-se a sua deterioração e apostando em actividades económicas que respeitem os recursos, através, por exemplo, do desenvolvimento do turismo e desporto oceânicos ou promovendo eventos internacionais. Por outro lado, há que atrair para o país pólos de conhecimento sobre os oceanos. Tudo isto para que a imagem do país não fique apenas ligada ao passado. Para o conseguir, há também que apostar na educação, para que os portugueses valorizem estes recursos. Mas também não pode esquecer o património ligado ao mar que acumulou. Pelo contrário, deve divulgá-lo e promover o seu conhecimento, como é o caso dos bens que se encontram submersos e que deveriam ser pesquisados. Assim como não pode abandonar aqueles que são ainda o grande repositório do saber sobre os mares: os pescadores. Por fim, há que apostar no posicionamento geoestratégico do país, internacionalizando os portos nacionais, criando uma frota de navios de comércio, prestando serviços marítimos e reforçando as relações externas no Atlântico. 2 - "Assegurar o conhecimento e a protecção do oceano" Durante muito tempo, pensou-se que os oceanos eram inesgotáveis e também imortais. Hoje sabe-se que não é assim, embora esta seja a área da Terra menos conhecida pelos homens. A protecção do meio marinho assenta, em larga escala, num conhecimento aprofundado sobre as suas riquezas e debilidades. Portugal tem potencial humano e científico que pode contribuir para uma gestão equilibrada dos mares, que urge apoiar e desenvolver. Para pôr de pé este objectivo estratégico há que, antes de mais, obedecer aos princípios da gestão integrada - decidir com bases científicas, tendo como base o conceito de ecossistema e integrando políticas e informações -, da precaução, do desenvolvimento sustentável, da participação efectiva - dando voz a todos os actores - e da valorização das actividades económicas. Com base nestes princípios, o país tem de caminhar para uma gestão integrada do oceano, incluindo as zonas costeiras, o que implica a identificação das actividades com impacto nos oceanos, a inventarização dos recursos ou a definição de zonas protegidas através de, por exemplo, a implementação de uma rede de áreas protegidas marinhas, da extensão da Rede Natura 2000 ao meio marinho ou de áreas de interesse cultural marítimo. Para que todos estes objectivos sejam possíveis, é essencial promover a formação e investigação científica e tecnológica sobre os oceanos, sobretudo quando se sabe que alguns cursos nesta área não captam estudantes, assim como há grande carência de laboratórios. É também fundamental criar uma base de dados integrada sobre os oceanos e zonas costeiras. 3 - "Promover o desenvolvimento sustentável de actividades económicas" Neste objectivo, estão contempladas as propostas para cada uma das actividades económicas ligadas ao mar: - Portos e transportes marítimos - Em 30 anos, a carga movimentada nos portos triplicou mas a importância estratégica deste sector já foi maior e no contexto europeu, é hoje marginal. Satisfaz a procura interna mas é um sector estagnado, com capacidades não aproveitadas, em competição com as pressões urbanísticas e gerido por administrações locais que nem sempre se articulam com as várias autoridades nacionais que têm jurisdição sobre os portos. Por seu lado, o transporte marítimo, como actividade produtiva, tem vindo a ser reduzido drasticamente. Tendo Portugal uma enorme potencialidade geográfica e climática, diversidade de oferta de infra-estruturas e "knowhow", há que tomar um conjunto de medidas que passam pela reavaliação do interesse de algumas infra-estruturas, apostar nos investimentos onde se considerar mais estratégico, reforçar as conexões terrestres, equacionar a criação de uma entidade reguladora independente, clarificar competências, simplificar e harmonizar os procedimentos burocráticos nos portos, alterar o procedimento de cobrança do IVA, atrair capitais privados para a modernização e expansão deste sector, aumentar a frota portuguesa, entre muitas outras. - Pescas e aquacultura - Em Portugal, as pescas continuam a ter um importante peso social e é o país onde se consome mais peixe por habitante. Para potenciar este sector é essencial agir com bases científicas para avaliar as potencialidades. Que existem: a zona económica exclusiva é extensa, há tradição e "know-how", existem suficientes portos de pesca e o sector tem ligações fortes a outras actividades económicas. Mas também há muitas carências, como a deficiente organização do sector, o incumprimento da legislação, o fraco investimento na qualidade, a falta de tecnologia e até o escasso conhecimento dos recursos existentes na zona económica exclusiva. Há, assim, que esclarecer competências na orla costeira, aprofundar o conhecimento, exercer maior fiscalização, promover novas pescarias e criar áreas protegidas marinhas onde se poderiam criar certificações do pescado. Por seu lado, a aquacultura tem espaço para se desenvolver, desde que utilize as melhores técnicas e seja ambientalmente sustentável. Quanto às indústrias transformadoras, o passo fundamental é a aposta na qualidade e na melhoria técnica. - Turismo - Cerca de 90 por cento dos turistas em Portugal procura o produto "Sol e Praia". Porém, quase não existe turismo oceânico. Este novo turismo ocorre na costa (marinas, museus e aquários, spas, comunidades piscatórias tradicionais, faróis, pesca de recreio, etc), à superfície (cruzeiros, náutica de recreio, surf e outros, remos, etc) e em profundidade (mergulho com diferentes objectivos). Além do esgotamento do modelo "Sol e Praia", não só ao nível da procura como também da oferta dada a saturação de grande parte do litoral, o turismo oceânico responde melhor às actuais tendências do mercado internacional. A aposta neste sector é, por isso, crucial e passa por um planeamento pensado, que equacione a necessidade de infra-estruturas, a promoção e apoio à náutica de recreio, entre outras propostas. - Construção e reparação naval - Para a Comissão Estratégica, é crucial não apenas proteger a indústria naval portuguesa mas saber promovê-la. Considerada peça-chave para as demais indústrias do mar, é um sector de ponta, em termos de tecnologia, e que arrasta muitas outras empresas. Embora Portugal tenha um importante papel na reparação naval, em termos de construção, a sua posição é incipiente. O sector tem várias potencialidades mas a actividade de investigação é débil, a produtividade é baixa, urge uma reestruturação, tem falta de apoios e há problemas de disponibilidade de materiais e prestadores de serviços. Assim, há que adoptar uma política para o sector, coordenando os incentivos nacionais com os europeus, incorporando tecnologia e desenvolvendo a montante uma rede de empresas associadas, além de que é importante que o reequipamento da Marinha seja alvo de contratos de longo prazo entre a Defesa e os estaleiros, o que já começou a ser feito. - Biotecnologia marinha - Com uma extraordinária biodiversidade, os oceanos têm um enorme potencial para a biotecnologia, concretamente para o desenvolvimento de novos medicamentos ou instrumentos de diagnóstico ou para desenvolver técnicas para o conhecimento e protecção do meio marinho. Em Portugal, este campo do conhecimento está sobretudo ligado às algas ou à aquacultura. Há "know-how" em diversas áreas, há cooperação internacional e há grande potencialidade como a que é oferecida pelas fontes hidrotermais dos Açores onde sobrevivem bactérias em condições extremas. Mas não há indústria, o mercado interno é reduzido e as indústrias farmacéuticas nacionais têm um fraco poder económico. Falta uma acção mobilizadora que apoie e estimule a criação de empresas. Assim como será importante apoiar a investigação existente e estimular novos projectos científicos nesta área. - Indústrias de tecnologia oceânica - Portugal tem capacidade de projectar e construir veículos autónomos e assistidos por operador, assim como sistemas de navegação acústica. Num futuro próximo, poderá dispor de tecnologia para a construção de estações de acostagem submarina. Esta evolução é recente mas o país tem assumido uma posição de relevo a nível internacional. Porém, há falta de coordenação dos meios e actividades e pouca ligação à indústria, entre outras carências. Por isso, há que apostar na internacionalização e cooperação, promover incentivos, definir programas de acção nacionais para as principais instituições do país e estruturar cursos profissionalizantes. - Recursos minerais - Entre os recursos que podem existir nos fundos marinhos sob jurisdição nacional contam-se, por exemplo, ouro, estanho, ilmenite, metais pesados, areias, cascalho, nódulos e crostas polimetálicas, sulfuretos polimetálicos, sulfuretos e fosforites. É fundamental saber até que ponto a sua exploração é rentável mas faltam meios, fundos e conhecimento para se fazer uma avaliação fiável. É, por isso, importante desenvolver um programa de levantamento destes recursos e das hipóteses de exploração. - Hidrocarbonetos e hidratos de metano - O custo de extracção de hidrocarbonetos acumulados em rochas é elevado e ainda não existe um método económico para extrair o metano dos hidratos de metano (associação molecular complexa entre o metano e a água que apenas ocorre sob certas condições, formando um produto que se assemelha ao gelo) existente no oceano. O potencial petrolífero português não é bem conhecido, uma lacuna a colmatar. É também importante agilizar o processo de decisão sobre actividades petrolíferas. - Energias renováveis - A energia eólica "offshore" e o aproveitamento da energia das ondas são sectores que poderão ter grande potencialidade. No caso do primeiro, há alguns constrangimentos físicos, já que as profundidades a que devem estar instalados são, no caso português, muito próximas da costa. Por isso, o Ministério da Economia deve criar um grupo de trabalho para avaliar a viabilidade técnico-económica de instalação destes parques eólicos. No caso das energias das ondas, deve ser criado um Programa Nacional para dotar o país de capacidade que permita aproveitar esta forma de energia. 4 - "Assumir um posição de destaque e especialização em assuntos do oceano" Nas relações internacionais, a temática dos oceanos deve assumir-se como um vector essencial da política externa do país. Para isso, o país tem de reforçar a sua participação nos organismos internacionais dedicados ao tema, enquanto assume uma posição coerente de protecção do ambiente marinho e das zonas costeiras, de aposta na investigação e na segurança marítima, de uma forma intersectorial. Tem também de garantir a defesa dos interesses nacionais no mar, garantido que tem meios navais e aéreos para assegurar os objectivos de defesa, de segurança no mar e de protecção do meio marinho, potenciando as mais valias do sistema de autoridade marítima. Este objectivo enquadra ainda o projecto de extensão da plataforma continental até ás 350 milhas onde tal for possível, um projecto que o Ministério da Defesa tem vindo a apoiar. 5 - "Construir uma estrutura institucional moderna de gestão do oceano" As competências sobre os oceanos, desde a aquisição de dados aos actos de gestão, estão dispersas por diversos ministérios e organismos. Já por duas vezes houve um Ministério do Mar mas as competências continuaram fragmentadas. Daí a necessidade de se estabelecer um novo modelo de governação para os assuntos do oceano, que poderia passar por um conselho de ministros especializado - onde teriam assento os governantes cujas políticas têm implicações nesta área - e pela criação de uma entidade nacional para os oceanos - de carácter técnico para catalisar a informação, preparar pontos de situação, acompanhar o funcionamento do sistema de governação nos assuntos dos mares e avaliar o impacto das políticas. A sociedade civil é chamada a intervir através de um conselho consultivo