REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429
Maio 2009
www.revistaliteris.com.br
Trágicas alegorias da resistência: As moscas, de Jean-Paul Sartre, e O abajur lilás,
de Plínio Marcos
Lucio Allemand Branco1
(UERJ)
Resumo: “Trágicas alegorias da resistência: As moscas, de Jean-Paul Sartre, e O abajur
lilás, de Plínio Marcos”, de Lucio Allemand Branco
Palavras-chaves: Tragédia; Dialética; Alegoria; Vontade; Catarse
A análise dos elementos trágicos contidos nas peças As moscas (1943), de Jean-Paul
Sartre, e O abajur lilás (1969), de Plínio Marcos, tem, como motivo de fundo, a
construção dramática alegórica que as caracteriza e que remete a situações históricopolíticas vivenciadas por seus autores na circunstância mesma de sua composição.
Inicialmente, trataremos da peça de estreia do filósofo francês privilegiando o substrato
schopenhauriano da sua construção; em seguida, abordaremos aquela do dramaturgo
brasileiro, escrita num período em que já era um nome de peso da cena nacional. A
análise desta última dar-se-á principalmente sob o signo da catarse, tal como concebida
por Aristóteles.
Abstract: “Tragic allegories of the resistance: As moscas (The flies), by Jean-Paul
Sartre, and O abajur lilás, by Plínio Marcos”, by Lucio Allemand Barnco
Key-words: Tragedy; Dialetics; Allegory; Will; Catharsis
1
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Centro de Educação e Humanidades. Pós-graduação em
Letras/Doutorado em Literatura Comparada. Rio de Janeiro, Brasil). Doutorando em Literatura Comparada, mestre
em Literatura Brasileira e bacharel em Ciências Sociais – todos os títulos são pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Projeto de tese: A santa absolvição do crime: violência, revolta e religiosidade nas dramaturgias de
Jean Genet e Plínio Marcos. Endereço eletrônico: [email protected].
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The analysis of the tragic elements included in the plays As moscas (1943), by JeanPaul Sartre, and O abajur lilás (1969), by Plínio Marcos, has, as a background motive,
the allegoric dramatic construction that characterizes them and evokes the historicpolitical situation experienced by the authors in the same circumstance when they were
written.
To start, we will address the debut play of the french philosopher focusing in the
schopenhaurian substrate of its construction; then, we will approach the one by the
brazilian dramaturgist, written at a time when he was already an important figure in the
national scene. The analysis on this last one will take place mainly under the catharsis
sign, such as conceived by Aristotle.
Trágicas alegorias da resistência: As moscas, de Jean-Paul Sartre, e O abajur lilás,
de Plínio Marcos
I.
Dando início ao ciclo dramático de sua obra literária – que viria a intitular de “teatro de
situação”, em contraposição ao clássico modelo aristotélico de teatro de caracteres (Ver
MAGALDI, 1989, ps. 306-07) –, Sartre, em As moscas (1943), recorre ao mito de
Orestes e Electra para buscar encenar a trágica condição da França sob os nazistas,
intento que não passou despercebido mesmo à crítica colaboracionista. Amparado por
uma apropriação sui generis dos motivos e fundamentos que definem o gênero, ele
confere um tratamento eminentemente moderno à temática mítica, concentrando-se
mais propriamente na trilogia esquiliniana sobre a trajetória de Orestes do que nas
versões de Sófocles e Eurípides – a ação da peça, tal como nas destes dois
tragediógrafos, concentra-se mais nas Coéforas, segunda parte da Oréstia. Trata-se de
uma releitura do mito ático, e não de uma sua adaptação ao tempo histórico específico
vivido por Sartre e seus compatriotas sob o regime instalado em Vichy (parece-nos que
seu autor lançou mão deste estratagema também para evitar, à época, a interdição da
peça). Em As moscas, a problemática da afirmação da liberdade ganha o primeiro plano
da ação, consistindo mesmo no seu leitmotiv – o que viria a constituir, então, e, de
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forma coerente com suas investigações no campo filosófico, o cerne da sua então
nascente empresa dramática.
Uma análise dessa perspectiva moderna na abordagem da matéria mítica passa
necessariamente por Schopenhauer (veremos isso melhor adiante), por ser colocada no
enredo a emergência da ipseidade, o princípio de individuação, como valor
predominante na relação do herói com a fatalidade trágica, na qual a vontade individual
orienta sua ação – o próprio Sartre considerava As moscas uma “tragédia da liberdade
em oposição à tragédia da fatalidade” (SARTRE in LIUDVIK, 2005, p. xvii). Não à toa
sua versão do mito de Orestes foi considerada por alguns críticos como antitrágica, na
medida em que vai de encontro a alguns dos pressupostos que sustentam a
esquematização formal do gênero tal como concebido, como sabemos, a partir da
Poética, de Aristóteles. (Não custa lembrar que Sartre havia sido professor de tragédia
grega, em 1942, no curso de arte dramática de Charles Dullin – que viria a ser o diretor
da primeira montagem de As moscas –, fato que comprova a familiaridade do autor com
o tema em pauta.) Curiosamente, há, no texto da peça, uma saturação das referências
canônicas do gênero – em determinadas falas, a enunciação das categorias aristotélicas
fica por demais evidente, num grau de recorrência não usual nas peças clássicas –, o que
indica o grau de intencionalidade de Sartre, também, em legitimar seu projeto de
reinterpretar o mito dos Atridas sob a perspectiva do que há de mais clássico no roteiro
da tragédia, situando o mito mesmo, inclusive, como referimos, no seu nicho original: o
tempo histórico da Antiguidade Clássica. (“É preciso ter medo, meu querido. Grande
medo. É assim que alguém se torna um homem honesto”, eis, por exemplo, uma fala
didática, dentre tantas outras, posta na boca de uma personagem feminina coadjuvante,
e que talvez aponte mais para uma concepção lessingiana da catarse aristotélica em sua
essência moralizante.)
O propósito ético da releitura de Sartre do mito, em consonância com os rumos
das suas inquietações no plano filosófico, assenta sobre a responsabilidade do indivíduo
na escolha dos seus atos e os rumos que eles implicam. Na singular filiação de As
moscas ao trágico, a situação-limite é colocada como condição dilemática primordial
que orienta o modus faciendi do protagonista, fazendo-o cumprir com seu destino que
não é outro senão apoderar-se de direito deste mesmo. O que vem à tona neste primeiro
Sartre dramático, e já de forma coerente com a sua produção subsequente, é a
problematização da questão da consciência individual e da sua relação com a
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consciência alheia – motivo mais evidente em Entre quatro paredes (1944), sua peça
seguinte. O fato é que já há, em As moscas, o tema da responsabilidade do indivíduo no
uso que faz da faculdade do livre-arbítrio, na conversão da sua vontade em ato enquanto
valor condutor da ação dramática (e, por extensão, da vida, no plano filosófico),
destoando, assim, do esquema trágico clássico estipulado por Aristóteles na Poética.
Ao gosto da sua particular vinculação ao existencialismo naquele estágio da sua
trajetória intelectual, e não a partir do engajamento mais profundo de anos mais tarde –
não obstante os claros indícios de um posicionamento político frente ao absurdo da
opressão nazista e, simultaneamente, ao do colaboracionismo –, Sartre trai sua veia
schopenhauriana na elaboração do conflito dialético da vontade individual que ganha
vida através do ato assumido como tal. Fundamentalmente, este conflito se dá no
interior do herói trágico, à sombra do princípio de individuação, que determina a
natureza de sua caracterização e, por conseguinte, a configuração das situações
dramáticas que sustentam o enredo.
Quando afirmamos que o interior do herói é o lugar por excelência do conflito,
não negligenciamos a evidência de que “o trágico seria inexplicável a partir apenas da
subjetividade do homem, como se este, de repente, ou por si só, se encontrasse em
situação trágica, como se o homem fosse a única perspectiva possibilitadora do trágico”
(BORNHEIM, 2007, p. 73), apontando assim para a inevitabilidade da constituição da
base dialética que sustenta todo conflito dentro do esquema trágico. Além do mais,
estaríamos negando a qualidade de “teatro de situação”, como o próprio Sartre
genericamente batizou seu projeto dramático, que depende, evidentemente, de uma
exterioridade contra a qual o indivíduo se choca. É mais particularmente em Entre
quatro paredes que se desenvolve o mote da encenação da vontade transfigurada em ato
de um personagem que se coloca em choque permanente com a vontade, igualmente
convertida em ato, de outro personagem – mote resumido na sentença “O inferno são os
outros” que consagraria Sartre –, o que remete a uma outra perspectiva de construção
dramática, amparada, sobretudo, no desenvolvimento do conflito em sua exterioridade
(embora sem nunca prescindir da natureza subjetiva original do conflito sob a forma do
dilema). O fato é que sujeito e objeto são categorias constituintes deste esquema,
inescapavelmente, e sua relação é a razão de ser de qualquer tragédia, mesmo uma como
As moscas, que tanto “fere” alguns de seus pressupostos fundamentais, como referimos.
(Não esqueçamos que a terceira instância desse processo dialético, a reconciliação,
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também se configura, mesmo que muito singularmente, nessa primeira incursão de
Sartre na dramaturgia, a confirmar, de algum modo, sua adesão ao gênero que
celebrizou Ésquilo.) A versão dramática sartriana da condição humana, em que
substitui-se, como dissemos, a “tragédia da fatalidade” pela “tragédia da liberdade”,
coloca o indivíduo como autor de sua vida, senhor de seu destino, que responde por suas
escolhas tornadas gestos a serviço exclusivamente de sua consciência. (Ver LIUDVIK,
2005, p. xvii) Assim, tendo sua consciência como seu único guia, o homem está
condenado a ser livre, como consigna Sartre em O ser e o nada (1943), delimitando o
território ético em que coloca sua concepção sui generis de tragédia na modernidade.
(Tal fatalidade figura no diálogo do deus Júpiter com o rei Egisto: “O doloroso segredo
dos deuses e dos reis: é que os homens são livres. Eles são livres, Egisto. Tu o sabes,
eles não.”)
A vontade, em Schopenhauer, equivale à coisa em si kantiana, na medida em q.
é, para o autor de O mundo como vontade e representação, a força motriz da natureza, e
mesmo uma categoria existente fora da ipseidade, posto que é ela uma essência
primeira, uma substância fundamental, “o núcleo de cada coisa particular e do conjunto
dos entes” (MACHADO, 2006, p. 182), sendo que uma de suas características
elementares é a unidade original, a indivisibilidade. Rompe-se então com essa
conformação unitária a partir da emergência do princípio de individuação quando a
vontade passa a manifestar-se em “cada coisa particular”, em cada ente da natureza, o
que Schopenhauer concebe como a “luta das diversas manifestações da vontade umas
com as outras, portanto a luta da vontade contra si mesma”. (SZONDI, 2004, p. 53)
Essa perspectiva assegura o caráter dialético sobre o qual se funda a dinâmica da vida, a
corroborar que “em toda parte na natureza vemos conflito, luta e alternância da vitória, e
aí reconhecemos distintamente a discórdia essencial da vontade consigo mesma. Cada
grau de objetivação da vontade combate com outros...” (MACHADO, 2006, p. 169) e
que “É o antagonismo da vontade consigo mesma que entra em cena aqui [na tragédia],
desdobrado da maneira mais completa, com todo o pavor desse conflito, no mais alto
grau de sua objetidade”. (SCHOPENHAUER in SZONDI, 2004, p. 52)
Segundo a ótica schopenhauriana, a terceira instância produzida por esse embate
dialético é a resignação através da qual se consumaria o conhecimento da vontade como
o valor preeminente da natureza para, assim, atingir-se o ideal a que se consagraria, por
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princípio, todo esforço artístico, incluso, obviamente, o domínio no qual nos detemos, a
tragédia.
Há, aqui, uma distância considerável com relação à perspectiva sartriana, que
coloca seu foco sobre o indivíduo em seu apego à consciência de que é necessário agir
para só assim alcançar sua condição de indivíduo, já que “o homem sartriano se define
pela ação” (MAGALDI, 1989, p. 306) (o que tanto sintoniza o autor de As mãos sujas
[1947] com a arte dramática, na medida em que “O drama, também, pela sua própria
etimologia, é ação” [Id., p. 306]); ação entendida como resultante da vontade na esfera
individual, e pela qual o agente responde por sua própria conta. No interior do Orestes
sartriano, ou seja, na sua consciência, há a “luta da vontade contra si mesma” de que
fala Szondi, embora inevitavelmente referida a uma situação externa que também
implica luta, pois Argos está refém do despotismo de Egisto, usurpador do trono e
assassino em cumplicidade com sua amante Clitemnestra – mãe de Orestes –, de
Agamêmnon – pai de Orestes. O remorso reinante, simbolizado pelas moscas que
dominam toda a extensão territorial da polis, diz respeito à passividade dos argivos sob
o jugo de seu tirano. Há uma espécie de conflito que não se resolve na consciência da
comunidade, mergulhada no sentimento de culpa da não-ação frente ao estado de coisas
deflagrado pela impiedade de Egisto, que nada mais é do que uma peça de um jogo cuja
composição é ditada pela trágica fatalidade da condenação dos Atridas ao homicídio
através das suas sucessivas gerações.
No esquema sartriano, Orestes, na qualidade de membro do clã, tem dupla
função trágica: está condenado a derramar sangue do seu sangue e, simultaneamente,
condenado a redimir a comunidade pelo exemplo da sua consciência de liberdade; eis aí,
à luz de Schopenhauer, a função que desempenha o heróico irmão de Electra: revelar o
conhecimento da intrínseca condição de liberdade a que estamos todos condenados que,
de todo modo, deriva da vontade, por ser ela, no homem, uma manifestação individual
possível (e não esqueçamos que, concorrendo para a maior complexidade do gênero
trágico, o homem, para Schopenhauer, de todos os entes da natureza, “é onde a vontade
se objetiva de forma mais perfeita” [MACHADO, 2006, p. 169]).
Júpiter, num momento posterior do mesmo diálogo já citado com Egisto, alertao: “Orestes sabe que é livre”, a conferir-lhe, também, o estatuto de indivíduo. O singular
aproveitamento sartriano da estrutura dialética inerente ao roteiro trágico põe a
reconciliação como um movimento possível graças aos esforços do herói no sentido da
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retomada de uma ordem político-familiar em que Agamêmnon ditava as regras,
restituindo assim a Argos a sua soberania, e restabelecendo a justiça no seio doméstico.
O efeito alegórico da mensagem não poderia ser mais claro no contexto em que foi
emitida: urgia derrubar os usurpadores da soberania nacional francesa. As intenções da
reinterpretação sartriana do mito foram assimiladas de imediato pela audiência na
estreia da peça por sabê-la tão decalcada da situação política de então. Numa óbvia,
porém, necessária esquematização – e que se afigura ainda muito mais óbvia atualmente
do que à época da primeira montagem de As moscas –, recorremos, aqui, a um dentre
tantos outros elencos de equivalências alegóricas exaustivamente apontadas pelos
críticos para, assim, não incorrermos em redundância:
Os argivos são a França obrigada a viver “sob a bota” e envenenada de arrependimento por um
ato que não cometeu (no caso da peça, a morte do rei Agamêmnon, praticada pelo casal
adúltero). Egisto, o usurpador do trono, é a figura do Ocupante. Clitemnestra, a traidora
colaboracionista, é co-autora da farsa da religião do remorso. Júpiter representa o braço eclesial
da opressão vichysta. Orestes simboliza o Resistente, o homem comum que “se escolhe herói”,
desafiando até os vínculos mais “sacrossantos” com a ordem estabelecida, sendo impulsionado à
ação por um inconformismo juvenil que aprende com sua irmã Electra, embora ela própria esteja
ainda presa nas armadilhas de um sentimento de revolta apenas passivo, um ódio estéril e
vulnerável.
(LIUDVIK, 2005, p. xi)
A reconciliação do esquema dialético clássico da tragédia se verifica sob um
ângulo particular na trajetória deste Orestes existencialista, já que este sai de um
momento inicial de não-envolvimento com as agruras impostas pelo poder de Egisto –
não obstante sua revolta ditada pelo desejo de vingança de órfão foragido de sua terra
natal para não ter a mesma sorte do pai – para uma tomada de consciência talvez algo
brechtiana a partir do contato com a irmã. Eis a progressão da ação do herói mítico de
Sartre na sua primeira peça: o seu conflito dá-se, inicialmente, consigo mesmo, na sua
consciência, para, então, assumir a forma de gesto transformador – o assassinato de
Egisto e Clitemnestra para vingar a morte do pai – que, efetivamente, dá novo sentido à
trama, justo no momento em que ela se encerra, ao modo de moral da história, para a
devida e posterior tomada de consciência do público. A caracterização de Orestes é
central dentro do roteiro da peça por ser a depositária por excelência da condição de
sujeito na trágica relação dialética que se configura entre o poder constituído de Egisto e
a resistência a ele. Sua natureza algo dilemática é particularmente verificável nos
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momentos anteriores ao contato com Electra, em que uma revolta mal dirigida e meio
que irresponsável é determinante nos rumos da ação; porém, notemos, sem nunca
incorrer na quase hegemônica resignação argiva, o que equivaleria a se deixar tomar por
uma má consciência que contradiria o sentido final que a assumida função catártica do
enredo encerra: a purificação se dá pelo exemplo; compaixão e terror (ou medo, como
prefere o autor da Dramaturgia de Hamburgo) existem no seu propósito moralizante
original, só que associado ao postulado ético da resistência à opressão. Aqui, o filósofo
francês rompe com as implicações schopenhauerianas de fundo verificáveis no
movimento dialético rumo à tomada de consciência do herói para definir, então, seu
conceito de homem na modernidade. Em suma, a supressão da vontade – ou, seja, um
fenômeno de alguma forma já dado no espírito de resignação dos argivos/franceses –,
tão cara ao romântico filósofo alemão na sua concepção da tragédia (que, inclusive,
negligenciava a importância da catarse aristotélica), não poderia de modo algum
constituir o ideal do drama sartriano. Neste, o efeito trágico assenta sobre um chamado à
luta que depende, antes de tudo, da vontade individual, e não, como no esquema
schopenhauriano, da constatação de que é preciso desligar-se dessa vontade para assim
romper com o princípio de individuação, na sua qualidade de representação fundamental
do conflito da vontade consigo mesma e, por extensão, de todo o sofrimento humano
dela advindo.
II.
A violência, em suas múltiplas manifestações, é a tônica da primeira fase do teatro de
Plínio Marcos. Eis um traço singular que, de modo objetivo, não significa outra coisa
que uma versão do típico jogo de poder verificado cotidianamente no seio de qualquer
sociedade organizada e, num nível mais endêmico, no atemporal e inescapável
arrivismo entre os homens, condenados atávica e fatalmente à incompreensão mútua e à
solidão. Tal perspectiva metafísica, a garantir a eficácia universal da produção pliniana,
funciona como elemento que define sua adesão visceral à arte dramática, na medida em
que é mesmo o conflito, em sua natureza dialética essencial, o que a define (sendo a
violência, naturalmente, uma das suas manifestações). E como sabemos, “arte do
conflito” é um lugar-comum recorrente para denominá-la. (Ver MAGALDI, 1976, p.
92.) O próprio autor de Navalha na carne (1967) não fez outra coisa senão confirmá-lo:
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“O que eu faço sempre existiu. Eu nunca inventei nada sobre teatro. Teatro sempre foi
isso mesmo: diversas personagens em conflito”. (MARCOS in VIEIRA, 1994, p. 44)
O núcleo dramático das peças de Plínio, especificamente nessa fase inicial,
consiste sempre no choque entre indivíduos entregues à precária situação de meros
sobreviventes do mais baixo basfond. O enredo é conduzido por falas que primam pela
mais pura agressividade verbal, e que prosseguem num crescendo que culmina
inevitavelmente na explosão catártica da violência física. Essa construção não deixa de
guardar certo esquematismo, com uma caracterização muito precisa dos personagens,
todos eles encarnando clássicos tipos ordinários da vida marginal, excluídos sociais
entregues à busca desesperada de fazer valer suas vidas num meio tão adverso. Sem
dúvida, reside aí a profunda raiz aristotélica do modelo geral da dramaturgia pliniana
por sua vinculação a uma espécie de “ultranaturalismo” que escancara a realidade em
seus detalhes supostamente menos nobres e apresentáveis ao olhar do público, mediante
uma visceral representação mimética. Em verdade, sua observância às normas
dramáticas clássicas, tais como estipuladas pelo autor da Poética, justificam o fato de
que “Plínio Marcos dizia-se um contador de histórias com princípio, meio e fim...”
(ZANOTTO, 2002, p. 16), e que também fosse ele um autor que se poderia classificar
de “aristotélico, sem que isso o preocupasse minimamente, mas por intuição.” (Id., p.
16)
É num contexto de forte politização da experiência cênica nacional que surge
acenando solitária a obra de Plínio Marcos. Em contraponto aos dogmas do dominante
teatro engajado em voga, o enredo de suas primeiras peças centra-se, sobretudo, no
conflito de individualidades (nada há nele, por exemplo, que guarde afinidade com o
conceito de “peça de tese”). A cartilha do engajamento ideológico no ambiente teatral
pregava a denúncia das mazelas sociais e, tendo a ação dramática invariavelmente como
pano de fundo a luta de classes, o conflito se desenrolava esquematicamente em termos
de oprimidos contra opressores – o operariado, o campesinato, eram finalmente alçados
à condição de protagonistas. Essa tendência iria se acentuar nos anos seguintes, com a
peculiar adaptação de recursos tomados de empréstimo às teorias brechtianas, como o
clássico “efeito de distanciamento”, visando despertar a consciência política do
espectador.
Curiosamente, por colocar em cena – obviamente, não em tom panfletário, mas
sem negligenciar o caráter humanista de denúncia – as máculas de uma vida à margem
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de qualquer expectativa, onde figuras do submundo urbano se confrontam pela
sobrevivência individual, sua esfera temática era por vezes vista como próxima à do
filão politicamente engajado.
Em O abajur lilás (1969), a conotação alegórica do texto – desconhecido do
grande público na sua época por conta da interdição que a peça sofreria ao longo dos
onze anos seguintes – é assegurada por uma eloquente caracterização dos personagens.
A ação, como era recorrente nessa fase inicial do seu teatro, transcorre num prostíbulo
onde, vítimas do autoritarismo do cafetão Giro, as prostitutas Dilma, Célia e Leninha,
na sua insubmissão, encarnam, cada qual, tendências políticas frente ao regime militar,
então no auge do período repressivo, sob a vigência do Ato Institucional nº 5. Assim
como no caso de As moscas, temos que recorrer à enumeração das equivalências
alegóricas para nos situarmos quanto ao grau de intencionalidade de Plínio em compor
um painel crítico do período: a primeira personagem mencionada, na sua preocupação
em manter o filho, cuja simples existência, por si mesma, já constitui um refrigério para
as agruras da vida que leva e que significa, portanto, sua chance de redenção no futuro,
representa a tendência reformista, uma esquerda mais moderada que depositava sua fé
na via democrática para superar o regime vigente; a segunda, impulsiva e
inconsequente, crê na solução imediata do confronto aberto com o poder de Giro,
sempre às voltas com a necessidade da compra de uma arma (com as economias da
primeira) como única possibilidade de afastá-lo da administração do negócio e, assim,
tomar o seu lugar, numa referência facilmente inteligível ao setor que, então, recorreu à
luta armada, aquele denominado de “porra-louca” pela gíria da época; a terceira,
individualista, com sua absoluta indiferença pelo destino das colegas, e mais interessada
em tirar proveito das adversidades na medida do possível, representa o setor
politicamente alienado, passivo e conformado da sociedade de então. A caracterização
de Giro, que dá suporte, evidentemente, à representação do próprio regime ditatorial
então em vigor, conta com o auxílio de seu capataz, Osvaldo, que nada mais é que uma
espécie de agente repressor, o braço armado do regime instituído pelo cafetão naquele
recinto, e que se responsabiliza por garantir a qualquer custo a segurança e a ordem no
seu interior.
A alegoria, em Plínio Marcos, tem inúmeras possibilidades; não deve, em
princípio, remeter necessariamente a uma situação histórica concreta. Isso, na medida
em que, ao optar pelos mais variados tipos da mitologia do submundo, o autor de
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Barrela (1958) lhes empresta conotação quase que arquetípica no tratamento da
condição marginal verificável como é em qualquer sociedade (urbana ou não) desde
sempre, como já referimos.
Os valores dessa sobrevivência à margem de tudo – ou a sua total ausência,
como costuma afirmar um consagrado lugar-comum –, que estão tanto no texto como
no subtexto de suas peças (e diga-se que muito mais no primeiro que no segundo), dão
prova disso. Como disse Paulo Vieira, o autor de Plínio Marcos: a flor e o mal – e nos
parece que acertadamente –, a alegoria, em Plínio, já está na representação, em cena,
das relações de poder, motivo explícito e preponderante de seu teatro. (Ver VIEIRA,
1994.) Não esquecer que, neste mérito específico, a carga metonímica presente na
configuração dos elementos de peças como Dois perdidos numa noite suja e Navalha na
carne, por exemplo, vem concentrar-se, em grande parte, na escolha do cenário no qual
se desenrola a ação. A natureza de confinamento de “um sórdido quarto de hotel de
quinta classe”, como, por exemplo, situa o leitor a rubrica introdutória da última peça
mencionada, marca a trágica fatalidade da existência dos seus míseros habitantes. Nela,
todos estão condenados à alternância do exercício do jogo de poder que movimenta e
sustenta a ação, do princípio ao fim. A intenção alegórica sobre a qual repousa o enredo
de O abajur lilás está atrelada, como é comum a toda peça pliniana, à sua peculiar
ênfase na catarse, conceito definidor da sua dramaturgia, principalmente neste ciclo
inicial, rotulado sempre como “marginal”, ou “maldito”.
A dramaturgia de Plínio Marcos é informada pela dimensão de transcendência
de ordem mística, espiritual. Os motivos de tal ordem verificam-se, sobretudo, no
sentimento de compaixão inspirado pela caracterização da onipresente miserabilidade
de personagens e situações do entrecho. O excesso de realismo cênico, a exortar a
expiação de toda a degradação humana em cena, sob a égide de motivos caros à
cristandade, funciona para acusar a estrutura social, assim como a experiência humana
em geral, como fundamentalmente vis. Em Plínio, este ponto de vista perpassa a
construção dos caracteres e das circunstâncias dramáticas, constituindo-se, em essência,
no leitmotiv da ação que vem a primar, sobretudo, pela exacerbação catártica de
emoções e sentimentos comumente recalcados no cotidiano da vida social (ou nem
tanto, caso considerarmos as especificidades da ambientação social e dos seus
respectivos tipos humanos, em suas primeiras peças). Daí o caráter de purgação
propiciado pela referida experiência catártica alcançar, no seu teatro, uma dimensão de
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transcendência mística que deve ser examinada sob o prisma da singularidade do seu
universo dramático. O termo “escatalogia” adquire, aqui, o significado de conceito
tradutor por excelência da ambivalência espírito/matéria que, podemos dizer,
fundamenta, em parte considerável, a natureza da sua criação. (Ver mais adiante o
trecho transcrito de Anatol Rosenfeld.)
O móvel da ação de O abajur lilás é justamente um signo teatral de grande
eloquência quanto à dimensão da catarse que lhe serve de fundo: um escarro de sangue.
Os conflitos começam a ganhar mais intensidade quando Giro busca saber qual das
prostitutas teria sofrido uma hemoptise, um evento potencialmente deflagrador de uma
indesejada contaminação no seu estabelecimento comercial. A partir daí, eles vão numa
progressão em crescendo até a condenação da insurgente Célia à morte, antes da qual
uma sessão de tortura à moda da época figura em cena como um momento preparatório
necessário para o desfecho trágico.
Na sua vinculação voluntária ao esquema aristotélico, ou seja, na
autodenominada e simultânea qualidade de “repórter de um tempo mau” e de “contador
de histórias com início, meio e fim”, Plínio inaugurou, nos palcos brasileiros, um tipo
específico de teatro pautado, sobretudo, no signo da catarse, em que a evolução dos
conflitos, num acúmulo de excessos, desemboca, afinal, no pretendido efeito trágico que
não é outro senão a dolorosa purgação de sentimentos recalcados na plateia, não
importando o fato de ser ela majoritariamente composta por indivíduos de um segmento
social distante daquele cuja realidade cotidiana é representada em cena.
Talvez possamos dizer que a interpretação de Lessing sobre a catarse não
encontre a devida ressonância no arcabouço dramático pliniano, por ser justamente o
terror, na sua natureza de medo intensificado, o elemento primordial de uma construção
em que a ameaça, intermitentemente prestes a se consumar, do início ao fim da trama,
até o inescapável desfecho trágico em que de fato se consuma, figura como seu motivo
condutor e razão de ser. Anatol Rosenfeld trata da reflexão lessingiana acerca da catarse
nos seguintes termos:
O terror baseia-se no excesso, no hediondo, transformando o infortúnio dos personagens trágicos
em uma sensação momentânea que, no fundo, pouco afeta o público. (...) O medo nasceria da
empatia com o sofrimento de personagens semelhantes a nós, burgueses como nós; é, em
essência, nada senão “a compaixão referida a nós mesmos”. (...) O terror estabelece um abismo
entre palco e plateia, mostrando-nos destinos horripilantes de reis com quem não podemos
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identificar-nos. O medo, ao contrário, é suscitado pelo sofrimento de nossos semelhantes,
sofrimentos que podem atingir a nós mesmos a qualquer momento. O terror liga-se ao destino
terrível dos Grandes, à queda deles de augustas alturas. Não podemos realmente partilhar o
destino de tais personagens, simples mortais que somos. Já o medo pressupõe a identificação
com gente como nós, o que, por sua vez, implica a ilusão de uma realidade próxima da nossa.
(ROSENFELD, 1968, p. 44)
O texto de uma peça como O abajur lilás, por exemplo, é mesmo o lugar ideal
da manifestação desse terror de que nos fala Aristóteles, apesar de que evidentemente
fora do domínio trágico dos heróis austeros da tradição clássica que tanto viria a
influenciar o teatro neoclássico alemão, importado, sobretudo, da França, e contra o
qual Lessing afiaria sua pena. A interpretação lessingiana do fenômeno da catarse é
motivada pelo esforço de privilegiar a ascendente classe burguesa, então ávida por verse representada no palco, com todo o seu correspondente universo de valores e costumes
em detrimento da encenação da pompa e da circunstância da corte alemã de seu tempo.
Absolutamente à parte das motivações dessa empresa dramática tão vinculada a
uma específica contextualização histórica, Plínio resgata o sentido original do terror
catártico aristotélico, seguindo uma pauta de referências de outra ordem, sem prescindir
de todo modo de valores que também remetem a um posicionamento ideológico
assumido. Parece-nos que, à sombra da concepção da catarse da Dramaturgia de
Hamburgo e do teatro inicial de Plínio Marcos, não há meio termo espiritual ou sócioeconômico para o terror: ou ele ocorre nas alturas habitadas por reis e heróis míticos, ou
nas mais baixas esferas da escala social. A representação dramática da burguesia não
comportaria o terror, tal como consignado pelo crítico e dramaturgo alemão, por uma
questão de comprometimento do efeito de ilusão de realidade junto à plateia, a qual não
se sentiria identificada com o que se passa no palco.
Transpondo o problema para O abajur lilás, concluímos que o mesmo fenômeno
ocorre, embora o “abismo entre palco e plateia” se verifique apenas do ponto de vista
social, pois o almejado efeito trágico é garantido pela exposição e identificação com o
terror na medida em que o humanismo pliniano tem pretensões universalistas, afinal,
seu teatro é essencialmente alegórico por referir-se a experiências às quais, de um modo
ou de outro, somos todos suscetíveis, independentemente da extração social. Sua lupa
“ultranaturalista” restringe-se ao basfond (brasileiro, é verdade, por conta de ser esta a
nacionalidade do autor), mas também emerge da sua específica caracterização dramática
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o sentimento de compaixão como uma potencialidade humana fundamental sob
quaisquer contingências (o apego de Dilma ao filho que ela crê que há de redimi-la da
vida que leva é um bom exemplo disso – no próximo parágrafo, trataremos mais
especificamente do sentimento catártico aristotélico não refutado por Lessing e tão
verificável em Plínio). Caso não houvesse interdição à primeira tentativa de montagem
da peça, não nos resta dúvida de que, assim como ocorrido com As moscas, o público
que pudesse assistir ao drama das prostitutas sob a “ditadura” imposta por Giro não
sairia indiferente da sala de espetáculo com relação ao sentido de sua mensagem.
Mais propriamente no mérito da compaixão catártica, a sustentar a perspectiva
espiritual que tanto contribui em informar a dramaturgia do autor de Homens de papel
(1967), Paulo Vieira, num trecho de um artigo sugestivamente intitulado “Plínio
Marcos, um homem ungido pela divina ira”, atentou para determinados traços da
personalidade do dramaturgo santista que guardam uma evidente conotação religiosa,
atribuindo-lhe mesmo o papel de agente numa espécie de cruzada messiânica a que teria
se lançado em nome das suas convicções estéticas e ideológicas. De fato, a catarse dá o
tom nesta suma descritiva do autor, na qual Plínio é qualificado como
um homem de coragem quase sacerdotal, quase mística, no sentido de quem intui uma verdade
profunda e dolorosa em nossas existências. Na sua determinação em se manter firme atacando
tudo aquilo que vilipendia a alma humana, vai sacrificando-se a si mesmo num ritual silencioso e
íntimo de purgação. (VIEIRA,
2000, p. 44)
Do mesmo modo, no já citado Plínio Marcos: a flor e o mal, Paulo Vieira já
destaca os motivos de ordem espiritual, conforme o enfoque catártico no qual nos
detemos, que Anatol Rosenfeld enxerga no dito “teatro da agressão”, vertente à qual o
autor do livro sugere filiar-se a dramaturgia pliniana:
Não se pode deixar de notar o senso de justiça e o pathos da sinceridade que se manifestam
muitas vezes através da irrupção dessa ira vomitando visões obscenas, blasfemas e asquerosas.
Em alguns casos parece revelar-se um desejo quase religioso de catarse, de uma grande purgação
coletiva; desejo que não hesita em transformar o palco, eventualmente, em verdadeiro purgante,
um lugar escatológico, tanto no sentido fecal como no religioso.
VIEIRA, 1994, p. 46)
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(ROSENFELD in
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Para concluir, lembremos de um traço estilístico da dramaturgia de Plínio
Marcos que tão oportunamente contribui para o seu diferencial com relação a outras
suas contemporâneas (apesar do influxo exercido por ela, na segunda metade da década
de 1960, sobre uma geração de teatrólogos brasileiros que ficaria conhecida como Nova
Dramaturgia) e que tão estreitamente relaciona-se ao seu potencial alegórico: a opção
pela exiguidade. Há, nas suas peças, uma economia de procedimentos que contribuem
decisivamente para o perfil de uma construção dramática singular. Nelas, a composição
do espaço cênico não comporta externas – a ação se basta num interior único, e
transcorre segundo uma dinâmica peculiar criada pelo constante confronto entre os
poucos personagens. Tal minimalismo, que pode ser equivocadamente tomado como
atestado de primitivismo, concorre para o atribuído cunho vanguardista da dramaturgia
pliniana, que se configurava à parte em sua oposição (ou, melhor ainda, transgressão)
aos ditames formais seja do “bom gosto” tebecista, ainda em voga quando da sua estreia
– a exigir um elevado grau de excelência técnica das montagens, como na composição
de figurinos e cenários –, seja dos ditames conteudísticos do programa do Teatro de
Arena e afins, seus contemporâneos – a conformar sua empresa não raro didática e
maniqueísta de conversão ideológica através da esquemática construção de enredos
protagonizados invariável e heroicamente pelas classes populares.
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Trágicas alegorias da resistência: As moscas, de Jean