Acupuntura é patrimônio cultural da humanidade
Por Cláudia Rodrigues - Jornalista
Um pouco da história da acupuntura no Brasil!
MEU ACUPUNTURISTA É MÉDICO, E O SEU?‖
Por recurso do Conselho Federal de Medicina o Tribunal Regional Federal da 1ª
Região, em Brasília, decidiu pela proibição da prática da acupuntura por quaisquer
profissionais da saúde que não tenham formação em faculdades de medicina. A
decisão da última terça-feira está valendo a partir da publicação oficial, ainda que
as demais categorias recorram. Acupuntura no Brasil agora é ato médico.
Exclusivo.
A política médica que ganha hoje no país a exclusividade para a prática da
acupuntura já desqualificou a técnica nos mesmos tribunais. No final dos anos
1960 a categoria posicionou-se contra a prática da acupuntura, considerando-a
charlatanismo.
Acupunturistas foram presos acusados de curandeirismo, estavam totalmente
desprotegidos pela legislação.
No início dos anos 1970 o Conselho Federal de Medicina rejeitou oficialmente a
acupuntura e a reflexologia como atividades médicas. O Conselho de Medicina de
São Paulo censurou publicamente o médico Evaldo Martins Leite por praticar
acupuntura, Naquela época, ainda que em outros países a acupuntura estivesse
sendo reconhecida e procurada como uma nova ferramenta de trabalho por vários
profissionais, entre eles os médicos, no Brasil era uma vergonha ser médico e
defender a acupuntura.
Os resultados práticos dos efeitos da terapia oriental eram inegáveis e vários
países foram envolvidos em estudos para testar sua eficácia sob os paradigmas da
pesquisa ocidental. Em 1977 o Brasil chegou a reconhecer a acupuntura como
ocupação profissional. A Organização Mundial de Saúde, na mesma época, além de
reconhecer, recomendava a prática. Os usuários surgiam, os profissionais
acupuntores, vindos das mais variadas áreas de saúde, se multiplicavam.
Médicos brasileiros, contrariando o CFM, começaram a fazer a formação com o
alemão naturalizado brasileiro Friedrich Jahann Spaeth na antiga sede da
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1979. Spaeth, que era fisioterapeuta,
massoterapeuta e acupunturista formado na Alemanha, fundou no Brasil, em
1958, a primeira instituição voltada para a prática da acupuntura, a Sociedade
Brasileira de Acupuntura e Medicina Oriental.
Antes dele, a acupuntura já existia nas comunidades chinesas desde 1812 e nas
japonesas desde 1895. Os imigrantes orientais usavam-na entre eles, mas nunca
se organizaram para difundi-la.
Em 1961 desembarcou no Brasil Wu Tou Kwang, médico cirurgião vascular, que
também passou a formar acupuntores, sempre defendendo a atividade como
democrática, multidisciplinar, barata e eficaz. Na mesma década vieram os
coreanos trazendo uma acupuntura diferente da japonesa e da chinesa. Enquanto
isso, nos Estados Unidos, o psicólogo Reuben B. Arnber, aluno de acupuntura de
Wu Wei Ping, iniciava uma jornada política pela regulamentação da acupuntura.
Mesmo sem apoio do Conselho Federal de Medicina, mais médicos passaram a
frequentar cursos de acupuntura. A terapia oriental funcionava, eles podiam
atestar, fervilhavam as pesquisas com revelações surpreendentes sobre o uso e a
eficácia da técnica das agulhas. Politicamente era um problema a acupuntura ser
lecionada por não-médicos, a autoridade principal do assunto não ter formação
médica. Em 1980, pelo fato de não ser médico, Frederich Spaeth foi destituído da
presidência da Associação Brasileira de Acupuntura pelos seus ex-alunos médicos.
No raciocínio político, os médicos precisavam assumir a técnica, agora que ela era
respeitada pela ciência. Banir os papas da acupuntura no país significava
desvincular da ideia inicial, produzida pelos próprios conselhos de medicina, de que
era charlatanismo. Perversão pouca é bobagem. E o judiciário ali, de testemunha
na corrida do ouro.
Na bela Recife de 1981, no I Congresso Brasileiro de Acupuntura, a manifestação
de repúdio aos profissionais tradicionais de acupuntura por parte de médicos
corporativistas tomou forma oficial e em 1984, em outro congresso da categoria,
em Brasília, os médicos separaram-se oficialmente dos demais acupuntores para
fundar a SMBA- Sociedade Médica Brasileira de Acupuntura.
Quatro anos depois o médico-deputado paulista Antonio Salim Curiati deu entrada
ao projeto PL852/88 a favor da prática multidisciplinar da acupuntura. No mesmo
ano a CIPLAN, comissão interministerial de Planejamento, após se reunir
exclusivamente com representantes da SMBA, baixou resolução normatizando o
emprego da acupuntura nos serviços públicos médicos assistenciais, restringindo a
prática apenas para médicos.
Em 1991, uma resolução em assembléia da OMS recomendou a intensificação de
cooperação entre as medicinas tradicionais e a científica moderna, com medidas
reguladoras dos métodos de acupuntura. O PLC Nº383/1991 para regulamentação
da acupuntura foi aprovado, inclusive por todos os conselhos de medicina.
Não durou muito o aparente sossego. Em 1993 a Secretaria Nacional de Vigilância
Sanitária publicou um relatório com recomendação de que a acupuntura fosse
monopolizada pela classe médica. O seminário, que resultou na recomendação, foi
composto por 12 médicos da SMBA, 2 médicos a favor dos acupunturistas de
outras formações e um profissional não-médico.
Os médicos Wu Tou Kwang e Evaldo Martins Leite recorreram ao senador Valmir
Campelo convencendo-o a mudar de opinião e democratizar a regulamentação
para todos os profissionais da área saúde. Um abaixo-assinado contra o monopólio
médico da acupuntura, com 45.000 nomes, sendo 300 de assinaturas de médicos,
foi enviado ao Senado.
Em 1997, uma nova manobra com emendas em plenário dos senadores médicos
Lucídio Portela e José Alves tentou restaurar o monopólio da acupuntura para os
médicos. Depois de muitos imbróglios, foi derrotada e a acupuntura se fortaleceu
como profissão da área de saúde, respeitando suas origens não-médicas, podendo
ser praticada por assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, biólogos,
profissionais da educação física, biomédicos, enfermeiros, farmacêuticos,
fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, médicos veterinários, nutricionistas,
psicólogos e odontólogos.
Entre os anos 1980 e o final dos anos 1990, segundo dados publicados no Journal
of the American Medicine Association, as chamadas ―terapias alternativas‖
cresceram de 7% para 47% e a previsão era de que continuassem em elevação.
No judiciário brasileiro somavam-se processos contra o exercício ilegal da medicina
por acupunturistas não-médicos. O acesso ao livre exercício da profissão por
outras categorias da área da saúde enfrentava atos arbitrários sucessivos do
Conselho Federal de Medicina.
As organizações pró-acupuntura multidisciplinar foram crescendo e se fortalecendo
política e praticamente, já com base em evidências científicas, o que é raro nas
terapias alternativas. Ainda em 1998, cientistas na Universidade da Califórnia
comprovaram por meio de ressonância magnética que os pontos da acupuntura
estavam mesmo ligados a importantes órgãos internos e funções do corpo. Era
ciência, uma ciência caindo nas mãos de seus próprios criadores e eles faziam com
ela o que bem quisessem, até formavam profissionais não-médicos! Foi um
momento desesperador para os médicos corporativistas.
Em 1999, ano de muito crescimento em pesquisas, fundações de instituições e
popularidade da acupuntura, cresceram os debates. Nesse ano estimou-se que
5.000 médicos e 20.000 profissionais de outras áreas da saúde faziam uso da
acupuntura.
Em 2000, nova broma. Um grupo de médicos brasileiros enviou relatório ao
Senado afirmando que na China, berço da acupuntura, ela era lecionada
exclusivamente em escolas médicas. Não deu certo: num lance digno de
profissionais éticos, o diplomata Affonso Celso de Ouro Preto, embaixador do Brasil
na China, enviou carta ao Senado afirmando que, na China, ―a acupuntura é uma
atividade socialmente independente da medicina alopática ocidental‖, sendo
regulada pela Secretaria Nacional de Administração da Medicina Chinesa, sem
qualquer ligação com a medicina alopata clássica.
Em 2000, após o arquivamento da tentativa de monopólio da acupuntura pela
classe médica no Senado, a Sociedade Médica Brasileira de Acupuntura lançou a
campanha com a pergunta – ―Meu acupunturista é médico, e o seu?‖ — que
induzia o eventual usuário a duvidar da capacidade dos acupunturistas vindos de
outras áreas da medicina.
E assim, nesse ritmo, continuou nos últimos 12 anos. A briga contra o exercício da
acupuntura por outros profissionais da saúde é a mesma velha briga da medicina
por mercado, por vaidade, por poder, por medo de perder o poder, como fica claro
nessa breve e resumida história sobre a batalha particular entre médicos
corporativistas e todos os outros profissionais de saúde que foram surgindo ao
logo da história por consequência natural, e podemos afirmar, por ciência,
derrubando crenças médicas.
A guerra de hoje é a mesma que atravessa séculos contra o exercício pleno e
legítimo do trabalho das parteiras, das enfermeiras. A mesma que levanta piadas
contra o trabalho dos psicólogos, dos terapeutas, a mesma luta covarde contra os
direitos dos profissionais da fisioterapia, dos optometristas. É a mesma, é o de
sempre, é mais do mesmo. Não surpreenderia tanto se esses profissionais da
medicina não fossem tão bem formados, tão bem treinados em incontáveis horas
de estudo e treinamento técnico. Fica difícil compreender como profissionais de
alto gabarito podem usar de estratégias e manobras políticas tão baixas, idênticas
às que utilizavam na Idade Média.
O espírito competitivo, predador e excludente dos representantes oficiais dos
médicos no Brasil ainda levará a categoria inteira para o fundo do poço, o mesmo
velho poço que tem servido para sepultar todos aqueles que ao longo da história
da medicina foram acusados de charlatões.
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