Atualidades CARTA DE SÃO PAULO SOBRE A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL SUBAQUÁTICO Os participantes do Congresso Internacional de Direitos Humanos, Meio Ambiente e Cultura, que contou com a participações dos conferencistas Prof. Tullio Scovazzi, Professor de Direito Internacional da Universidade de Milano-Bicocca/Itália, do Prof. Paulo Affonso Leme Machado, jurista e professor doutor da Faculdade de Direito da UNIMEP e dos debatedores Inês Virgínia Prado Soares, Procuradora da República e doutora em direito pela PUC/SP e Pedro Paulo Abreu Funari, Professor Titular em História e Arqueologia da UNICAMP, sendo o painel sobre a proteção do patrimônio cultural subaquático presidido por Ana Cristina Bandeira Lins, Procuradora da República e especialista em direito, realizado no dia 04 de setembro de 2008, na sede da Procuradoria Regional da República da 3ª Região, em São Paulo, após debaterem a temática em oficina de trabalho, coordenada por Alexandra Facciolli Martins e Regina Helena Fonseca Fortes Furtado, Promotoras de Justiça e Professoras do Curso de Especialização em Direito Ambiental da UNIMEP, reconhecendo o tema patrimônio cultural subaquático como assunto jurídico merecedor de tutela e de ações que garantam sua existência e fruição para as presentes e futuras gerações, expõem e, ao final, concluem, Considerando que o patrimônio cultural subaquático, como parte integrante do patrimônio cultural brasileiro (art. 216, “caput” da Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 3, fevereiro/2009 235 Atualidades Constituição Federal), é um testemunho vivo da cultura das civilizações passadas e da história da Humanidade, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserválo para as presentes e futuras gerações (art. 225, “caput”), Considerando que a Constituição Federal Brasileira de 1988 define os bens arqueológicos, emersos ou submersos, sem distinção, como bens da União (art. 20, X), cuja tutela é de competência comum entre a União, Estados e Municípios (art. 23, da CF) e, por isso, incumbe ao IPHAN obrigatoriamente participar do procedimento de autorização de sua exploração tanto de bens emersos e submersos, mediante o exercício do poder de polícia, à luz da Lei 3.924/61 e as Portarias IPHAN nº 007/88 e 230/02; Considerando que a legislação infraconstitucional é insuficiente e inadequada à proteção do patrimônio cultural subaquático, em especial a Lei 7.542/86, na redação introduzida pela Lei 10.166/00, que padece de vícios insanáveis de inconstitucionalidade, pois confere tratamento ao patrimônio arqueológico subaquático como bens comercializáveis, permitindo, inclusive, sua adjudicação indevida ao explorador; não exige a metodologia científica mais adequada para o resgate de bens e navios afundados, desconsiderando o sítio arqueológico em seu contexto; permite, indiscriminadamente, excursões e turismo não controlados em sítios e áreas de interesse arqueológico; etc. Considerando que a Convenção da UNESCO sobre a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático tem por objetivo atender à necessidade “de codificar e desenvolver progressivamente as regras relativas à proteção e preservação do patrimônio cultural subaquático em conformidade com o direito e a prática internacionais”, destacando que a prospecção, a escavação e a proteção do patrimônio cultural subaquático requerem a disponibilização e a aplicação de métodos científicos especiais e o uso de técnicas e de equipamentos apropriados, as- 236 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 3, fevereiro/2009 sim como um alto grau de especialização profissional, todos eles indicando a necessidade de critérios diretores uniformes; Considerando que o patrimônio cultural subaquático deve ser gerido e protegido sob o enfoque patrimonial, cultural e ambiental não somente para fins de pesquisas arqueológicas, mas principalmente em face das obras e atividades impactantes, as quais são submetidas, pelo regime legal brasileiro, ao licenciamento ambiental. E que, nessas situações, tem-se aceito passivamente a destruição de vários sítios submersos, já que o Poder Público permite a não contemplação dos trabalhos de Arqueologia Subaquática nos prévios Estudos de Impacto Ambiental e respectivos relatórios (EIA/RIMAs) de áreas portuárias, de linhões ou tubulações submersas; e Considerando, por fim, que está em tramitação no Congresso Nacional (Senado Federal) o Projeto de Lei 45/2008, sobre o patrimônio cultural subaquático, cuja redação final pode oferecer um contorno apropriado ao tratamento do bem cultural e se tornar uma lei que integra de forma harmônica o sistema de proteção patrimonial; com efetividade na proteção dos bens submersos e com a regulação de atividades que utilizem os bens arqueológicos como recursos econômicos, pautando-se em princípios e mecanismos que remetam à garantia de manutenção de todos os elementos fundamentais para caracterização do bem como bem cultural de interesse público; Os participantes do Congresso Internacional de Direitos Humanos, Meio Ambiente e Cultura, convencidos da urgência em adotar medidas apropriadas para a efetiva proteção do patrimônio subaquático, concluem 1. que sejam empreendidos esforços para a aprovação urgente de uma nova lei sobre patrimônio cultural subaquático, a qual deverá levar em consideração o sistema normativo dos bens arqueológicos, em especial a Constitui- Atualidades ção Federal da República Federativa do Brasil de 1988 e a Lei nº 3.924/61 e ter como finalidade primordial a proteção dos bens submersos, assegurando que as atividades que utilizem os bens culturais e arqueológicos como recursos econômicos sejam norteadas por princípios e mecanismos que remetam à garantia de manutenção de todos os elementos fundamentais 2. que o Ministério Público, a sociedade civil e os órgãos de proteção do patrimônio cultural brasileiro promovam efetivas atuações que realcem a urgente necessidade do Brasil assinar e o Congresso Nacional ratificar a Convenção Sobre a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático1. 3. que o patrimônio cultural subaquático deve ser protegido pelos órgãos do Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como pelo Ministério Público e pela Sociedade Civil, destacando-se a necessidade de efetiva atuação do IPHAN nos processos de autorização e de fiscalização da exploração do patrimônio subaquático, isolada ou conjuntamente com Marinha Brasileira; 4. que se busque judicialmente afastar os dis- positivos legais inconstitucionais supramencionados do nosso sistema jurídico atual (Lei Federal nº 7.542/86, na redação dada pela Lei 10.166/00) com a argüição de inconstitucionalidade de tais dispositivos; 5. que o Ministério Público, a sociedade civil e os órgãos de proteção do patrimônio cultural brasileiro utilizem-se de instrumentos de discussão pública, tais como as audiências públicas, para ouvir a comunidade científica, os órgãos públicos de outras áreas envolvidas com a temática patrimonial, os juristas e a comunidade que pode ser diretamente beneficiada econômica ou culturalmente pela exploração do patrimônio cultural subaquático; 6. que, para atingir a finalidade de dar visibilidade ao tema e transparência às discussões e às informações e aos dados existentes nos órgãos de proteção do patrimônio cultural brasileiro , o Ministério Público, a sociedade civil e o Poder Público busquem soluções e mecanismos que resguardem devidamente esse rico patrimônio. São Paulo, 04 de setembro de 2008 1 Paris, UNESCO (2001) Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 3, fevereiro/2009 237