EXCELENTÍSSIMO SENHORA MINISTRA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL – DD CÁRMEN LUCIA
“Enquanto a indiada era desfeita nos engenhos de fé
cristã, mais índios foram queimados como o carvão
humano da civilização”.
Darcy Ribeiro
CONECTAS DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos
qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP,
inscrita no CNPJ sob nº 04.706.954/0001-75, com sede na Rua Pamplona, 1197,
casa 4, São Paulo/SP, por meio de seu programa de justiça Artigo 1º,
representada por sua Diretora Executiva e bastante representante nos termos de
seu Estatuto Social, Dra. Malak Poppovic e Diretor Jurídico Dr. Oscar Vilhena
Vieira (docs. 1 e 2), por seus advogados e bastante procuradores, vem
respeitosamente à presença de Vossa Excelência, apresentar memoriais
Memoriais na Petição 3388
proposta em face da União Federal, objetivado a anulação do procedimento de
demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. A organização que ora se
apresenta como amicus curiae busca a improcedência da Petição 3388, pelos
argumentos a seguir expostos:
1
I.
DO OBJETO DA AÇÃO
A petição 3388 (ação popular) foi proposta pelo Senador Augusto Affonso
Botelho Neto (PT), assistido pelo Senador Francisco Mozarildo de Melo
Cavalcanti (PTB), ambos eleitos pelo Estado de Roraima.
O objeto da ação popular é a Portaria 534/2005, posteriormente homologada
pelo Decreto Presidencial de 15 de abril de 2005, que dispõe sobre a
demarcação administrativa da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol (RSS),
em Roraima, determinando a posse permanente da referida terra aos grupos
indígenas Ingarikó, Makuxi, Patamona, Taurepang e Wapixana.
Nos termos do artigo 2º da Portaria 534/2005 e conseqüente Decreto
Presidencial de 15 de abril de 2005, a Terra Indígena Raposa Serra do Sol
possui uma superfície total de 1.747.464,7832 hectares e faz fronteira com a
Venezuela e a Guiana. Vivem na TI RSS os Grupos Indígenas Ingarikó, Makuxi,
Patamona, Taurepang e Wapixana.
A Portaria 534/2005 exclui da TI RSS: o núcleo urbano do Município de Uiramutã
e a área do 6º Pelotão Especial de Fronteira; os equipamentos e as instalações
públicas estaduais e federais; as linhas de transmissão de energia elétrica; os
leitos de rodovias estaduais e federais.
Além disso, a Portaria 534/2005 veda “o ingresso, o trânsito e a permanência de
pessoas ou grupos de não-índios dentro do perímetro ora especificado,
ressalvadas a presença e a ação de autoridades federais, bem como a de
particulares especialmente autorizados, desde que sua atividade não seja
nociva, inconveniente ou danosa à vida, aos bens e ao processo de assistência
aos índios” (art. 5º).
A argumentação da presente ação funda-se em três pontos principais:
i)
ofensa ao princípio do devido processo legal, questionando os atos
administrativos que precederam e fundamentaram a edição da
Portaria 534/2005;
2
ii) ofensa ao princípio da razoabilidade, na medida em que a homologação
da demarcação da TI RSS causa prejuízos econômicos e ao
desenvolvimento do Estado federado;
iii) violação da cláusula federativa, em razão de grandes montas de terras do
Estado federado de Roraima passarem a domínio da União.
Nestes memoriais, Conectas Direitos Humanos defende a improcedência das
alegações supra e a constitucionalidade da identificação / demarcação /
homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
II. ANTECEDENTES DO DECRETO
O processo de identificação da TI RSS remete a 1977, com a criação de um
Grupo de Trabalho pela FUNAI. Dois anos depois, em 1979, foi criado novo
Grupo, a partir da Portaria 509-E. Na época, sugeria-se a identificação de
1.347.810 hectares como terra indígena. Cinco anos depois, em 1984, nova
Portaria 1.645-E FUNAI criou outro Grupo de Trabalho para demarcação da TI
RSS, chegando-se à conclusão de demarcação de 1.577.850 hectares,
desmembrado em cinco áreas:
•
Xununuetamu (53.510 ha);
•
Surumu (455.610 ha);
•
Raposa (347.040 ha);
•
Matruca – Serra do Sol (721.690 ha).
Posteriormente, foram incluídas no relatório do Grupo de Trabalho áreas de
aldeias não agregadas, perfazendo um total de 2 milhões de hectares. O
processo de identificação da área indígena foi retomado a partir de 1991, através
das Portarias 398/91; 1.285/92; 1.375/92 e 1.553/92, todas da FUNAI. O Grupo
de Trabalho desse período identificou uma área de 1.678.800 hectares,
conforme proposto em parecer 036/DID/DAF/1993, publicado e encaminhado ao
Ministério da Justiça. Deu-se, a partir daí, grande etapa de contestação da
identificação, possibilidade inserida pelo Decreto 1.775/1996.
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Em 2005, como ato conseqüente à identificação, o Ministério da Justiça
reconheceu a demarcação da área contínua de 1.747.46 hectares para a Terra
Indígena Raposa Serra do Sol, através da Portaria 534/2005. No mesmo ano de
2005, como fase final do processo de demarcação, o Decreto Presidencial de 15
de abril de 2005, do Presidente da República, homologa os termos da Portaria
534/2005.
Para melhor ilustrar o processo jurídico-histórico de demarcação da Terra
Indígena Raposa Serra do Sol, apresentamos tabela abaixo1:
Ano
1977/79
1984
1991/2
1993
1995
1996
1997
1998
1999
2002
2003
2003
2004
2005
1
Acontecimento
Início do processo de identificação - GM/111
Portaria 1.645
Portarias 398/91; 1.285/92; 1375/92; 1553/92
Envio do relatório final da FUNAI p/ Ministro da
Justiça – início do processo de demarcação
Criação dos municípios de Uiramutã e Pacaraima
Decreto 1.775/96 - Direito ao contraditório
Escolha de Uiramutã para o Batalhão Especial de
Fronteira
Portaria 820/98 – declara a posse permanente
dos índios de Raposa/ Serra do Sol
Ação Popular contra a Portaria 820/98
Decreto 4412/02 - autoriza a presença militar e
policial em terras indígenas
Portaria 020/03 - Aprova a diretriz para o
relacionamento do Exército com as comunidades
indígenas.
Portaria 983/ 03 - Aprova a diretriz para o
relacionamento das Forças Armadas com as
comunidades indígenas
Radicalização das ações dos grupos indígenas e
não indígenas contrários à demarcação em área
contínua.
Homologação Portaria 534/05
Hectares
1.347.810
1.577.850
1.678.800
1.747.464
Tabela representada em Fernandes Neto, P., A demarcação da Terra Indígena Raposa / Serra do
Sol – conflitos entre territorialidade (1993-2005), dissertação de mestrado defendida da UFRJ –
Programa de Pós Graduação em Geografia, 2006. Referência no original a ISA, 2000; SANTILLI,
2001.
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III. TERRA INDÍGENA E DIREITOS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
No plano constitucional, a partir de 1934 – e desde então – é assegurada aos
índios a posse sobre a terra por eles ocupada permanentemente, em oposição a
quaisquer formas e títulos de propriedade de terceiros.
Nas palavras de Pontes de Miranda, analisando a Constituição de 1946:
“Desde que há posse e a localização permanente, a terra é
do nativo, porque assim o diz a Constituição, e qualquer
alienação de terras por parte de silvícolas, ou em que se
achem, é nula, por infração da Constituição”. (MIRANDA,
P., Comentários à Constituição de 1946, vol. V, 1953,
p.335).
De fato, a partir da análise das Constituições brasileiras é possível perceber que
o conceito de terra indígena está fortemente associado aos direitos das
populações indígenas e ao tratamento dispensado às mesmas pela legislação. É
também a partir da proteção constitucional à Terra Indígena que se opera a
superação do paradigma da política de integração das populações indígenas à
sociedade “produtiva” para reconhecê-los enquanto sujeitos de direitos em sua
própria organização social e costumes, ou seja, uma nova política de interação
com a cultura indígena, como tal.
As Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967, todas se utilizam da orientação de
que o melhor a ser feito com as populações indígenas seria sua gradativa
incorporação à comunhão nacional, ou seja, a sua extinção enquanto indígenas.
E, como não poderia deixar de ser, a terra indígena, neste contexto, é apenas
uma forma de proteção transitória às populações, enquanto não estiverem
incorporadas definitivamente na sociedade brasileira.
A Constituição de 1934 dispunha ser competência da União a incorporação dos
silvícolas à comunhão nacional (art. 5º, m); assim como a Constituição de 1946
(art. 5º, r); 1967 e 1969 (art. 8º, o).
5
A chamada política de integração, que prevaleceu até o advento da Constituição
de 1988, tem sua máxima expressão no Estatuto do Índio – Lei 6.001/73, que
dispunha: “esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das
comunidades indígenas, com propósito de preservar a sua cultura e integrá-los,
progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional” (art. 1º, Lei 6.001/73 –
grifamos).
Assim, toda normativa voltada às comunidades indígenas tinha por objetivo
promover a sua integração à “comunhão nacional”, em flagrante contradição
com o intuito de preservação de cultura indígena, já que se caminhava para uma
completa, progressiva e nada harmoniosa integração de todos os indígenas a
comunidade nacional.
Explica Paulo de Bessa Antunes:
“Os dois objetivos traçados pelo Estatuto são
amplamente contraditórios. Assim é porque a
preservação da cultura indígena não me parece ser
compatível com a sua integração em um outro
universo cultural. (...). Ora, como é possível a
preservação de uma cultura integrando-a a outra?
Em
realidade,
a
perspectiva
integracionista,
adotada pelo Estatuto, parte do pressuposto de que
a cultura ‘branca’ é uma cultura superior à cultura
indígena e que esta deve, paulatinamente, ser
substituída pela cultura oficial.
A contradição lógica que se encerra no artigo 1º do Estatuto é a marca de toda a
política indigenista brasileira. O objetivo tutelar pretendido pelo Estatuto se perde
no momento em que, pelos termos da própria lei indigenista, busca-se acomodar
o índio à sociedade envolvente”. (ANTUNES, Paulo de Bessa, Ação civil pública,
meio ambiente e terras indígenas, Ed. Lúmen Júris, 1998, p.138).
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É apenas em 1988 que se reconhece expressamente o direito originário dos
indígenas sobre suas terras, bem como se define, já no âmbito constitucional, o
que são terras tradicionalmente ocupadas. Esse avanço específico em relação à
terra indígena acompanha a mudança do paradigma de proteção constitucional
ao índio, com ela sendo coerente e de fundamental importância.
A Constituição Federal de 1988 reconhece expressamente a organização social,
os costumes, as crenças e tradições dos indígenas, bem como o direito
originário sobre suas terras.
Ao reconhecer e proteger a cultura e tradições indígenas, a Constituição Federal
de 1988 altera o paradigma até então vigente em relação às populações
indígenas, abandonado uma concepção de integração por outra de interação
das populações indígenas com o restante da sociedade. Diz a Constituição
Federal de 1988:
Art.
231.
São reconhecidos
aos
índios
sua
organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras
que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os
seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios
as
por
eles
habitadas
em
caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades
produtivas, as imprescindíveis à preservação dos
recursos ambientais necessários a seu bem-estar e
as necessárias a sua reprodução física e cultural,
segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios destinam-se a sua posse permanente,
cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do
solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
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§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos,
incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a
lavra das riquezas minerais em terras indígenas só
podem
ser
efetivados
com
autorização
do
Congresso Nacional, ouvidas as comunidades
afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos
resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º - As terras de que trata este artigo são
inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre
elas, imprescritíveis.
§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de
suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso
Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que
ponha em risco sua população, ou no interesse da
soberania do País, após deliberação do Congresso
Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o
retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos
jurídicos, os atos que tenham por objeto a
ocupação, o domínio e a posse das terras a que se
refere este artigo, ou a exploração das riquezas
naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas
existentes, ressalvado relevante interesse público
da
União,
segundo
o
que
dispuser
lei
complementar, não gerando a nulidade e a extinção
direito a indenização ou a ações contra a União,
salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias
derivadas da ocupação de boa fé.
§ 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto
no art. 174, § 3º e § 4º.
Percebe-se, assim, que a Constituição Federal de 1988 revoluciona o tratamento
legal dispensado às comunidades indígenas, abandonando a postura tutelar e
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integracionista das Constituições anteriores para, finalmente, reconhecer às
populações indígenas sua organização social, seus usos e costumes.
Este reconhecimento vem acompanhando do dever que agora recai sobre o
Estado brasileiro de preservação – e não de extinção – da cultura indígena. Não
se trata mais de forçar a integração do indígena à comunhão nacional, mas
reforçar a nação e a soberania brasileiras a partir do reconhecimento das
populações indígenas como sujeitos de direitos.
Ora, não poderia ser diferente em uma Constituição que se funda sob o
primado do pluralismo, como expresso no artigo 1º.
Neste sentido, a Terra Indígena exerce papel fundamental. É a partir da terra
que as populações indígenas se afirmam e reconhecem enquanto comunidades,
permitindo-lhes o pleno exercício de seus usos, costumes e de organização
social.
A relação que se estabelece entre as comunidades indígenas e a Terra Indígena
é diferenciada: somente a partir da preservação e demarcação da Terra
Indígena é possível garantir às comunidades indígenas a manifestação de seus
costumes e continuidade de sua cultura e organização social próprias.
Este vínculo absoluto entre a Terra Indígena e os costumes e usos das
comunidades indígenas é reconhecido pela Constituição Federal de 1988,
destinando às Terras Indígenas um estatuto próprio e de inquestionável
amplitude.
Ora, é a própria Constituição Federal que reconhece às comunidades indígenas
os direitos originários sobre as terras que são tradicionalmente ocupadas por
elas. É também a Constituição que, desde o primeiro momento, define que “são
terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à
preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as
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necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e
tradições”.
As tradições, usos e costumes das comunidades que habitam a Terra Indígena
Raposa Serra do Sol são particularmente especiais na relação que estabelecem
com a terra. Makunaima (ou Macunaíma), mito da cultura de grande parte das
comunidades indigenas que habitam a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, é
responsável pelos contornos geográficos e naturais daquela Terra Indígena:
“Há
muito
tempo,
Macunaíma
e
Aniquê
encontraram a árvore Wazacá, a árvore da vida,
onde floresciam todas as plantas atualmente
cultivadas pelos índios, juntamente com diversas
espécies frutíferas silvestres que vicejam ainda hoje
na região das serras que formam as vertentes da
cordilheira Pacaraima e nos campos adjacentes.
Macunaíma, contrariando o irmão mais velho,
Aniquê, derrubou a árvore Wazacá para comer
seus frutos, dando origem a atual conformação
fisiográfica do mundo: os galhos ao caírem
espalharam as diversas espécies vegetais pelas
distintas regiões e de seu tronco jorrou uma torrente
de água que formou os rios e lagos que vertem
desde o Monte Roraima. Naquele tempo, em que
as pedras eram moles, Macunaíma e Aniquê, em
suas
inúmeras
peripécias
por
este
mundo,
moldaram as rochas, as cachoeiras, enfim, os
acidentes geográficos que caracterizam o território
tradicional dos Macuxi e Ingaricó”.2
Esta essencial relação estabelecida entre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol
e os usos, costumes e organização social das diversas comunidades indígenas
2
Conselho Indígena de Roraima, apud Destro, M. A., Soberania no Rio Branco e e a demarcação
da terra indígena Raposa Serra do Sol, dissertação de mestrado defendida em 2006, UNB –
Instituto de Relações Internacionais, p. 77/78.
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fazem deste processo de demarcação – ora questionado - algo muito maior do
que os limites territoriais da Terra Indígena. O que está em discussão é a
sobrevivência das comunidades indígenas brasileiras, já tantas vezes colocadas
em xeque por políticas integracionistas, e a validade da Constituição Federal de
1988 que tenta obstar este processo de extermínio.
Desta forma, julga-se com Raposa Serra do Sol a soberania da Constituição e o
futuro da pluralista sociedade brasileira.
IV. CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 231, dispõe que “são
reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Dispõe, ainda que “são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por
eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades
produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais
necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural,
segundo seus usos, costumes e tradições”.
No caso ora em discussão, trata-se de questionamento da legalidade e
constitucionalidade do processo de demarcação da Terra Indígena Raposa
Serra do Sol.
Como já exposto nestes memoriais, o processo de demarcação desta Terra
Indígena remete à década de 70 e desde então têm sido objeto de grande
disputa entre fazendeiros, políticos e as comunidades indígenas que lá habitam,
desde sempre.
Não há, na formação do ato de demarcação, qualquer vício que o torne eivado
de ilegalidade ou inconstitucionalidade. Os laudos e demais atos do processo de
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demarcação foram executados de acordo com a lei e, ainda, com possibilidade
de contraditório.
O fundamento do questionamento da Portaria 534/2005 e do Decreto de 15 de
abril de 2005 reside na essência da demarcação: para os autores desta petição,
demarcar Terras Indígenas e garanti-las em sua amplitude constitucional seria
uma afronta ao desenvolvimento.
Alega-se, agora, que a demarcação de Terra Indígena Raposa Serra do Sol
prejudicará a economia local, afetará a segurança e a soberania nacionais, além
de violar o pacto federativo. Nenhum desses argumentos é capaz de retirar a
validez constitucional da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol ou
relativizar os direitos que as comunidades indígenas possuem sobre tais
territórios.
Ainda mais, Excelências, ao se considerar que a demarcação de Terras
Indígenas surte um triplo e positivo efeito: fomenta a preservação e continuidade
de culturas indígenas e de suas comunidades; afasta os conflitos sob o manto
da segurança jurídica e serve de exemplo de uso consciente da terra, já que as
Terras Indígenas são geridas e usadas de forma ambientalmente responsável.
Diante de todo o exposto, Conectas Direitos Humanos vem se manifestar
pela improcedência da petição 3388 e conseqüente afirmação de
constitucionalidade e validade do processo de demarcação da Terra
indígena Raposa Serra do Sol, nos termos da Portaria 534/2005 e Decreto
presidencial de 15 de abril de 2005.
De São Paulo para Brasília, 25 de agosto de 2008.
Oscar Vilhena Vieira
Eloísa Machado de Almeida
OAB/SP 112.967
OAB/SP 201.790
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PET 3388 Memoriais da Conectas