PAULO RIBEIRO
OS 7 PILARES DO
APRENDIZADO
Usando a ciência para aprender mais e melhor
A
meus pais, que me criaram para amar a
educação e respeitar ao próximo. Sem eles não
seria quem eu sou.
A Sebastian Marshall, um mentor, que com um
exemplo de vida, me fez acreditar na construção de
um mundo melhor e de uma vida significativa.
sumário
Introdução
08
Capítulo 1
14
1. A Arquitetura da mente: como o conhecimento é armazenado
Para relembrar e pôr em prática
16
25
26
27
30
33
34
36
38
Capítulo 2
39
1.1 A teoria do multiarmazenamento
1.2 Conhecimento declarativo
1.2.1 Reconhecimento sensorial
1.2.2 Strings: associações simples como a base
1.2.3 Ideias
1.2.4 Schemas: como as ideias se relacionam
1.2.5 Modelos mentais: executando realidades virtuais
1.3 Conhecimento procedural
2. Os principais fatores que influenciam o aprendizado
2.1 O poder de uma base sólida
2.1.1 Como ativar e acelerar o aprendizado
2.1.2 O perigo de saber sem saber
2.2 O impacto de organizar o conhecimento da maneira correta
2.2.1 O que fazemos (de errado) no automático
41
43
47
52
54
sumário
Para relembrar e pôr em prática
58
61
62
66
71
75
Capítulo 3
77
2.2.2 Diferenças entre o modo de um expert e de um principiante
2.3 A motivação e o aprendizado
2.3.1 Como desativar o modo automático de enrolação
2.3.2 Alinhando os valores de sua jornada
2.3.3 Criando confiança de modo saudável
3. A caixa de ferramentas do autodidata
3.1 O que é possível fazer sozinho?
3.2 Desenvolvendo hábitos e rotinas de sucesso
3.2.1 Força de vontade não é infinita
3.2.2 Os 4 passos para criar qualquer hábito
3.2.2.1 Identifique a rotina
3.2.2.2 Experimente com as recompensas
3.2.2.3 Isole a deixa e possíveis barreiras
80
85
86
89
92
93
94
3.2.2.4 Tenha um plano
96
3.2.3 Desenvolvendo os sistemas ideias
98
3.3 A mentalidade certa importa. E muito
100
sumário
Para relembrar e pôr em prática
103
109
Capítulo 4
111
3.4 Um guia para superar a sobrecarga cognitiva
4. A arte de estudar o problema certo
Para relembrar e pôr em prática
113
116
119
119
122
124
125
128
135
136
138
141
Capítulo 5
143
4.1 Trazendo a eficiência para o mundo do aprendizado
4.2 Modulando seu objetivo
4.2.1 Duas técnicas para modular seus objetivos
4.2.1.1 Referências
4.2.1.2 Entrevistas
4.3 A regra de pareto acelerando o aprendizado
4.3.1 Selecionando para acelerar
4.3.2 Utilizando os critérios certos
4.4 A ordem importa?
4.4.1 Aprendendo a falar antes de escrever
4.4.2 Dominando as finalizações antes das aberturas
5. A captura eficiente do conhecimento
5.1 Tomando notas de maneira eficiente
5.1.1 Erro comum ao fazer anotações
145
146
sumário
Para relembrar e pôr em prática
149
154
156
159
166
Capítulo 6
168
5.1.2 Duas técnicas para melhorar suas anotações
5.2 Como extrair o máximo de um livro
5.2.1 Os quatro tipos de leitura
5.3 Um guia para extrair o máximo da leitura
6. Como processar o conhecimento
6.1 Flip Learning ou "indo de fora para dentro"
6.2 Transferência e a busca por conexões
6.3 Técnicas mnemônicas
6.3.1 Técnicas para processar conceitos
6.3.1.1 Metáforas
6.3.1.2 Técnica Goldfish
6.3.1.3 Mapas mentais
6.3.2 Técnicas para processar informações
6.3.2.1 Sistema Link
6.3.2.2 Sistema Peg
170
176
182
183
184
187
190
201
201
203
sumário
6.3.2.3 Palácios de memória
Para relembrar e pôr em prática
Capítulo 7
205
209
211
7. Desenvolva a maestria e crie a memória perfeita
7.1 O significado da maestria
7.2 A mente de um expert
7.2.1 Conhecimento em chunks
7.2.2 Padrões significativos
7.2.3 Automatismo por causa da experiência
7.2.4 Schemas e modelos mentais
7.3 As 3 características da prática deliberada
7.4 Repetição espaçada e a memória perfeita
7.4.1 Como esquecemos das coisas
7.4.2 Usando um sistema para maximizar lembranças
Para relembrar e pôr em prática
Conclusão
Agradecimentos
Referências
214
218
219
219
220
221
222
219
226
229
234
236
247
248
3.
introdução
T
“Grande parte dos
resultados vem
dos métodos e
das técnicas de
estudo.””
estudo.
odo mundo quer aprender melhor e mais
rápido. Seja para melhorar o desempenho em
escolas e faculdades, passar em concursos e
certificações, aprender novas línguas ou dominar
hobbies: aprender melhor traz resultado direto
em nossas vidas.
O problema é que parecemos estar fadados a
depender de escolas, cursos e materiais cada vez
mais caros a fim de aprender melhor. Afinal de
contas, todo mundo estuda da mesma maneira e
o que vai diferenciar os resultados é a qualidade
dos materiais de sua preparação, certo?
Errado. Aprender é uma habilidade como outra
qualquer e depende muito pouco de sua
capacidade original; grande parte dos resultados
vem dos métodos e das técnicas de estudo. Não é
conhecimento comum, mas há um corpo inteiro
de pesquisas científicas em torno do aprendizado,
em busca de entender como o processo acontece
e como podemos fazê-lo melhor.
08
M
eu interesse pelo aprendizado começou há mais de seis anos e tem permeado minha vida
desde então. Na época, eu era um estudante prestes a entrar no terceiro ano do ensino médio e em
um ponto-chave da vida: a preparação para entrar na universidade. Como eu venho de uma família
humilde, não tinha escolha: ou aprendia da melhor maneira possível para entrar numa
(concorrida) faculdade pública, ou não faria ensino superior. Não teríamos dinheiro para uma
faculdade particular.
Comecei, então, uma jornada pesada de
estudos. E não apenas de conteúdo do
colégio, mas também um tema incomum:
aprendizado. Eu comecei a ativamente
experimentar com técnicas diferentes de
aprendizado em busca dos melhores
resultados, para que eu pudesse absorver e
aplicar na minha jornada de preparação.
Experimentei bastante, principalmente com
meus (então) calcanhares de Aquiles: história
e redação.
Hoje, olhando para trás, eu vejo como essa
fase de experimentação com o aprendizado
foi importante. Usei o conhecimento que
adquiri para ser aprovado em 1º lugar nas
duas maiores universidades do meu estado, o
que me permitiu cursar engenharia.
09
O
s resultados obtidos depois de eu ter refinado as melhores técnicas de estudo que
encontrei não teriam existido se eu não tivesse investido tempo nesse garimpo. Saber a melhor
forma de aprender foi essencial naquele momento da minha vida.
E
tem sido assim desde então. De lá para cá,
já usei essas técnicas para: aprender inglês por
conta própria ao nível de fluência, estudar
negócios e marketing, tendo trabalhado com
empreendedores de sucesso ao redor do mundo
em startups e organizações filantrópicas,
melhorar minha escrita a um nível profissional,
aprender programação, dança de salão e tudo
aquilo que me interessa. Até que chegou o
momento de ensinar o que aprendi às outras
pessoas, de modo que elas pudessem ficar mais
perto de seus sonhos como eu fiquei. Sempre
tivesse essa vontade de causar impacto, o que se
traduziu em alguns projetos e blogs que se
acabaram com o tempo.
Exceto um, desde 2011, escrevo em um portal sobre estilo de vida e sucesso chamado
Estrategistas, onde compartilho o conhecimento que tem funcionado na minha vida e na vida de
mentores. No final de 2012, em uma conversa com Eduardo, com quem eu fundei o Estrategistas,
durante o evento TEDxRecifeAntigo, algo clicou na minha cabeça.
10
E
u já tinha um projeto sobre desenvolvimento pessoal para causar impacto na forma como as
pessoas vivem suas vidas. Eu poderia fundar um projeto sobre aprendizado, agora para
compartilhar conhecimento e técnicas a fim de ajudá-las a aprender melhor, um passo essencial
na busca de qualquer objetivo.
A partir dali, mergulhei na ciência do
aprendizado. Minha ideia foi refinar todos os
conceitos e técnicas que eu tinha adquirido ao
longo dos anos com o conhecimento científico,
atual, a respeito do processo. Fiz cursos, li vários
livros, dezenas de artigos científicos, sites na
internet, vi palestras, enfim, mergulhei de cabeça
na área.
Oficialmente, o Aprendizado Acelerado nasceu
no segundo semestre de 2013. Desde então, tem
sido uma jornada fantástica. Tenho conhecido
muita gente, levado esse conhecimento sobre
aprendizado para dezenas de milhares de pessoas
pelo Brasil e pelo mundo e impactado muitas
vidas no processo.
Nossa comunidade não para de crescer e as pessoas estão aplicando as técnicas do
Aprendizado Acelerado nas mais diversas áreas e obtendo resultados reais. Desde faculdades,
escolas, concursos até aprendizado de línguas, de música e hobbies como o pôquer. Essa semana
até recebi a excelente notícia que Fábio, um de nossos leitores assíduos, foi aprovado em
engenharia na terceira melhor faculdade do país! Um email que fez meu dia.
11
N
o final de 2013, as pessoas começaram a me pedir por um livro. Um livro sobre aprendizado,
que falasse da ciência por trás do processo e contivesse as técnicas de melhor resultado em um
lugar só, praticamente um manual. Comecei, então, a trabalhar na pesquisa e na escrita desse
projeto.
Se eu fosse escrever um livro recheado sobre
aprendizado, ele precisaria ter:
- Uma linguagem acessível. Afinal de contas, uma
barreira grande para o acesso ao conhecimento
científico atual sobre o aprendizado é o fato dele
ser, bem, científico. Há muitas pesquisas e
resultados interessantes na área, mas eles estão
espalhados e escritos em artigos acadêmicos pela
internet. Se fosse para escrever um livro, eu teria
que reunir essas informações em um só lugar e
fazer uso de uma linguagem acessível.
- Fundamentação científica. A área do
aprendizado é vastamente povoada por mitos e
confusões a respeito de conceitos importantes,
ocorridos principalmente quando eles vão para a
mídia pelas mãos de jornalistas sem uma
background científico. Não adiantaria escrever
um livro com base em "achismo", por isso fui
refinar minhas técnicas com uma pesquisa
profunda na área.
12
- Uma abordagem prática. Conhecimento teórico
é importante para entendermos como as coisas
funcionam, mas a pegada de um livro útil sobre
aprendizado é a parte prática. Esse livro teria que
ter sido preparado, desde a concepção, com a
ideia de que o leitor, ao concluí-lo, tivesse uma
compreensão geral e fosse capaz de aplicar na
hora o que aprendeu.
Este é exatamente o e-book que você está lendo
agora. Espero que ele seja útil, ajudando-o a
aprender melhor, deixando você mais perto de
seus sonhos.
Um grande abraço,
Paulo Ribeiro
13
CAPÍTULO 01
A ARQUITETURA DA MENTE:
COMO O CONHECIMENTO É ARMAZENADO
“U
m homem deve manter seu pequeno
cérebro-sótão abastecido com todos os móveis
que são de provável uso e o resto ele pode pôr de
lado na sala de sua biblioteca, onde ele pode
pegá-los se quiser.” Arthur Conan Doyle
“Um homem deve
manter seu pequeno
cérebro-sótão
abastecido com
todos os móveis que
são de provável uso e
o resto ele pode pôr
de lado na sala de
sua biblioteca, onde
ele pode pegá-los se
quiser ”
A melhor maneira de estudar qualquer atividade
é entender os princípios por trás dela. Enquanto
raciocínio por comparações e a partir de
exemplos é algo extremamente útil se quisermos
fazer avanços significativos em qualquer área, é
preciso raciocinar com base em princípios para
dominar os fundamentos. Construir nossa
imagem mental do que estamos estudando a
partir de suas bases, de modo que obtenhamos o
modelo mais realista possível e possamos
trabalhar dentro dele.
Para nosso estudo do aprendizado, não vai ser
diferente. Começaremos mergulhando em um
dos modelos mais bem aceitos pela academia
para explicar o armazenamento de informações
no cérebro e então estudamos a própria estrutura
do conhecimento em nossa mente. Esse capítulo
é essencial para compreender em que as técnicas
apresentadas ao longo do livro são eficientes e
por que elas funcionam.
15
1.1 A teoria do
multiarmazenamento
H
á dezenas de teorias que visam a
explicar o funcionamento da memória
humana e suas particularidades. Conforme
nosso entendimento de psicologia cresceu
no século passado, especialmente com o
surgimento do campo de estudo cognitivo e
com os avanços em neurociência, as teorias
inadequadas foram ficando para trás e as
mais
eficientes
continuaram
a
ser
selecionadas.
O modelo do multiarmazenamento,
também conhecido como modelo modal ou
multimemória, foi apresentado pela primeira
vez em 1968 por Richard Atkinson e Richard
Shiffrin . Ele propõe que possuímos não um,
mas alguns tipos de memória, que são
diferentes em termos de duração e
capacidade
de
armazenamento
de
informações.
16
O
primeiro nível é a memória sensorial, a mais externa, cuja existência foi demonstrada
por Sperling (1960). Ela é a nossa conexão com a realidade, ou seja, uma pequena região
onde nossos sentidos, principalmente o sistema auditivo e o visual, mantêm um grande
volume de informações antes de ocorrer a filtração para a região de atenção consciente,
como sugerido por Coltheart em 1974.
“Memória sensorial
está relacionada com a
transformação dos
estímulos externos, que
existem em várias
formas.”
Essa memória sensorial está relacionada
com a transformação dos estímulos externos,
que existem em várias formas (fótons,
vibrações, cheiros, etc.) em impulsos elétricos,
a "linguagem" dos neurônios. Para a visão, a
duração é extremamente curta, entre meio e
um segundo, até sumir da sua mente. Para a
memória auditiva, a duração é entre 1 e 3s.
O segundo tipo de memória é a de curto
prazo, também chamada de memória de
trabalho. Embora os termos sejam utilizados
como significassem a mesma coisa, há uma
pequena diferença: aquela se refere a nossa
capacidade biológica e esta ao que o cérebro
faz com essa capacidade.
17
A
memória de trabalho está diretamente
relacionada à nossa consciência sobre as
coisas, ao nosso foco de atenção. Ela só
consegue manter entre 5 e 9 itens ao mesmo
tempo, dependendo da familiaridade com eles.
O fato dela ser tão reduzida é apenas um dos
problemas; outra dificuldade é o tempo curto
que a informação passa dentro do sistema,
entre 5 e 20 segundos.
Isso explica o porquê das coisas escaparem
de nossa atenção quando somos distraídos
tentando memorizar um número de telefone,
por exemplo. Para reter a informação, você
precisa mantê-la ativa dentro de um buffer
chamado ciclo articulatório. Estudos de
laboratório mostram que o loop natural da
mente dura 1,5s, ou seja, o que você conseguir
repetir para si mesmo em blocos de 1,5s vai
ficar gravado indefinidamente. A alternativa,
muito mais prática, é fazer a transferência da
informação para a memória de longo prazo.
18
A
memória de longo prazo é o lugar de armazenamento permanente de informações
na sua mente. Embora certamente ela esteja a mercê de doenças e acidentes com o cérebro,
ela não passa pelos mesmos problemas de transiência nem de limitação da memória de
trabalho. Mesmo o processo natural de envelhecimento não causa danos per se ao volume
de informações que você guarda, apenas reduz a velocidade de recuperação das memórias.
“Quanto mais
informações
absorvemos,
mais fácil será
absorver mais.”
Tudo o que você já vivenciou, fez ou pensou
na vida está guardado lá. Não só conteúdo
relacionado a conhecimento/estudo explícito,
mas experiências de vida, situações, pessoas,
em suma, seu entendimento geral do mundo.
Não há limitações conhecidas à capacidade
de armazenamento de informações nessa
memória. Na realidade, o princípio do
conhecimento de base (que veremos no
capítulo 2) nos leva a concluir que quanto
mais informações absorvermos, mas fácil será
absorver mais. Se essa capacidade é ilimitada e
dura indefinidamente, por que ela não resolve
todos os problemas? Ou seja, por que
esquecemos coisas?
19
H
á dois grandes problemas: a
dificuldade em carregar conteúdo nessa
memória, nos obrigando a desenvolver
estratégias para codificar a informação de
maneira adequada a conectar com o que
já está armazenado, e a necessidade de
utilizar estratégias para recuperar o que
foi guardado lá. O principal motivo pelo
qual as pessoas esquecem é o fato delas
não terem aprendido direito em primeiro
lugar. É natural as pessoas serem super
confiantes em suas capacidades de
lembrar o que é preciso, mesmo sem
entender como funciona o processo de
memorização ou sem nunca ter
desenvolvido estratégias para codificar a
informação da maneira adequada.
As principais estratégias para processar
o conhecimento, ou seja, transferi-lo
permanentemente da memória de
trabalho para a memória de longo prazo
envolvem um C.R.I.M.E .
20
° Chunking– Agrupar informações de uma
maneira original de modo a fazer sentido
° Repetição– Sim, repetição é uma das
formas pela qual podemos fazer essa
transferência. Toda técnica tem um pouco de
repetição, mas focaremos nesse tópico em si
no capítulo 7 deste livro.
Criar
imagens
mentais
° Imagens–
envolvendo a informação a ser guardada.
° Mnemônicos– Qualquer metodologia que
aplicamos de modo consciente a formar
memórias de melhor qualidade, como
criação de músicas, uso de siglas e afins.
° Elaboração– Explanar, explicar, abordar o
mesmo
tópico
por
vários
ângulos,
aprofundando o entendimento a respeito.
N
Para ficar mais claro, podemos comparar o
cérebro com um computador.
ão existe um equivalente direto para a memória sensorial, mas digamos que haja um
termômetro medindo a temperatura da sala conectado ao computador. O espaço em que as
informações obtidas pelo termômetro são convertidas em sinais elétricos e enviadas à
maquina seria o equivalente à memória sensorial.
21
I
ndo além, a memória RAM da máquina seria nossa memória de trabalho. No entanto,
embora você sempre possa adicionar mais memória RAM a um PC, isso não acontece com a
memória de trabalho, que é severamente limitada para novas informações (quando
trabalhando com informações retiradas da memória de longo prazo, essas limitações
somem).
Por fim, há o HD do computador, responsável
pelo armazenamento permanente. Lá, as
informações estão guardadas de modo
organizado e há protocolos de busca e
recuperação de dados, fazendo do processo
algo totalmente controlado. No caso da
memória de longo prazo, a organização do
conteúdo não é nem de perto tão estruturada
e a busca é um processo pouco conhecido. A
grande vantagem é: uma vez que você
aprender a dominar o sistema, você tem uma
capacidade ilimitada a sua disposição.
A memória é apenas o espaço em si onde as
informações são guardadas. Se há tipos
diferentes de memória, a próxima pergunta é:
há tipos diferentes de informações? Como elas
se organizam dentro da memória?
22
Os tipos de conhecimento
classe
Procedural
Declarativo
tipo
termos
relacionados
Conhecimento
Procedural
- Habilidades
- Análise de tarefas
- Conhecimento
Condicional
funções
Para qualquer situação
no ambiente, você precisa
desenvolver uma série de
respostas, a fim de
alcançar seus objetivos
Reconhecimento
sensorial
- Memória visual
- Julgamento Táctil
Você faz uso das
informações sensoriais
para fazer julgamentos
específico sobre
estímulos externos.
Strings
- Sequências
- Cadeias
- Associações simples
Acessar pedaços
de informações
sem a necessidade
de elaboração.
Ideias
- Proposições
- Sujeito e Predicado
- Fatos
Permite que unidades
de informações sejam
armazenadas como
relacionamento entre
entidades discretas.
exemplos
- Saber como nadar
- O que fazer quando se tem febre
- Como trocar uma lâmpada.
- Conhecer a textura e o formato
dos objetos comuns
- Diferenciar água morna
para banho e água fervente
- Saber julgar distâncias
- Versos de poemas
- Números de telefones
- Tábuas de multiplicação
- Churrasco é feito
com carne.
- O Brasil é um país
em desenvolvimento.
- Recife é a capital
de Pernambuco.
23
Os tipos de conhecimento
classe
tipo
termos
relacionados
Schemas
- Conceitos
- Abstrações
- Visão geral
Modelos
Mentais
- Solução de
problemas
- Pensamento
hipotético
funções
exemplos
Ideias não estão isoladas,
mas organizadas em
torno de estruturas
abstratas de alto nível,
que fornecem uma
estrutura para
armazenamentodos fatos.
- Todos os países têm povos,
leis, dinheiro, capitais etc.
- Qualquer ferramenta usada
para envio e recebimento
de mensagem é um meio
de comunicação. Como
celulares e pombos correios.
Ideias e schemas são
usados para simular
diferentes possibilidades,
a fim de se resolver
problemas.
- O que acontece com o
motor se eu demorar para
passar marcha?
- O que pode acontecer
quando o gelo dos
pólos derreterem?
Declarativo
Visible learning and the Science of How We Learn, John Hattie and Gregory Yates.
24
1.2 Conhecimento declarativo
Em termos simples, conhecimento declarativo envolve sempre as respostas para as
perguntas “O quê?”, “Por quê?” e “Quando?”. Fatos, sensações, ideias... tudo se encaixa sob a
classe declarativa. É através dessa base de informações que conhecemos um pouco sobre a
realidade externa (fatos, estímulos sensoriais) e interna (ideias, sensações).
?
É importante saber separar o conhecimento
declarativo do conhecimento procedural (este
mais ligado à pergunta ‘como?’). Um problema
comum que atrapalha o aprendizado, como
veremos, é o estudante reter um tipo
inadequado de conhecimento.
Por exemplo, ele pode precisar fazer uma
prova de solução de problemas “sabendo o
assunto”, mas só de modo declarativo; ele não
sabe o como e por isso se dá mal. Ou o
contrário, ele sabe a parte operacional do
assunto, aplicar as fórmulas para resolver os
problemas, mas não entende o porquê ou
quando aplica-las, tendo dificuldades em
questões teóricas ou muito contextualizadas.
25
1.2.1 Reconhecimento sensorial
O conhecimento de reconhecimento sensorial se refere a como nossa mente se relaciona
com as informações dentro de nossa experiência sensorial imediata. Não temos dificuldade
em diferenciar azul de preto, liso de áspero ou até processar tarefas como "preste atenção,
quando o pôr do sol assumir essa tonalidade, pode bater a foto".
“Reconhecimento
sensorial se refere
a como nossa mente
se relaciona com as
informações.”
A tendência natural é discriminar
informações que possuem significado pessoal
para nós, filtrando tudo de irrelevante do plano
de fundo. Nossos sentidos funcionam como
qualquer outro equipamento que precisa de
calibragem, o que só pode vir de experiências
anteriores. Ao tocar algo muito quente ou algo
muito frio, somos capazes de identificar tons
entre os extremos e aprendemos o significado
daquela informação sensorial.
Com experiência, podemos fazer julgamentos
extremamente precisos, como saber qual o
"ponto em neve" de batida da clara de ovo, o
quanto girar um volante para fazer uma curva
e prever a trajetória de uma bola de futebol ao
observar um chute.
26
O aprendizado dessa área é tipicamente não verbal. Você não consegue falar a uma pessoa
que nunca cozinhou qual é exatamente o ponto em que um peru está pronto para sair do
forno. A habilidade de reconhecimento sensorial depende da estimulação progressiva do
estímulo (tocar na água cada vez mais quente) com o feedback correspondente (água boa,
morna, quente, perigosa).
Por isso algumas instruções como "bata a
massa do bolo até desenvolver a consistência
certa" parecem não fazer sentido para
principiantes, pois elas fazem referência a um
conhecimento sensorial que eles não
possuem.
1.2.2 Strings: associações simples
como a base.
O Brasil é o ______ país mais populoso da
Terra.
A E I O _____
A seleção brasileira tem ____ títulos da copa
do mundo.
O átomo de carbono faz ______ ligações.
27
S
trings, também conhecidas como ordenamento serial ou associações, são informações
guardadas de modo breve, com um ponto de começo e um pequeno fluxo de dados. A
habilidade de guardar informações na sequência correta é essencial para sobrevivência e, ao
longo da vida, adquirimos centenas de milhares de associações, como exemplificado acima.
“A habilidade de
guardar informações
na sequência correta
é essencial para
sobrevivência”
Para aprender uma associação, usamos
repetição simples de modo focado. Com a
mente vazia, repetimos a informação em
nossa memória de trabalho várias vezes, em
diferentes momentos, de diferentes modos e
velocidades.
O
velho
método
do
olhe-diga-cubra-escreva-cheque vem a ser
útil aqui.
Justamente por não compreender como o
aprendizado se processa em um nível global,
as pessoas utilizam técnicas ineficientes de
estudo. Elas cometem o erro de "quebrar" áreas
inteiras do conhecimento a um punhado de
associações a serem memorizadas. É isso que
acontece quando tentamos apenas decorar o
assunto: selecionamos pedaços de conteúdos
e repetimos ad nauseum. De longe, um dos
modos mais ineficientes de estudar.
28
P
rimeiro, repetição em massa não é a melhor maneira de garantir que a memória seja
duradoura. A comunidade científica já tem uma boa ideia de como as informações são
esquecidas e a que velocidade. Com um modelo matemático com base nesses estudos, há
aplicativos que te ajudam a prever quando você vai esquecer as coisas e te auxiliam a revisar.
E
ssa prática de repetir a associação de
modo espaçado no tempo (para atingir a
memória quando ela está prestes a ser
esquecida) consiste o sistema de repetição
espaçada, o qual discutiremos com
profundidade no capítulo 7.
Segundo, dividir o conhecimento em
(dezenas ou até centenas de) associações não
é o modo ótimo de fazer seu cérebro
processá-lo. Como veremos a seguir, as
informações são organizadas de uma maneira
bem mais abstrata do que uma simples
sequências de dados. Para que você maximize
o aprendizado, é necessário aprender a
organizar o assunto de outra, normalmente
mais de uma, maneira (discutiremos isso no
capítulo 2).
29
1.2.3 Ideias
Ideias são o próximo nível de complexidade. Elas são transmitidas através de sentenças que
têm propriedades como sujeito e predicado. Ideias são proposições sobre coisas,
normalmente descritivas, explicitando características do 'algo' estudado ou relacionamentos
daquele algo com outras partes da realidade. Por exemplo, a sentença "a bola é azul" contém
uma ideia, mas "minha bola é azul" contém duas: a cor da bola e o fato de que eu possuo
uma bola.
P
or isso, frases normalmente contêm
várias ideias em conjunto. Dizer "O maior
centro populacional do oeste da Austrália é a
bela cidade de Perth" é transmitir várias ideias:
a Austrália tem várias cidades, populações
vivem em cidades, Perth é uma cidade, daí em
diante.
A noção de ideia implica conexões no nível
conceitual, algo que vai muito além de
simplesmente informação encadeada, como
é o caso das associações. As coisas precisam
fazer sentido para serem uma ideia, ao
contrário de simplesmente memorizar frases
inteiras, como fazemos ao abordar um
assunto em termos de strings.
30
U
m fato interessante é que as pessoas processam as informações no nível das ideias
quando elas não lembram as palavras exatas que foram usadas na ocasião. Ou seja, quando
a memória exata (de uma string, por exemplo) falha, lembramos da ideia que ela queria
dizer.
Q
“Para aprendermos
ideias, precisamos
ser expostos a
informações factuais”
uando relatamos ideias para outras
pessoas, usamos nossa linguagem - conjunto
de palavras com as quais estamos
acostumados - e não exatamente como
estava escrito. Esse é o motivo de dar tanto
trabalho memorizar algo palavra por palavra:
precisamos quebrar em strings e usar "força
bruta".
Por exemplo, você pode ler agora que "A
maior cidade do oeste da Austrália é Perth,
que é um lugar amável". Você pode ver como
a mesma sentença que leu mais cedo, mas se
olhar de perto e comparar, verá que são
diferentes.
Para aprendermos ideias, precisamos ser expostos a informações factuais. Não importa se
nos é dada de modo verbal ou escrito, mas é importante que se respeite o limite de atenção,
já que o foco é requerido. O quanto você pode processar é uma função do modo como você
vai processar: o fator de conexão é relevante aqui.
31
N
ovas ideias se tornam significativas ao passo que elas se relacionam com o
conhecimento prévio, o que permite uma certa elaboração ser aplicada à nova sentença.
P
ense sempre em nosso conhecimento
como algo ativo, nunca como estantes vazias
esperando livros. Cada pedaço novo de
informação pode ser explicado e relacionado
ao que sabemos de uma alguma forma.
Qualquer esforço feito para empurrar a ideia
mais fundo nessa rede de informações é
recompensado com o aumento da resistência
ao esquecimento.
O truque para criar ideias persistentes é se
perguntar "por que isso é verdade?". Ao
responder
essa pergunta, você está
adensando as conexões entre o novo e o
velho e "explicando com suas próprias
palavras" aquele conceito.
32
1.2.4 Schemas : como as ideias se relacionam
Schemas são a unidade básica através da qual organizamos nosso conhecimento. Eles
fornecem a estrutura necessária que precisamos para extrair sentido de nossas ideias e fatos
que de outro modo existiriam como pontos isolados, como ilhas de conhecimento.
H
á um schema para várias coisas em sua
mente, desde objetos, situações, lugares ou
qualquer coisa que precise de abstração
baseada em partes. Exemplo: você tem um
schema para descrever um país, de modo que
quando você lê a ideia "Brasília é a capital do
Brasil", fica mais fácil de guardar como parte de
seu conhecimento sobre o Brasil.
Schemas não são facilmente aprendidos, já
que o nível de organização se torna mais
complexo. Enquanto que ideias são facilmente
aprendidas depois de, digamos, explicações
dentro de 3 ou 4 diferentes contextos, schemas
implicam um refinamento do que já sabemos,
que adquirimos com nossas experiências
passadas, em descrições mais fiéis do mundo a
nossa volta.
33
Por exemplo, quanto mais informações sobre geografia você estuda, mais seu schema de
país é refinado e melhor você entende aquilo; o que leva a surgir um schema para nação e
outro para povo, refinando seus conceitos anteriores. A maneira de organizarmos a
informação influencia também, discutiremos mais a respeito no capítulo 2.
1.2.5 Modelos mentais:
executando realidades virtuais.
Movendo-se um nível acima na hierarquia
da organização do conhecimento no cérebro,
chegamos aos modelos mentais. Eles são o
equivalente a um programa de computador,
algo que você pode simular exclusivamente
em sua mente, te permitindo simular a
realidade. Esse é o tipo de conhecimento que
te permite engajar em resolução de problemas
de verdade extraindo conteúdo de todos os
schemas disponíveis.
Por exemplo, se você é da área de direito,
tem um modelo mental de como se procede o
julgamento de um recurso, de modo que você
pode adicionar informações pertinentes ao
34
caso que está trabalhando no momento e "rodar o programa". Assim, você poderá simular o
que pode acontecer e agir de acordo. Claro, enquanto que modelos mentais permitem que
as pessoas liberem o pensamento hipotético, o processo só será acurado na medida em que
você dispuser de bastantes dados a respeito de sua situação. Por mais que você modele,
digamos, a biosfera, você nunca vai conseguir extrair fatos sobre localidades específicas pois
isso iria requerer informação demais.
P
“Pessoas diferentes
possuem modelos
mentais com
refinamentos
diferentes sobre o
mesmo assunto”
or outro lado, pessoas diferentes
possuem modelos mentais com refinamentos
diferentes sobre o mesmo assunto. Enquanto
para
crianças,
carros
são
pequenos
brinquedos, para um cidadão mediano é algo
em que colocamos gasolina e que responde se
movendo quando aceleramos. Já para um
mecânico, é um sistema complexo composto
pela interação de outros sistemas separados:
hidráulico, mecânico, elétrico, daí em diante.
As condições sob as quais os modelos
mentais são adquiridos não são claramente
compreendidas. Com certeza você precisa de
fatos e schemas sobre os quais construir os
modelos, mas exposição a experiências de
desafio e exposição a indivíduos com
35
avançado nível de abstração de raciocínio (algo para você emular) parece ajudar. Conforme
você se torna expert em uma área com o tempo, você se torna capaz de ativar seus modelos
mentais com certa facilidade e manipular modelos inteiros na memória de trabalho, já que
esta não possui limitações quando as informações são extraídas do próprio cérebro.
1.3 Conhecimento procedural
Como o nome sugere, conhecimento
procedural é a habilidade de realizar algum
procedimento. Por exemplo, uma pessoa que
nunca trocou um pneu de carro mas já leu a
respeito não tem o conhecimento procedural,
mas um conjunto de instruções. Se ela for
trocar um pneu sozinha, é bem provável que
se machuque. O conhecimento procedural
vem da experiência de primeira mão em
realizar alguma coisa.
De um certo modo, isso termina implicando
um conjunto de submetas. Cada submeta
corresponde a certas atividades que precisam
ser realizadas, com uma cadeia de cenários
se-então.
36
Se o pneu furou, então encoste em uma área segura. Se você consegue chegar à mala,
então cheque a pressão do pneu reserva. Se a pressão está boa, então remova o estepe e
busque pelo macaco no carro. Daí em diante.
N
ão só de atividades físicas é composto o
conhecimento procedural; o conceito se
expande para habilidades cognitivas. Resolver
equações matemáticas, por exemplo, ou
realizar diferentes procedimentos enquanto se
lê diferentes tipos de gêneros(uma maneira de
ler poesia, outra para ler história, outra para
matemática).
Como ocorre a aquisição do conhecimento
procedural? Através de experiência de primeira
mão na qual a pessoa responde a problemas
reais. Ajuda bastante a interação social,
observar outras pessoas realizando, para
clarificar pontos que não foram bem
explicados durante a instrução.
Em termos de procedimentos cognitivos, exemplos resolvidos têm um impacto grande no
aprendizado, como mostram vários estudos, como aqueles de Sweller e Cooperem em 1985,
e edePaas e Van Merrienboer em 1994. Em certos cenários, eles dispensam até a utilização do
professor para adicionar instrução verbal extra.
37
PARA RELEMBRAR E
PÔR EM PRÁTICA
- Uma das teorias mais bem aceitas
divide a memória humana em três
tipos: sensorial, curto-prazo e longo
prazo.
- A memória sensorial está ligada aos
sentidos; é muito curta, durando
apenas alguns segundos.
- A memória de curto-prazo, também
chamada de memória de trabalho, é
onde reside nossos pensamentos. Ela
retém poucas informações ao mesmo
tempo, de 4 a 7 coisas diferentes, e não
é durável.
- A memória de longo prazo é onde fica
armazenado tudo que sabemos.
- Como não é um lugar bem organizado
como um computador, facilita o
aprendizado desenvolvermos métodos
para guardar e buscar informações
nela claramente.
- Saber
os
tipos
diferentes
de
conhecimento é importante para
entender como as memórias se
organizam no cérebro.
- O conhecimento pode ser dividido em
procedural,
relacionado
com
procedimentos e passo-a-passos, e
declarativo, relacionado com fatos e
informações.
- O conhecimento declarativo se divide
em: reconhecimento sensorial, strings,
ideias, schemas (unidade básica da
memória) e modelos mentais.
38
CAPÍTULO 02
OS PRINCIPAIS FATORES QUE
INFLUENCIAM O APRENDIZADO
2. Os principais fatores que influenciam o aprendizado
“O todo é mais do que a soma de suas partes” Aristóteles
P
“Para aprender
melhor, é essencial
saber o que você
pode fazer para
melhorar o processo.”
ara aprender melhor, é essencial saber o
que você pode fazer para melhorar o processo.
Ao entender como o sistema funciona e quais
são suas partes principais, você pode fazer um
esforço consciente nas atividades que trarão
os melhores resultados no estudo.
E, como Aristóteles colocou de modo
perspicaz, o esforço separado em melhorar
cada um dos fatores, já que eles interagem
positivamente entre si, vai dar em retorno mais
do que a soma de suas partes. Um
investimento e tanto.
Neste capítulo, estudaremos os principais
fatores que influenciam no aprendizado de
modo aprofundado e o que você pode fazer de
melhor em cada ponto.
São eles: a influência do conhecimento de base, a forma de organizar as informações
enquanto as aprende e a relação da motivação com o aprendizado.
40
2.1 O poder de uma base sólida
"Se eu tivesse que reduzir toda a psicologia educacional a apenas um princípio, eu diria que
o fator mais importante influenciando o aprendizado é o que o aprendiz já sabe. Averigue
isso e ensine de acordo." David Ausubel
Um grande determinante da velocidade do
aprendizado é o conhecimento prévio, o que a
mente já sabe. É muito mais fácil trazer novas
informações para um conhecimento bem
organizado e já construído do que começar do
zero. O conhecimento prévio é mais
importante do que QI ou estilos de
aprendizado em termos de efeitos sobre o
aprendizado.
Um estudo focado em memória, feito por
Peter Morris e sua equipe em 1981, contou
com estudantes com vários níveis de
conhecimento sobre futebol. Ao serem
pedidos para memorizar placares de jogos, os
estudantes com mais conhecimento prévio
sobre o jogo tiveram maiores taxas de sucesso.
Em outra pesquisa, por Alice Healy e James Cole em 2007, estudantes de universidade
mostraram uma taxa de memorização 100% maior quando pedidos para memorizar a
mesma quantidade de fatos sobre pessoas conhecidas do que sobre pessoas desconhecidas.
41
A
s pessoas entendem a importância de ter uma base bem feita, mas parecem ser
incapazes de determinar o quão importante é. Normalmente só levam em consideração
quando a ausência da base está incapacitando o aprendizado; não conseguem imaginar o
quanto o processo pode ser acelerado se o conhecimento priori for reforçado.
Digamos, por exemplo, que eu pergunte a
alguém o que é preciso saber para resolver
uma equação do 2º grau. A resposta é algo
como "ah, essa é fácil, é só saber fazer conta e
usar a fórmula de Bháskara". Bem, não é só
isso. Você precisa estar confortável com
expressões numéricas, potenciação, sistemas
de equações, fatoração de expressões e
operações básicas. Uma pessoa com todas
essas áreas cobertas se torna muito mais
eficiente ao resolver equações do 2º grau,
possuindo um schema mais acurado do
processo.
Isso é só um exemplo de como as pessoas
não pensam até o final quando se trata de
conhecimento de base. Além de servir como
terreno sobre o qual as ideias futuras serão
sedimentadas, ele serve, ao mesmo tempo,
como filtro de informações importantes.
42
A
final de contas, com base no que sabemos, realizamos julgamentos a respeito da
relevância de novos fatores durante o momento do estudo. No entanto, não ter o
conhecimento necessário, ou tê-lo de modo deficiente, pode se provar desastroso.
Estudaremos como contornar esses casos a seguir, começando por como ativar o
conhecimento prévio caso você já o tenha.
2.1.1 Como ativar e acelerar o
aprendizado
Mesmo que tenhamos o adequado
conhecimento de base, nem sempre o
ativamos como deveríamos ou quando
precisamos. Por exemplo, em um famoso
estudo feito por Gyck e Holoyakem 1980,
estudantes de faculdade foram apresentados a
dois conjuntos de problemas para serem
resolvidos
aplicando
o
conceito
de
convergência. Mesmo sabendo a solução para
o primeiro problema, os estudantes não
aplicavam o princípio automaticamente para a
segunda situação. Contudo, quando foram
solicitados para pensar como o segundo
problema se relacionava com o primeiro, 80%
dos estudantes foram capazes de resolvê-lo.
43
D
urante o processo do estudo, se perguntar o porquê de algo ser verdadeiro ou
inesperado, se for o caso, foi o modo como os experimentadores conseguiram que adultos
lembrassem mais fatos de parágrafos estudados.
Esse procedimento auxiliou estudantes a
gerar conhecimento prévio condizente com o
material, melhorando a performance em
comparação com os demais.
Não apenas basear-se em conhecimento
passado, mas também em prévias experiências
pessoais trouxe resultados interessantes ao
processo do aprendizado, como mostra o
estudo feito por Joan Garfield e sua equipe em
2007. Perguntar-se como aquele conceito se
aplica a situações pelas quais você passou ou
que são próximas a você também ajuda gerar
conhecimento prévio relevante, acelerando o
processo do aprendizado.
44
E
sse efeito ocorreu mesmo com os estudantes sendo apresentados às situações no
mesmo dia, com menos de uma hora de diferença. O modo de resolver estava ali, só não
havia sido ativado. É algo que faz você se perguntar: "Quantos problemas eu conseguiria
resolver se ativasse o conhecimento que já tenho? Obtido dois anos atrás, ou em outra
disciplina, ou em um livro perdido que li em algum lugar?". Seu conhecimento está ali, só
precisa ser usado. A pergunta é: como ativá-lo?
Uma quantidade grande de pesquisas mostra
como pequenos empurrões, lembretes simples
(como a feita por Bransford & Johnson, 1972),
ou perguntas elaboradas (estudo feito por
Woloshyn, Paivio, e Pressleyem 1994) ajudam a
ativar o conhecimento prévio do estudante.
Interessante, sem dúvida, quando estamos na
posição
de
estudante,
com
alguém
competente para nos guiar no processo.
Todavia, o que fazer quando estamos
estudando sozinhos para obter efeitos
parecidos?
45
Adaptamos essa estratégia, chamada elaboração
interrogativa, e aplicamo-na a nós mesmos.
Durante o processo do estudo, se perguntar o
porquê de algo ser verdadeiro ou inesperado, se
for o caso, foi o modo como os experimentadores
conseguiram que adultos lembrassem mais fatos
de parágrafos estudados. Esse procedimento
auxiliou estudantes a gerar conhecimento prévio
condizente com o material, melhorando a
performance em comparação com os demais.
Não apenas basear-se em conhecimento
passado, mas também em prévias experiências
pessoais trouxe resultados interessantes ao
processo do aprendizado, como mostra o estudo
feito por Joan Garfield e sua equipe em 2007.
Perguntar-se como aquele conceito se aplica a
situações pelas quais você passou ou que são
próximas a você também ajuda gerar
conhecimento prévio relevante, acelerando o
processo do aprendizado.
46
2.1.2 O perigo de saber sem saber
A situação é a seguinte: você está fazendo uma prova importante e, no meio dos
questionamentos, se depara com uma pergunta sobre um assunto que você estudou, mas
não sabe como responder. É aquela sensação familiar de "eu sei isso, estudei dia tal e tal",
mas por algum motivo, você não consegue lembrar exatamente o ponto perguntado.
Sensação bastante frustrante.
O que não é conhecimento geral é que
'competência' em determinado tópico varia numa
escala que vai além da binária (sabe/não sabe).
Varia de familiaridade superficial ("Eu já ouvi falar
sobre isso"), a conhecimento factual ("Eu poderia
definir esse ponto"), a conhecimento conceitual
("Eu poderia explicar a alguém"), a aplicação("Eu
consigo usar para resolver problemas").
No caso do exemplo anterior, apenas familiaridade
não é suficiente para resolver questões objetivas,
aquelas de marcar X - exceto as mais triviais, claro.
“Ter visto algo sobre aquilo em algum lugar” não é
domínio suficiente para acertar uma pergunta.
47
N
o caso de provas discursivas, quando você estará respondendo por extenso aos
questionamentos, o requerimento é ainda maior: é preciso um domínio no nível conceitual
e, caso sejam contextualizadas, no de aplicação.
É essencial saber qual o seu nível de
conhecimento nos tópicos de base para julgar
se será preciso reforçá-lo ou não. Ter um tipo
de conhecimento e precisar de outro pode ser
igualmente um problema. É o perigo de achar
que sabe sem saber.
É comum, por exemplo, estudantes
possuírem conhecimento declarativo, mas não
saber executar (procedural). Estudos na
ciência do aprendizado, como o realizado por
John Clement, em 1982, mostram que mesmo
se estudantes dominam fatos, por exemplo,
sendo capaz de afirmar "Força é igual a massa
vezes aceleração", normalmente são fracos em
aplicá-los. Esses estudantes ao seguirem para
outro assunto, como o estudo de polias, serão
incapazes de aprender. Insistência,nesse caso,
não vai ajudar, mesmo que eles "saibam" a
segunda lei de newton, pois eles possuem o
conhecimento no nível errado.
48
Para lidar com isso, uma boa estratégia:
1
Faça uma pesquisa bem feita do conhecimento necessário para abordar o
tópico que você está tentando aprender. Conversar com professores e
pessoas que já aprenderam o que você deseja ajuda.
2
Faça uma lista de tudo o que é preciso saber junto com o respectivo nível
requerido (Conceitual? Factual? Procedural?).
3
Para cada tópico necessário, faça uma avaliação correspondente. Se for
preciso um nível factual, basta checar as informações mais importantes. Se
uma compreensão conceitual é requerida, monte explicações como se
estivesse ensinando o conteúdo a alguém; daí em diante. Desse modo, você
poderá julgar se detém o nível necessário para estudar o que deseja.
4
Dê um passo atrás, corrija o que encontrou de deficiência para então começar
o assunto alvo.
49
C
laro, você não precisa realizar o procedimento acima de modo detalhado para tudo que
quiser aprender (embora esse seja cenário ideal). Se você está na faculdade estudando
Fisiologia 3 é porque foi aprovado nos pré-requisitos existentes, então se assume que você
tem o estudo prévio preciso. Você encontrará o método acima mais útil quando sair de sua
área direta. Por exemplo, um estudante de serviço social que precisa estudar uma disciplina
de estatística (e há anos não estuda matemática).
Outro problema em potencial com o
conhecimento que você já possui é utilizá-lo
de modo errado. O raciocínio análogo
(comparação com o que você já sabe) é útil e
uma ferramenta poderosa, mas precisa ser
acompanhado de limites; caso contrário,
torna-se contraproducente.
Por exemplo, músculos esqueléticos e
cardíacos são parecidos em sua constituição;
logo, extrair analogias entre eles faz sentido
até certo ponto. Contudo, as diferenças no
funcionamento deles são sensíveis e vitais
para entender melhor suas respectivas
operações e isso precisa ser destacado; o que
normalmente não é.
50
T
anto que a equipe de pesquisa de Rand Spiro em 1989 descobriu que muitos estudantes
de medicina possuem uma informação incorreta sobre uma potencial causa de falha
cardíaca que pode ser rastreada à distinção deficiente entre esses dois tipos de músculos.
A boa notícia é que, mesmo sendo um erro
comum que passa despercebido, a solução é
simples. Os estudos, como o trabalho do
próprio Spiro, mostram que garantir que os
estudantes conheçam os limites para as
analogias, sabendo onde falham e quando não
podem ser utilizadas, ajuda a evitar o erro.
51
2.2 O impacto de organizar o conhecimento da maneira correta
Se o conhecimento prévio é um fator relevante ao aprendizado pois determina a base sobre
a qual se absorve novos conteúdos, a maneira como organizamos esse conhecimento
prévio e o novo está relacionada à facilidade com que aprendemos. O cérebro humano
anseia por padrões e sentidos em todo tipo de informação que encontra; ele evoluiu para
isso.
“O cérebro humano
anseia por padrões e
sentidos em todo tipo
de informação que
encontra; ele evoluiu
para isso.”
Quer um exemplo simples? Olhe para cima
em um dia ensolarado e observe o céu por
alguns instantes. Não vai levar um minuto para
observar alguma nuvem com formato
conhecido passando. A parte curiosa? Nuvens
não possuem forma intrínseca, elas não foram
desenhadas; ao olhar para uma configuração
aleatória, nosso cérebro automaticamente
imprime algum tipo de sentido naquilo que
vemos. Daí surgem as nuvens com formato de
sorvete, de passarinho e afins.
Como vimos no capítulo passado, a unidade
básica de organização das informações no
cérebro são os schemas, estruturas de
abstração que contém fatos e ideias para
representar pedaços da realidade.
52
S
e manipulamos a informação de modo a ficar mais similar ao nosso "formato padrão",
temos muito mais chance de lembrar o que desejamos. Ou seja, a forma como organizamos,
caracterizamos e conectamos os fatos entre si influencia diretamente nossa taxa de
aprendizado e memorização.
Por exemplo, em 1982, Gary Bradshaw e
Jonh Anderson pediram para um grupo de
estudantes memorizar vários fatos sobre
algumas figuras históricas. Metade do grupo
recebeu fatos históricos não-relacionados,
como "Newton se tornou emocionalmente
inseguro e instável quando criança","Newton
foi nomeado diretor do London Mint" e
"Newton participou da Trinity College em
Cambridge".A outra metade recebeu fatos
relacionados entre si de alguma forma, como
"Newton se tornou emocionalmente inseguro
e instável quando criança", "O pai de Newton
morreu quando ele nasceu" e "a mãe de
Newton se casou novamente e deixou-o com a
avó".
53
R
esultado? O grupo que recebeu as informações que possuíam alguma relação
significativa entre si teve uma taxa de memorização muito maior. Olhando mais de perto,
vemos o resultado como a diferença entre tentar memorizar fatos como strings, e fatos
relacionados, como schemas.
2.2.1 O que fazemos (de errado)
no automático.
Durante o aprendizado no dia a dia, não
prestamos muita atenção consciente a
questões
como
"organização
do
conhecimento".
No
modo
automático,
assumimos que a maneira apresentada pelo
livro que escolhemos é a única e pronto;
lemos,
tentamos
memorizar,
fazemos
exercícios e seguimos em frente sem entender
porque esquecemos a informação tão
facilmente.
O fato é que organização não só ajuda, mas
organização
deficiente
ou
inadequada
atrapalha.
54
N
o modo automático, terminamos por juntar os fatos em contiguidade temporal (uma
coisa depois da outra em termos de quando aconteceram) porque, de algum modo, isso é
intuitivo para gerar relações de causa e consequência (apertou o interruptor, a luz apagou).
Contudo, isso nos causa bastante dor de cabeça quando fazemos de modo impensado.
Digamos, por exemplo, que você quer
estudar os pensadores iluministas. A lista é
enorme (várias dezenas) e cada um possui um
período associado, um país de origem, ideias
principais e obras importantes. A pior maneira
de fazer isso seria sem organização alguma,
simplesmente memorizando a lista completa e
os atributos relacionados (um punhado de
strings). Separar os pensadores por países seria
menos ruim, mas só isso não ajuda tanto.
Já categorizar pelo foco das ideias - separar o
grupo que se concentrou em refutar religiões,
do grupo que questionou os valores sociais,
daquele preocupado com o avanço científico é bem mais útil para entender a relação entre
os participantes e conectar o conhecimento
aprendido (alguns schemas bem ricos).
55
U
m estudo clássico feito pelo conhecido Anders Ericsson e sua equipe em 1980
(falaremos mais dele no capítulo 7) demonstra isso, ainda que numa escala menor. Ele
documentou como alguns estudantes de faculdade com memórias normais puderam
desenvolver a habilidade incríveis de memorizar longas sequências de dígitos ao organizar
o que estavam aprendendo em uma estrutura hierárquica de vários níveis.
Os estudantes eram também competidores
de atletismo, então ao se deparar com uma
sequência de números, eles quebravam em
pedaços e davam sentido a eles (uma técnica
chamada chunking, falamos dela no capítulo
1), organizando-os depois disso. Por exemplo,
"....3432..." podia ser lembrado como "34:32, o
recorde mundial para ..." e "...12456..." como
"1:24:56, o recorde olímpico feminino de ...".
A seguir, eles organizavam isso em grupos,
como
"recordes
olímpicos",
"recordes
nacionais para a prova z", etc.. Esse
procedimento empoderou estudantes normais
a lembrar sequências de até 100 dígitos sem
auxílio externo algum!
56
O
utro estudo com resultados impressionantes sobre o poder da organização adequada
foi feito por Gordon Bower e sua equipe em 1969. Ao receberem uma lista de minerais a ser
memorizada, os estudantes aos quais os itens foram fornecidos em hierarquia (metais versus
pedras como categorias, e subcategorias dentro delas) tiveram resultados de 60 a 350%
melhores do que aqueles com apenas a lista de minerais.
A pergunta, então, fica no ar: como podemos
replicar esse tipo de resultado quando
estudamos por conta própria, sem ter quem
nos forneça diretamente esse tipo de
organização?
A resposta para isso está em entender as
diferenças entre as mentes de experts e de
principiantes, replicando técnicas úteis desde
o princípio.
57
2.2.2 Diferenças entre o modo de um expert e de um principiante
O
A
C
B
D
s quadros A e B são exemplo
de organizações mentais que
provavelmente utilizamos quando
começamos a estudar um assunto.
Ou não integramos os conceitos,
fatos e exemplos o suficiente, como
no quadro A, ou utilizamos
categorizações simples, lineares
(como a separação temporal de
nosso exemplo sobre iluminismo),
que são insuficientes para nos dar
uma compreensão aprofundada do
assunto.
Já os quadros C e D são exemplos
de como experts organizam o
conhecimento
(ainda
que
inconscientemente).
A figura acima representa alguns exemplos de
organizações do conhecimento em nossa mente.
58
N
a figura C, vemos uma hierarquia clara, de modo que é fácil entender como os pontos
se relacionam. Já a figura D, embora possa parecer o mais aleatório de todos os quadros, é
na realidade o mais poderoso: o fato de tudo estar conectado fornece ao expert a
possibilidade de usar múltiplas organizações, adequando-se à situação e usando o
conteúdo de modo mais eficiente.
Dois grandes fatores chamam
atenção: a quantidade e a densidade
de conexões. Na hora de estudar,
podemos conscientemente fazer
uso de procedimentos que nos
permitam, como iniciantes na área,
desenvolver mais rapidamente esse
tipo de organização e, por
conseguinte, obter resultados mais
rápidos no aprendizado.
Como fazer isso? O procedimento
é: focar primeiro no cenário geral e
só então buscar absorver detalhes.
Vejamos a aplicação disso em nosso
exemplo. Um grupo de estudantes,
como vimos, está estudando os
pensadores iluministas.
59
E
les já descobriram que certos modos de agrupar os pensadores são melhores do que
outros (que são melhores do que estudar sem organização). O que eles podem fazer para
abordar o tema como experts e acelerar o aprendizado? Eles poderiam começar analisando
fatores históricos e geopolíticos dos países envolvidos durante o período do Iluminismo.
Como estavam economicamente? Qual era o
estado geral da população, havia guerras
externas, guerras civis? O que levou certos
pensadores a se revoltarem especificamente
contra religiões, as crenças predominantes
eram opressoras? Os pensadores focados em
ciência viviam em países com mais recursos a
serem destinados a pesquisas?
Ao investir um pouco de energia estudando o
cenário no qual os iluministas estavam
imersos ao invés de pular direto para a
memorização, os estudantes terão uma visão
muito mais rica dos pensadores e a
necessidade de memorização direta vai cair
porque haverá compreensão. "Quais os
principais
ícones
do
Iluminismo
na
Alemanha?".
60
2.3 A motivação e o aprendizado
"Motivação faz referência ao investimento pessoal que um
indivíduo tem em buscar um estado ou objetivo desejado"
Martin Maehre Heather Meyer, 1997.
No contexto do aprendizado, a motivação influencia a direção, a intensidade, a persistência
e a qualidade dos comportamentos de aprendizado nos quais os estudantes se engajam.
Não é necessário espressar o quão importante alinhar a motivação do estudante é, pois no
final das contas, ela controla o grau de esforço (consciente e inconsciente) é investido no
processo.
Para quem está estudando por conta própria, a motivação assume uma importante
dimensão. Enquanto quem está usando escolas, cursos e treinamentos também precisa
ajustar a motivação para melhorar o processo de aprendizado, quem estuda sozinho precisa
estar motivado até mesmo para sentar e estudar, já que não há pressão externa para isso.
Portanto, trataremos da motivação cuidadosamente.
61
2.3.1 Como desativar o modo automático de enrolação
Uma das maneiras mais comuns (e desconhecidas) de autossabotagem é a sinalização. A
pior parte é que ela está tão enraizada em nosso cérebro primitivo que é difícil julgar quando
está acontecendo, afetando a vida de muita gente sem nem que elas saibam.
S
inalizar, como a palavra sugere, é dar
alguma forma de indicação que você está
realizando determinada atividade, para si
mesmo e para os outros. Por exemplo, um
adolescente pode passar a tarde inteira na
internet, navegando a esmo e se distraindo nas
redes sociais, mas quando os pais passam pelo
corredor para checar seu quarto, ele fecha
tudo e abre os livros. Desse modo, ele sinaliza
para os pais que está estudando sem
realmente fazê-lo.
O modo como isso afeta nossas vidas é que
normalmente engajamos em atividades que
sinalizam características desejadas, que nos
fazem
parecer
fazer
algo,
sem
ser
necessariamente o melhor caminho para
alcançar o objetivo.
62
N
o fundo, é a necessidade de nosso cérebro social em busca de validação externa. O
adolescente precisa que os pais pensem que ele está estudando, por isso ele engaja em
atividades que envolvem mais sinalizar do que realmente estudar.
Esse fenômeno pode, inclusive, assumir o
formato
de
autossinalização,
quando
inconscientemente sinalizamos para nós
mesmos alguma característica desejada, sem
persegui-la de verdade.
Nina Mazar e Chen-bo Zong, em 2009,
trouxeram à tona um caso interessante de
autossinalização. Eles mostraram que pessoas
que
compram
produtos
"verdes"
(ambientalmente
saudáveis)
são
mais
propensas a trapacear e roubar depois da
compra, o que supostamente ocorre porque
elas já fizeram a "boa ação moral" do dia.
Richard Beck, um teologista experimental,
encontrou um fenômeno similar entre os
religiosos: eles são menos propensos a
fazerem boas ações depois de irem à igreja,
por exemplo, pelo mesmo motivo.
63
N
o aprendizado, isso se manifesta de diversas formas. Ir para aulas em escolas, faculdades
ou cursos é uma delas: a maioria das pessoas não aprende tanto quanto poderia nesses
contextos, mas continua frequentando pois é o "papel" esperado pela sociedade de um
estudante.
Outra é quando as pessoas preferem
vídeo-aulas a livros, já que elas são mais
'fáceis' de consumir e passam a impressão de
que o aprendizado está ocorrendo.
Para corrigir esse problema, não há um
antídoto óbvio. É necessário que você esteja
analisando constantemente as tarefas nas
quais se engaja em busca do melhor método
para fazer aquilo. Não o mais tradicional, não o
que é esperado de você no processo, mas o
melhor método para fazer a coisa acontecer.
O curioso é que as evidências apontam que
nosso estado natural seja essa enrolação.
64
E
m um estudo feito por Carol Dweck e Ellen Leggett em 1988, foi observado que que
quando guiados por objetivos de performance (foco em tirar boas notas ou ser aprovado em
concursos), que é o caso mais comum, estudantes se preocupam com padrões normativos
e tentam fazer o que é necessário para demonstrar competência a fim de parecer inteligente,
ganhar status e adquirir reconhecimento.
“Ao invés de focar
apenas no objetivo,
valorize a jornada”
O objetivo final, o aprendizado, passa a ser
coadjuvante no processo de sinalizar
aprendizado, dar a entender que está fazendo
o que se espera, o que é um problema
considerável para quem está de fato
interessado em alcançar o que se propôs.
Felizmente, a correção para o problema é
fácil. Ao invés de focar apenas no objetivo,
valorize a jornada. Claro, isso não quer dizer
“deixar de querer passar naquele concurso de
seus sonhos”. Não! Isso quer dizer entender
que para passar no concurso, você precisa
aprender bem o que for necessário estudar,
seja português, direito ou matemática. Você
passa a cultivar um interesse real pelo que
estuda, a nutrir a vontade de ficar bom
naquilo, não apenas se concentrar aonde quer
chegar.
65
E
isso funciona. As evidências são amplas de como usar objetivos de aprendizado, ao invés
de objetivos de performance, melhora o rendimento do estudante. É mais provável que eles
usem estratégias de estudo que levem a uma compreensão profunda do tópico, que
busquem ajuda quando precisam e que se sintam confortáveis com tarefas desafiadoras,
como mostram os estudos de Carter e Elliot em 2000 e de Mcgregor e Elliot em 2002.
2.3.2 Alinhando os valores de sua
jornada
“A importância de um
objetivo, frequentemente
referida como seu valor
subjetivo, influencia a
motivação.”
Se fôssemos desconstruir a motivação para o
processo
de
aprendizado,
o
que
encontraríamos como espinha dorsal? Embora
haja várias teorias para tratar disso, boa parte
delas contêm dois fatores principais: o valor
subjetivo da meta e as expectativas de ter
sucesso no objetivo (como apontado por John
Atkinson em 1964 e outros pesquisadores).
Comecemos, então, discutindo o valor
subjetivo de uma meta. A importância de um
objetivo, frequentemente referida como seu
valor subjetivo, influencia a motivação, já que
só perseguimos metas com alto valor
percebido.
66
P
or exemplo, você estará bem mais motivado para estudar inglês, se for requisito para ser
promovido, do que para estudar uma língua aleatória, como o esperanto, sem razão alguma.
'Valor' em si pode ser derivado de várias
fontes diferentes. Allan Wigfield e Jacquelynne
Eccles sugerem três categorias amplas: de
obtenção,
intrínseco
e
instrumental.
Estudemos cada uma separadamente e
vejamos como alinhá-las para maximizar
nossa motivação durante os estudos.
Primeiro, o valor de obtenção representa a
satisfação que a pessoa obtém da maestria e
do alcance do objetivo ou da tarefa. É aquela
sensação boa que temos quando concluímos
algo difícil, seja passar de nível no jogo do
computador ou a resolução de um problema
complicado de física.
A segunda fonte é o valor intrínseco, que
representa a satisfação que obtemos em
realizar a tarefa em si, independente do
resultado final do processo.
67
E
le aparece quando estamos fazendo algo que gostamos, como gastar horas para aprender
aquela música na bateria ou quebrar a cabeça estudando astronomia.
A fonte final é o valor instrumental, que
representa o quanto uma atividade ou um
objetivo ajuda a alcançar outros objetivos
importantes, levando ao recebimento de
recompensas extrínsecas. Reconhecimento,
dinheiro,
bens
materiais,
carreiras
interessantes ou bons salário são todos
objetivos de longo prazo que podem fornecer
valor instrumental para objetivos de curto
prazo (esudar inglês – curto prazo – a fim de se
mudar para Londres – longo prazo).
Vejamos um exemplo para classificar o
alinhamento dos três valores. Digamos que eu
objetive ser aprovado em uma prova de
certificação, a fim de aplicar para uma nova
posição na empresa em que trabalho. Para
tanto, preciso estudar várias disciplinas,
algumas das quais não me interessam nem um
pouco. Como alinhar meus valores para me
manter motivado ao máximo enquanto
estudo?
68
E
m primeiro lugar, eu preciso extrair o máximo de valor de obtenção possível (o prazer
que temos ao alcançar coisas), principalmente no que toca às disciplinas que não gosto.
Para tanto, eu vou atrás das "frutas mais
baixas da árvore"; em outras palavras, persigo
as vitórias fáceis.
Começando debaixo, com os conceitos mais
simples, eu inicio um ciclo de vitórias para me
manter motivado. Eu ataco o tópico mais
simples da disciplina, domino-o, e uso a
sensação boa de estar progredindo para
alimentar meu avanço a tópicos um pouco
mais complicados. Aos poucos, eu vou
cobrindo o assunto inteiro, mantendo o moral
alto.
Quanto ao valor intrínseco, parece não haver
muito o que fazer. Afinal de contas, ou você
sente prazer executando uma tarefa ou não,
certo?
69
V
ocê está fadado a gostar de estudar as matérias que te agradam e não apreciar as
matérias que não te interessam?
Os resultados de alguns estudos dizem que
não. Suzanne Hidi e Ann HIDI &Renninger, em
2006, mostraram que uma tarefa que
inicialmente só possui valor instrumental para
o estudante (aprender para passar na
certificação e obter aumento) pode vir a
desenvolver valor intrínseco (prazer em
praticar) com o tempo, conforme ele absorve
conhecimento e fica melhor naquilo. Em
palavras simples, não gostar não é desculpa
para não começar; você vai começar a
aproveitar a atividade uma vez que comece a
ficar bom naquilo. Então comece!
Resta-nos cobrir o conjunto de valores
instrumentais. Por que você quer essa
certificação? Pense até o final. Seu objetivo de
vida, qual é? Se você deseja melhorar sua
renda pois está se preparando para ter um
filho, tirar a certificação faz todo sentido.
70
P
orém, se seu interesse é apenas financeiro, já que você nem gosta mais da carreira que
persegue e quer apenas aumentar a renda, por mais que você se force a estudar, é bem
provável que sua motivação quebre ao longo do caminho. Afinal de contas, as motivações
não estão muito bem alinhadas, você precisa pensar num objetivo que conecte tudo de
modo a se manter motivado a vencer as adversidades naturais de aprender uma grande
quantidade de conteúdo para obter uma certificação.
2.3.3 Criando confiança de modo
saudável
“Confiança genuína é uma maneira de pensar
sobre si mesmo e suas habilidades.É sua
percepção de seu próprio potencial; é um tipo
de pensamento de longo prazo que te
empodera através de obstáculos e momentos
difíceis, te ajudando a resolver problemas e te
colocando no caminho do sucesso.” John Eliot
John Eliot é um expert mundial da área de
performance de alto nível. Ele trabalha com
atletas campeões, homens de negócio de
grandes empresas, médicos respeitados e
músicos famosos. Dentro de minhas
pesquisas, ele é uma das poucas pessoas que
realmente entendem o que é confiança.
71
N
ão se tratar de repetir para si mesmo que é possível ou que aquilo vai dar certo. Não,
você não é bobo o suficiente para acreditar em algo só porque é repetido várias vezes.
Confiança se trata de olhar objetivamente
para o que você quer alcançar, reconhecer a
dificuldade real do caminho e acreditar que, se
você colocar o esforço necessário, é possível.
Não tem nada de esotérico ou surreal a
respeito; é algo bem conectado com a
realidade.
Todo esse conceito de confiança se conecta
bem com a ideia de expectativas em torno de
sua meta de aprendizado. Como vimos,
motivação pode ser resumida a alto valor
esperado (que aprendemos como alinhar os
vários tipos de modo a maximizá-lo) mais
expectativas ajustadas em relação à linha de
chegada.
72
O
ponto é que a motivação para aprender não acontece se o estudante não possui uma
expectativa de resultado positivo, ou seja, se ele não acredita que é possível conseguir o que
deseja, como explicado por Charles Carvere Michael Scheierem 1998.
“Só acreditar que
é possível não é
suficiente para
manter a
motivação de pé.”
Aquela tática de "encorajamento reverso",
quando você diz à pessoa que ela está
tentando algo difícil demais para o potencial
dela não funciona se a pessoa realmente
acreditar no que você está dizendo.Ela não se
sentirá extramotivada por ser julgada incapaz
como nos filmes.
Por outro lado, só acreditar que é possível não
é suficiente para manter a motivação de
pé.Albert Bandura, em seu livro “Self-efficacy:
The exercise of control” confirma isso, que o
estudante precisa desenvolver o que
chamamos de expectativa de eficácia; em
outras palavras, ele precisa se sentircapaz de
identificar, organizar, iniciar e executar um
plano que vai trazer o resultado esperado.
Se você não acredita ser possível, vai
desenvolver comportamento 'vitimista' na
situação.
73
S
e acredita que é possível mas não confia na sua capacidade de executar, vai atrapalhar
com sua autoestima. Novamente, esse não é um tipo de situação com antídoto claro, mas
boas práticas incluem (1) procurar pessoas que já alcançaram algo parecido com o que você
almeja e (2) buscar entender a eficácia das estratégias delas para montar a sua de modo
adequado.
“Se acredita que é
possível mas não
confia na sua
capacidade de
executar, vai
atrapalhar com
sua autoestima.”
74
PARA RELEMBRAR E
PÔR EM PRÁTICA
- Ter um conhecimento de base robusto
e aplicá-lo de maneira adequada é o
fator
de
maior
influência
no
aprendizado. Por isso, tente sempre
buscar algo que você já sabe que possa
ajudar no estudo do novo assunto.
- Interrogar-se a respeito do porquê de
algo acontecer ou ser diferente do
esperado tem um impacto grande em
ativar o conhecimento de base e
solidificar o aprendizado.
- É preciso ser capaz de classificar o
quanto você domina o assunto, caso
contrário você pode não alcançar seu
objetivo mesmo sabendo o assunto,
como alguém que conhece a teoria,
mas é incapaz de resolver questões.
- Ao fazer uso de comparações para
entender melhor certo tópico, faça o
possível para entender as limitações da
comparação, ou seja, o que os pontos
comparados têm de diferente.
- Não se prenda a organizar conceitos de
modo temporal (em que ordem as
coisas surgem), algo que realizamos do
modo automático. Busque a melhor
maneira de organizar as informações,
de modo que os pontos façam sentido
juntos. O uso de categorias é bem
vindo, com resultado comprovado na
taxa de memorização.
- A diferença do expert para o
principiante é que aquele usa múltiplas
organizações de conceitos e escolhe a
mais adequada para cada situação.
75
PARA RELEMBRAR E
PÔR EM PRÁTICA
- Motivação é parte essencial do
aprendizado e precisa ser estabelecida
de modo consciente.
- Retire o foco exclusivo do objetivo final
e valorize também a jornada. Revise
seu método de estudo para se certificar
que ele realmente promova o
aprendizado, ao invés de apenas
parecer promover aprendizado (o
perigo da sinalização).
- É preciso acreditar que é possível e que
você consegue fazer o que é necessário
para alcançar o que deseja. Conversar
com pessoas que já sucederam em seu
objetivo e realizar uma preparação
bem são boas maneiras de internalizar
isso.
- Busque alinhar os valores da meta e sua
expectativa de alcançá-la, criando
confiança de modo sustentável para te
mover na jornada.
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