A PROGRAMAÇÃO NA GESTÃO TERRITORIAL
PROGRAMAR, PARA QUÊ E COMO?
Fernanda Paula Oliveira, Jurista, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Dulce Lopes, Jurista, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Resumo O presente texto versa, numa perspetiva jurídica, sobre os tipos de programação urbanística
passíveis de utilização no ordenamento jurídico português, distinguindo-os de figuras que lhes são
próximas, mas com as quais nem sempre se confundem, como o planeamento, a contratação e a execução
dos planos municipais de ordenamento do território.
Esta análise terá como objetivo responder às seguintes questões: 1.
Qual a razão de ser da
programação dos planos?; 2. Qual o conteúdo normal da programação?; 3. Qual a ligação da
programação dos planos com outras formas de programação municipal e de intervenção dos privados?;
4. Quais os instrumentos de programação mais ajustados às circunstâncias atuais?; 5. Quais os efeitos
da ausência de programação?; 6. Quais os efeitos da desconformidade da execução urbanística com os
instrumentos de programação?
Palavras Chave: programação, execução, reparcelamento
1. Conceito de Programação
A ideia de programação tem vindo a ser assumida como o elo de ligação essencial
⎯ ainda que muitas vezes incompreendido ⎯ entre o momento do planeamento
urbanístico e o da gestão concreta do uso, ocupação e transformação do solo. A sua
consagração expressa na Lei de Bases da Politica de Ordenamento do Território e do
Urbanismo (cfr. artigo 16.º, n.º 1 e 3) e no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão
Territorial, marcos normativos de uma certa maturidade do direito do urbanismo
nacional, permitiram sedimentar a convicção de que a programação seria o quid que,
estando até então ausente do ordenamento jurídico português, impedia aquele ramo de
direito de fazer os avanços decisivos e necessários, tendo em linha de conta a correta
ocupação do território.
Estas propriedades quase mágicas da programação urbanística encontram-se, no
entanto, por demonstrar, não apenas por a utilização de técnicas de programação não se
encontrar amplamente difundida entre nós, mas principalmente por se tratar de um
instituto cuja configuração se encontra pouco sedimentada juridicamente.
De facto, apesar de crescentemente a legislação urbanística e os instrumentos de
gestão territorial aprovados e em aprovação se referirem à programação (da sua
execução), dúvidas continuam a subsistir sobre quais os instrumentos de programação
existentes entre nós e sobre quais os mais ajustados à regulação de cada tipo de
situação.
Programar, para quê e como?
Fernanda Paula Oliveira/ Dulce Lopes
Há, no entanto, quem consiga encontrar um fio condutor entre os diversos
instrumentos de programação centrando-se nas suas caraterísticas estruturais. É o caso
de José Luís Cunha1, que identifica o seguinte denominador comum dos instrumentos
de programação: a) a execução de atuações conjuntas; b) as medidas a executar
envolverem diretamente a gestão do território ou das construções nele existentes; c)
circunscrevem-se a áreas delimitadas; d) visarem conjugar o interesse público com a
participação dos particulares, incluindo o direito de iniciativa destes.
Apesar de estes elementos serem inerentes ao próprio conceito de programação,
julgamos dever preenchê-los com exigências funcionais e materiais, que são as que
tornam efetiva e operante qualquer tarefa de programação territorial. Assim um
instrumento de programação deve integrar: a) os objetivos a alcançar com a intervenção
ou intervenções projetadas; b) o âmbito subjetivo da programação (a definição de quem
fica por ela abrangida e em que moldes, designadamente do ponto de vista dos
mecanismos de associação); c) o âmbito objetivo ou objeto da programação (que inclui
a área delimitada a programar e a caraterização essencial da mesma, uma vez que a
programação difere consoante se programa, por exemplo, para urbanizar ou para
reabilitar); d) as operações de execução a levar a cabo (reparcelamentos, loteamentos,
“condomínios” urbanísticos); e) o tempo de execução (a programação temporal das
ações previstas); e f) o financiamento da execução (que deve, quando for caso disso,
compatibilizar-se com o programa plurianual de intervenções do município e respetivo
orçamento).
2. Instrumentos de Programação
Se programar inclui as vertentes acima apontadas, importa analisar quais os
instrumentos que, no nosso ordenamento urbanístico, as cumprem.
Para o efeito procederemos inicialmente a uma delimitação negativa do conceito,
para nos debruçarmos de seguida sobre os seus candidatos positivos.
i. A programação pode distinguir-se de figuras que lhe são próximas como o
planeamento, a contratação e a execução dos planos municipais de ordenamento do
território, muito embora nem sempre seja fácil traçar uma linha distintiva entre elas.
1
Cunha, José Luís, “Apontamentos em matéria de programação territorial”, in Direito do Urbanismo
e do Ordenamento do Território – Estudos (coord. Fernanda Paula Oliveira), Vol. I, Coimbra, Almedina,
2012, p. 283.
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É comum referir-se que a programação se encontra a meio caminho entre o plano
e gestão urbanística, o que apela quase para a existência de um compartimento estanque
a que pertencem, apenas e só, os programas de ocupação do território. Assumindo,
contudo, que existe um continuum entre a definição das regras de ocupação do território
(que corresponde à tarefa de planear) e a sua concretização aos casos da vida (que
corresponde à gestão, entendida dominantemente como execução dos planos),
facilmente se percebe que existem reentrâncias várias entre plano, programa e projeto.
Se é certo que planear é olhar o território de alto, formulando as principais opções
para a sua ocupação, também não é menos certo que todo o plano deve incluir
disposições com vista à sua concretização2, incluindo peças que têm a execução como
seu objetivo precípuo (é o caso dos programas de execução e dos planos de
financiamento). Por isso não espanta que uma figura de planeamento ⎯ os planos de
pormenor com efeitos registais ⎯ possa ser qualificada quer como plano (aqui por
expressa determinação legal) quer como instrumento de programação e, mesmo, de
execução, por dispensar a delimitação de unidades de execução e a realização de
operações urbanísticas de transformação fundiária subsequentes.
Executar, por seu turno, ainda que se situe a jusante das tarefas de planear e de
programar, não se dissocia nem se identifica inteiramente com elas. Executar não se
analisa numa mera aplicação subsuntiva de normas pré-determinadas, encerrando
espaços próprios de conformação e de decisão por parte das entidades públicas
envolvidas, ao mesmo tempo que o cenário de uma execução livre, isto é não precedida
de um enquadramento normativo mais amplo, deve ser reservado para situações
puramente excecionais. Assim, encontramos figuras típicas de execução como o
reparcelamento de solo urbano destinado à criação de parcelas para urbanização, que se
aproxima a um passo de instrumentos de programação (por não regular exaustivamente
a solução urbanística da sua área de intervenção) e a outro de instrumentos de execução
(já que, à semelhança dos loteamentos urbanos, procede diretamente à transformação
fundiária, registal e fiscal dos solos por si abrangidos).
Também o fenómeno da contratação urbanística se apresenta como uma via
possível de programação territorial, como veremos. Contudo, nem sempre os contratos
2
Por isso há quem identifique a gestão do território como uma das funções do instrumentos de
planeamento territorial. Neste sentido, cfr. Correia, Fernando Alves, Manual de Direito do Urbanismo,
Vol.I, 4.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2008, p. 368.
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para planeamento são verdadeiros contratos-programa, uma vez que pode faltar neles
dimensões essenciais de programação, como seja a definição das operações de execução
a levar a cabo, do tempo de execução e do respetivo financiamento.
Assim, planeamento, execução e contratação podem ser utilizados como
instrumentos de programação, mas não necessariamente, por potencialmente abarcarem
finalidades distintas. De facto, o objeto de regulação de cada um destes institutos pode
ser, por força da lei, da vontade das partes ou da intenção do requerente, mais restrito ou
mais amplo do que o objeto típico dos instrumentos de programação.
ii. Relativamente aos instrumentos vocacionados para a programação territorial3,
podemos proceder à seguinte categorização em função dos momentos em que a
programação pode intervir.
Temos desde logo, e em primeiro lugar, instrumentos que antecedem ou que se
encontram a montante dos planos, como sejam os contratos para planeamento que
incluam as dimensões de programação da execução acima identificadas4 bem como os
programas de ação territorial, sempre que estes não se atenham à definição da
estratégia de intervenção sobre o território5.
3
Esclareça-se que o nosso texto se debruça apenas sobre a programação operativa, deixando de
lado instrumentos de programação estratégica, que identificam critérios e prioridades de intervenção, mas
sem, em regra, concatenar meios concretos para a concretização de cada atuação sobre o território.
Por outro lado, centramo-nos sobre a programação de intervenções municipais. Não
desconhecemos que os programas de intervenção estatais podem também ser vertidos para o modelo de
programação analisado, mas, em regra, o seu distanciamento relativamente à gestão normal do território,
converte-os mais em programas de políticas do que em programas de ação. Também a programação da
execução dos planos especiais de ordenamento do território passa essencialmente por uma mediação
municipal, uma vez que são os municípios que estão encarregados da normal gestão urbanística, mesmo
nas áreas cobertas por estes planos.
4
Na verdade, estes contratos, para serem instrumentos de programação, devem cumular dimensões
próprias de contratos para planeamento e de contratos de execução ao, por exemplo, repartirem
responsabilidades pelos vários intervenientes pensando já na concretização das opções do plano.
5
O artigo 17.º da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo prevê, no
seu artigo 17.º, os Programas de Ação Territorial, que correspondem a acordos celebrados entre
entidades públicas e privadas interessadas na definição da política de ordenamento do território e de
urbanismo e na execução dos instrumentos de planeamento territorial, no âmbito dos quais as referidas
entidades coordenam as respetivas atuações. Sobre os programas de Ação territorial como instrumentos
que detêm, por um lado, uma natureza contratual (destinada a unir uma multiplicidade de sujeitos) e, por
outro lado, uma natureza de programação temporal, assumindo-se, assim, como contratos-programa
(definem metas e objetivos escalonados no tempo, contêm um cronograma de execução temporal a
diversos níveis, bem como num cronograma de execução financeira ou de investimentos financeiros), cfr.
Correia, Jorge Alves, “Concertação, Contratação e Instrumentos Financeiros na Reabilitação Urbana”, in.
O Novo Regime da Reabilitação Urbana, Temas CEDOUA, Coimbra, Almedina, 2010, p. 110. De onde
resulta que os programas de ação territorial assumem uma função relevante de programação das
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Uma segunda categoria de instrumentos de programação permite aproximá-los
temporalmente dos instrumentos de planeamento, com os quais por vezes se identificam
(é o caso dos planos de pormenor com efeitos registais, anteriormente referidos), outras
vezes nele são integrados como seu elemento de programação (é o caso das unidades e
subunidades operativas de planeamento e gestão e das unidades de execução
delimitadas em plano, que estabeleçam os objetivos e parâmetros base de intervenção,
os instrumentos a mobilizar para o efeito e a respetiva priorização, ainda que
eventualmente de forma flexível ou indicativa), outras, ainda, funcionam como
mecanismos intercalares, na ausência temporária de normas de plano. É o que sucede,
nesta última situação, com as medidas preventivas com efeitos antecipatórios que
permitem a continuidade da gestão urbanística durante a elaboração, alteração, revisão
ou suspensão de um plano, estipulando as principais regras, designadamente do ponto
de vista da execução, que se aplicam à sua área de intervenção6.
Uma terceira categoria abrange os instrumentos de programação que se situam a
jusante dos planos, como sucede com as unidades de execução, figuras de programação
por excelência no nosso ordenamento jurídico, e com o reparcelamento do solo urbano
do qual resultam parcelas para urbanização7.
Podemos ainda identificar no nosso ordenamento jurídico outros instrumentos de
programação que, sendo relativamente independentes dos planos, surgem em regimes
jurídicos especiais e são aplicáveis de acordo com as condições legais neles fixadas.
Apenas a título de exemplo refira-se o instrumento próprio no âmbito do regime
jurídico da reabilitação urbana, incluindo o respetivo programa estratégico ou
estratégia de reabilitação urbana8, as zonas de intervenção florestal e os planos de
gestão da rede natura9.
intervenções (planeadoras ou operativas) sobre o território.
6
Sobre esta categoria de medidas preventivas cfr. o nosso “As Medidas Cautelares dos Planos”, in
Revista do Centro de Estudos do Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, n.º 10, Ano
V_2.02, e Oliveira, Fernanda Paula, Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial. Comentado,
Coimbra, Almedina, 2012, p. 396 a 399.
7
Para mais desenvolvimento sobre estes institutos cfr. o nosso Execução Programada de Planos
Municipais (As unidades de execução como instrumento de programação urbanística e o reparcelamento
urbano como figura pluriforme), no prelo.
8
Sobre estes instrumentos cfr. o nosso o “As recentes alterações ao Regime Jurídico da
Reabilitação Urbana”, in Direito Regional e Local, n.º 19-2012 e Oliveira, Fernanda Paula, Lopes, Dulce
& Alves, Cláudia, Regime Jurídico da Reabilitação Urbana - Anotado. Coimbra, Almedina, 2011.
9
A este elenco pode ainda acrescentar-se as áreas de desenvolvimento prioritário (ADUPs), as
áreas de contrução prioritária (ACPs), a associação da Administração com os proprietários, que, todavia,
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Por fim, haverá ainda que identificar alguns instrumentos atípicos de programação
que, ainda que não tenham consagração legal, têm vindo a cumprir funções de
programação. É o caso de alguns estudos de conjunto ou de estudos de enquadramento
urbanístico que têm vindo a orientar o comportamento dos municípios e, muitas vezes,
dos particulares quando pretendem intervir sobre o território.10
iii. Assumindo que nenhum dos instrumentos de programação referidos
anteriormente é desconhecido do auditório e que, com mais ou menos hesitações, são
aplicados na prática urbanística, cumpre analisar de forma mais detida aquele que
começa a dar agora os seus primeiros passos, não obstante se encontre previsto na
legislação urbanística desde a entrada em vigor do Regime Jurídico dos Instrumentos de
Gestão Territorial.
Referimo-nos ao reparcelamento de solo urbano de que resultam parcelas para
urbanização e que se distingue do normal loteamento (ou do reparcelamento do solo
urbano para constituição de lotes) por, apesar de proceder à reconfiguração fundiária da
sua área de intervenção, não definir de forma exaustiva e rígida as condições de
edificação na(s) parcela(s). Pelo contrário, remete essa tarefa para operações
urbanísticas de loteamento ou de edificação que “preencham” a parcela ou parcelas para
urbanização criadas.
Este é, a nosso ver, o instrumento de programação “do presente”, pois agora, mais
do que nunca, as exigências de mercado apontam para uma flexibilização material e
temporal da execução dos instrumentos de planeamento territorial, ainda que aliada a
uma dimensão de garantia (definição estável) da posição jurídica dos interessados.
A colocação de lotes no mercado, com parâmetros de ocupação muito precisos
designadamente em termos de área de implantação, número de pisos e fogos, bem como
com regras de inserção urbanística muito rígidas, tem vindo a ceder perante a
necessidade de permitir a criação e alienação de parcelas de terreno que, embora
nunca tiveram aplicação prática entre nós e cuja função é, na verdade, absorvida atualmente pelas
unidades de execução e pelo reparcelamento do solo urbano.
Do conjunto de instrumentos de programação identificados por Dulce Lopes, deve retirar-se agora
as áreas criticas de conversão e recuperação urbanística (ACCRU’s) que, nos termos do Regime Jurídico
da Reabilitação Urbana ou caducaram ou foram substituídas por áreas de reabilitação urbana (ARU’s). Do
mesmo passo, as áreas urbanas de génese ilegal (AUGIs) tendem a desaparecer, por o regime jurídico em
que se suportam – não obstante ter vindo a ser sucessivamente prorrogada a sua aplicação – ser
inerentemente de cariz transitório. Cfr. Lopes, Dulce, Planos de pormenor, unidades de execução e outras
figuras de programação urbanística em Portugal", in Direito Regional e Local, 3, 2008.
10
Para mais desenvolvimentos cfr. o nosso Execução Programada de Planos Municipais, cit.
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destinadas à edificação (e garantindo logo à partida a sua ocorrência), sejam
compatíveis com um conjunto de soluções alternativas que serão concretizadas em
momento posterior ao nível do projeto pelo seu promotor ou pelo respetivo adquirente.
O que significa que a via tradicional dos loteamentos urbanos, enquanto operações
de transformação fundiária que dão origem a lotes, isto é, a unidades prediais com
soluções edificativas fechadas, nos termos indicados no artigo 77.º, n.º 1, alínea e) do
Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, não se apresenta como a mais ajustada às
exigências urbanísticas atuais.
Este desajustamento por nós constatado na prática poderia, no entanto, não ter
recebido qualquer tratamento jurídico que permitisse a sua superação. Tal não sucede,
porém, uma vez que é o próprio Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão
Territorial, precisamente a propósito da execução dos planos, que regula os
reparcelamentos enquanto operações que dão origem a lotes para construção ou a
parcelas para urbanização [artigo 133.º, n.º 1, alínea a)].
De facto, apenas estaremos perante uma operação de loteamento quando da mesma
resultem lotes [isto é, unidades prediais com capacidade edificativa concreta e precisa,
como resulta da alínea e) do n.º 1 do artigo 77.º do Regime Jurídico da Urbanização e
Edificação]. Podem resultar, no entanto, da operação de reparcelamento, apenas
parcelas para urbanização às quais é associada uma capacidade edificativa genérica,
embora estabilizada, mas que apenas será concretizada em posteriores operações
urbanísticas, em regra de loteamento, aprovadas parcela a parcela.
Assim se compatibiliza a necessidade de definir o estatuto jurídico básico de um
prédio destinado a integrar o processo de urbanização para o colocar no comércio
jurídico com a necessidade de evitar amarrar-se os interessados a uma determinada
solução urbanística, que pode não ser a por eles pretendida, deixando, deste modo, uma
maior flexibilidade de ação futura.
Para que estas parcelas para urbanização possam ser aprovadas ⎯ aprovação que
consideramos dever ser objeto de um procedimento de controlo prévio análogo ao dos
loteamentos ⎯ necessário se torna que as mesmas sejam servidas ou possam vir a sê-lo
por obras de urbanização, as quais por sua vez, se tiverem de ser criadas ou reforçadas,
estarão também sujeitas ao procedimento de controlo prévio legalmente previsto para
este tipo de operação urbanística. Ou seja, terá de se fazer neste caso um raciocínio
similar ao pressuposto no âmbito de loteamentos com obras de urbanização, caso estas
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se venham a revelar necessárias para garantir a funcionalidade e autonomia das parcelas
a criar (havendo lugar à aprovação de uma operação de reparcelamento seguida da
aprovação das correspondentes obras de urbanização e emissão de título único).
Na circunstância de não ser necessário realizar obras de urbanização para assegurar
a funcionalidade e autonomia das parcelas ⎯ o que sucederá no caso de aquelas
infraestruturas já existirem ⎯, bastará a aprovação da operação de reparcelamento para
a sua individualização.
Num caso ou no outro, o alvará (de reparcelamento ou de reparcelamento com obras
de urbanização) é o título que serve para efeitos de registo predial, podendo com base
nele individualizar-se as unidades prediais (as parcelas para urbanização) definidas com
a capacidade edificativa que lhes for associada, parcelas estas que terão um estatuto
indubitavelmente urbano. Claramente neste sentido, o artigo 2.º, n.º 1, alínea d) do
Código do Registo Predial considera como factos sujeitos a registo tanto as operações
de loteamento como as de reparcelamento, consideradas, por isso, como operações de
transformação fundiária com contornos distintos11.
Pela descrição sucintamente efetuada do reparcelamento de solo urbano que cria
parcelas para urbanização, estamos convencidas que este instituto se transformará, a
breve trecho, num dos instrumentos de programação privilegiados dos planos
municipais.
3. Natureza da programação
i. Neste ponto, a primeira questão que se coloca é a de saber se existe, e com que
intensidade, uma obrigação de programação.
O artigo 116.º, n.º 1 do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial
estabelece, desde logo, uma obrigação geral de programação da execução dos planos e,
11
De facto, apesar de tanto o loteamento como o reparcelamento a que nos reportamos
concretizarem algumas dimensões essenciais da operação urbanística (maxime a sua capacidade
edificativa), apenas no primeiro se procede à definição exaustiva das condições de edificabilidade e do
desenho urbanístico. O que significa que a analogia a que procedemos em texto não é irrestrita, uma vez
que há disposições aplicáveis aos loteamentos que não fazem sentido no âmbito dos reparcelamentos que
dão origem apenas a parcelas destinadas a urbanização. É o caso do artigo 26.º do regime jurídico da
Reserva Ecológica Nacional, que refere que as áreas integradas nesta reserva podem ser incluídas em
operações de loteamento, desde que não sejam objeto de fracionamento. Esta impossibilidade de
fracionamento, ainda que se pudesse compreender ⎯ malamente ⎯ no âmbito de um loteamento, pela
sua integração em lotes privados, já não faz sentido no âmbito de parcelas resultantes de um
reparcelamento em que o desenho urbano e a afetação a espaços verdes e de equipamentos serão
normalmente objeto de definição aquando da operação a concretizar na parcela.
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mesmo, das políticas urbanísticas, o que significa que apenas em situações contadas se
admite uma execução urbanística não programada12. Do que resulta existir uma
obrigação quase integral de programação pública do território.
Se essa obrigação estiver concretizada em instrumento de planeamento territorial
e sendo neste obrigatória e determinada (designadamente quanto ao momento em que
deve ocorrer), a inexistência de programação traduzir-se-á numa violação de plano, com
as gravosas consequências daí inerentes, como sejam a impossibilidade de aprovação de
operações urbanística isoladas sobre o solo.
Ainda assim e sobretudo quando tal não suceda ⎯ o que corresponde ao cenário
ainda dominante, pela não revisão da grande maioria dos planos municipais adaptada às
novas exigências de programação ⎯, pode colocar-se a questão da possibilidade de
reação contra a omissão de mobilização de instrumentos de programação.
Em suma, questiona-se se, a um dever de programação por parte da
Administração municipal equivale um correspondente direito à programação por parte
dos interessados, que viabilize uma sua reação judicial contra a inércia daquela na
adoção de instrumentos de programação considerados devidos. Apesar de esta ser uma
questão legítima, ela não se coloca, na programação, com a mesma acuidade com que se
analisa no âmbito do planeamento urbanístico (isto é da obrigação de elaborar planos
para uma determinada área territorial)13. É que, enquanto no planeamento a iniciativa da
elaboração dos planos é exclusivamente pública, já na programação uma grande parte
dos seus instrumentos pode ser de iniciativa privada, possibilitando aos interessados,
perante a inércia da Administração, desencadear os procedimentos tendentes à sua
adoção. É este o caso paradigmático das unidades de execução, nos termos previstos no
artigo 119.º, n.º 2 do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial.
ii. Questão diferente é a da natureza jurídica dos instrumentos de programação e
respetivos efeitos.
Tendo em consideração a multiplicidade de figuras de programação e os seus
diversos enquadramentos normativos, não é possível identificar-lhes uma natureza
12
Para mais desenvolvimentos sobre estas situações, cfr. o nosso Execução Programada de Planos
Municipais, cit. No mesmo sentido cfr. Oliveira, António Cândido, “A situação atual da gestão
urbanística em Portugal”, N.º 02, abril/junho de 2008.
13
Oliveira, Fernanda Paula, A Discricionariedade de Planeamento Urbanístico Municipal na
Dogmática Geral da Discricionariedade Administrativo, Coimbra, Almedina, 2011, p. 299 e ss (em
especial pp. 3122-313).
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jurídica unitária. Temos, assim, alguns instrumentos de programação de natureza
contratual (os contratos para planeamento), outros que podem ser reconduzidos à figura
tradicional dos atos administrativos (a delimitação de unidades de execução) e outros
ainda que assumem uma natureza normativa (os instrumentos próprios no âmbito da
reabilitação urbana). Todos estes instrumentos, porém, apesar de se reportarem a áreas
concretas e a um horizonte temporal determinado, contêm claras dimensões inovatórias
relativamente aos planos a que, em regra, se reportam. O que significa que todos eles
acabam por assumir uma natureza mista, não sendo assimiláveis em absoluto a qualquer
das categorias tradicionais de atuação da Administração.
Esta indefinição da caraterização jurídica dos instrumentos de programação torna
particularmente difícil a determinação dos respetivos efeitos jurídicos, em particular
quanto às consequências do seu incumprimento. O legislador previu aqui também um
dever geral de conformação dos particulares ao disposto nos instrumentos de
programação municipal (artigo 118.º, n.º 2 do Regime Jurídico dos Instrumentos de
Gestão Territorial), mas não definiu em concreto os seus contornos.
Ora, tirando, os instrumentos de programação que assumem a natureza de planos
⎯ os planos de pormenor com efeitos registais ⎯, as demais figuras de programação
não têm, por força da lei, caráter vinculativo direto.
Tal não obsta, porém, a que o legislador, relativamente aos instrumentos de
programação legalmente previstos, tenha estabelecido vias indiretas de vinculação dos
particulares à programação estipulada, seja por via negocial (pela mobilização da figura
tradicional do incumprimento contratual), seja pela criação de fundamentos novos de
indeferimento ou rejeição de cariz mais ou menos discricionário e que apelam para o
respeito da programação estabelecida (é o caso da estratégia e do programa estratégico
de reabilitação urbana no âmbito deste regime especial)14, seja ainda pela possibilidade
14
Estes instrumentos não possam produzir o mesmo tipo de efeitos reconhecidos aos planos
(designadamente, efeitos diretos em relação aos particulares), em virtude do princípio da tipicidade dos
instrumentos de gestão territorial. Todavia, o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana veio aditar um
novo motivo de indeferimento das licenças ou de rejeição das comunicações prévias: a suscetibilidade de
as operações causarem um prejuízo manifesto à reabilitação do edifício (no caso de operação de
reabilitação urbana simples) ou de causarem um prejuízo manifesto à operação de reabilitação urbana da
área em que o mesmo se insere, no caso de operações de reabilitação urbana sistemáticas (cfr. artigo
52.º). O que significa a possibilidade de mobilização indireta da estratégia de reabilitação urbana ou do
programa estratégico de reabilitação urbana como parâmetros para a apreciação das concretas operações
urbanísticas, já que, com base neles (no seu incumprimento) é possível invocar-se aqueles fundamentos
genéricos e, assim, indeferir-se uma licença ou rejeitar-se uma comunicação prévia. A contradição, ainda
que indireta, do projeto com os instrumentos estratégicos que enquadram e orientam as operações de
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legalmente admitida de recurso a mecanismos impositivos, como a expropriação, em
caso de incumprimento da programação por parte dos interessados.
Estamos, deste modo, perante instrumentos que, por vias travessas, conseguem ter
uma eficácia jurídica vinculativa mas que, contudo, permitem margens de ajustamento à
atuação concreta mais amplas do que os instrumentos de planeamento, possibilitando,
ao contrário destes, uma maior flexibilidade e adaptabilidade às necessidades de
intervenção no território.
Apenas assumindo esta atípica mas existente eficácia jurídica dos instrumentos de
programação se dará pleno cumprimento às exigências de um novo paradigma de
intervenção urbanística, em que as intervenções não ocorrem de acordo com a
programação dos particulares (designadamente dos proprietários dos solos ou edifícios
ou dos titulares de outros direitos que incidam sobre estes) ⎯ e, portanto, não devem
ser realizadas casuisticamente e desarticuladas entre si ⎯, mas de acordo com a ordem
de prioridades e a programação definida pelo próprio município.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
• Correia, Fernando Alves, Manual de Direito do Urbanismo, Vol.I, 4.ª Edição, Coimbra, Almedina,
2008;
• Correia, Jorge Alves, “Concertação, Contratação e Instrumentos Financeiros na Reabilitação
Urbana”, in. O Novo Regime da Reabilitação Urbana, Temas CEDOUA, Coimbra, Almedina,
2010;
• Cunha, José Luís, “Apontamentos em matéria de programação territorial”, in Direito do
Urbanismo e do Ordenamento do Território – Estudos (coord. Fernanda Paula Oliveira), Vol. I,
Coimbra, Almedina, 2012;
• Lopes, Dulce, Planos de pormenor, unidades de execução e outras figuras de programação
urbanística em Portugal", in Direito Regional e Local, 3, 2008;
• Oliveira, António Cândido, “A situação atual da gestão urbanística em Portugal”, N.º 02,
abril/junho de 2008;
• Oliveira, Fernanda Paula, Lopes, Dulce & Alves, Cláudia, Regime Jurídico da Reabilitação
Urbana - Anotado. Coimbra, Almedina, 2011;
• Oliveira, Fernanda Paula,
o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial. Comentado, Coimbra,
Almedina, 2012;
o A Discricionariedade de Planeamento Urbanístico Municipal na Dogmática Geral
reabilitação urbana não tem, no entanto, a mesma consequência que a desconformidade do mesmo com os
planos: anulabilidade, naquele caso, nulidade neste.
Encontro Anual da Ad Urbem 2012 – A PROGRAMAÇÃO NA GESTÃO TERRITORIAL
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Programar, para quê e como?
Fernanda Paula Oliveira/ Dulce Lopes
da Discricionariedade Administrativo, Coimbra, Almedina, 2011;
• Oliveira, Fernanda Paula & Lopes, Dulce,
o “As Medidas Cautelares dos Planos”, in Revista do Centro de Estudos do Direito do
Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, n.º 10, Ano V_2.02;
o Execução Programada de Planos Municipais (As unidades de execução como
instrumento de programação urbanística e o reparcelamento urbano como figura
pluriforme), no prelo;
o “As recentes alterações ao Regime Jurídico da Reabilitação Urbana”, in Direito
Regional e Local, n.º 19-2012.
Encontro Anual da Ad Urbem 2012 – A PROGRAMAÇÃO NA GESTÃO TERRITORIAL
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