A nova era das edificações Nos dias atuais, chamou atenção a etiqueta do INMETRO fixada em veículos novos comercializados no país, apontando eficiência energética no que se refere ao consumo de combustível. E com algum espanto pensamos: “até veículos?!”. Já estamos acostumados a observar a Etiqueta Nacional de Eficiência Energética (ENCE) em diversos equipamentos eletroeletrônicos, fogões, coletores solares, aquecedores, etc e, em boa parcela da população, esta etiqueta tem definido a escolha por um ou outro produto. Em uma pesquisa constatou-se que mais de 60% dos consumidores adota o nível de eficiência energética como critério mais importante no momento da compra. Com a divulgação das características dos produtos, o consumidor pôde fazer uma escolha consciente, gerando uma maior competitividade do mercado por melhorar a qualidade de seus produtos e conquistar os clientes mais exigentes. Se observarmos o comércio de produtos etiquetados, podemos facilmente verificar que predominam os de nível mais alto. Isso ocorreu naturalmente, sem qualquer intervenção do Estado, mas como resultado de uma escolha da população por produtos melhores e mais eficientes. A eficiência energética de produtos possibilita a redução de consumo para a população e também a redução de investimentos governamentais em expansão do sistema elétrico brasileiro. O Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE) teve início em 1984, antes mesmo do Código de Defesa do Consumidor, e o primeiro produto a receber a etiqueta foi o refrigerador, que nos últimos anos teve uma aumento de eficiência em mais de 70%. Ou seja, além de incentivar a redução do consumo de energia, o PBE também incentiva a evolução tecnológica e a inovação dos produtos. Com a missão de Promover a qualidade de vida do cidadão e a competitividade da economia através da metrologia e da qualidade” o INMETRO transmite confiabilidade ao consumidor ao atestar que o produto possui as especificações publicadas e sua adequação ao uso, como por exemplo a etiqueta que indica a faixa etária de brinquedos. Mais do que isso, divulga as especificações dos produtos, algo até então inexistente. Quem vendia sabia o que estava vendendo, mas quem comprava não sabia o que estava comprando. Imperava uma assimetria de informação na comercialização destes bens. Ao divulgar as características dos produtos, o processo de etiquetagem de eficiência energética estimulou a competitividade e incrementou a decisão de compra do consumidor trazendo benefícios ao consumidor, à indústria e à sociedade como um todo. Diante disso, pode-se perguntar, com o maior espanto de todos: como foi possível um dia não ter conhecimento do que se estava comprando? E a pergunta da vez é: como ainda é possível adquirir imóveis sem saber o que estamos comprando? Pois esta pergunta começa a ser respondida pelas recentes regulamentações, como a NBR 15.575, da ABNT, e as regulamentações de eficiência energética de edificações residenciais, comerciais, públicas e de serviços (RTQ-R e RTQ-C), do PBE Edifica. Sim, as edificações também são etiquetadas em função do nível de eficiência energética, assim como qualquer outro produto consumidor de energia, conforme diretrizes da Lei 10.295/2001, a chamada Lei de Eficiência Energética. Assim como ocorreu com todos os demais produtos regulamentados pelo PBE, a etiquetagem de edificações é inicialmente implementada de forma voluntária, para posteriormente assumir caráter compulsório. O PBE Edifica, lançado em 2009, tem o objetivo de classificar a edificação de acordo com sua eficiência energética utilizando a ENCE, informando os consumidores e estimulando-os a realizar uma compra consciente, apoiando, desta forma, a racionalização do consumo de energia elétrica. Enquanto a indústria responde por 44% do consumo de energia elétrica do Brasil, as edificações respondem por 47%, sendo 24% no setor residencial, 15% no setor comercial e 8% no setor público. O potencial de economia é altíssimo e, mesmo uma pequena redução no consumo de energia elétrica nas edificações, é capaz de gerar um impacto enorme na matriz energética. Estudos apontam que é possível reduzir cerca de 50% do consumo de energia em edificações novas e 30% em edificações já existentes, quando devidamente adequadas ao clima. No entanto, etiquetar uma edificação é completamente diferente e infinitamente mais complexo do que etiquetar um produto industrializado. Por estas razões, especialistas trabalharam e têm trabalhado neste processo que aproximou a academia do poder público e dos demais agentes da construção civil. No âmbito acadêmico foi constituída, junto ao Procel Edifica, uma rede de 15 universidades, Rede de Eficiência Energética de Edificações (R3E), da qual faz parte o Laboratório de Conforto e Eficiência Energética (LABCEE), da UFPel, e que, juntamente com os demais laboratórios, atua no sentido do aprimoramento da metodologia, desenvolvida pelo LabEEE/UFSC, e da implementação do PEB Edifica. Tanto o Regulamento Técnico da Qualidade para o Nível de Eficiência Energética de Edifícios Comerciais, de Serviços e Públicos (RTQ-C) quanto o Regulamento Técnico da Qualidade para o Nível de Eficiência Energética de Edifícios Residenciais (RTQ-R) possibilitam avaliações de eficiência pelo método prescritivo, mas simples, e pelo método de simulação, mais completo e complexo. No caso do RTQ-C são três aspectos abordados: i) a envoltória da edificação, onde o projeto e os componentes são avaliados; ii) o sistema de iluminação, onde os componentes, o projeto de iluminação e de acionamentos são avaliados e; iii) o sistema de ar condicionado. Cada um destes itens recebe uma avaliação independente que identifica a letra A como mais eficiente e E como menos eficiente. Se a edificação é avaliada em todos estes aspectos, recebe uma etiqueta geral, conforme ponderação de 30% para envoltória, 30% para sistema de iluminação e 40% para sistema de ar condicionado. É possível avaliar apenas a envoltória ou a envoltória e o sistema de iluminação ou envoltória e o sistema de ar condicionado. No caso de existência de ambientes de permanência prolongada condicionados naturalmente, faz-se necessário o uso de simulação computacional para comprovar que estes ambientes atendem aos percentuais mínimos de conforto térmico. No caso do RTQ-R são abordados: i) o desempenho da envoltória durante o verão; ii) o desempenho da envoltória no inverno e; iii) a eficiência dos sistema de aquecimento de água, dependo logicamente da região (zona bioclimática) em que se encontra a edificação. Podem ser etiquetadas unidades unifamiliares, unidades multifamiliares e unidades habitacionais autônomas (apartamento ou residência). Além das unidades habitacionais, as áreas de uso comum também são avaliadas. Tanto o RTQ-C quanto o RTQ-R apresentam pré-requisitos específicos a cada item avaliado e bonificações que podem fazer com que a edificação atinja níveis superiores de eficiência energética. A ENCE é expedida ao projeto da edificação, com validade de 5 anos, e, de forma definitiva, ao edifício construído, conforme projeto previamente avaliado. A edificações existentes também podem ser avaliadas. Mesmo em caráter voluntário, alguns empreendedores identificaram na ENCE uma oportunidade de ter sua imagem vinculada a um produto de qualidade superior, visando atender a uma demanda crescente de consumidores preocupados com os custos de manutenção das edificações e sustentabilidade do planeta. Em pesquisas de mercado foi apontado que os consumidores consideram que a ENCE em edificações valoriza o imóvel e estão dispostos a pagar mais por um produto de melhor qualidade e com menor custo de água e energia, que compensaria o investimento em poucos anos. Segundo o INMETRO (http://www.inmetro.gov.br/consumidor/tabelas.asp), até agosto de 2012 foram emitidas 35 ENCE´s de Projeto e 12 ENCE´s de Edifícios Construídos, na área de edificações comerciais, de serviços e públicas. Nos empreendimentos residenciais são 1009 ENCE´s de Projeto de Unidades Habitacionais Autônomas, 12 ENCE´s de Projeto de Edificações Multifamiliares, 3 ENCE´s de Projeto de Áreas de Uso Comum e 12 ENCE´s de Edifícios Construídos, no mesmo período. O Poder Público, apoiado em diversos Decretos Lei e Instruções Normativas, tem realizado licitações públicas de projeto exigindo níveis mínimos de desempenho energético de acordo com a ENCE. É um mercado totalmente novo que está se abrindo aos profissionais da construção civil, do projetista aos fabricantes de componentes, passando pelos consultores. A figura do consultor de eficiência energética, até então pouco valorizada, na maioria dos empreendimentos imobiliários, será peça chave no processo que se inicia. A R3E tem oferecido cursos de formação e capacitação de consultores de acordo com as exigências da Eletrobrás. O LABCEE, da UFPel, até o momento realizou cerca de 10 cursos entre os níveis de introdução e de capacitação de consultores, sendo que os aprovados neste último recebem certificado expedido em conjunto pela UFPel e pela Eletrobrás. Hoje no país, somente a Fundação CERTI, de Santa Catarina, está acreditada ao INMETRO para emitir a ENCE de edificações. Logicamente, faz-se necessário que existam muito mais Organismos de Inspeção Acreditados (OIA) para atender a demanda nacional de edificações. Por esta razão a Eletrobrás selecionou, em edital público, 4 universidades para firmar convênio com objetivo específico de criar um OIA. Foram selecionadas a UFPel, UnB, UFRN e UFMS. Como resultado deste convênio, a UFPel criou o Laboratório de Inspeção de Eficiência Energética em Edificações (LINSE) que deverá ser o próximo OIA do Brasil, com previsão de acreditação, junto ao INMETRO, no primeiro semestre de 2013. A tendência é que a compulsoriedade da ENCE em edificações deva iniciar pelos prédios públicos, seguindo os comerciais e por fim os residenciais, à medida que o Brasil prepara a estrutura física e os recursos humanos para esta nova era da construção civil. Certamente, este é um processo sem volta. A exemplo do que há muito já acontece em diversos outros países, toda as edificações no Brasil serão avaliadas quanto a eficiência energética. Assim como aconteceu com os demais itens avaliados pelo INMETRO a construção civil deverá atingir outro patamar de qualidade e o consumidor terá acesso a informações até então desconhecidas, possibilitando fazer uma escolha consciente naquilo que muitas vezes representa a aquisição mais importante da vida. Não há dúvida que em alguns anos a pergunta será: como um dia foi possível não ter conhecimento do desempenho dos imóveis que adquiríamos? Prof. Arq. Antonio César Silveira Baptista da Silva, Dr. Eng. Diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAUrb/UFPel Coordenador do Laboratório de Conforto e Eficiência Energética – LABCEE Coordenador do Laboratório de Inspeção de Eficiência Energética em Edificações LINSE