Aplicação do Martelo Schmidt para a determinação do coeficiente de restituição Normal em rochas Jorge Hernán Flórez Gálvez Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil, [email protected] Luiz Antônio Bressani Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre, RS, Brasil, [email protected] RESUMO: O presente trabalho descreve a aplicação de um método para a determinação do coeficiente de Restituição Normal (RN) em rochas mediante o emprego do martelo Schmidt, para seu emprego em estudos de quedas de rochas, aplicado em este caso à rodovia RS471/BR153, localizada no centro do Estado do Rio Grande do Sul. Além da determinação do coeficiente RN, são apresentados dois procedimentos propostos para a correção dos valores obtidos em campo: Segundo o ângulo de aplicação do martelo, e também dependendo do tipo de martelo empregado (tipo “L” ou “N”). Foi selecionada uma seção ao longo de um trecho com alta frequência de quedas de blocos, e foram ensaiados diferentes pontos para conseguir uma caracterização completa em altura do talude crítico. No final são determinados os valores representativos de RN para cada camada de rocha existente no local. PALAVRAS-CHAVE: Queda de blocos, Martelo Schmidt, Formação Serra Geral, Coeficientes de restituição. 1 INTRODUÇÃO Ao longo da história recente têm acontecido fortes mudanças nos estudos de quedas de blocos, os quais inicialmente só contemplavam relações diretas entre a altura do talude e os alcances laterais dos blocos uma vez atingiam a condição de equilíbrio após a queda. Como resultado de diferentes trabalhos feitos, o critério da altura do talude foi perdendo importância dentro da lista dos principais parâmetros (RITCHIE, 1963), e foram sendo identificados novos elementos como fazendo parte dos mecanismos de quedas de blocos (RICHARDS et al, 2001). Geometria do talude; Coeficientes de atrito estático e dinâmico; Rugosidade do talude; Resistência ao rolamento; Características de restituição das rochas; Geometria das partículas rochosas; Densidade da rocha. A multiplicidade de fatores envolvidos na determinação da trajetória de um bloco de rocha que cai, obrigou a que este tipo de estudos fossem acometidos no seu começo só mediante ensaios a escala real (RITCHIE, 1963; PIERSON, 2001). No entanto, as fortes limitações econômicas e principalmente de segurança, tem obrigado a que em muitos casos, este tipo de análises somente possam ser feitas mediante procedimentos computacionais, deixando no labor de campo e de laboratório a determinação das variáveis necessárias para o cálculo de trajetórias de queda. O presente trabalho visa apresentar a aplicação de um procedimento para a determinação do Coeficiente de Restituição Normal (RN) proposto por Peng (2000), e as considerações feitas para a sua aplicação dentro de uma obra rodoviária no Estado de Rio Grande do Sul. 2 METODOLOGIA DO TRABALHO 2.1 Local de estudo O presente trabalho foi executado na Rodovia RS471/BR153, no trecho que interliga os municípios de Herveiras e Santa Cruz do Sul (Rio Grande do Sul). Geologicamente, o trecho analisado atravessa camadas de derrame da formação Serra Geral (FLOREZ; BRESSANI, 2011), os setores de trabalho encontram-se dentro do que foi chamado por DAER (2002) como “Descida da serra” e “Planalto”, conformado em ordem descendente por: Sucessão de derrames básicos (basaltos) com um topo de tipo ácido (riolitos), com níveis variáveis de alteração, embora baixos, e em geral níveis intensos de fraturamento; presença de corpos de colúvio, alguns instabilizados pelos cortes executado durante a construção; e por último uma transição entre os derrames basálticos e os arenitos da formação Botucatú. A constante queda de blocos, evidenciada no começo da execução dos cortes, fez com que ao longo do projeto fosse necessário realizar algumas mudanças, das quais se ressalta o alargamento de 4 metros executado a cada lado da pista, visando a conformação de áreas de retenção de blocos. Embora a solução tenha diminuído em grande medida a quantidade de blocos que invadem as faixas de operação veicular, ainda é possível encontrar alguns blocos que chegam até a atravessar a pista até o acostamento oposto. 2.2 Martelo Schmidt Para as medições foi empregado um martelo Schmidt tipo “NR”, fabricado pela empresa Proceq, fornecido pelo Laboratório de Ensaios Modelos Estruturais (LEME) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O ensaio foi executado conforme a Norma ASTM D5873. Cabe aclarar que o valor do Número de Dureza de Rebote (HR) apresentado para ponto foi obtido pela média das leituras aceitas provenientes de 10 leituras feitas em áreas que a norma descrita considera como sendo aceitáveis (ver Figura 1). inerentes ao martelo. O trabalho de Basu e Aydin empregou tanto um martelo tipo “L” como um tipo “N”, ambos fabricados por Proceq. No presente trabalho foram adotados os parâmetros para o martelo “N”, sumarizados na Tabela 1. Figura 1. Disposição das leituras em um ponto de ensaio Tabela 1 - Constantes para martelo empregado Constantes do Martelo “LR” Proceq Constante da mola k N/m 764,2 Extensão máxima da mola (quando completamente carregada) x1 m 0,076 Massa do pistão M kg 0,3895 Aceleração da gravidade g m/s2 9,810 Energia de impacto E N*m 2,207 V12 (m/s)2 11,3325 Velocidade do pistão quando toca o êmbolo (durante o disparo) Tomado de Basu e Aydin (2004) 2.3 Correção por ângulo de aplicação As leituras obtidas com o martelo têm que serem corrigidas em função do ângulo de aplicação do martelo, medido em todos os casos com a ajuda de uma bússola. Empregou-se o procedimento proposto Basu e Aydin (2004), o qual depende de uma serie de constantes 2.4 Correção por tipo de martelo O procedimento proposto por Peng (2000) é válido só para martelos tipo “L”, devido principalmente à restrição de uso do martelo tipo “N” em aplicações em rochas (ISRM, 1978). Já que as determinações feitas para o presente trabalho foram feitas com o martelo Schmidt tipo “N”, foi necessário estabelecer as correções das leituras obtidas. Para este processo foi empregada a equação proposta por Aydin e Basu (2005), válida para valores de HR(L)>30 e de HR(N)>40 (ver equação 1): R(N) R(L) , (1) , É necessário aclarar que a equação 1 foi aplicada a cada leitura individual do martelo. O emprego do martelo Schmidt tipo “N” para aplicações em rocha é admitido tanto na Norma ASMT D5873 assim como na versão revisada do método para rochas da ISRM (Aydin, 2008). 2.5 Determinação do coeficiente Restituição Normal (RN) de Segundo Peng (2000), o valor do coeficiente de Restituição Normal (RN), para uma superfície rugosa e blocos angulares (não esféricos), está dado pela equação 2: RN R(L) superf R(L) bloco (2) Onde: HR(L)-superf: Valor de rebote do martelo (tipo “L”) para a superfície do talude; HR(L)-bloco: Valor de rebote do martelo (tipo “L”) para o bloco que cai; : Ângulo de declividade do talude (em graus). O valor da declividade do talude ( ) não necessariamente guarda relação com o ângulo de aplicação do martelo devido às irregularidades superficiais locais. A declividade do talude encontra-se definida pelo padrão de projeto de 4V:1H, que para o caso atual foi de 77°. A equação 2 além de depender da declividade do talude, depende em maior medida das propriedades dos materiais em contacto (bloco – superfície), os quais, devido à pequena variabilidade vertical nos materiais do talude e a quantidade de combinações necessárias para a determinação do valor de RN, principalmente nas camadas próximas ao pé do talude, gerariam uma multiplicidade de valores para um mesmo ponto. Pela anterior razão, os materiais em contato foram considerados como sendo iguais. O anterior quer dizer que, foi considerado que o material do bloco que cai era igual ao da superfície que ele bate. Infelizmente, dentro do trabalho feito por Peng não foi possível encontrar uma relação matemática para o coeficiente de Restituição Transversal (RT) (RICHARDS et al, 2001), precisando ainda das recomendações contidas na bibliografia para sua adoção. 2.6 Consolidação dos pontos de ensaio A definição dos valores de RN para todas as camadas do talude estudado fez com que fosse necessária a obtenção do valor de HR para diferentes cotas, com a dificuldade executiva do risco associado ao trabalho a grandes alturas, além da impossibilidade de acesso à maioria de camadas presentes. Devido à grande dificuldade de execução de este tipo de trabalho, ainda com a rodovia em operação, foi adotada uma condição de homogeneidade horizontal de cada camada, permitindo com isto, ensaiar pontos com cotas maiores ao longo do trecho, para depois projetar eles na sua respectiva cota dentro da seção de estudo (ver Figura 2). A definição dos pontos de ensaio foi feita observando a continuidade de cada derrame, e na maioria deles foram definidos dois o mais pontos para permitir o cálculo de valores médios para o RN. Ao longo do recorrido e toma de leituras foi observada uma disposição horizontal de cada camada. 3 RESULTADOS E ANÁLISES 3.1 Localização dos pontos de ensaio Para uma completa definição da totalidade do talude localizado na estaca 57+800 (estaqueamento de projeto), foram ensaiados 9 pontos distribuídos ao longo de pouco mais de 500 ao longo da rodovia, começando no 57+280 até o ponto mais próximo do pé do talude, localizado no 57+800. Ao considerar a homogeneidade horizontal dos derrames basálticos, foram projetados os pontos em uma única seção (ver Figura 2). Para a presente análise não foi considerado o talude do lado esquerdo ao não apresentar quedas de material, ou pelo menos não visíveis, tornando ele o menos crítico quando comparado com o lado direito. 3.2 Correção das leituras obtidas e obtenção do valor de HR(L) As curvas de correção segundo o ângulo de aplicação, obtidas para o martelo Proceq tipo “NR” empregado no presente trabalho são apresentadas na Figura 3. No entanto, para o cálculo das correções obtidas foi empregado o procedimento matemático descrito por Basu e Aydin (2004), o qual é apresentado em detalhe para cada leitura do ponto localizado na estaca 57+800 (colunas 1 até 6 da Tabela 2), cujo ângulo de aplicação foi de +8° e cota 311 m.a.n.m. O símbolo “θ” corresponde ao ângulo de aplicação do martelo, e o termo HR(N)(θ) ao valor da leitura obtido com a declividade da superfície ensaiada. Na coluna 7 da Tabela 2 (continuação) se encontram os valores equivalentes de leituras feitas com o martelo tipo “L” calculados mediante a equação 1. Foi calculado o valor médio dos valores obtidos, e rejeitado qualquer valor individual que se encontrasse com uma diferencia maior de 7 unidades. O valor final para o HR(L) corresponde à média aritmética calculada com os valores que cumpriram o critério descrito. 80 θ θ θ θ θ HR(N) (corrigido) 70 60 9 ° ° ° - 45° - 90° 50 40 30 20 10 Figura 2. Sequência de pontos ensaiados e projeção dentro da seção 57+800 20 30 40 50 60 70 80 HR(N) (medido) Figura 3: Curva de normalização obtida respeito da direção horizontal (modificado de BASU e AYDIN, 2004) Tabela 2. Processamento para ponto ensaiado em 57+800 No. Leitura HR(N)(θ) x2 (m) V (θ)2 (m/s)2 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 49 47 58 50 58 54 51 49 50 48 0,0372 0,0357 0,0441 0,0380 0,0441 0,0410 0,0388 0,0372 0,0380 0,0365 2,823 2,601 3,933 2,937 3,933 3,417 3,053 2,823 2,937 2,711 mediante a equação 2, e são apresentados na Figura 5. Figura 4: Resultados equivalentes obtidos nos pontos de leitura (HR(L)) (Continuação Tabela 2) V22 (m/s)2 Leitura Equivalente HR(N)(θ °) Leitura Equivalente HR(L) Leitura aceita HR(L) 2,772 2,554 3,862 2,884 3,862 3,355 2,999 2,772 2,884 2,662 49,5 47,5 58,4 50,4 58,4 54,4 51,4 49,5 50,4 48,5 40,5 38,6 48,9 41,4 48,9 45,1 42,3 40,5 41,4 39,5 40 39 49 41 49 45 42 40 41 40 O valor final (HR(L)) para o ponto apresentado na Tabela 2 foi de 43. Os valores obtidos para os 9 pontos ensaiados são apresentados na Figura 4. Para os derrames inferiores (próximos do pé do talude), os resultados mostraram baixos graus de dispersão, mostrando com isto que mesmo para pontos ensaiados em diferentes pontos ao longo do estaqueamento, as propriedades do derrame tendem a serem mantidas constantes. Comparativamente, o derrame do topo apresenta o maior grau de fraturamento do pacote, sendo consistente com uma maior dispersão nos resultados obtidos. 3.3 Determinação do valor de RN Os valores do coeficiente de Restituição Normal (RN) para cada ponto foram obtidos Figura 5: Coeficientes de restituição obtidos para cada ponto de ensaio Na Figura 6 são apresentados os valores de RN para cada camada de derrame presente na seção estudada. Para os casos dos derrames com mais do que um ponto de ensaio, o valor de RN corresponde à média aritmética dos valores obtidos. Nos derrames restantes foi adotado o valor único disponível. A área de retenção de blocos gerada pelo alargamento da seção transversal do corte foi considerada como sendo constituída por material do derrame inferior, já que não foi encontrado nenhum contato próximo da estaca da seção estudada. Em este ponto da rodovia, três dos quatro contatos interderrame coincidiram com as bancadas deixadas durante o processo construtivo. REFERÊNCIAS Figura 6. Coeficientes de Restituição Normal obtidos para cada camada de material 4 COMENTÁRIOS FINAIS O procedimento apresentando no presente trabalho tem a sua principal vantagem na sua rapidez e facilidade de aplicação, ajuda à obtenção de resultados em um período curto de tempo e permite a toma de decisões mesmo durante a execução da obra, momento no qual muitas soluções ainda são facilmente aplicáveis. A equação proposta por Peng (2000) permite a determinação de valores de RN para a sua aplicação em estudos de trajetórias de quedas de blocos. Para uma maior certeza no seu emprego, recomenda-se a calibração do modelo para as condições dos materiais existentes no local específico, mediante ensaios em laboratório, e si for possível, retroanálise de quedas de blocos (procedimento recomendado durante a execução das obras). Para a realização de análises de quedas de blocos ainda será necessária a revisão dos valores obtidos segundo este procedimento, além da obtenção ou da adoção dos parâmetros restantes. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a ECOPLAN, DAER/RS e ao Laboratório de Ensaios e Modelos Estruturais (LEME) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul pelo fornecimento das informações de projeto e o equipamento empregado para a obtenção das leituras em campo; ao CNPq pelo auxilio financeiro para a elaboração do trabalho e a bolsa de pesquisa, e ao PPGEC e à UFRGS. American Society for Testing and Materials – ASTM. (2005) Standard Test Method for Determination of Rock Hardness by Rebound Hammer: D5873-05, 4p. Aydin, A. 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