AD -16 CMYK 16 • Brasília, domingo, 26 de fevereio de 2006 • CORREIO BRAZILIENSE ECONOMIA EMPREGO Governo federal aposta em profissionais hábeis e críticos para preencher as mais de 40 mil vagas oferecidas em 2005 e neste ano, mas os processos de seleção ainda podem ser aperfeiçoados Eficiência versus conhecimento LUCIANO PIRES DA EQUIPE DO CORREIO stabilidade, bons salários, benefícios atraentes e chances de progredir na carreira. Essas são algumas das razões que alimentam os sonhos de milhões de brasileiros em tempos de desemprego em alta. Mas que tipo de profissional está sendo recrutado pelo setor público? O concurso, que tem na prova objetiva seu principal filtro, privilegia os aptos, ou relega os eficientes? O Correio ouviu de professores, especialistas em gestão e examinadores com experiência em bancas que é preciso agregar valor a essa ferramenta — pilar da política oficial de recursos humanos a partir da Constituição de 1988. Todos concordam que não basta deter conhecimento, é preciso saber aplicá-lo. A dúvida é até que ponto o formato atual dos concursos é a forma mais eficiente e precisa de seleção para encontrar o profissional mais capacitado. A máquina estatal moderna procura alguém que domine determinadas habilidades, transite por muitas áreas do conhecimento, mas sabia ir além, seja crítico e pense organizadamente. “Uma elite está entrando no serviço público. Em duas ou três décadas o perfil do Estado será totalmente diferente, bem mais ágil e dinâmico”, aposta José Wilson Granjeiro, diretorpresidente do Obcursos. A triagem dessa mão-de-obra, no entanto, não garante ao órgão ou instituição que os escolhidos são, na prática, os melhores. Mesmo quando os aprovados trazem na bagagem formação sólida, títulos, experiências vividas no serviço público ou fora dele. “Acontecem injustiças, claro. É preciso aperfeiçoar cada dia mais essas seleções. Muita gente boa fica de fora, com certeza, mas ainda assim acho que esse é o método mais igualitário”, completa Granjeiro. E ARTIGO por Dad Squarisi Operação tapa-buraco A Iano Andrade/CB/14.7.05 Adauto Cruz/CB/5.1.06 PARA AMARILDO BAESSO, OS NOVOS SERVIDORES CONTAMINAM OS ANTIGOS GRANJEIRO, DO OBCURSOS, ACREDITA QUE O SERVIÇO PÚBLICO SERÁ MAIS ÁGIL cia competente, o Estado cresce e se abre para um número cada vez maior de pessoas. Da quantidade, espera extrair qualidade. Só nos primeiros dois anos da era Luiz Inácio Lula da Silva, cerca de 60 mil vagas foram abertas. Em 2005, o Ministério do Planejamento autorizou a criação de 25 mil novos postos de trabalho e, ao que tudo indica, ainda há fôlego para contratações. Este ano, a Secretaria de Recursos Humanos estima que serão abertos concursos para 19 mil vagas. cia Federal e a Gestão de Estado, sem citar algumas carreiras do Judiciário, tornaram-se uma espécie de Olimpo da administração pública. Especialistas que participam ou já passaram por bancas examinadoras advertem que a forma de escolha em algumas dessas áreas enfrenta dilemas. O exame bem elaborado e exigente deixou de ser garantia de acesso aos mais brilhantes. “Normalmente, passa quem está estudando há mais tempo, o melhor adestrado”, diz uma acadêmica Controle Para Amarildo Baesso, presidente da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp), a expansão dos concursos públicos permitiu o que ele chama de “controle social positivo”. “Os novos servidores contaminam os mais antigos”, explica. A seleção, segundo ele, é transparente e adequada, mas ainda carece de alguma eficiência. “Há pessoas que provam ter conhecimento, mas são inaptas”, afirma. Baesso diz que a boa seleção deveria obedecer a etapas mais definidas: medir nível de conhecimento, cobrar habilidades, testar tipos emocionais e avaliar a capacidade de aprendizagem. “Não pode ser um concurso só de marcar ‘x’. A seleção tem de estar associada a escolha de perfil, formação, promoção continuada e qualificação de desempenho”, defende. Na busca por uma burocra- campanha começou devagarinho. Eram piadas aqui e ali. A história do paletó na cadeira. Ou do leão que entrou na repartição e comeu um servidor atrás do outro sem ninguém sentir falta. Até que o guloso chegou ao homem do cafezinho. Só então os sobreviventes se deram conta: a seção estava quase vazia. Depois, vieram as ações concretas. O aviltamento dos salários se fez acompanhar do sucateamento moral da carreira. No fim do milagre econômico, nos anos 70, os reajustes passaram a ser dados abaixo da inflação. Argumentava-se que os servidores gozavam de estabilidade, residiam em imóveis funcionais e tinham transporte gratuito. Com os anos, as vantagens dançaram. Collor armou bruta campanha contra os funcionários. Escolheu-os de bode expiatório. Inventou os marajás e se elegeu com a bandeira. Na verdade, tornou a exceção regra. Quem recebe salários milionários é parcela insignificante da categoria. A grande massa é de profissionais mal pagos, sem perspectiva de ascensão funcional e desestimulados por críticas injustas que lhes vergam a auto-estima. Com a carreira pouco atraente, os melhores quadros disseram bye, bye. Foram prestar serviço para quem os tratava melhor. E os que ficaram? De decreto em decreto, de medida provisória em medida provisória viraram fogueirinha. Nela arde pouca carne magra. É o professor que ensina nossos filhos. O médico que cura nossa dor. O policial que garante a segurança. O fiscal que combate a sonegação. Os DASs, cargos mais bem remunerados, não se destinam a gente da carreira. Pára-quedistas os abocanham sem conhecer o setor. Terceirizados contratados por organismos internacionais assumiram projetos sem nenhum compromisso com o serviço público. Agora proibidos, abriram enorme cratera na administração. Como tapá-la? Com operação tapa-buraco. Concursos apressados se impuseram. O gestor improvisado não conhece operfil do profissional de que precisa. Recebe qualquer coisa. A globalização não exclui o Estado. Ao contrário. Torna-o indispensável nas áreas em que é insubstituível. O Brasil anda na contramão. Na hora de ajustar a máquina para a nova mentalidade competitiva, investe contra o servidor. E governo que não trata bem sua mão-de-obra condena-se à ineficiência. Quem paga a conta é o contribuinte. Paga e não leva. Equilíbrio Em áreas consideradas de excelência o Estado acredita ter encontrado a fórmula ideal para recrutar pessoas. Com uma disputa — além de numerosa — extremamente qualificada, órgãos ligados à fiscalização e controle, repressão ao crime e arrecadação de impostos e tributos acumulam bons resultados e despontam como exemplos a serem seguidos. Banco Central, Tribunal de Contas da União (TCU), Câmara e Senado, Receita Federal, Itamaraty, Polí- que já atuou na formulação de provas para concursos. A saída tem sido incluir obstáculos que sirvam, ao mesmo tempo, para avaliar e eliminar candidatos. Com isso, revela um professor de escola preparatória para concursos, é possível equilibrar juventude e experiência, domínio teórico com potencialidades técnicas. “A burocracia precisa dos jovens e dos mais inteligentes, sem dúvida. Mas também dos experientes e dos pragmáticos. Acredito que os exames tentem mesclar tudo isso”, explica. Maior rigor para entrar no Itamaraty seus conhecimentos e competências colocados à prova durante vários momentos da carreira. A atualização e o aperfeiçoamento não se esgotam no concurso. “Buscamos uma formação sólida, que não se esgote só no aglomerado de informações, mas que reflita a capacidade de análise e pensamento crítico”, explica Geraldo Tupynambá, da equipe que coordena o concurso. “Acho que por isso atraímos pessoas de áreas tão distintas como medicina, direito, administração de empresas e economia”, completa Tupynambá. O teste para o Itamaraty consagra a fórmula Cespe (Centro de Seleção e de Promoção de Eventos), maior organizador de concursos no país. No ano passado, a entidade realizou 81 eventos — entre vestibulares, seleções e exames em geral. “Mesmo em uma prova objetiva dá para avaliar muitas habilidades. É possível, por exemplo, medir certos indicativos que mostram se o candidato possui determinadas competências técnicas”, defende Mauro Rabelo, diretorgeral do centro. Curso de formação Rabelo reconhece que há limitações nas imprevisíveis provas de marcação certo e errado, mas afirma que a metodologia não é estática. “A seleção se aproxima daquilo que o órgão ou instituição procura”, explica. Rabelo propõe a ampliação dos cursos de formação como parte do processo de escolha de candidatos. Segundo ele, a fase prática está presente em apenas 30% das seleções. Uma simples entrevista de emprego pode esconder até 10 estratégias diferentes de seleção. AD - 16 CMYK A modalidade de seleção mais elogiada na administração pública é também a mais temida pelos candidatos. Dividido em três fases — sendo a última composta por sete provas escritas —, o concurso do Instituto Rio Branco (IRBr) é famoso pelo alto nível na abordagem e pela correção criteriosa. Este ano, 6.306 pessoas disputarão 105 vagas. Os primeiros exames começaram a ser aplicados no último dia 11. O grande diferencial do Rio Branco está na formação continuada de seus quadros. Para galgar posições, o diplomata tem Os testes da moda incluem exames de conhecimento geral, entrevistas, dinâmicas de grupo, avaliações emocionais, laudos psicológicas e até checagem de informações sobre o candidato com parentes e ex-colegas de trabalho. “No papel, a pessoal pode ser ótima, qualificada para desempenhar a função e competente. Mas e se, na prática, não souber executar o que prometeu?”, provoca Pérola Lucente, coordenadora de recrutamento de seleção da Manager, uma das maiores consultorias em recursos humanos do país. (LP) DAD SQUARISI É EDITORA DE OPINIÃO