NÃO PODE SER… Por vezes vivemos a maior aventura sem sair de nossa casa. Mais propriamente da casa dos nossos avós. Vou para lá todos os verões e por muito que me esforce a fazer o que quer que seja, nunca consigo encontrar nada realmente divertido para fazer, nem ajudar os meus avós, nem andar a mexericar nos álbuns de fotografias deles para ver como eles, eu e todo o resto da minha família eramos quando crianças, nem ver televisão,… enfim é sempre uma verdadeira pasmaceira. Mas este ano foi diferente… à pois foi, e ainda bem… Este verão reparei que ainda não tinha explorado uma parte da casa… o sótão. A princípio os meus avós não me quiseram deixar entrar lá, arranjavam mil e uma desculpas para eu não ir aquele lugar como «ai filha não vás, esta tudo sujo e desarrumado!» ou «ó querida, aquilo está uma bagunça, vais cair e magoar-te!» ou ainda «não, não, não… há coisas mais divertidas para fazer, sem ser ires mexer naquilo lá em cima». Sempre me pareceu que estavam a esconder alguma coisa de mim. Até que um dia, finalmente, eu consegui entrar lá no momento em que eles estavam a fazer a sesta. Subi e aquilo, realmente estava uma confusão. Para facilitar a vida aos meus avós comecei a arrumar tudo o que ali estava. Fui buscar sacos ao armário cá de baixo para colocar tudo dentro deles. Estranhamente, a maior parte das coisas eram papéis muito antigos, alguns até parecidos com papiros egípcios, com desenhos estranhos e cadernos escritos e velhos e rasgados e amarrotados… De início não dei muita importância a tudo aquilo, até que me lembrei das atitudes que os meus avós tomavam quando eu falava do sótão. Então, tirei tudo dos sacos outra vez e comecei a ver tudo, um por um, e a separar papiros de cadernos, folhas de sacos, … Como já estava a demorar muito e os meus avós não tardavam a acordar, desci de lá e fechei o alçapão de acesso. Fui sentar-me na poltrona velha como se tivesse estado sentada o tempo todo, para que eles não descobrissem que eu estive na parte de cima da casa. Fiz isto vezes sem conta, dia após dia, sempre enquanto os pais dos meus pais dormiam. Demorei algumas semanas a separar e a catalogar tudo, mas consegui acabar. Foi então que comecei por ler umas espécies de diários velhos que lá estavam. Assim que li o primeiro não podia acreditar no que tinha acabado de ver… O meu bisavô tinha sido um dos exploradores mais conhecidos a descobrir toda a história do antigo Egipto! Ele tinha estado nas pirâmides, feito escavações, lido símbolos egípcios… Por isso é que, no sótão, existiam aqueles papiros velhos com desenhos estranhos… Mal conseguia acreditar… O que mais me espantava era porque é que o meu avô e a minha avó me tinham escondido isto, mesmo sabendo que eu gostava de conhecer o meu passado, a minha família! Era verdadeiramente estranho… «Tenho que falar com eles, tenho que saber o que se passa, porque é que me escondiam isto, mas como? Se eles descobrem que eu estive aqui estou feita! Não quero saber vou perguntar! Mas primeiro, vou ver tudo aquilo que aqui está!» Li todos os livros, todas as folhas, todos os papiros com a ajuda de “guias de língua egípcia” que o meu bisavô tinha lá, tudo, tudo, tudo… fiquei a saber mais do que alguma vez tinha aprendido na escola… Até que, bem escondida estava uma pequena caixa, em bom estado e, na tampa estava escrito «Para a minha pequena Mira. Sabes que te adoro um beijo, bisavô Max.». Não podia acreditar, era para mim! Será que quando eu era bebé ainda estive com ele? Tinha um pressentimento que todas as repostas que queria estavam naquela caixa. «Agora é que vou mesmo falar com eles!» Desci com a caixa apertada contra o peito. Tinha o meu coração a bater mais que nunca… sentia-me ansiosa e ao mesmo tempo com receio do que os meus avós fossem fazer. Esperei que acordassem para falar com eles. – Então querida que cara é essa? – Porque é que nunca me contaram? E porque é que mo escondiam? – Mas do que é que estás a falar? – Daquilo! – disse apontando para a caixa. – Tu foste ao sótão? Nós não te dissemos para não ires para … – disse o meu avô, visivelmente irritado. – Esquece, não adianta agora! Se ela a encontrou é melhor contar! – disse a minha avó acalmando-o. – De certeza? – Sim! Bom, minha querida, a tua mãe pediu para nunca te contarmos isto, mas já que descobriste sozinha, embora contrariando as nossas ordens, vamos dizer-to. Bem, a verdade é que tu já estiveste no Egipto. O teu bisavô, como já constataste era explorador. Ele adorava a tua mãe. Levava-a muitas vezes para lá quando ela era apenas uma criança. Também conheceu o teu pai lá. – O meu pai é egípcio? – Não, não! Ele também era neto de um dos amigos exploradores do Max. Apaixonaram-se e casaram-se lá. Quando tu nasceste, ele gostou ainda mais de ti, por isso levava-te de vez em quando com ele nas suas viagens. Até te batizaram lá. Alguns meses depois do teu batismo o meu pai deixou aqui esta caixa a dizer que era para ti e que queria, quando fosses grande o suficiente, que te fosse entregue e disse que tu depois saberias o que fazer com ela. Também nos deixou isto – disse mostrando um colar com uma espécie de frasquinho em miniatura com areia lá dentro. – Disse que era a tua alma com a dele juntas, e mais umas coisas que não faziam sentido sobre histórias egípcias desse colar… disse que se algum dia lesses o que ele tinha no sótão e na caixa irias perceber… – falou enquanto mo entregou. – Pois percebo. Já o li. Na antiguidade achava-se que quando se batizava alguém num lago com um nome esquisito, que ao secar alguma areia retirada no momento do batismo poderia representar a sua alma e … – estava eu a explicar. – Sim, sim … poupa-nos por favor… és igual a ele, fogo! – disse o meu avô. – Bom já que sabes tudo isso, acho melhor veres o que está ai dentro e decidires o que fazer com isso – declarou a minha avó. – Só tenho uma pergunta… o Max ainda está vivo algures no Egipto não está? Eles ficaram pálidos que nem fantasmas. Parecia que isso era estranho e absurdo para eles. – Minha querida, eu não sei nada sobre ele desde há dezoito anos. Mas acho que o que procuras está dentro da caixa. Foram embora. Ficou um grande silêncio na sala. Depois de algum tempo imóvel decidi abri-la. Dentro apenas estava o meu velho peluche e um bilhete escrito pelo meu bisavô que dizia «Minha querida, quando abrires vais descobrir que a tua história e a tua vida estão no Egipto. Se te decidires a abandonar a tua vida aí e vir até ao Egipto para saberes quem és, anda, não deixes ninguém te impedir. Um beijo. Max» Não foi preciso mais. Cheguei a casa, disse o que se tinha passado e que ia fazer a minha mãe. Ela só disse «Eu vou contigo, quero saber porque é que ele desapareceu e nunca mais disse nada.». Fizemos as malas e partimos. Inês Sousa Castro, 9.º ano, Escalão C (Prosa) – Menção Honrosa Escola Básica e Secundária Padre António Morais da Fonseca