Dom Luciano, parece que foi ontem!
Publicada: 08/04/2009 – Jornal da Cidade - Aracaju
Texto: Fernando Monteiro (Economista e Advogado)
Tem sido inevitável, nos últimos anos. A aproximação das celebrações cristãs
relativas à Semana Santa traz-me à mente o extraordinário orador que foi, enquanto a
saúde permitiu, o segundo Arcebispo Metropolitano de Aracaju, Dom Luciano José Cabral
Duarte, ainda hoje Arcebispo Emérito de nossa Arquidiocese.
Dono de uma cultura extremamente vasta, chamou a atenção dos sergipanos desde
muito cedo, como atestam as crônicas que escreveu para a revista “O Cruzeiro”, dando o
tom da cobertura jornalística do Concílio Vaticano II, aberto pelo Papa João XXIII, em 11
de outubro de 1962, festa da Maternidade de Nossa Senhora. Mesmo antes, a capacidade
intelectual já lhe era uma marca, haja vista o doutoramento com grau máximo, no ano de
1957, em Sorbonne, com a tese “A natureza da inteligência no Tomismo e na filosofia de
Hume”.
Não é, entretanto, desse conjunto de talentos, embora haja alguma relação com ele,
que intenciono falar neste breve texto. O que me faz recordar a sua grandeza, a propósito
do momento, é a extraordinária oratória que encantava pobres e ricos, leigos e intelectuais,
cristãos ou não.
Quem o ouviu não consegue esquecer-se da força do Sermão das Sete Palavras, que
se insere, não sei se em todas as Dioceses, nas celebrações litúrgicas da Igreja Católica, na
Sexta-Feira Santa.
Trata-se de uma rica reflexão a partir das sete últimas palavras, na verdade as
últimas sete elocuções, de Nosso Senhor Jesus Cristo, já pregado na cruz. Prestes a cumprir
a sua missão terrena, como homem-Deus, na perspectiva de salvação de toda a
humanidade, Cristo bradou, em meio ao torpor de um corpo e de um espírito dilacerados:
“Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem” (Lc 23,34); “Em verdade, eu te digo, hoje
estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43); “Mulher, eis teu filho. Filho, eis tua mãe” (Jo
19,26-27); “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27, 46); “Tenho sede!”
(Jo 19,28); “Tudo está consumado!” (Jo 19,30); e, finalmente, “Pai, em tuas mãos entrego
o meu espírito” (Lc 23,46).
Na arena de um Batistão lotado, por volta das 20 horas, após a Via Sacra e antes da
procissão que conduzia o Senhor Morto até a Catedral, ano após ano Dom Luciano
assumia o púlpito para proferir o Sermão das Sete Palavras. Com o extraordinário dom de
orador que possuía, sem afetações, sem gritos estridentes, sem gestos largos, o nosso
Arcebispo Emérito cativava a todos. Eram 25 a 30 minutos de absoluto silêncio, em que
uma verdadeira aula era ministrada: um conteúdo misto de Religião, de História, de Língua
Portuguesa e de vivência da fé.
O que mais impressionava naquele homem culto, também rico em erudição, era que
se fazia compreender pelo mais simplório daqueles ali presentes. Tratava o tema com uma
didática exemplar, falando mansa e pausadamente dos últimos momentos de Cristo na
cruz. Inseria nas reflexões teológicas ricas imagens de uma Jerusalém que ele conhecia,
tornando o breve discurso doce aos ouvidos mais amargos. Era tão convincente que parecia
ter sido ele, como João, o discípulo amado, uma testemunha ocular e auricular de toda a
cena. Falava com o coração e atingia em cheio os corações dos fiéis, sem sobressaltos, sem
a grosseria estilística de tantos oradores de hoje.
Quanta saudade dessa metade de hora, que se repetiu por tantos anos, depois já no
átrio da própria Catedral. Nos últimos sermões proferidos, com o declínio da saúde, ainda
assim um sopro do Espírito Santo era lançado aos fiéis ouvintes. Mais uma Páscoa é
vivenciada neste momento e, Dom Luciano, parece que foi ontem que eu me encontrava
hipnotizado a escutá-lo.
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Dom Luciano, parece que foi ontem!