ISSN 2178-4507 LFNATEC Publicação Técnica do Laboratório de Física Nuclear Aplicada Volume 14, Número 01 Julho de 2010 - 1ª Edição Londrina - Paraná LFNATEC - Publicação Técnica do Laboratório de Física Nuclear Aplicada ISSN 2178-4507 COMISSÃO EDITORIAL (LFNA- UEL) Prof. Dr. Carlos Roberto Appoloni Prof. Dr. Otávio Portezan Filho Prof. Dr. Avacir Casanova Andrello Prof. Dr. Paulo Sérgio Parreira APOIO TÉCNICO: Msc. Fábio Lopes ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO Camila Veiga Eduardo Galliano APLICAÇÕES DO ESPALHAMENTO COMPTON DE RAIOS GAMA CORRESPONDÊNCIA EMERSON M. BOLDO e CARLOS R. APPOLONI EDITORAÇÃO WEB LABORATÓRIO DE FÍSICA NUCLEAR APLICADA Departamento de Física Centro de Ciências Exatas Universidade Estadual de Londrina CEP 86055 - 900 Caixa Postal 6001 Londrina – Paraná Universidade Estadual de Londrina, CCE, Departamento de Física, C.P 6001, CEP 86051-990, Londrina, Brasil. 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São apresentados os princípios teóricos fundamentais da metodologia bem como os resultados publicados em um grande número de trabalhos, montando uma visão geral das condições de aplicabilidade e desempenho da técnica. PALAVRAS CHAVE: Avaliação não destrutiva, Espalhamento Compton, Contraste Densidade, Tomografia Compton. ABSTRACT: The purpose of the present review is to outline, on the basis of published papers about the subject, the applications of the gamma ray Compton scattering technique in nondestructive testing, material characterization and non-invasive imaging in several fields where this type of analysis is essential. The basic theoretical principles of the methodology and the results published in a large number of works are presented, creating an overview of the conditions of applicability and performance of the technique. KEY WORDS: Nondestructive examination, Compton scattering, Density contrast, Compton scattering imaging. iv Sumário 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 1 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .......................................................................................................... 1 3. ESPALHAMENTO COMPTON DE RAIOS GAMA EM MATERIAIS ....................................................... 8 3.1 CONCRETO .................................................................................................................................... 8 3.2 METAIS.......................................................................................................................................... 9 3.3 MADEIRA .....................................................................................................................................14 3.4 MATERIAIS COMPOSTOS ..............................................................................................................14 4. DEFESA E SEGURANÇA ...................................................................................................................18 5. CARACTERIZAÇÃO DE FLUXO E REGISTRO DE DENSIDADE EM POÇOS ...........................................21 6. SOLOS E AGRICULTURA .................................................................................................................25 7. MEDICINA ......................................................................................................................................27 7.1 DENSITOMETRIA ....................................................................................................................27 7.1.1 Método Razão Rayleigh/Compton .........................................................................................30 7.1.2 Método Duas Fontes .............................................................................................................33 7.2 IMAGEAMENTO 2D E 3D ..............................................................................................................35 8. OUTRAS APLICAÇÕES .....................................................................................................................41 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................43 10. REFERÊNCIAS .............................................................................................................................44 1 1. INTRODUÇÃO As radiações ionizantes com os raios-X e gama, são largamente aplicadas nos mais variados testes não destrutivos e em imageamento em 2 e 3 dimensões com base na detecção de variações de densidade. Em particular, a técnica do espalhamento Compton tem se mostrado adequada para essas aplicações e já é usada em várias áreas de interesse obtendo excelentes resultados. Na área industrial, onde os testes não destrutivos são de extrema importância, o espalhamento Compton tem sido utilizado como técnica de inspeção não invasiva para detecção de falhas e irregularidades em estruturas, apresentando vantagens em relação a outras técnicas por permitir o exame in situ de estruturas espessas e com irregularidades superficiais. Na medicina, ela tem sido empregada para o estudo de variações de densidade em ossos, tecidos moles e órgãos, objetivando o diagnóstico precoce de patologias como o câncer e a osteoporose. Ainda nesta área, o imageamento Compton produz imagens em 2 e 3 dimensões que permitem exames morfológicos quantitativos de órgãos vivos como pulmões, cérebro, rins, etc. Na agricultura, parâmetros fundamentais para a otimização do solo como a compactação e teor de umidade podem ser monitorados utilizando espalhamento Compton. Em arqueometria a técnica pode ser empregada para localização de rachaduras internas em cerâmicas e afrescos auxiliando em trabalhos de manutenção e restauração de material histórico. Neste artigo, as várias abordagens de utilização da técnica de espalhamento Compton para mapear variações de densidade eletrônica em materiais serão discutidas com o objetivo de construir um panorama geral dos recentes progressos na área. Daremos ênfase ao uso da técnica empregando radiação gama, visto que esta possui maior abrangência de aplicações, já que o uso de raios-X em geral está restrito a materiais de baixa densidade por possuir baixo poder de penetração. A técnica de espalhamento é baseada no princípio físico da interação inelástica entre os fótons gama e os elétrons presentes na matéria, princípio este descoberto por Arthur H. Compton em 1923 (COMPTON, 1923). 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA No intervalo de energia que abrange a maioria das transições nucleares, isto é, entre 0,01 até 10 MeV, um feixe incidente interage com a matéria através de três principais processos: espalhamento (coerente ou incoerente), efeito fotoelétrico e produção de pares. No efeito fotoelétrico, o fóton incidente é totalmente absorvido por um elétron, o qual é ejetado do átomo com energia cinética correspondente a diferença entre a energia do fóton e a energia de ligação do elétron. Esta forma de interação é predominante no intervalo de baixas energias (até 200 keV). Acima do limiar de 1,022 MeV a produção de pares começa a ocorrer. Neste processo o fóton incidente interage com o intenso campo elétrico do núcleo atômico e se converte num par elétron-pósitron. À medida que a energia do fóton incidente cresce acima do limiar, a produção de pares torna-se o processo dominante. Interações via 2 espalhamento coerente entre fóton incidente e elétron orbital, somente alteram a direção do fóton sem que este perca energia. Esta interação só possui probabilidade significativa para elementos pesados sendo atingidos por fótons de baixa energia e, além disso, os ângulos de espalhamento são pequenos. Por fim, no intervalo de energia entre 200 keV até 5 MeV, dependendo do material alvo, o espalhamento incoerente, mais conhecido como espalhamento Compton, é o processo dominante. Nesta interação o fóton incidente choca-se inelasticamente com o elétron orbital, perdendo parte de sua energia e sendo espalhado dentro de um ângulo sólido dΩ. Devido a energia do fóton incidente ser muito maior do que as energias típicas de ligação elétron-átomo, o elétron é considerado livre e em repouso. Com a energia cedida pelo fóton, o elétron é ejetado do átomo numa direção resultante da conservação de energia e momento relativísticos durante a colisão. A figura 01 mostra um esquema do processo. Fig. 01 – Esquema do processo de espalhamento Compton. A partir da condição de conservação de energia e momento, é possível obter a seguinte relação entre a energia do fóton incidente e espalhado: (1) onde h’ é a energia do fóton defletido, θ é o ângulo entre a direção de incidência e a direção do espalhamento e m0c2 é a energia de repouso do elétron com valor igual a 511 keV. O elétron de recuo, que é ejetado com energia E = h - h’ é rapidamente reabsorvido por processos de ionização e excitação. A probabilidade de ocorrência dos três processos de interação é influenciada pela energia do fóton incidente, mas também há uma dependência em relação ao número atômico do material alvo. A 3 figura 02 mostra as regiões de dominância de cada interação em função de Z e da energia h da radiação incidente. Fig. 02 – Regiões de domínio das três principais interações com raios gama e a matéria. As linhas indicam os valores de Z e h que são coincidentes para processos vizinhos (extraído de EVANS, 1972). Observando a figura 02 podemos perceber que para o intervalo de energia entre 60 keV e 1,33 MeV, que abrange a maioria dos radioisótopos mais comuns disponíveis comercialmente, o modo de interação predominante é o efeito Compton para materiais tão distintos como solo, metais, tecidos humanos, etc. considerando suas composições químicas. Isso mostra a relevância deste princípio físico para ser utilizado como técnica de caracterização. Os processos de interação da radiação gama citados, promovem uma atenuação do feixe incidente quando este atravessa a matéria. Esta atenuação é exponencial de acordo com: (2) onde I é a intensidade do feixe após atravessar uma distancia x do material, I0 é a intensidade do feixe incidente, e é o coeficiente de atenuação linear. No coeficiente de atenuação linear estão presentes as contribuições dos três principais processos. Sendo assim ele é dado por: (3) onde ef, C e pp são os coeficientes de atenuação devido ao efeito fotoelétrico, ao efeito Compton e a produção de pares respectivamente. Valores tabelados de para vários elementos e energias podem ser encontrados na literatura (HUBBEL e SELTZER, 1995). Uma alternativa conveniente ao cálculo manual usando esses valores tabelados é a geração de valores de atenuação através d computador. Para esse propósito, BERGER et. al. (BERGER, et. al. 1998), desenvolveram o programa XCOM para o cálculo de coeficientes de atenuação e seções de choque para qualquer elemento, composto ou mistura 4 para valores de energia entre 1 keV a 100 GeV. Posteriormente, o XCOM foi portado para a plataforma Windows por GEWARD e colaboradores, passando a se chamar WinXCon (GEWARD, et. al. 2004). A figura 03 mostra a variação em função da energia, dos coeficientes de atenuação do efeito Compton, o espalhamento elástico e o efeito fotoelétrico de dois materiais representativos para esse artigo: músculos e concreto. No intervalo de energia entre 50 keV e 1,5 MeV, a seção de choque dominante que contribui para a atenuação do feixe incidente é a da interação Compton ( C Z ) e não a seção de choque do efeito fotoelétrico (ef Z4-5 ) a qual é comparável com a seção de choque do espalhamento elástico (el Z2-3 ). Devido a esta dominância do espalhamento sobre o processo de absorção há vantagens na aplicação do espalhamento frente às técnicas de transmissão para esta grande faixa de energia. Fig. 03 – Coeficientes de atenuação de massa do efeito Compton, espalhamento elástico e efeito fotoelétrico para (a) músculos e (b) concreto, em função da energia (extraído de HOLT, et. al., 1984). Podemos escrever o coeficiente de atenuação em função das seções de choque de cada interação como segue: (4) 5 onde: N é o número de átomos do material por m3, Z é seu número atômico e ef, pp e C são as seções de choque para o efeito fotoelétrico, a produção de pares e o efeito Compton respectivamente. A seção de choque diferencial por elétron do efeito Compton para uma radiação incidente não polarizada, é dada pela equação de Klein-Nishina (COOPER, 2004): (5) onde: r0 é o raio clássico do elétron, m; e é a razão entre a energia do fóton incidente e a energia de repouso do elétron. Valores de seção de choque experimentais e teóricos para vários elementos e energias incidentes podem ser encontrados na literatura (HUBBELL, 1969, SHAHI, et. al., 2001). A equação 5 sugere que o número de fótons espalhados por unidade de ângulo sólido varia com a energia do fóton incidente. Isto pode ser visto na figura 04 que mostra o comportamento da seção de choque diferencial por elétron para energias incidentes entre 10 keV e 10 MeV. Para baixas energias (limite clássico) a seção de choque é simétrica em torno de 90:, indicando igual probabilidade de os fótons serem espalhados para frente ou para trás após a colisão com o elétron. Porém, para energias acima de 200 keV, a seção de choque torna-se fortemente assimétrica sendo que a região de retroespalhamento é praticamente plana. Fig. 04 – Seção de choque diferencial Compton por elétron para energias incidentes de 10 keV, 100 keV, 200 keV, 1 MeV e 10 MeV (extraído de ASA’D, et. al., 1997). 6 O número de fótons espalhados por interação Compton também depende da densidade eletrônica do material alvo. A densidade eletrônica, ou seja, o número de elétrons por cm3 é dada por: (6) onde: é a densidade do material (g/cm3), NA é o número de Avogadro, Z o número atômico e A o peso atômico. Para materiais com baixo número atômico, (Z/A) 1/2 (exceto hidrogênio e materiais hidrogenóides), então a equação (6) pode ser escrita como: (7) ou seja ρe é diretamente proporcional a ρ. Acrescentando a atenuação que o feixe sofre na sua viajem a partir da fonte, atravessando o material até o voxel espalhador localizado numa posição x dentro do material e depois voltando ao detector, podemos escrever a seguinte equação que fornece o número de fótons espalhados que realmente são detectados no detector: (8) onde: I0(E) é a intensidade do feixe incidente com energia E; t é o tempo em segundos do período de contagem; є é a eficiência do detector para a energia do fóton espalhado; x1 e x2 são os caminhos percorridos dentro do material pelos fótons incidentes e espalhados; 1 e 2 são coeficientes de atenuação linear para os respectivos caminhos percorridos; e é a densidade eletrônica do material (eq. 6); é a seção de choque diferencial por elétron do efeito Compton (eq. 5); dΩ é o ângulo diferencial relacionado com a seção de choque; dV é o volume diferencial inspecionado, definido pela sobreposição dos ângulos sólidos da colimação de feixe e detector. M é a componente de múltiplos espalhamentos. Se o volume inspecionado é suficientemente pequeno, podemos substituir as variáveis na equação 8 por seus valores centrais, omitindo assim as integrais. Para medidas superficiais o fator de 7 múltiplos espalhamentos também pode ser negligenciado, tornando esta equação que fornece o número de espalhamentos únicos uma forma simples de se determinar a densidade eletrônica do material. A figura 05 ilustra esquematicamente um arranjo experimental para realização da técnica de retroespalhamento Compton numa configuração típica. Fonte e detector devem estar bem colimados para se obter uma boa resolução espacial, porém isso pode resultar numa baixa contagem forçando o aumento do tempo de coleta de dados. A colimação também auxilia na redução do background proveniente de fótons que sofreram espalhamento múltiplo. Estes parâmetros, portanto, devem ser ponderados na otimização do experimento. Outro fator importante é o ângulo entre a fonte e o detector, que também determina ao tamanho e forma do volume inspecionado o que influencia a intensidade do feixe retroespalhado (BALOGUM, 1999). A fonte utilizada também deve ser escolhida visando à otimização do experimento. Fontes de alta energia emitem fótons que penetram mais profundamente na matéria visto que a coeficiente de atenuação linear decresce com o aumento da energia. No entanto, a probabilidade do retroespalhamento acontecer diminui com o aumento da energia para um dado ângulo conforme estabelecido pela relação de Klein-Nishina (eq. 05). A intensidade do fluxo de fótons proveniente da fonte deve ser alta, já que o número de fótons espalhados é diretamente proporcional ao fluxo como visto na equação 8. Uma vez que esses parâmetros estejam definidos no arranjo experimental, a intensidade do feixe retroespalhado vai depender somente da densidade eletrônica do material contido no voxel inspecionado. Fig. 05 – Diagrama de um experimento de retroespalhamento Compton típico, a intercessão dos ângulos sólidos da fonte e detector define e volume de inspeção onde os espalhamentos únicos podem ocorrer (extraído de ASA’D, et. al., 1997). 8 3. ESPALHAMENTO COMPTON DE RAIOS GAMA EM MATERIAIS 3.1 CONCRETO Um dos principais fatores que influenciam a resistência do concreto é a fração de ar que fica presa nos poros que se formam após o endurecimento. Isso também afeta sua durabilidade, visto que a maior parte dos processos de degradação são controlados pela taxa de penetração da umidade no concreto (BEER, et. al., 2005). As propriedades de transporte de fluídos no interior do concreto são influenciadas pela quantidade e grau de interconectividade dos poros presentes na estrutura. Portanto conhecer informações sobre a densidade do concreto por meio de uma técnica não destrutiva é de grande interesse. O retroespalhamento de raios gama é uma das técnicas adequadas para este fim. Algumas agências governamentais provêm normas para testar o concreto por espalhamento Compton (ASTM C 1040-93, 2001). Neste tipo de aplicação a técnica mede apenas a densidade média da região do concreto inspecionada pelo feixe de raios gama (ADIL, 1977). Apesar da técnica apresentar pouca penetração e ser muito sensível a presença de barras de reforço no concreto, variadas aplicações estão sendo investigadas e têm sido propostas com bastante sucesso como veremos nos trabalhos citados a seguir. A primeira aplicação do espalhamento Compton na inspeção de concreto foi realizada por GAUTAN e colaboradores (GAUTAM, et. al., 1983). Utilizando uma fonte de 192 Ir e um detector de NaI, ambos colimados, eles localizaram barras de ferro com diâmetros entre 0,95 a 2,5 cm colocadas num bloco de concreto a 3,7 cm de profundidade. Outro experimento neste mesmo trabalho foi realizado para detectar vazios com 1,5 cm de diâmetro de forma cilíndrica produzidos artificialmente no concreto também a 3,7 cm de profundidade. Em ambos os experimentos, realizados com uma geometria de espalhamento de 90:, o contaste de densidade das interfaces ferro/concreto e ar/concreto foi detectado com sucesso nos espectros de contagens versus posição do volume inspecionado, mostrado bom acordo com os resultados de simulação. Empregando uma fonte de 60Co, HILL e PEAK (HILL e PEAK, 1987) também obtiveram sucesso em medir variações de densidade relativa ao longo de um plano perpendicular à amostra, para descriminar entre vazios, falhas e inclusões. Trabalho semelhante foi realizado por TUZI e SATO (TUZI e SATO, 1989, 1990). Neste estudo foram utilizadas fontes raios gama de 57Co e 133 Ba que incidiam perpendicularmente à amostra sendo que o feixe retroespalhado era detectado por um cintilador de NaI localizado a 135: em relação a direção do feixe incidente. Dos espectros de contagens versus posição da amostra foi possível determinar a posição, espaçamento, tamanho e profundidade de três barras de ferro localizados a 3 cm a partir da superfície de um bloco de concreto. Foi detectada uma influência da qualidade do concreto nos resultados. Concretos menos homogêneos e mais porosos induziram maior variabilidade no valor das contagens. Posteriormente os mesmos autores realizaram comparações entre os resultados 9 experimentais e teóricos obtidos com simulação de Monte Carlo obtendo boa concordância entre os mesmos (TUZI e SATO, 1992, 1993). HUSSEIN e WHYNOT também estudaram a aplicabilidade do retroespalhamento Compton para localização espacial de barras de aço e vazios em concreto (HUSSEIN e WHYNOT, 1989). Neste trabalho, uma fonte colimada de 137Cs (300mCi) foi utilizada incidindo seu feixe a um ângulo fixo de 45 sobre a amostra. Diferentes ângulos de espalhamento foram testados com o objetivo de otimizar a resposta do detector de NaI. Verificou-se que o ângulo de espalhamento ótimo, depende da profundidade do volume inspecionado a partir da superfície do bloco de concreto. À medida que a profundidade cresce o ângulo de espalhamento deve ser maior para encurtar o caminho do feixe espalhado dentro da amostra reduzindo assim sua atenuação. A resolução espacial para a detecção do aço e espaços vazios foi estimada em 5 e 10 mm respectivamente. Mais recentemente a mesma resolução espacial foi reportada por SHIVARAMU (SHIVARAMU, 2006) empregando um feixe de igual energia (662 keV) da fonte de 137Cs numa geometria de 90:, porém agora utilizando um detector plano de HPGe. Com uma precisão estatística melhor de 0,1%, um contraste de densidade entre materiais de 0,5% pode ser detectado. SHIVARAMU também já utilizou a técnica de espalhamento gama para a determinação de teor de umidade em concreto feito com pedra calcária (limestone) (SHIVARAMU, et al., 2002). Apesar do ambiente alcalino proporcionado pelo concreto proteger as barras de reforço contra a corrosão (GHORBANPOOR e BENISH, 2003), uma porosidade elevada pode permitir que ar e umidade entrem em contado com o metal provocando o defeito. O aumento da área corroída introduz pontos de pressão no concreto que são uma das causas de rachaduras na estrutura. Neste sentido investigou-se a presença de corrosão em barras de aço inoxidável (SEKINE, et. al., 1992) e de aço doce (mild steel) (SHIVARAMU, 2004) ocultas em concreto e argamassa, através da diferença entre a intensidade espalhada proveniente do metal com e sem corrosão. Verificou-se que esta diferença decresce e torna-se irregular em função de dois fatores: 1) o tipo de matriz e sua espessura e 2) a forma da inclusão de aço dentro da matriz. 3.2 METAIS Ainda na década de 70 surgiram os primeiros trabalhos reportando a utilização do espalhamento Compton de raios gama para detecção de defeitos escondidos sob a superfície metálica (ARKHIPOV, et. al., 1975; 1976; BUKSHPAN, et. al., 1975). Essas aplicações foram aperfeiçoadas juntamente com o desenvolvimento das técnicas de NDT. Um bom exemplo é o trabalho de FOOKES e colaboradores (FOOKES, et. al., 1978) que utilizaram o espalhamento Compton para a localização de pontos danificados por termite em dormentes metálicos de linhas férreas. O sistema desenvolvido era capaz de realizar uma varredura contínua sobre os trilhos e as variações da intensidade espalhada do feixe proveniente de uma fonte de 137 Cs, indicava os pontos com defeito. O limite de detecção da 10 termite dependia da velocidade de varredura, sendo de aproximadamente 8% para 10,7 km/h e 5% para 2,7 km/h. Um pouco mais tarde MULLIN e HUSSEIN (MULLIN e HUSSEIN, 1994), inspirados no trabalho de HOLT e COOPER (HOLT e COOPER, 1987; 1988), utilizaram o espalhamento Compton para detectar defeitos no interior de blocos de alumínio. Empregando um sistema composto por uma fonte colimada de 60Co e um detector de HPGe, este sem colimação, os autores conseguiram detectar defeitos com 5 mm de diâmetro com razoável resolução espacial. Um método de interpretação dos espectros de contagens versus energia teve que ser desenvolvido, visto que o uso de um detector não colimado visando o aumento das contagens da radiação espalhada aniquila a resolução espacial proporcionada por um volume de inspeção bem definido. A detecção de defeitos incorporados em outros metais como cobre e aço inoxidável utilizando uma fonte de 241 Am (59.54 keV) também já foi reportada (SHIVARAMU e RAMPRASATH, 1996). Nos espectros de intensidade versus posição a localização dos defeitos pôde ser diretamente percebida pelos mínimos de contagem, sendo que estes se mostraram diretamente proporcionais ao volume do defeito. ANJOS e colaboradores (ANJOS, et. al., 1989) inspecionaram blocos de alumínio visando a localização de defeitos superficiais. Com uma colimação apropriada que reduz o tamanho do volume inspecionado e para o caso da inspeção de superfície, na equação 8 temos x1 = 0, x2 = 0 e M 0, tornando-se: (9) onde: C é uma constante que inclui o ângulo sólido, a eficiência do detector e a seção de choque diferencial por elétron; I0(E) é a intensidade do feixe incidente; t é o tempo em segundos do período de contagem; e é a densidade eletrônica do material e V é o volume inspecionado composto pelas interseções dos ângulos sólidos da fonte e detector devidamente colimados. Usando uma fonte de 137Cs em conjunto com um detector de NaI(Tl) com dimensões 2 in x 2 in, o sistema desenvolvido por eles foi capaz de detectar defeitos maiores que 1,6mm na superfície de alumínio. Outros trabalhos para localização de defeitos, vazios ou variações de densidade em metais podem ser citados. HALL e JACOBY (HALL e JACOBY, 1992), conseguiram uma resolução espacial de 0,25mm na localização de vazios posicionados 2 cm abaixo da superfície de ferro. Uma investigação sobre a atenuação do feixe retroespalhado de uma fonte de 137 Cs incidindo sobre uma matriz de alumínio, contendo cilindros de chumbo e cobre, foi realizada por BALOGUN e SPYROU (BALOGUN e SPYROU, 1993). Com o arranjo experimental proposto no trabalho, concluiu-se que o material da inclusão deve possuir densidade eletrônica 60% maior ou menor que a matriz de alumínio para ser 11 detectável. THOE (THOE, 1993a; 1993b; 1994; 1995; 1996) introduziu um sistema de detecção de defeitos em metais que usa um detector de HPGe com excelente resolução em energia e uma fonte de 137 Cs, diminuindo consideravelmente o uso de colimação e conseguindo distinguir defeitos de 1 mm numa profundidade de 25 mm em aço de densidade normal, embora o tempo de aquisição de um espectro típico fosse de elevados 300 minutos. Mais recentemente THANGAVELU e HUSSEIN (THANGAVELU e HUSSEIN, 2007) demonstraram conceitualmente que a detecção dos fótons espalhados pela técnica de Abertura Codificada (coded aperture imaging) pode ser utilizada para a localização de defeitos em metais. Através de dados independentes obtidos por simulação de Monte Carlo, com um feixe colimado de 2 mm de largura proveniente de uma fonte de 137Cs, os autores localizaram falhas de 1,5 mm em blocos de alumínio. Mudanças no tamanho da falha, posição, densidade e a presença de múltiplas falhas foram detectadas. Partindo para uma abordagem teórica um pouco diferente, ANGHAIE et. al. (ANGHAIE et. al., 1990a; 1990b) apresentaram uma técnica de espectroscopia diferencial por retroespalhamento gama para detecção, mensuração e localização de falhas em estruturas metálicas. Nesta técnica, o espectro de energia de uma amostra contendo uma falha é subtraído de outro espectro proveniente de uma amostra de referência isenta de falhas. Ambos os espectros são construídos usando-se a relação entre o ângulo de espalhamento e a energia do fóton espalhado que caracteriza o espalhamento Compton (eq. 01). O espectro diferencial resultante provê informações que caracterizam a falha. No trabalho foi utilizada uma fonte colimada de 137Cs em conjunto com um detector de HPGe e falhas simuladas de 0,75 cm de diâmetro dispostas em várias posições dentro de um cilindro de alumínio foram localizadas e mensuradas com sucesso. ANGHAIE e HUMPHRIES (ANGHAIE e HUMPHRIES, 1989) reportaram a aplicação da técnica diferencial no monitoramente da qualidade de tubos metálicos em plantas nucleares, utilizando o mesmo conjunto formado por uma fonte de 137 Cs e um detector de HPGe. A metodologia também foi promovida por PRETTYMAN e colaboradores (PRETTYMAN, et. al., 1993) que combinaram espalhamento Compton com transmissão gama para o imageamento de inclusões em peças metálicas industriais utilizando simulações de Monte Carlo. A técnica de espectroscopia diferencial por retroespalhamento gama também foi utilizada por ARENDTSZ e HUSSEIN (ARENDTSZ e HUSSEIN, 1995a; 1995b) para o imageamento de inclusões de alumínio e cavidades em blocos de lucite. As medidas experimentais dos fótons espalhados provenientes de uma fonte de 137 Cs, foram obtidas em três posições associadas aos ângulos de espalhamento de 53:, 68: e 88: com um detector de HPGe. As imagens reconstruídas a partir dos espectros de energia foram consideradas satisfatórias. Uma forma simplificada de espectroscopia diferencial foi utilizada por JAMA et. al. (JAMA, et. al., 1998) para inspecionar descolamento em soldas de latão unindo placas de alumínio. Camadas de solda 12 com quatro diferentes espessuras de 1,5mm, 1,0mm, 0,5mm e 0,25mm foram claramente distinguíveis nos espectros de energia dos fótons espalhados obtidos através de uma fonte de 137Cs (235 mCi) e um detector de HPGe. O descolamento da solda foi visível no espectro diferencial através da queda acentuada do valor da energia correspondente a sua localização. Logo após, JAMA e HUSSEIN (JAMA e HUSSEIN , 1999) estudaram mais detalhadamente os efeitos que influenciam a resolução e a direção do espectro da energia espalhada nesta aplicação em particular, concluindo que a técnica de espectroscopia Compton diferencial fornece informações sobre a localização, tamanho e densidade da falha, sem necessidade de posterior tratamento matemático dos espectros diferenciais de energia. Um modelo para quantificar as informações provenientes dos espectros diferenciais também foi desenvolvido por HO e HUSSEIN (HO e HUSSEIN, 2000). Apesar de corretamente determinar a localização da falha, o modelo proposto tende a sobre-estimar seu tamanho devido à escolha do FWHM dos picos que se apresentam levemente inclinados nos espectros de energia. A perda de densidade provocada pela corrosão em um metal pode ser identificada por espalhamento de raios gama. EVANS, et. al. (EVANS, et. al., 1997; 1998) propôs um sistema de tomografia Compton para detectar focos de corrosão em placas de alumínio com espessura de alguns milímetros. Fazendo um estudo teórico criterioso sobre a degradação do sinal espalhado proveniente de uma fonte de 109Cd, os autores conseguiram um bom contraste nas imagens de amostras que possuíam uma região de 2 mm2 com densidade eletrônica reduzida em 50% para simular a corrosão. Previamente nesta mesma área, foi reportado um trabalho que examinou quantitativamente a aplicabilidade de um dispositivo para a detecção de sinais de corrosão em estruturas metálicas submersas em plataformas de petróleo “offshore” (BRIDGE, 1985; BRIDGE, et. al., 1986). Posteriormente BRIDGE e colaboradores (BRIDGE, 1986; BRIDGE, et. al, 1987; 1989; 1995) testaram experimentalmente o aparato experimental utilizando uma fonte de baixa atividade (133Ba - 356 keV) e um detector de Na(Tl). Pontos de corrosão com 6 mm de diâmetros puderam ser detectados com boa resolução espacial, mesmo nas amostras de aço em que incrustações marinhas superficiais com 10 mm de espessura foram artificialmente simuladas. Uma representação através de gráficos isométricos foi proposta para representar os dados obtidos nos experimentos (BRIDGE, et. al., 1988). Um sistema de teste não destrutivo para lidar com o problema de afinamento por corrosão em tubos metálicos de plantas petrolíferas e nucleares foi projetado por LEE e KENNEY (LEE e KENNEY, 1991) com o objetivo de melhorar a eficiência dos sistemas convencionais de imageamento por retroespalhamento Compton. Usando um detector de larga abertura (NaI), o sistema foi capaz de reconstruir a imagem da superfície interna do tubo sem pós processamento dos dados diminuindo o tempo de varredura. O retroespalhamento Compton também foi utilizado para investigar a corrosão em tubos de aço carbono e Cu-Ni, revestidos com isolante de lã de vidro e uma fina camada de alumínio (ABDUL-MAJID e DAWOUD, 1989; 1992; ABDUL-MAJID, 1993; ABDUL-MAJID e TAYYEB, 2005). Estes 13 tubos são usados em plantas de dessalinização e acomodam fluídos em altas temperaturas. Além da corrosão, esses tubos sofrem com a deposição de sulfato de cálcio (CaSO4) na camada isolante. Investigando o espalhamento de três fontes: 60 Co, 137 Cs e 228 Th, a espessura da camada de CaSO4 e pontos simulados de corrosão puderam ser determinados com sucesso nas condições de operação em que os tubos estão sujeitos. A detecção in situ de corrosão em tubos metálicos usados em ambientes mais agressivos como a circulação de ácido hidroclorídrico (HCl) também já foi reportada (DAWOUD, 1995). A corrosão escondida sob a superfície metálica do casco ou asas de um avião pode causar fadiga estrutural e isso é um problema crítico que deve ser detectado nos estágios iniciais. Através de simulações com um código de Monte Carlo e depois experimentalmente utilizando fontes de 109 241 Am e Cd, foi possível determinar a localização e a natureza dos focos de corrosão com aproximadamente 1 mm cobertos por camadas de alumínio com 1 a 2 mm de espessura, que são medidas típicas das chapas metálicas utilizadas na fabricação de aviões (YACOUT, et. al., 1997). Medidas de espessura de placas de alumínio utilizando o espalhamento de fontes de 60 241 Am e Co foram realizadas por MOHAMMADI (MOHAMMADI, 1981). Comparando os resultados com os obtidos por espalhamento de raios-X e ß (beta), a fonte de 241 Am mostrou-se mais adequada para a densidade do alumínio, sendo que a espessura de saturação devido a atenuação do feixe espalhado para essa fonte foi maior que 0,6 cm. Outra forma de se medir espessuras empregando o retroespalhamento Compton é realizar uma varredura perpendicular e em direção à amostra. À medida que o conjunto fonte-detector se aproxima da amostra o volume de inspeção (voxel) penetra no material aumentando o número de contagens no detector. Com uma colimação apropriada, a altura a meia altura (FWHM) da curva que representa a taxa de contagem em função da distância, pode ser usada para medir a espessura da amostra. Chapas de aço com espessura de até 25 mm foram medidas com precisão entre 5-10% utilizando-se este procedimento (ASA’D, et. al., 1997). Geometrias de retroespalhamento alternativas àquela proposta na figura 05 têm sido propostas para realização de imageamento não destrutivo em metais e outros materiais. É o caso do sistema apresentado por OMOTOSHO e colaboradores (OMOTOSHO, et. al. 1989) no qual uma barra de alumínio é usada como um espalhador externo, suspenso entre duas fontes de 137Cs. Dois detectores de Ge(Li) são posicionados para receber os fótons espalhados que atravessam a amostra que se deseja medir a densidade. Para a resolução do detector de 1,95 keV e energia de 662 keV do césio o sistema apresentou resolução espacial de 0,6 cm. 14 3.3 MADEIRA Até onde vai o conhecimento dos autores deste texto, são poucos os trabalhos publicados que utilizam o espalhamento Compton de raios gama para caracterização de madeira. DIVÓS e coautores (DIVÓS et. al., 1994; 1996) usaram uma fonte anular de 241 Am (1GBq ) e um detector de NaI(Ti) para medir a densidade de madeiras com valores entre 350–900 kg/m3. Boa relação linear foi encontrada entre a intensidade dos fótons retroespalhados e o valor da densidade, para amostras com menos de 70 mm de espessura, valor este determinado pelos autores como a espessura de saturação. MADSEN (MADSEN, 1994) utilizou a mesma fonte e detector numa montagem portátil para inspeção de forros e caibros de madeira de prédios antigos. Mais recentemente PENNA e colaboradores (PENNA, et. al., 2009a; 2009b) empregaram o espalhamento Compton para densitometria de madeiras por duas metodologias diferentes. A primeira utilizou uma fonte de 214 Am e um detector de NaI(Tl) numa geometria de 90: pra medir a densidade de amostras de 2 cm x 2 cm de alguns tipos de madeiras como: eucalipto, canela, candeia e pereira. Aqui também uma boa ralação entre o valor de densidade e intensidade dos fótons espalhados foi obtida resultando na curva de calibração do equipamento. A segunda metodologia adotada pelos autores consistiu numa sonda Compton composta por uma fonte cilíndrica de 241Am conectada a um cintilador e uma guia líquida de luz. O conjunto é introduzido através de um orifício de Ø 18 mm na madeira e os fótons que sofrem um ou mais espalhamentos voltando em direção à sonda, são registrados pelo cintilador. Nesta geometria a intensidade dos fótons espalhados também é proporcional à densidade. Esta análise pode ser aplicada in situ e, apesar da necessidade de um furo no tronco da árvore para a introdução da sonda, este método é considerado não destrutivo. Uma correlação de 0,998 foi encontrada entre valores de densidade encontrados nas duas metodologias. Visto que a densidade é uma das mais importantes características da madeira e o conhecimento de alterações no seu valor durante a formação de uma árvore pode fornecer dados sobre suas propriedades mecânicas e prever futuras aplicações para o material, acreditamos que a aplicação do espalhamento Compton para esse tipo de análise, com estudos de novas geometrias e investigações in situ, ainda se mostra um campo promissor de pesquisa. 3.4 MATERIAIS COMPOSTOS Um material composto por diferentes elementos pode ser caracterizado pelo seu “número atômico efetivo”, Zeff, o qual fornece informações relevantes sobre a mistura. Há várias técnicas experimentais que são usadas para determinar o número atômico efetivo de materiais compostos, tais como: análise química, fluorescência de raios-X (XRF), análise por ativação com nêutrons rápidos (FNAA), emissão de raios-X induzida por partícula (PIXE), entre outras. O espalhamento Compton 15 também pode ser utilizado na determinação de Zeff. Por ser uma técnica não destrutiva e requerer acesso a um só lado da amostra muitas vezes apresenta vantagens quando empregada em materiais compostos de aplicação industrial, biológica e ambiental. Um dos métodos que emprega o espalhamento Compton para a determinação do número atômico efetivo é o que utiliza a razão entre o espalhamento coerente (Rayleigh) e incoerente (Compton). Esta técnica é muito útil nos casos onde variações de (coeficiente de atenuação) são pequenas para serem detectadas e quando variações de número atômico são mais significativas. A razão entre os espalhamentos Rayleigh/Compton permite que um material seja caracterizado somente pelo seu número atômico, independente de sua densidade ou atenuação do feixe dentro do material analisado. A seção de choque diferencial Compton mostrada na equação 5 é válida somente na aproximação de elétron livre e em repouso. Levando-se em conta que o elétron está sempre ligado a um átomo específico, podemos escrever as seções de choque diferenciais totais Rayleigh e Compton da seguinte maneira: d a d F 2 ( q, Z ) e d R d Thomson d a d e S ( q, Z ) d C d KN (10) (11) onde: (de/dΩ)Thomson e (de/dΩ)KN são as seções de choque Thomson (clássica) e Klein-Nishina respectivamente. F(q,Z) é o fator de forma atômico e S(q,Z) é a função de espalhamento incoerente, que são incluídas para corrigir a influência da ligação eletrônica no cálculo da seção se choque. Valores teóricos dessas duas funções são encontrados na literatura (HUBBELL, et. al., 1975; HUBBELL e ØVERBØ, 1979; KAHANE, 1998; KRISHNAVENI e GOWDA, 2005) e dependem, além do número atômico Z, da transferência de momento do fóton incidente para o elétron, q, dada por: q sin 2 E 0 sin 0 hc 2 (12) onde: 0 é o comprimento de onda do fóton incidente, E0 é a energia do fóton, h a constante de Planck, c a velocidade da luz e o ângulo de espalhamento. Desprezando a componente de múltiplos espalhamentos, a razão Rayleigh/Compton pode então ser escrita como segue: 16 d e F 2 (q, Z ) exp 1 ( E ) x1 d Thomson R d e S (q, Z ) exp 2 ( E ) x 2 d KN (13) onde: x1 e x2 são os caminhos percorridos dentro do material pelos fótons incidentes e espalhados e 1 e 2 são coeficientes de atenuação linear para os respectivos caminhos percorridos. Na prática podemos escolher condições experimentais para energia e ângulo de espalhamento em que os fatores exp 1 ( E ) x1 e exp 2 ( E ) x2 sejam aproximadamente iguais, tornando a equação 13 mais simples: d e F 2 ( q, Z ) d Thomson R d e S ( q, Z ) d KN (14) Quando fótons incidentes colidem com elétrons ligados em misturas, a equação 14 pode ser generalizada usando simplesmente a regra de soma, onde as funções F(q,Z) e S(q,Z) são adicionadas proporcionalmente a porcentagem atômica de cada elemento, iat , isto é: n d e iat F 2 (q, Z i ) d Thomson i 1 R n d e iat S (q, Z i ) i 1 d KN (15) onde: iat é definido pela porcentagem de massa i e a massa atômica Ai do i-ésimo elemento desta maneira: i iat n i 1 Ai i (16) Ai Na equação 15 o composto é considerado uma mistura simples de elementos independentes e as funções F(q,Z) e S(q,Z) são únicas para cada elemento. Para uma mistura complexa, pode ser dito que a razão R depende somente do número atômico efetivo Zeff o qual é função dos números atômicos dos elementos presentes na mistura. 17 Os primeiros trabalhos utilizando a razão entre o espalhamento coerente (Rayleigh) e incoerente (Compton) foram para determinar o número atômico efetivo de sistemas binários com Zeff < 10 (HENNINGSEN, et. al., 1978; SCHÄTZLER, 1979). A razão entre as intensidades espalhadas foram medidas com um detector de Ge para 26 diferentes compostos de ClHmOn e (CF2)n (l, m, n ≥ 0) sob um ângulo de espalhamento de 68: e uma fonte de 241 Am (500mCi). Para estes compostos uma dependência do espalhamento Rayleigh com Z3,5 foi encontrada. A técnica também foi aplicada para determinação quantitativa da porcentagem de prata em ligas de prata/cobre com a vantagem de medidas quase independentes das propriedades geométricas da amostra (CESAREO, 1981). Usando a curva experimental da razão de espalhamento em função de Zeff, MANNINEM, et. al. (MANNINEM, et. al., 1984; MANNINEM e KOIKKALAINEN, 1984) realizaram uma análise elemental de 29 elementos e 22 compostos cobrindo uma região de número atômico entre 6 Z 83. Concluiu-se que usando uma fonte de 241 Am e um detector de HPGe, o número atômico efetivo de amostras desconhecidas pode ser determinado com boa acurácia para ângulos de espalhamento entre 120: e 145:. Posteriormente, DUVAUCHELLE e colaboradores (DUVAUCHELLE, et. al., 1999; DUVAUCHELLE, et. al., 2000) desenvolveram um método para calcular o número atômico efetivo de misturas, materiais compostos e soluções aquosas usando a razão entre o espalhamento coerente e incoerente que pode ser aplicado para qualquer material, ângulo de espalhamento e energia de fóton incidente. Usando uma fonte de 241 Am e um detector de germânio com resolução em energia de 480eV para 59,53keV, eles analisaram 80 soluções aquosas constituídas de sais de elementos com números atômicos variando entre 13 a 64. Concluíram que a razão Rayleigh/Compton depende somente da mistura em estudo, permitindo o cálculo de Zeff como: Z eff n at 2 i F ( q, Z i ) f x i 1n at i S (q, Z i ) i 1 (17) onde: f x é uma função matemática obtida por ajuste polinomial. A medida de Zeff, portanto, pode definir a mistura com base na razão de intensidade entre os espalhamentos Rayleigh/Compton assim como um átomo é caracterizado por seu número atômico. ICELLI e ERZENEOGLU (ICELLI e ERZENEOGLU, 1999) também aplicaram esta técnica com sucesso em alguns elementos com números atômicos entre 26 Z 82. A razão Rayleigh/Compton para esses elementos foi determinada com raios gama de 59,53keV (100 mCi, 241 Am) e para os ângulos de espalhamento de 55: e 115:. A coleta do feixe espalhado ficou a cargo de um detector de Ge(Li). O trabalho confirmou que a influência da ligação eletrônica no cálculo da seção de choque diferencial 18 Compton é significativa, principalmente para elementos de Z elevado. ICELLI (ICELLI, 2006, ICELLI e ERZENEOGLU, 2004) também propôs um método experimental para se determinar o número atômico efetivo de materiais compostos de diferentes elementos com peso percentual conhecido. Vários elementos com números atômicos partindo de Z = 6 e algumas ligas binárias foram analisadas por SINGH e colaboradores (SINGH, et. al., 2006; SINGH, et. al., 2007) utilizando um arranjo experimental composto por fontes de 141 Ce (145 KeV), 203 Hg (279 keV) e um detector de HPGe. Os resultados experimentais encontrados para os números atômicos efetivos tiveram boa concordância com os valores teóricos. 4. DEFESA E SEGURANÇA O desenvolvimento de métodos confiáveis para detecção de explosivos, material ilícito, minas terrestres, etc., é assunto de grande interesse atualmente em função do aumento da preocupação com a segurança internacional e de áreas de conflito pelo mundo (MARSHAL e OXLEY, 2009). Várias técnicas nucleares têm sido propostas no desenvolvimento de dispositivos para detecção deste tipo de material (SPELLER, 2001; YINON, 2002; SINGH e SINGH, 2003; MILLER, 2007; GRIFFIN, 2009) e entre elas está o espalhamento Compton de raios gama (HUSSEIN e WALLER, 1998). Uma aplicação em que o retroespalhamento Compton é particularmente adequado é a detecção de minas terrestres enterradas no solo, onde, por razões óbvias, somente um dos lados é acessível (HUSSEIN e WALLER, 2000). Além disso, este trabalho é comumente realizado com o auxílio de detectores de metais. No entanto, este método é afetado por uma alta taxa de falsos alarmes, visto a grande quantidade de objetos metálicos encontrados nas zonas de guerra. Apesar do esforço da comunidade internacional em desativar campos minados remanescentes de guerras passadas que estão espalhados por mais de 78 países, somente em 2007 houveram 5426 casualidades causadas por este tipo de explosivo segundo a Landmine Monitor (ICBL, 2008). Já nos anos 70 o Exército Americano realizou uma extensa pesquisa sobre o uso de raios-X e gama com foco somente na localização de minas terrestres (COLEMAN, et. al. 1974; RODER e van KONYNENBURG, 1975). O dispositivo proposto por esses trabalhos iniciais era baseado somente no registro do fluxo de fótons espalhados, levando a uma taxa de falsos alarmes relativamente alta. Para contornar esse problema, uma abordagem visando o imageamento através de um método computacional que identifica a forma da mina em função da resposta do detector foi apresentada por WATANABE e colaboradores (WATANABE, et. al., 1996). Este método permite a caracterização da profundidade, raio e localização da mina, incluindo a influência relativa às irregularidades do solo e o movimento vertical do sistema de varredura, que simulam condições de campo. Devido a pouca profundidade em que as minas são enterradas esta é uma área em que a pouca penetração dos raios-X não é um fator limitador e 19 vários trabalhos empregando esse tipo de radiação na geometria de retroespalhamento para localização e imageamento de minas terrestres foram realizados (CAMPBELL e JACOBS, 1992; DUGAN, et. al., 1998; SU, et. al., 2000; NIEMANN, et. al., 2002; HARDING, 2004; YUK, et. al., 2006). No entanto a adoção de uma fonte isotrópica de raios gama pode apresentar vantagens em função do seu pequeno tamanho, leveza, baixo custo e natureza “auto-energética” (self-powered nature), principalmente na construção de dispositivos portáteis. Usando um sistema de espalhamento Compton composto por uma fonte de 241 Am (11 GBb) e dois detectores de NaI (Tl), TANG e HUSSEIN (TANG e HUSSEIN, 2004) foram capazes de localizar minas de 80 mm de diâmetro enterradas a 80 mm de profundidade em solo “leve” (500 kg/m 3) e em 30 mm de profundidade em solo “pesado” (1450 kg/m3). Isso é possível porque os explosivos mais utilizados em minas terrestres são TNT (C7H5N3O6) e RDX (C3H6N6O6) com densidade variando entre 1650 a 1900 kg/m3 (HUSSEIN, et. al., 2005). Este intervalo difere bastante do valor das densidades que abrangem a maioria dos solos. Um novo sistema de imageamento voltado à detecção de minas terrestres foi proposto por GERL, et. al. (GERL, et. al., 2004). Neste sistema, uma fonte pontual de pósitrons de 22 Na (300 kBq), emite pares de fótons gama com 511 keV em direções diametralmente opostas. Um detector fotomultiplicador sensível à posição é colocado atrás da fonte, para medir um dos fótons provenientes da reação de aniquilação e determinar a direção do outro fóton que é usado para sondar a mina terrestre (Fig. 06). Um detector cintilador de BGO com 65 mm de diâmetro é utilizado para detectar esse fóton após sofrer espalhamento Compton na mina escondida no solo. Através da medida de coincidência entre os dois detectores é possível mapear a espessura e a distribuição de densidade de objeto examinado. A resolução espacial do detector de posição determina a resolução da imagem produzida pelo sistema. Fig. 06 – Desenho esquemático do sistema de imageamento para detecção de minas terrestres proposto por GERL e colaboradores. (extraído de GERL, et. al., 2005) 20 Após aperfeiçoamentos na geometria e usando uma fonte de 22 Na com maior atividade (10 MBq), GEAR (GEAR, 2005) conseguiu com seu sistema uma resolução espacial de 5 mm e, dependendo do tipo de solo, foi possível distinguir minas enterradas em até 40 cm de profundidade. Resultados com sistemas semelhantes que utilizam o mesmo princípio da emissão positrônica já foram reportados. O dispositivo desenvolvido pelo grupo de GURDEV, et. al. (GURDEV, et. al., 1998; GURDEV, et. al., 2006; GURDEV, et. al., 2007a; GURDEV, et. al., 2007b; DREISCHUH, et. al., 2007), chamado de GRAYDAR (Gamma Ray Detection And Ranging) foi capaz de produzir imagens em 2D de minas de plástico enterradas a 15 cm de profundidade, com contraste de densidade solo/mina abaixo de 5%. Esses resultados indicam que o uso deste tipo de equipamento na investigação não destrutiva de materiais na indústria e aviação, além da detecção de minas e explosivos, é bastante promissor. Já há algum tempo, Sistemas de Imageamento por Abertura Codificada (coded aperture imaging systems) têm sido utilizados na astronomia de observação com raios gama (CAROLI, et. al., 1987) e recentemente alguns trabalhos reportam sua aplicação na área de imageamento em medicina nuclear (ACCORSCI e LANZA, 2001; ACCORSCI, et. al. 2001). Neste método um colimador, chamado de “máscara”, é posicionado entre a fonte e um detector plano sensível a posição. A distribuição dos fótons que chegam ao detector pode ser reconstruída através do padrão da sombra que a máscara imprime quando esta se movimenta sobre o detector. Muito recentemente, FAUST e colaboradores (FAUST, et. al., 2009) adaptaram um sistema de abertura codificada para a detecção de minas terrestres através do retroespalhamento Compton. O aparato foi construído utilizando uma fonte de 57 Co, um detector de CZT e uma máscara de Ta (tântalo) com 600 m de espessura. Resultados preliminares mostraram que o sistema adaptado é capaz de resolver ambas forma e separação de múltiplos objetos tornando-o um bom candidato para compor um sistema portátil de detecção de minas terrestres. A repressão a crimes, como o contrabando e o tráfico de drogas, pode ser intensificada se a polícia dispuser de equipamentos que identifiquem com confiabilidade materiais ilícitos escondidos atrás de paredes, dentro de pneus, contêineres, etc. Em muitas situações somente um dos lados no material a ser inspecionado é acessível. Nesses casos, geometrias de retroespalhamento são mais adequadas. Atualmente há dispositivos comerciais que se baseiam no princípio do espalhamento Compton para a detecção de contrabando como o CDS-2001i da Global Security Solutions (CDS-2001i, 2009) e o BUSTER K910B da SDMS Security Products Ltd. (BUSTER, 2009). Esses equipamentos possuem baixa resolução espacial e funcionam bem somente quando há alto contraste de densidades entre o material ilícito e seu entorno, como por exemplo, drogas escondidas na cavidade de ar de um pneu. Tentando superar estes problemas, Van WART e colaboradores (Van WART, et. al., 2005) desenvolveram um sistema capaz de localizar cédulas de dinheiro escondidas em paredes de madeira residenciais. Neste trabalho foi usado uma fonte de baixa energia (241Am) e um detector de NaI(Tl) numa geometria de retroespalhamento de 130:, com o objetivo de detectar principalmente espalhamentos únicos, que 21 podem fornecer informação sobre a localização. Com este arranjo foi possível detectar uma quantidade mínima de 86 cédulas de dinheiro compactadas a uma densidade de 107 kg/m3, com nível de confiança >95%. O dispositivo foi testado em paredes de outros materiais com poliestireno, concreto e tijolo também apresentando relativo sucesso na detecção de contrabando (Van MART, 2001). Um estudo sobre a aplicabilidade do espalhamento Compton usando uma fonte de 60 Co para inspeção de cargas também já foi reportado (WALLER e HUSSEIN, 2000). Na área militar há uma grande preocupação em como descartar com segurança e economia munições não usadas, tais como bombas e projéteis que já ultrapassaram sua vida útil. O problema está em determinar se cada peça de munição ainda é explosiva antes do descarte deste rejeito militar. A aplicação do espalhamento Compton mostrou-se capaz de auxiliar neste problema. Utilizando um aparato experimental composto por uma fonte de 60Co (370 Ci) e um detector de NaI (4” x 4”), STOKES e colaboradores (STOKES, et. al., 1982) conseguiram detectar a pequena carga explosiva localizada no centro de bombas MK76 e MK106 usadas pela Marinha Americana. Uma varredura paralela ao eixo da bomba mostra essa localização porque as contagens dos fótons Compton espalhados são proporcionais às densidades dos diferentes materiais que compõem a bomba. Técnicas não destrutivas baseadas em transmissão também foram testadas, mas não foram capazes de discernir a estrutura interna da bomba em função do contraste de densidades entre os materiais ser pequeno. No mesmo trabalho, o imageamento do interior de munições de 25 mm com alta resolução espacial de 1 mm e rápido tempo de varredura, foi reportado com objetivo de localizar defeitos (falta de componentes internos) nas cargas explosivas. 5. CARACTERIZAÇÃO DE FLUXO E REGISTRO DE DENSIDADE EM POÇOS Os princípios do uso da transmissão de raios gama para determinação da densidade de um fluxo com uma ou mais fases dentro de um tubo, são bem estabelecidos na área industrial (LASSAHN, et. al., 1979; UPP e LaNASA, 2002; ODDIE e PEARSON, 2004). Estas medidas são frequentemente realizadas nas indústrias de petróleo e gás onde existe a necessidade de se conhecer a fração de volume de cada componente presente na mistura petróleo/água/gás que flui através da tubulação. Os densitômetros tradicionais (JOHANSEN e ÅBRO, 1996; EICHET, 2003; STAHL e von ROHR, 2004; MARESTONI, et. al. 2005, 2007; PARK e CHUNG, 2007; MARESTONI e APPOLONI, 2007) se baseiam na atenuação dos raios gama que atravessam o fluxo dentro do tubo e são constituídos por uma fonte de alta energia e um detector posicionados em lados opostos e fixos por uma braçadeira fora da tubulação (Fig. 07a). A utilização do espalhamento Compton para a determinação da densidade de fluxos mais simples com apenas duas fases já foi reportada (ZIELKE, et. al., 1975; ELIAS e BEN-HAIM, 1980; KONDIC, et. al., 1983; OHKAWA e LAHEY, 1984). Apesar do relativo sucesso desses experimentos, alguns desses 22 trabalhos assumiam hipóteses não realistas como a colimação ideal do feixe incidente, ignorando sua divergência e mesmo sua atenuação dentro do material. No entanto, atualmente há a necessidade de densitômetros mais precisos capazes de lidar com diferentes regimes de fluxo não homogêneos e com vários componentes na mistura. Algumas soluções onerosas e complexas têm sido propostas tais como a utilização de várias fontes e/ou detectores (BISHOP e JAMES, 1993; JOHANSEN, et. al., 1995; HJERTAKER, et. al., 2005; ZHI-BIAO, et. al., 2005). Usar somente a técnica de espalhamento para este tipo de análise cria um fator complicador, visto que os coeficientes de atenuação do feixe incidente e espalhado são desconhecidos a priori (HUSSEIN, et. al., 1986). Uma alternativa viável que tem se mostrado promissora é o desenvolvimento de sensores nos quais a transmissão e o espalhamento de raios gama são usados em conjunto. Neste sistema, chamado de densitômetro “dual mode”, um segundo detector é adicionado para medir a radiação espalhada pelo fluxo dentro do tubo como mostra a figura 07b. Fig. 07 – (a) Densitômetro de raios gama tradicional onde fonte e detector são posicionados em lados opostos. (b) Densitômetro “dual mode” onde um segundo detector é adicionado para coletar a radiação espalhada (Extraído de TJUGUM, et. al., 2001). Estudos empregando esta essa configuração (ÅBRO e JOHANSEN, 1999a; ÅBRO e JOHANSEN, 1999b) têm sido realizados para obter medidas mais confiáveis da componente gasosa e do regime do fluxo. A utilização de fontes de baixa energia que necessitam de blindagem reduzida, como a de 241 Am, possibilita o desenvolvimento de sistemas compactos, inclusive podendo ser integrados à parede do tubo. Esta á uma característica importante considerando o uso dos densitômetros em medidas submersas ou em buracos de perfuração (borehole). Alguns trabalhos (JOHANSEN e JACKSON, 2000; TJUGUM, et. al., 2001) têm utilizado a informação da radiação espalhada para determinar a sanilidade da água e com isso medir a fração de gás na mistura petróleo/água/gás independente desta quantidade. Isso é necessário porque a absorção fotoelétrica é fortemente dependente da quantidade de sal na água em baixas energias aproximando o valor dos coeficientes de atenuação da água e petróleo quando a sanilidade é elevada. Utilizando uma fonte de 241 Am e dois detectores de CdZnTe posicionados a 0: e 90: em relação à direção do feixe 23 incidente para coletar a radiação transmitida e espalhada respectivamente, foi possível determinar o volume de gás na mistura independente da salinidade da água. Posteriormente TJUGUM e colaboradores (TJUGUM, et. al., 2002a), aperfeiçoaram este sistema adicionando colimadores à fonte e aos detectores. Com isso eles conseguiram aumentar a acurácia nas medidas da fração de volume do gás presente na mistura. Outros trabalhos (TJUGUM, et. al., 2002b; TJUGUM, et. al., 2003), mostraram que diferentes regimes de fluxo foram identificados com sucesso a partir dos dados experimentais adquiridos usando a configuração citada. Outro problema que frequentemente afeta a indústria de petróleo é a incrustação de parafina no interior da tubulação o que reduz consideravelmente a vazão. Este material orgânico é resultado da condensação do petróleo que experimenta grande diferença de temperatura na interface entre o interior do poço e o tubo de escoamento, este em contato com o mar a baixas temperaturas. LOPES e colaboradores (LOPES, et. al., 1997) utilizaram um sistema de espalhamento Compton composto por uma fonte de 137Cs (2 Ci) e detector de NaI(Tl), para determinar a presença e localização de parafina em oleodutos. Dois conjuntos de colimadores foram empregados. Com o primeiro uma pequena região de inspeção foi definida no interior do tubo. Com o segundo conjunto se produzia um feixe em leque que continha a seção inteira do tubo. A quantidade mínima de parafina detectável foi de 10% para o primeiro sistema e 20% para o sistema de feixe em leque, porém este proporcionou um tempo de varredura menor. Posteriormente e usando o mesmo aparato experimental, SILVA, et. al. (SILVA, et. al., 1999) mediu a espessura de tubos através dos espectros de altura de pulso da radiação espalhada com precisão de 4%. Com o sistema calibrado foi possível identificar pequenos defeitos de 2 mm na superfície de tubos de ferro. Além da parafina outras substâncias são co-depositadas no interior do tubo como: asfalto, resinas, lama e areia. Utilizando um aparato composto por dois detectores de NaI(Tl) formando um ângulo de 90: com uma fonte de 137Cs, GOUVEIA e colaboradores (GOUVEIA, et. al., 2003) empregaram o espalhamento Compton com sucesso para identificar a presença de parafina, água, lama e areia depositados no interior da tubulação através da diferença de densidades desses materiais. Mais recentemente, SHARMA e coautores (SHARMA, et. al., 2010) desenvolveram um sistema de varredura para detectar variações de espessura, localização de defeitos e entupimentos em oleodutos, além de monitorar variações de densidade no fluxo. Também usando o conjunto 137 Cs e NaI(Tl), o sistema mostrou sensibilidade para detectar mudanças de 1 mm na espessura do tubo, de 0,1 g/cm 3 na densidade do fluxo e localizar um defeito de 1 mm sob isolamento. Ainda sobre a utilização do espalhamento Compton na indústria petrolífera, um importante parâmetro para avaliação de um reservatório de hidrocarbonetos é sua porosidade. Este valor é a fração do volume da formação rochosa que pode conter fluído ou gás. Como a porosidade está relacionada 24 com a densidade eletrônica da formação sedimentária, medidores compostos por uma fonte de raios gama e múltiplos detectores podem estimar a porosidade da parede rochosa do poço durante a perfuração através da metodologia de espalhamento incoerente. Estes dispositivos são mantidos em contato com a parede do poço e medem a densidade da formação rochosa enquanto são baixados para o fundo do poço de perfuração, fazendo um registro da densidade em função da profundidade. Os trabalhos pioneiros nesta área surgiram na década de 50 (BAKER, 1957; CAMPBELL e WILSON, 1958; EDWARDS, 1959; ZAK e SMITH, 1959). CAMERON e BOURNE (CAMERON e BOURNE, 1958) utilizaram uma fonte de 137Cs e um contador Geiger-Müller como detector dos fótons espalhados e determinaram a densidade da formação sedimentária de um poço de aproximadamente 300 m de profundidade com acurácia de aproximadamente 1%. Logo após, TITTMAN e WAHL (TITTMAN e WAHL, 1965) estabeleceram uma teoria para a determinação da densidade da formação rochosa associando os múltiplos espalhamentos que ocorrem dentro do material com a equação de transporte de Boltzmann. Essa abordagem foi considerada simplista por JOHN (JONH, 1997) que no seu trabalho utilizou a aproximação P1 dos harmônicos esféricos, um modelo de difusão geralmente empregado no estudo de transporte de nêutrons. Como os poços de perfuração não são cilindros perfeitos, apresentando bastante rugosidade e lama no interior dos mesmos, os modernos dispositivos para se medir a densidade da formação sedimentária incorporam dois detectores espaçados a diferentes distâncias da fonte (WAHL, et. al., 1964) como mostra a figura 08. Estes dispositivos são comumente chamados de sonda de densidade compensada e empregam fontes variadas como 137 Cs, 133Ba, 60Co e detectores de NaI. O detector mais próximo da fonte é particularmente sensível à densidade do material imediatamente adjacente ao dispositivo. A contribuição de espalhamento deste material, a qual inclui a lama e as irregularidades, afetam a resposta dos detectores de diferentes maneiras. Os sinais de ambos os detectores é combinado e, através de uma metodologia de compensação, fornecem diretamente a densidade do material analisado (BERTOZZI, et. al. 1981; ELLIS, 1988; MILLS, et. al. 1991; ROJAS e BEAUPERTHUY, 2001). Trabalhos que empregam dispositivos com três detectores para o registro da densidade em poços também já foram reportados (EYL, et. al., 1994; MOAKE, 1998). 25 Fig. 08 – Desenho esquemático de uma sonda de densidade compensada usada para registro da porosidade da parede rochosa em poços de perfuração (Extraído de WAHL, et. al., 1964). Uma metodologia de análise semelhante utilizando uma sonda que emprega duas fontes ( 137Cs e 133 Ba) e um único detector de NaI, tem sido utilizada na indústria de mineração de carvão e metais (CZUBEK, 1983, ASFAHANI; 2003). A qualidade do carvão esta relacionada com a quantidade de cinzas presentes no mineral e esta quantidade por sua vez é determinada medindo-se as mudanças no “número atômico equivalente” Zeq. Estas mudanças podem ser verificadas pela razão das contagens localizadas nas regiões de alta e baixa energia do espectro de retroespalhamento Compton (BORSARU, et. al., 2001). Vários trabalhos foram reportados utilizando este sistema para determinação da quantidade de cinzas no carvão (BORSARU, et. al. 1985; BORSARU e CERAVOLO, 1994; BORSARU, et. al. 1995; BORSARU, et. al. 1997), bem como na discriminação de interfaces carvão/rocha (ASFAHANI e BORSARU, 2007). Na indústria de mineração de metais a técnica foi utilizada para determinação da quantidade equivalente de chumbo em minério de Chumbo-Zinco (ALMASOUMI, et. al., 1998; ASFAHANI; 1999) e na determinação da quantidade de elementos pesados e tamanhos de grão (CHARBUCINSKI, 1983). 6. SOLOS E AGRICULTURA Os primeiros trabalhos em Ciência dos Solos empregando mais sistematicamente o espalhamento Compton foram apresentados durante a década de 60 e tinham como objetivo desenvolver um dispositivo capaz de determinar a densidade dos solos (ISHIMATSU e NAKANE, 1963; 26 UEMURA, 1965; UEMURA, 1966; LIN, et. al., 1968; PIRIE, et. al., 1968; TAYLOR e KANSARA, 1967; TAYLOR e KANSARA, 1968; TAYLOR e PIRIE, 1968; LIN, et. al., 1969). Baseado nestas pesquisas, DEVLIN e colaboradores (DEVLIN, et. al., 1969) construíram um protótipo de dispositivo para medir a densidade de solos pelo método da fonte móvel proposto nos trabalhos citados anteriormente. Neste método, uma fonte de 137 Cs se move na direção da amostra de solo e a taxa de fótons espalhados I em um ângulo fixo é contada por um detector de NaI. Uma curva de calibração de Idn versus d é construída, onde d é a distância fonte-detector e n é uma constante > 1. De acordo com a teoria, o valor de Idn exibe um máximo em um determinado valor de distância fontedetector dm que está relacionado com a densidade do solo pela seguinte equação: solo n 1 dm K (18) onde K é uma constante determinada pelo valor médio do coeficiente de absorção de massa do solo para a energia considerada. A técnica foi testada neste e em outros trabalhos mostrando bons resultados com valores de densidade de alguns materiais além do solo como grafite, parafina, piche, giz, alumínio e magnésio medidos com acurácia de aproximadamente 1% em relação aos valores teóricos (CIFTCIOGLU e TAYLOR, 1970; DEVLIN e TAYLOR, 1970; CHRISTENSEN, 1971; GARDNER, et. al. 1971; CIFTCIOGLU e TAYLOR, 1972; DADDI, 1973; HOPKINS e GARDNER, 1973). DUNN et. al. (DUNN et. al., 1971) testou diferentes energias de raios gama e McDOUGALL et. al. (McDOUGALL et. al., 1971) adicionou colimadores na fonte e detector visando melhorar a resolução espacial e a geometria do experimento. Um aperfeiçoamento da metodologia da fonte móvel foi realizado por ERTEK e HASELBERGER (ERTEK e HASELBERGER, 1984) com objetivo de determinar ambas densidade e umidade do solo. Neste trabalho, usou-se a modo diferencial de contagem introduzido por CIFTCIOGLU e colaboradores (CIFTCIOGLU e TAYLOR, 1971; CIFTCIOGLU, et. al., 1971) que emprega uma janela estreita de 20 keV para medir os fótons de aproximadamente 80 keV provenientes de múltiplos espalhamentos. Uma das vantagens desta metodologia é a possibilidade de estender a técnica para determinação da quantidade de hidrogênio presente no solo. Empregando uma pequena fonte de 137Cs com baixa atividade (700Ci) que diminuiu a necessidade de espessa blindagem e um detector de Na(Tl) com uma fonte de 241 Am embutida para aumentar a estabilização, foi possível determinar densidade e umidade do solo entre 040 cm de profundidade. Posteriormente HENDERSON e McGHEE (HENDERSON e McGHEE, 1986; 1987; 1988; 1990) desenvolveram um modelo matemático que se aplicava a qualquer geometria de densímetro baseado no método da fonte móvel. Este modelo descrevia com acurácia a resposta do detector validando os 27 picos de provenientes de espalhamentos únicos e os multipicos que apareciam devido à presença de hidrogênio. Mais recentemente o espalhamento Compton vem sendo empregado para a caracterização de solos através da teoria convencional. CRUVINEL e BALOGUN (CRUVINEL e BALOGUN, 2000) desenvolveram um mini-tomógrafo de fonte dupla para a determinação da densidade e umidade do solo. O sistema é composto por duas fontes de 241 Am e 137 Cs e um detector cintilador de NaI(Tl). Os resultados mostraram uma densidade mínima detectável de 0,13 g/cm 3. Após este estudo preliminar os resultados de quantidade de água no solo obtidos por espalhamento foram comparados com os medidos por TDR (time domain reflectometry) e um coeficiente de correlação linear melhor do que 0,79 foi encontrado entre as duas técnicas (CRUVINEL e BALOGUN, 2006). BALOGUN e CRUVINEL também utilizaram o espalhamento Compton para estudar a compactação do solo através do mapa da distribuição das densidades obtido pela técnica (BALOGUN e CRUVINEL, 2003). A compactação do solo é ocasionada pelo uso repetitivo de implementos agrícolas e veículos e pode ser um fator limitante da produção e a manutenção da qualidade do solo. 7. MEDICINA O uso da metodologia de espalhamento Compton na área médica é feito em dois principais campos: 1) densitometria de tecidos com pulmão, fígado, rins, ossos, etc.; 2) imageamento 2D e 3D de órgãos por tomografia. Apresentaremos a seguir as principais contribuições nas duas áreas. 7.1 DENSITOMETRIA Um dos primeiros trabalhos visando a aplicação do espalhamento Compton de raios gama na área médica foi realizado por ODEBLAD e NORHAGEN em 1956 (ODEBLAD e NORHAGEN, 1956). Neste trabalho, eles utilizaram uma fonte de 60Co e um detector cintilador comercial, para medir a densidade eletrônica de tecidos humanos, como pulmão e fígado, in vitro e in vivo com o auxílio de voluntários, obtendo valores com excelente concordância com os valores de referência para esse tipo de tecido. O valor da densidade dos ossos está diretamente relacionado com sua qualidade e o decréscimo desse valor são sinais de fragilidade desencadeados pela idade do indivíduo ou por doenças como a osteoporose (NILSSON, et. al., 1990). Utilizando uma fonte de 153Sm e um detector de NaI, HUDDLESTON e colaboradores (HUDDLESTON e BHADURI, 1979; HUDDLESTON, et. al., 1979) empregaram o espalhamento Compton para determinar a densidade de seis amostras de fêmur de diâmetros diferentes obtendo excelente reprodutibilidade nos valores de densidade encontrados. Uma tentativa de detectar precocemente sinais de osteoporose foi conduzida por HAZAN, et. al. (HAZAN, et. al., 1977) 28 Ele submeteu 50 pacientes ente 45 e 70 anos de ambos os sexos à experimentos com espalhamento gama utilizando uma fonte de 137 Cs (50mCi) e um detector de NaI numa geometria de 90:. Em alguns casos foi detectada uma baixa densidade em ossos da coluna vertebral em pacientes sem o diagnóstico de osteoporose, mostrando um indicativo precoce do aparecimento da doença que não pode ser notado em exames de rotina com raios-X. Posteriormente LEICHTER e coautores (LEICHTER, et. al., 1980) aperfeiçoaram a calibração do experimento feito por HAZAN, et. al. considerando os efeitos de múltiplo espalhamento e atenuação do feixe espalhado que são provocados pelo material que envolve os ossos, como tecidos e gordura. Para uma energia de feixe incidente de 103 keV do radioisótopo 153 Sm, KENNETT e WEBBER (KENNETT e WEBBER, 1976; WEBBER e KENNETT, 1976) concluíram que a principal fonte de erro na medida da densidade de ossos com espalhamento gama é proveniente dos espalhamentos múltiplos, e que um fator de correção pode ser obtido por meio de medidas de transmissão. Os resultados dos valores de densidade medidos em soluções de sacarose confirmaram essa hipótese teórica. Estudos da variação de densidade no tecido pulmonar através do espalhamento Compton também já foram reportados. Um dos problemas para a determinação da densidade do pulmão in vivo, é a caixa torácica que o envolve. Esta é mais densa que o pulmão e possui composição e espessura variável dependendo da posição e idade do paciente causando diferentes graus de atenuação do feixe espalhado. Alguns autores tentaram driblar essa limitação medindo a espessura da parede torácica com ultrassom para avaliar sua espessura e consequente atenuação (REISS e SCHUSTER, 1972). Com esse valor as medidas feitas irradiando o peito de pacientes com uma fonte de 137 Cs e coletando o feixe espalhado a 110: por um detector cintilador puderam ser corrigidas. Também utilizando uma fonte de 137 Cs, DÖHRING e colaboradores (DÖHRING, et. al., 1974) conseguiram expressar qualitativamente não homogeneidades de ventilação em pulmões através de variações de densidade detectadas por espalhamento Compton. WOLF e MUNRO (WOLF e MUNRO, 1985) estudaram os efeitos do espalhamento na parede torácica, utilizando placas de polimetilmetacrilato como um modelo simplificado. Usando uma fonte de 241 Am e um detector de NaI posicionado em 150: em relação ao feixe gama incidente, eles observaram que a contagem dos fótons retroespalhados foi diretamente proporcional ao aumento da densidade do pulmão, por um fator independente da espessura da parede torácica. De fato, um acréscimo da densidade de 0,01 kg/L causou o mesmo aumento de 2,2% na taxa de contagem para placas com espessuras entre 5 a 20 mm. Apesar dos bons resultados apresentados pela técnica, a metodologia ainda sofre com algumas limitações experimentais inerentes à detecção de fótons espalhados, quais sejam: a necessidade de tempos de exposição elevados devido à baixa contagem de espalhamento e efeitos de múltiplo 29 espalhamento que obriga a correções no cálculo da densidade. Estas e outras dificuldades foram elencadas no artigo de HUSSEIN sobre o tema (HUSSEIN, 2007). Tentando reduzir esses problemas LOO e coautores (LOO, et. al., 1986; 1989) avaliaram um sistema de retroespalhamento para medida de densidade do pulmão, constituído por uma fonte de 57Co e um detector de germânio hiper puro (HPGe). Realizando medidas na geometria de retroespalhamento de 115:, 125: e 135:, eles conseguiram uma grande redução da contribuição dos múltiplos espalhamentos na contagem, com medidas de apenas 1 minuto. Mesmo que o uso de raios-X como fonte de radiação esteja fora do escopo do presente texto, vale a pena citar o estudo de MOONEY e coautores (MOONEY, et. al., 1996) que também abordaram o problema de múltiplos espalhamentos e projetaram um sistema que monitora o fenômeno durante a realização da densitometria Compton. Usando raios-X de várias energias entre 40 e 120 keV o sistema possui um detector HPGe colimado adicional, posicionado para detectar apenas os fótons que sofreram múltiplos espalhamentos. Os dados desse detector são usados para determinar um fator de correção de múltiplos espalhamentos para ajustar as medidas de densidade de ossos. Outros trabalhos com correções de múltiplos espalhamentos usando fontes de raios-X policromáticas foram reportados para densitometria de ossos porosos (SPELLER e HORROCKS, 1988; 1991; SPELLER, et. al., 1995; KOLIGLIATIS, et. al., 1996; 1998) e pulmão (DUKE e HANSON, 1984; HANSON, et. al., 1984). Voltando as fontes de gama, a energia de 59,5 keV do 241 Am foi utilizada para identificar patologias mamárias em função de variações de densidade. Usando um único detector de HPGe coletando os fótons espalhados a 90: em relação ao feixe incidente, AL-BAHRI e SPYROU (AL-BAHRI e SPYROU, 1998) foram os primeiros a caracterizar tecidos mamários usando a densidade eletrônica como parâmetro. Amostras pareadas de nove pacientes foram utilizadas. A quantificação negligenciou possíveis correções de fundo, múltiplos espalhamento e auto atenuação. Mesmo assim, os resultados mostraram que o tecido adiposo e o tecido glandular saudável possuem densidade eletrônica menor que amostras de tecido canceroso com uma diferença de 2,3 a 3,5% entre eles respectivamente. Embora o resultado não possa ser considerado conclusivo, porque o erro experimental encontrado foi de 5%, o trabalho lançou as bases para pesquisas futuras de tecidos mamários patológicos por espalhamento Compton. Posteriormente BAUK e SPYROU (BAUK e SPYROU, 2007), usando a mesma fonte e um detector de Na(Tl), mediram a densidade eletrônica de dois tipos de copolímeros hidrofílicos (ED1S e ED4S), materiais estes, com potencial para serem usados em simulantes de tecidos mamários porque possuem a maioria dos elementos presentes nos mesmos. Outros trabalhos empregando a técnica do espalhamento Compton para análise de patologias em tecidos mamários através da densidade eletrônica podem ser citados, porém estes utilizam raios-X como fonte primaria de radiação (SHARAF, 2000; RYAN, et. al., 2005; RYAN e FARQUHARSON, 2007; ANTONIASSI, 2008; ANTONIASSI, et. al., 2010). 30 7.1.1 Método Razão Rayleigh/Compton A razão entre o espalhamento Rayleigh/Compton, previamente descrita na seção de Materiais Compostos, também foi usada para medir a densidade eletrônica de ossos e tecidos com objetivo de reduzir o tempo de aquisição em cada medida. Uma vantagem deste método é que, para uma boa aproximação, correções devido à atenuação do feixe espalhado não são necessárias, visto que os fótons espalhados elasticamente e inelasticamente são atenuados aproximadamente da mesma maneira pelos tecidos que circundam o osso em função da pequena diferença de energia entre eles. O primeiro trabalho reportando o procedimento foi feito por PUUMALAINEN e coautores (PUUMALAINEN, et. al., 1976) que utilizaram uma fonte de 241 Am e um semicondutor de Ge(LI) como detector da radiação espalhada. Analisando amostras de ossos trabeculares (esponjosos) eles conseguiram boa correlação entre a razão Rayleigh/Compton e a densidade com uma dose irradiada de menor que 100 mrads. Posteriormente PUUMALAINEN utilizou o mesmo aparato experimental e técnica para medida da quantidade de gordura no fígado obtendo acurácia similar (2~3%) a do trabalho anterior e mostrando que a técnica pode ser usada em matrizes menos densas (PUUMALAINEN, et. al., 1977; 1979). Vários outros trabalhos usando o conjunto – fonte: 241 Am, detector: germânio – foram reportados no estudo da densidade de ossos trabeculares através da razão entre o espalhamento coerente e incoerente. LING e colaboradores (LING, et. al., 1982) encontraram experimentalmente um decréscimo de 2,5% na medida da razão Rayleigh/Compton para cada 10% de aumento no percentual de gordura presente no osso (medula). Para as medidas eles usaram álcool tert-butílico (Zeff = 5,94) como simulador do tecido adiposo porque este composto possui número atômico efetivo e propriedades de atenuação semelhantes a da gordura humana. No mesmo trabalho, eles mostraram que 6 cm de tecido mole envolvendo o osso provoca um acréscimo de 7,2% da razão Rayleigh/Compton. Estudos sobre a calibração, precisão e acurácia da técnica também foram realizados (LEICHTER, et. al., 1985; SHUKLA, et. al., 1985). Após medir a densidade intermitentemente num período de 10 meses, os autores conseguiram uma precisão de 3% e uma acurácia de 5% comparada com valores de densidade obtidos pelo teste de deslocamento volumétrico de Arquimedes, usando amostras de calibração compostas por cinzas de ossos calcâneos suspendidas em vaselina (white petrolatum). Uma reprodutibilidade de 3% e uma boa correlação entre a densidade e a razão Rayleigh/Compton foi encontrada OLKKONEN e coautores (OLKKONEN, et. al. 1981), nas medidas em 28 amostras de ossos. Através de simulações computacionais GUTTMANN e GOODSITT (GUTTMANN e GOODSITT, 1995) também estudaram a influência da quantidade de gordura nas medidas de densidade em ossos trabeculares. Eles encontraram que para uma energia de 60 keV (241Am) variações no percentual de gordura levam a erros significativos na medida de densidade em função do ângulo de espalhamento. De fato, a redução em 6% da quantidade de gordura resulta em erros de +13,8%, 10,8%, 6,2% e 2,9% para 31 ângulos de 45:, 71:, 90: e 135: respectivamente, indicando uma vantagem no uso de ângulos maiores nesta metodologia. KERELLAS, et. al. (KERELLAS, et. al., 1983) estabeleceram teórica e experimentalmente que para o intervalo de Z englobando os ossos trabeculares, o aumento do ângulo de espalhamento resulta numa forte dependência da razão Rayleigh/Compton com Z. O efeito foi estudado usando uma fonte de 241Am (44,4 GBq) e um detector de germânio intrínseco. Isto implica que, para ângulos de espalhamento maiores, há um aumento da sensibilidade da medida de densidade dos ossos trabeculares e esta melhoria compensa o decréscimo de precisão causado pela baixa contagem decorrente do espalhamento a altos ângulos. Utilizando aparato experimental semelhante, esta conclusão também foi verificada por GIGANTE e SCIUTI (GIGANTE e SCIUTI, 1984) usando Ca 3(PO4)2 numa mistura com glicerina como material de testes. Eles também notaram que o uso de ângulos de retroespalhamento (θ = 135:) resulta numa melhor separação entre os picos Rayleigh e Compton, melhorando a visualização de suas intensidades. Medidas de densidade de ossos trabeculares in vivo também foram realizadas utilizando sistema experimental composto pela fonte de 241Am e o detector de HPGe numa geometria de espalhamento de 90: (SHUKLA, et. al., 1986). Os valores de densidade encontrados para um grupo de 71 voluntários saudáveis (32 homens entre 22 e 77 anos e 39 mulheres entre 18 e 73 anos) mostraram diferença significativa em relação aos valores medidos em 15 voluntários paraplégicos (11 homens e 4 mulheres), confirmando que a técnica pode ter grande valor para o diagnóstico precoce de osteoporose. Experimentando outras energias de feixe incidente, STALP e MAZESS (STALP e MAZESS, 1980) notaram que há um aumento do “shift Compton” para maiores energias da fonte de 153Gd (103 keV) em comparação à energia do 241Am (60 keV). Apesar de feixes com energia mais alta possuírem a vantagem de maior penetração, a probabilidade de espalhamento é menor, proporcionando menores contagens. No entanto, o aumento do “shift Compton” permite o uso de ângulos de espalhamento menores (30:) onde a probabilidade do espalhamento é maior. KERR e colaboradores (KERR, et. al., 1980) usando uma fonte de 153Sm (103,2 keV) e um detector de Ge intrínseco, experimentaram diferentes ângulos de espalhamento para medir a densidade de ossos de tornozelo recobertos com resina simulando tecido. A 15: o pico do espalhamento coerente não pode ser notado, enquanto que a 28: o pico aparecia, mas com resolução pobre. Eles escolheram o ângulo de 22,5: porque em aproximadamente 23: o pico correspondente ao espalhamento coerente ficava melhor resolvido mostrando um compromisso aceitável entre intensidade do pico e resolução, como mostra a figura 09. 32 153 Fig. 09 – Espectro do espalhamento Rayleigh/Compton para energia de 103,2 keV ( Sm) em ossos de tornozelo, para os ângulos de 15:, 23: e 28: (extraído de KERR, et. al. 1980). O efeito combinado da energia e do ângulo de espalhamento foi descrito por LAICHTER e coautores (LEICHTER, et. al., 1984) como um único parâmetro que eles denominaram de transferência de momento. Usando uma solução de K2HPO4 de diferentes concentrações simulando ossos e três energias provenientes das fontes de 241Am (60 keV), 122Xe (133 keV), 99Tc (140 keV), eles concluíram que este parâmetro único reflete os efeitos do ângulo de espalhamento e energia do fóton incidente sobre sensibilidade da técnica. Usando o mesmo simulante (K2HPO4), NDLOVU et. al. (NDLOVU et. al., 1991) determinaram que a diferença de densidade mínima detectável é praticamente independente do ângulo de espalhamento para uma energia de 60 keV, enquanto que para uma energia de 100 ou 122 keV o ângulo de espalhamento deve ser menor que 70: para otimizar a diferença mínima detectável. A razão entre o espalhamento coerente e incoerente também foi empregada na medida de densidades de matrizes biológicas mais leves. HOLT e colaboradores (HOLT, et. al., 1983) determinaram variações de densidade in vitro de cistos mamários, fígado e soluções salinas. Os espectros de energia de uma fonte de 214 Am espalhada num ângulo de 171: mostrou variações de densidade de 0,9% na soluções salinas e pode-se diferenciar claramente os cistos mamários de outros fluídos normais presentes no corpo humano. Mais recentemente SHAKESHAFT e coautores (SHAKESHAFT, et. al., 1997; MORGAN, et. al., 1998) utilizaram a razão Rayleigh/Compton para medir o quociente médio entre gordura e músculo em um volume de tecido humano. Para verificar se a técnica poderia distinguir claramente entre músculos e gordura, simulantes do tecido humano compostos de água, etanol e resina epóxi foram construídos. Utilizando um fonte de 241 Am (7,4 GBq) e um detector de HPGe com 32 mm de diâmetro numa geometria de retroespalhamento de 150:, eles conseguiram uma diferença de 85% no valor da razão 33 Rayleigh/Compton entre a água e o etanol em medidas com profundidade de maior que 50mm. Este valor mostra a boa sensibilidade da técnica em função das diferentes densidades dos materiais analisados. Logo depois os mesmos autores utilizaram a mesma técnica e aparato experimental para medir a densidade de ossos mandibulares (MORGAN, et. al., 1999). A queda de densidade em ossos da mandíbula também pode ser um indicativo de osteoporose (HORNER, et. al., 1996). Eles determinaram a densidade de “phantons” compostos por soluções de K2HPO4 de diferentes densidades, com incerteza de aproximadamente 1%, resultado esse melhor do que o obtido por radiografia. Estudo similar em ossos e gordura utilizando o mesmo arranjo experimental, porém numa geometria de retroespalhamento de 137: foi realizado por TARTARI e colaboradores (TARTARI , et. al., 1992; 1998) também obtendo bons resultados, visto que especial atenção foi dada na correção dos efeitos de múltiplos espalhamentos, já estudados anteriormente pelos mesmos autores (TARTARI, et. al., 1996). 7.1.2 Método Duas Fontes Outra metodologia para se medir a densidade e quantidade de minerais em ossos foi proposta por CLARKE e VAN DYK (CLARKE e VAN DYK, 1973), utilizando os feixes transmitido e espalhado provenientes de duas fontes de 60Co e 137Cs coletados por detectores de NaI(Tl). Este tipo de geometria visava diminuir os problemas causados por efeitos de atenuação do feixe espalhado ao longo da amostra. No mesmo trabalho eles também propuseram uma configuração utilizando uma única fonte e dois detectores. Mantendo a amostra fixa alterna-se a posição da fonte de modo que na primeira medida o detector 1 detecta o feixe transmitido e o detector 2 detecta o feixe espalhado. Já na segunda medida, a fonte é movida para a posição 2, e os papéis dos dois detectores se invertem como mostrado na figura 10. Fig. 10 – Configuração da fonte e detectores (D1 e D2) para medidas de densidade eletrônica. a) posição inicial na primeira medida. b) fonte movida para a posição 2 na segunda medida. (extraído de CLARKE e VAN DYK, 1973) Desta maneira o valor da densidade é obtido através de uma relação simples entre as intensidades transmitidas e espalhadas nas duas posições. Vale notar que este valor é independente do 34 tipo e quantidade de material que cerca o tecido ósseo no interior do corpo. OLKKONEN e KARJALAINEN (OLKKONEN e KARJALAINEN, 1975) usaram esta mesma técnica para medir densidade de ossos empregando uma fonte de 170 Tm (650mCi) e dois detectores de NaI. Os valores de densidade de 24 espécies de ossos mostraram boa correlação (r = 0,94) com os resultados obtidos pelo método de Arquimedes. O método das duas fontes previamente descrito também foi usado por GARNETT e colaboradores (GARNETT, et. al., 1973) para densiometria de ossos usando 203Hg e 198Au como emissores de raios gama. Os resultados obtidos tiveram bom acordo com os encontrados com outras técnicas de medição de densidade. SHRIMPTON (SHRIMPTON, 1981) também utilizou esta técnica para determinar a densidade in vitro de dez tipos de tecidos e quatro tipos de fluídos humanos. Seu sistema era constituído por duas fontes de 57Co e 153 Gd com energias de 122 keV e 100 keV respectivamente. Os resultados mostraram as densidades eletrônicas dos tecidos humanos saudáveis investigados no trabalho, estão concentradas num intervalo de 5% em torno do valor de 3,4x1023 elétrons/cm3. Outros autores utilizaram técnica similar para medir a densidade do pulmão utilizando fontes de 153 Sm e 170 Tm e detectores de NaI (GARNETT, et. al., 1977; KOURIS, et. al., 1980; WEBBER e COATES, 1982; COATES, et. al., 1982). Variações de densidade no tecido pulmonar, em particular causadas pela presença de líquidos no tecido extravascular, são sintomas de edema pulmonar. Pacientes que sofrem desta doença são submetidos a níveis consideráveis de radiação, porque precisam de verificações frequentes do estado do edema por meio de exames radiográficos no tórax. Portanto, técnicas alternativas sensíveis à variações de densidade empregando baixas doses de radiação, são sempre bem vindas. KAUFMAN e colaboradores (KAUFMAN, et. al., 1976; 1977) propuseram um sistema portátil para medida de densidade do tecido pulmonar constituído de dois detectores de CdTe, uma fonte de 153 Gd e colimadores compactos feitos de tubos de tântalo. Medidas com acurácia entre 2~5% e boa reprodutibilidade foram obtidas com o sistema. Posteriormente o mesmo aparato experimental foi empregado para medir a densidade de pulmões in vivo, usando 19 cães com edema pulmonar induzido por uma combinação de aumento da pressão arterial e hemodiluição (GANSU, et. al., 1979). Variações de densidade no intervalo de 0,1 a 1 g/cm3 puderam ser detectadas, independente da espessura da parede torácica. Uma metodologia alternativa, mas que mantém a mesma essência do método das duas fontes consiste em empregar um radioisótopo de emite gama com duas ou mais energias bem características. HUDDLESTON et. al. (HUDDLESTON et. al., 1985; 1987) selecionaram as energias de 317 e 468 keV de uma fonte de 192 Ir e um detector de NaI(Tl) para medir a densidade de várias soluções orgânicas que simulam tecidos humanos. Fazendo correções de múltiplos espalhamentos, foi reportada no trabalho 35 uma acurácia entre 1~2% no valor das densidades das amostras analisadas para uma geometria de espalhamento de 90:. 7.2 IMAGEAMENTO 2D E 3D Diferentes abordagens para a geração de imagens em função da densidade eletrônica através do espalhamento Compton já foram desenvolvidas. As três principais que podemos citar são diferenciadas pela maneira com que a varredura no objeto é feita: ponto a ponto, linha a linha, plano a plano (LAWSON, 2002). Um esquema desses modos é mostrado na figura 11. Fig. 11 – Desenho esquemático dos principais métodos de varredura para imageamento Compton (extraído de GUZZARDI e LICITRA, 1988). O primeiro estudo que utilizou o espalhamento Compton de raios gama para imageamento e que instituiu as bases da técnica foi realizado por LALE em 1959 (LALE, 1959). Ele propôs uma varredura ponto a ponto para determinar diferenças de densidade em tecidos internos de corpos de coelhos e porcos da Guiné. O arranjo experimental usado neste trabalho era composto por uma fonte colimada de 192 Ir e um cristal de Perspex de 5” ligado a um fotomultiplicador para a detecção do feixe espalhado à 45: e 90:. Realizando varreduras transversais ao longo do corpo dos animais, LALE conseguiu observar contrastes de densidade entre músculos e sangue (aproximadamente 2% de diferença entre as densidades eletrônicas) e entre músculo e gordura que diferem em 6% nas suas densidades eletrônicas. Apesar dos bons resultados de contraste, a varredura de uma área medindo 3” x 3” levou aproximadamente 10 horas. Posteriormente Clarke e colaboradores (Clarke, et. al., 1976) projetaram um aparato mais adequado ao uso clínico. Neste sistema temos uma fonte bem colimada de 60Co e dois detectores de plástico cintiladores acoplados a fotomultiplicadoras detectando o feixe espalhado a 45: em relação a direção do feixe incidente, como esquematizado na figura 12. O sistema apresentava resolução espacial de 0,5 cm na horizontal e 1,2 cm na vertical, além de uma acurácia de 2 a 4% no valor da densidade. A 36 varredura é feita por meio da movimentação do paciente. Uma varredura típica consiste de uma passagem rápida (20min) em baixa resolução para localizar os órgãos de interesse, seguida por uma varredura com maior resolução em densidade e consequentemente mais demorada, consumindo um tempo entre 20 e 40 min. Mesmo com o tempo elevado, a dose recebida pelo paciente fica em torno de 0,2~1 rad. Fig. 12 – Esquema do aparato experimental desenvolvido por Clarke, et. al., mostrando as posições da fonte e detectores em relação à mesa móvel onde o paciente é analisado (extraído de Clarke, et. al., 1976). BATTISTA e BRONSKILL (BATTISTA e BRONSKILL, 1977; 1978; 1981) usaram sistema semelhante com detectores de NaI para imageamento de rins e tórax objetivando a tomografia de seções transversais completas do órgão. Apesar de usar simulantes simples de lucita preenchidos com sacarose, eles fizeram uma monitoração detalhada dos múltiplos espalhamentos e propuseram modelos de correção para a atenuação do feixe espalhado, melhorando a reconstrução das seções transversais e obtendo precisão de 5% no valor da densidade eletrônica. Visando diminuir o tempo de aquisição para o imageamento de uma seção transversal do corpo, FARMER e COLLINS (FARMER e COLLINS, 1971; 1974) introduziram o método de varredura linha a linha. Neste sistema um feixe estreito de raios gama proveniente de uma fonte de 137 Cs é direcionado 37 horizontalmente através do corpo paciente e os fótons espalhados são analisados por um detector de Ge(Li) posicionado a 90: em relação ao feixe incidente e no mesmo plano deste com mostra a figura 13. Fig. 13 – Sistema de imageamento por varredura linha a linha proposto por FARMER e COLLINS para reconstrução 2D de seções transversais do corpo humano (extraído de FARMER e COLLINS, 1971). Nesta configuração, o detector coleta um leque de feixes espalhados em cada ponto dentro do paciente ao longo do caminho do raio incidente onde ocorre uma interação Compton. Desta maneira a relação entre a energia e o ângulo permite a reconstrução da distribuição de densidades do volume irradiado. Os autores reportaram uma resolução espacial maior que 5 mm e um tempo de 20 minutos para uma varredura completa no tórax e 10 minutos para a cabeça, usando simulantes para essas duas partes do corpo. 38 Um sistema de varredura linear interessante foi desenvolvido por MORETTI e coautores (MORETTI, et. al., 1977; 1980; BOK, et. al., 1978) . Ele consiste em duas fontes iguais de 192Ir irradiando o caixa torácica do paciente na mesma linha mas em direções opostas, numa tentativa de diminuir os efeitos de atenuação. O sistema de detecção é formado por uma barra de NaI(Tl) com dimensões de 50 cm de comprimento, 3,2 cm de largura e 2 cm de espessura, formando um detector linear sensível a posição e equipado com um colimador paralelo de alta resolução. Ainda tentando melhorar o desempenho do sistema de imageamento, outros pesquisadores desenvolveram a varredura plano a plano. Esta, por sua vez, é caracterizada por utilizar detectores com grandes campos de visão, posicionados numa geometria na qual o plano irradiado, que define o volume tomografado, fica sempre paralelo ao plano do detector. A principal vantagem desta metodologia é a reconstrução simultânea da distribuição de densidades de uma grande área. MIRELL, et. al. (MIRELL, et. al., 1976) e posteriormente KOJIMA, et. al. (KOJIMA, et. al, 1978), foram os primeiros a explorar o método usando-o para tomografia do cérebro. O sistema proposto consistia numa fonte circular colimada de 99mTc (5Ci) e um largo detector de NaI(Tl) equipado com colimadores paralelos. A aquisição da imagem de uma seção axial do cérebro levava de 6 a 8 minutos com o paciente recebendo uma dose de 0,5 rads. Para varredura de uma seção adjacente do cérebro, o sistema é transladado com passos de 1 cm, até o completo imageamento do órgão. Uma desvantagem desse equipamento é a curta meia vida do isótopo 99m Tc (~6 horas) usado como fonte, exigindo frequentes trocas e elevando o custo operacional. OKUYAMA e coautores (OKUYAMA, et. al., 1977a; 1977b; 1979a; 1979b) também utilizaram a metodologia de varredura plano a plano para mamografia. O aparato experimental proposto pelos autores consistia numa fonte pontual de 99m Tc ou 137 Cs gerando um feixe em leque e um detector de NaI(Tl) equipado com colimador de furos paralelos ou de furo único (pinhole) para obter uma aumento da imagem. Para aumentar o contraste de densidade nas imagens foi acoplada ao sistema uma tela de TV colorida digital que forneceu uma visualização mais precisa das bordas que delineiam os tecidos moles incluindo câncer e infiltrações. Posteriormente GUZZARDI et. al. (GUZZARDI et. al., 1977; 1978; 1980; GUZZARDI e MEY, 1981; PISTOLESI, et., al., 1978) projetaram e construíram um sistema de imageamento especialmente adequado para estudos de pulmão. No projeto preliminar os pesquisadores usaram uma fonte de 203 Hg linear que fornece um feixe completamente monoenergético para irradiar horizontalmente uma seção da caixa torácica (figura 14a). Após estudos de geometria e dose, um aperfeiçoamento foi proposto com o uso de duas fontes seladas de 192Ir proporcionando um aumento do espalhamento, além de ser uma isótopo com meia vida mais longa (figura 14b). Em ambos os casos a detecção dos fótons espalhados a 90: é feita por uma câmera gama LFOV (Large Field of View), composta por um cristal de NaI(Tl) e vários 39 fotomultiplicadores montados sobre uma colimação paralela. Este tipo de câmera é facilmente encontrada em centros de medicina nuclear. Fig. 14 - Desenho esquemático do sistema de imageamento proposto por GUZZARDI, et. al. a) Projeto preliminar que usava a fonte linear de 203Hg; b) Projeto aperfeiçoado usando duas fontes pontuais de 192Ir (extraído de GUZZARDI e LICITRA, 1988). A figura 15 mostra um esquema da configuração que pode ser utilizada para obter imagens de pulmão in vivo em pacientes. Uma seção frontal da parte maior do tórax é feita em 20 a 30 segundos. O estudo culminou na construção de um aparelho comercial, batizado de Tomocompton (figura 16), que apresentou performance bastante satisfatória, inclusive sendo aplicado no imageamento de defeitos em peças de metal em testes não destrutivos fora da área médica (GUZZARDI et. al., 1987). 40 Fig. 15 - Configuração utilizada para obter imagens de pulmão in vivo em pacientes. Direita – visão frontal e superior da posição do paciente para obtenção de tomografia frontal. Esquerda - visão frontal e superior da posição do paciente girado 90: para obtenção de tomografia sagital (extraído de GUZZARDI e LICITRA, 1988). Fig. 16 – Foto do aparelho para imageamento do tórax Tomocompton (extraído de GUZZARDI e LICITRA, 1988). 41 Apesar do espalhamento com raios-X não ser o escopo deste trabalho, outro parelho comercial muito utilizado para imageamento foi desenvolvido pela empresa Philips. Denominado de ComScan (um acrônimo para Compton scatter scanner) ele usa o espalhamento Compton de raios-X para a produção de imagens (HARDING, 1982; HARDING, et. al., 1983; HARDING e TISCHLER, 1986). Além de ser utilizado na área médica com grande sucesso, exemplos de aplicações em testes não destrutivos na área industrial podem ser facilmente encontrados (HARDING, 1997; HARDING e HARDING, 2010). Nos dias atuais, devido ao progresso das técnicas de tomografia computadorizada por transmissão de raios-X e da ressonância magnética, a obtenção de imagens por espalhamento Compton de raios gama usando a abordagem descrita acima é pouco utilizada na área médica. No entanto, recentemente uma nova metodologia que usa o fenômeno do espalhamento incoerente para imageamento está sendo estudada (PHILLIPS, 1995; ROYLE e SPELLER, 1997; LEE, et. al., 2008; UENO, et. al., 2008). Usando detectores sensíveis a posição, estes dispositivos denominados de Câmeras Compton de Raios Gama, capturam duas ou mais interações de um fóton incidente registrando informações de posição e energia para cada interação (XU e HE, 2007; SEO, et. al., 2008; 2009; HARKNESS, et. al., 2009). Como vantagens desta técnica podemos citar a capacidade de imageamento 3D de uma posição fixa, liberdade no uso de energias de gama (100keV – 10Mev), capacidade de rastreamento simultâneo de múltiplos radioisótopos e alta sensibilidade sem o uso de colimação (AN, et. al., 2007). Embora atualmente os dispositivos já estudados apresentem baixa resolução para uso em imageamento médico, estes sistemas se mostram muito promissores para obtenção de imagens nas áreas de medicina nuclear e molecular. 8. OUTRAS APLICAÇÕES Nesta seção citaremos mais algumas aplicações interessantes que utilizam o espalhamento Compton de raios gama como técnica de investigação. Uma das aplicações citadas na introdução deste trabalho é a localização de rachaduras internas em cerâmicas e afrescos auxiliando em trabalhos de manutenção e restauração de material histórico. Embora alguns estudos para detecção de defeitos e imageamento tenham sido feitos usando raios-X como fonte primária de energia (CASTELLANO, et. al., 2005a; 2005b; HARDING e HARDING, 2010), outros podem ser encontrados utilizando fontes de gama. Por exemplo, BONIFAZZI e coautores (BONIFAZZI, et. al., 2004) desenvolveram um sistema batizado de ECoSp (acrônimo para Enhanced Compton Spectrometer) para detectar falhas, defeitos ou fraturas em afrescos. O dispositivo consiste de uma fonte de 241Am cilíndrica e colimada, posicionada coaxialmente em relação a um detector de NaI(Tl) de grande área. Completa o sistema um colimador anular permitindo que só os fótons retroespalhados a 160: cheguem ao detector. Medindo um simulante de afresco composto por três camas de estratos de 42 gesso diferentes, o espectrômetro mostrou-se adequado para revelar o tamanho, forma e posição de uma falha, através de imagens reconstruídas por uma análise multivariada, esta previamente estudada pelos autores (BONIFAZZI, et. al., 2000; 2004; TARTARI, 2000). Visando o controle de qualidade do processo produtivo, um sistema experimental semelhante composto por uma fonte de 241 Am cercada por um detector de NaI(Tl), foi utilizado para monitorar a espessura de tiras de borracha numa planta industrial de vulcanização (BATES e BICKEL, 1991; BATES, 1992). Os autores reportaram que, após a instalação do aparelho de monitoração, as variações de espessura tiveram uma redução significativa de 7% para 1%. MORHAIM e colaboradores (MORHAIM, et. al. 2008) utilizaram o espalhamento Compton para projetar um sistema de calibração de dosímetros. A metodologia convencional de calibração consiste na exposição do dosímetro a várias fontes monoenergéticas enquanto se varia a distância entre fonte e detector. Ao invés disso, eles usaram uma única fonte de 137Cs para criar um feixe de calibração com um largo espectro de energia produzido através do espalhamento Compton proveniente de um alvo de cobre. O dosímetro é então movido sobre um raio constante em volta do alvo sendo exposto a diferentes energias determinadas pelo ângulo de espalhamento. Densitômetros baseados em retroespalhamento gama já foram utilizados inclusive em outros planetas. Em 1966 a sonda soviética Luna 13 pousou na superfície da Lua carregando um densitômetro gama para analisar o rególito lunar (regolith) (CHERKASOV, et. al., 1968a, 1968b). Embora o instrumento tenha operado com sucesso, somente uma medida pode ser realizada, resultando num valor não confiável. Venus também recebeu densitômetros gama a bordo das sondas Venera 9 e 10 para análise de sua superfície (SURKOV, et. al., 1976a; SURKOV, et. al., 1976b; SURKOV, et. al. 1977; SURKOV e BARSUKOV 1985). O instrumento contava com uma fonte de 137 Cs e três contadores Geiger-Müller. Dados aproveitáveis somente puderam ser obtidos da sonda Venera 10 que mediu com sucesso a densidade da superfície da rocha, chegando a um valor de 2800 100 kg/m3. O retroespalhamento Compton também foi proposto como técnica de análise embarcada na sonda RoLand (Rosetta Lander), com objetivo de se medir a densidade do material próximo à superfície do núcleo de um cometa (BALL, et. al., 1996, WITTMAN, et. al., 1999). Entre vários outros instrumentos de análise presentes na sonda, o densitômetro é composto por uma fonte de 137Cs e um detector de CdTe. Esta missão teve seu lançamento em março de 2004 e ainda está em curso, sendo que a sonda deve atingir o cometa 67/P Churyumov-Gerasimenko em 2014 a uma distância de 790 milhões de quilômetros do Sol, após a viagem de 10 anos (ULAMEC, et. al., 2006). Como os cometas são astros primitivos do nosso sistema planetário este tipo de análise pode trazer novas informações sobre a formação do sistema solar. 43 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste artigo várias aplicações da técnica de espalhamento Compton de raios gama, e suas variações, foram reportadas. Os dados provenientes dos estudos de aplicabilidade mostraram as características fundamentais da técnica que a levam a ser preferida para algumas aplicações de NDT, como o alto contraste mesmo em amostras espessas, boa resolução espacial e capacidade de imageamento dimensional 2D e 3D por meio de varredura. A técnica é aplicável a um só lado de uma estrutura permitindo a análise objetos de grandes dimensões, com impossibilidade de movimentação e/ou acesso a ambos os lados. A metodologia também fornece medidas de densidade somente no volume de interesse e em tempo real, com a capacidade de imageamento de áreas específicas sem a necessidade de irradiação de toda a amostra. Combinada com outras técnicas como a transmissão gama ou a razão Rayleigh/Compton, ela se torna uma ferramenta ainda mais precisa para medidas de densidade. Além disso, as interações de espalhamento Compton são predominantes para as energias dos radioisótopos disponíveis comercialmente tais como 137 Cs, 194 Ir, 60 Co e 241 Am. Isto é especialmente verdade para elementos encontrados em tecidos moles investigados em medicina e em uma vasta gama de materiais utilizados em aplicações industriais, reforçando a versatilidade da técnica. Com o avanço, miniaturização e barateamento dos detectores, de componentes eletrônicos e de informática abre-se a possibilidade do desenvolvimento de novos equipamentos portáteis e de custo acessível, ampliando os campos de aplicação do método. Em função de todas essas características, prevemos um uso cada vez maior da técnica de espalhamento Compton, incluindo novas aplicações num futuro breve nas áreas industriais aeronáutica, nuclear, automobilística, espacial, medica e de defesa. 44 10. REFERÊNCIAS ABDUL-MAJID, S. 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