Revista Eletrônica Novo Enfoque, ano 2013, v. 16, n. 16, p. 41 – 52 DIPTERA CALLIPHORIDAE DE IMPORTÂNCIA FORENSE NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO OLIVEIRA-COSTA, Janyra 1; OLIVEIRA, Rodrigo Gonçalves de 2, BASTOS, Caroline da Silva² Resumo A ordem Diptera é a pioneira, dentre os insetos, a colonizar um cadáver e desempenha um importante papel no processo de decomposição, sendo fundamental a realização de estudos direcionados a esta ordem. Dentre os dípteros, Calliphoridae é umas das mais frequentes e abundantes famílias a colonizar o cadáver, utilizando o cadáver como fonte de nutriente para si e sua prole. Esse estudo visa a listar as espécies de califorídeos de interesse médico-legal para a Estimativa Pós-morte (IPM) em nosso país, especialmente, para o Rio de Janeiro. Os espécimes foram coletados diariamente através de armadilha tipo Shannon modificada, durante as quatro estações do ano. Foram coletadas 10 espécies e uma morfoespécie: Chrysomya albiceps (Wiedmann, 1819), C. megacephala (Fabricius, 1794), C. putoria (Wiedmann, 1818), Cochliomyia macellaria (Fabricius, 1775), Hemilucilia segmentaria (Fabricius, 1805), Lucilia eximia (Wiedmann, 1819), Cochliomyia hominivorax (Coquerel, 1858), Hemilucilia semidiaphana (Rondani, 1850), Lucilia cuprina (Wiedemann, 1830), Sarconesia chlorogaster (Wiedemann, 1830) e Paralucilia sp. Os sete primeiros táxons listados realizaram postura nas carcaças sendo, por esse motivo, considerados como de importância forense para a região. Palavras-chave: Entomologia Forense. Diptera. IPM. Abstract The order Diptera is the pioneer among the insects to colonize a corpse and plays an important role in the decomposition process, knowing this is essential for studies directed to this order. Among the Diptera, Calliphoridae is one of the most frequent and abundant families to colonize the cadaver, using the corpse as a source of nutrients for themselves and their offspring. This 1 Doutora. Laboratório de Entomologia Forense - Universidade Castelo Branco – Professor; Departamento de Polícia Técnico Científico - Instituto de Criminalística Carlos Éboli - Perito Criminal, Rua Pedro Primeiro, 28 Centro- Rio de Janeiro. [email protected] 2 Graduando. Laboratório de Entomologia Forense, Centro de Estudos e Pesquisa Biológicas, Universidade Castelo Branco, Av. Santa Cruz, [email protected] 1631, Realengo, Rio de Janeiro, Brasil. [email protected] e study aims to list the caliphorids species of interest medico legal for calculating Estimate Postmortem (PMI) in our country, especially to Rio de Janeiro. The specimens were collected daily through Shannon modified trap during the four seasons. We collected 10 species and one morphospecies: Chrysomya albiceps (Wiedmann, 1819), C. megacephala (Fabricius, 1794), C. putoria (Wiedmann, 1818), Cochliomyia macellaria (Fabricius, 1775), Hemilucilia segmentaria (Fabricius, 1805), Lucilia eximia (Wiedmann, 1819), Cochliomyia hominivorax (Coquerel, 1858), Hemilucilia semidiaphana (Rondani, 1850), Lucilia cuprina (Wiedemann, 1830), Sarconesia chlorogaster (Wiedemann, 1830) and Paralucilia sp. The first seven taxa listed oviposit in carcasses being, therefore, considered to be of forensic importance to the region. Keywords: Forensic Entomology. Diptera. PMI. Introdução A diversidade de insetos necrófagos no processo de decomposição cadavérica está associada aos fatores biogeoclimáticos a que estão submetidos. Além disso, muitas espécies de dípteros utilizam carcaças de animais e cadáveres humanos como local de acasalamento, postura ou fonte protéica (SMITH, 1986). O conhecimento da sucessão da entomofauna cadavérica é altamente importante em estudos forenses, tendo em vista a estimativa do intervalo pós-morte (IPM) (OLIVEIRA-COSTA, 2011). A ordem Diptera é uma das ordens de extrema importância na colonização do cadáver, pois é representada por um número de indivíduos frequentemente elevado (BENECKE, 2001), especialmente quando se trata da família Calliphoridae, que atuam em todas as fases da decomposição, e possui espécies que podem ser utilizadas como ferramenta para o cálculo do IPM (GOFF, 1993). A maioria dos estudos forenses foi realizada no hemisfério norte (ÁVILA & GOFF, 1998), o que torna necessária a realização de pesquisas no nosso hemisfério. Portanto, o objetivo deste trabalho é listar a fauna de Calliphoridae presente em carcaça no município do Rio de Janeiro, contribuindo para formação de um banco de dados. Procedimentos metodológicos O experimento foi desenvolvido no 26º Batalhão de Infantaria Pára-Quedista (BIPQDT), na Vila Militar (22°51'6"S 43°23'11"W), município do Rio de Janeiro em um fragmento de mata ciliar em torno de um córrego Lambari. Como modelo animal, foi usada uma carcaça de porco doméstico – Sus scrofa Linnaeus, 1758, de aproximadamente 15 kg, a cada estação climática, pelo período compreendido entre os 42 anos de 2006 e 2009. Esse animal tem sido usado como modelo nesse tipo de investigação devido à grande similaridade com seres humanos em relação à pequena quantidade de pelos, mesma relação torso/membros e mesma flora bacteriana intestinal (SMITH, 1986). O porco foi vestido e sacrificado no local do experimento, através de pancada na região craniana e facada na região do coração, metodologia utilizada em pocilgas para o abate comercial, simulando uma condição de morte violenta, onde há extravasamento do sangue sem, no entanto, causar sofrimento demasiado ao animal conforme licença emitida pelo Comitê de ética no Uso de Animais – UCB nº 044/11. A carcaça foi colocada em contato direto com o solo no interior de armadilha tipo Shannon modificada. E ao redor da Shannon, foram colocadas quatro armadilhas do tipo pitfall. Na parte superior da armadilha foi colocado um pote coletor para coleta de insetos voadores. As armadilhas de solo do tipo pitfall foram confeccionadas em recipientes plásticos com capacidade de 2,5 L enterrados no nível do solo. Eles foram dispostos a um metro a partir da armadilha Shannon e a 1,5 metro um do outro. No interior dos recipientes foi colocada uma solução de água com uma pequena parte de detergente para quebrar a tensão superficial. Não foi utilizada nenhuma solução preservativa para não interferir na atratividade dos insetos. A solução no interior dos pitfalls foi trocada diariamente conforme metodologia descrita em OLIVEIRACOSTA (2011). A carcaça e as armadilhas foram verificadas diariamente, no período da tarde, a fim de inventariar as espécies frequentes. A duração das coletas foi determinada pelo tempo de decomposição do porco e pela presença de exemplares dessa família no local. Os exemplares foram coletados na carcaça e na área ao seu redor. O solo foi revolvido com pá de jardineiro a fim de coletar larvas em dispersão ou pupas. Os imaturos em dispersão também foram capturados nos pitfalls com o auxílio de uma peneira e acomodados em potes com tampa. Os demais imaturos foram acondicionados em potes contendo papel úmido para evitar a desidratação. As larvas foram acondicionadas em recipientes separados e conduzidas em bolsa térmica com gelo provocando uma pausa no desenvolvimento até a chegada ao laboratório. Ovos, larvas em dispersão e pupas foram conduzidos em temperatura ambiente. As pupas foram acondicionadas, separadas, e tiveram sua coloração anotada. Todo o material foi encaminhado ao Laboratório de Entomologia Forense. As larvas designadas à criação (90% do total coletado) foram separadas de acordo com a espécie e instar. Os imaturos foram colocados diretamente sobre a dieta artificial em temperatura ambiente e criados em sala sem controle de temperatura objetivando a emergência dos adultos para confirmar a identificação. O restante do material foi preservado em álcool 70%. O materialtestemunho encontra-se no Laboratório de Entomologia Forense da Universidade Castelo Branco. 43 Análise de dados Os califorídeos coletados e sua sazonalidade estão apresentados na tabela 1. Das dez espécies e uma morfoespécie coletadas, apenas seis espécies foram comuns em todas as estações, sendo observada predominância da espécie Chrysomya albiceps (Wiedmann, 1819), esta geralmente frequentando a carcaça em todas as fases da decomposição em todas as épocas do ano de 2006 a 2009, exibindo menor frequência apenas na primavera de 2008. Em algumas estações surgiu no primeiro dia de IPM e em outras apenas a partir do estágio gasoso. Tabela 1 - Espécies de Calliphoridae coletados em carcaça de porco doméstico - Sus scrofa Linnaeus, 1758 durante todas as estações no município do Rio de Janeiro. O símbolo (+) indica presença e o símbolo (-) indica ausência. Gênero/Espécie Verão outono inverno primavera Chrysomya albiceps (Wiedmann, 1819) + + + + Chrysomya megacephala (Fabricius, 1794) + + + + Chrysomya putoria (Wiedmann, 1818) + + + + Cochliomyia hominivorax (Coquerel, 1858) + + - + Cochliomyia macellaria (Fabricius, 1775) + + + + Hemilucilia segmentaria (Fabricius, 1805) + + + + Hemilucilia semidiaphana (Rondani, 1850) + - - - Lucilia cuprina (Wiedemann, 1830) - + - - Lucilia eximia (Wiedmann, 1819) + + + + Paralucilia sp. + + - - Sarconesia chlorogaster (Wiedemann, 1830) - + - - A frequência de C. megacephala (Fabricius, 1794), C. putoria (Wiedmann, 1818), Cochliomyia macellaria (Fabricius, 1775), Hemilucilia segmentaria (Fabricius, 1805) e Lucilia eximia (Wiedmann, 1819) também foi representativa, tendo realizado postura na carcaça, ocorrendo em todas as estações climáticas, apesar de alguns táxons não terem ocorrido em algumas estações climáticas de alguns dos anos estudados. Assim, esses táxons foram considerados com potencial forense para estimativas de IPM na região Sudeste, mais especificamente no Rio de Janeiro. 44 Lucilia eximia, geralmente, foi a espécie pioneira nos nossos experimentos. Sua colonização na carcaça, com presença de imaturos, durou cerca de 10 dias. Porém, sua abundância e frequência, apesar de significativa nos primeiros estágios, diminuiu, consideravelmente, com a chegada da espécie C. albiceps. Quanto às outras espécies Chrysomya spp, C. megacephala foi muito frequente em todos os estágios de decomposição, especialmente na primavera e no outono, excetuando-se o inverno de 2009 que não apresentou ocorrência nos estágios fresco e de esqueletização. Essa espécie foi a segunda espécie em abundância, sendo a primeira na primavera de 2008. Enquanto que Chrysomya putoria esteve presente em todas as estações. Contudo, ocorreu em baixa abundância e não colonizou a carcaça em todas as fases da decomposição, sendo mais comum no estágio de deterioração. Hemilucilia segmentaria (Fabricius, 1805) também foi frequente, sendo encontrada em todas as épocas do ano e estando presente em todos os estágios de decomposição, apresentando maior ocorrência no gasoso e deterioração, diminuindo quanto ao número de indivíduos na fase de esqueletização. Cochliomyia macellaria apresentou variação de frequência durante os experimentos, sendo encontrada no verão e outono de 2006, com maior ocorrência no estágio fresco e gasoso; em todas as estações do ano de 2007; em todos os estágios de decomposição na primavera de 2008, colonizando a carcaça durante os estágios gasoso e de esqueletização no inverno de 2008; e não sendo observada no estágio de esqueletização no verão e outono de 2009. Os demais táxons coletados foram menos representativos, com pouca frequência e/ou abundância, não tendo ocorrido em todas as estações climáticas em nenhum dos anos estudados e não realizando postura nas carcaças. Cochliomyia hominivorax (Coquerel, 1858) não frequentou a carcaça na primavera. Hemilucilia semidiaphana (Rondani, 1850) apresentou pouca frequência sendo encontrada apenas no estágio de pós-deterioração na primavera de 2008 e no estágio gasoso no inverno de 2009. Lucilia cuprina (Wiedemann, 1830) foi encontrada apenas no estágio de pós-deterioração na primavera de 2008 e nos estágios de deterioração e de restos no outono de 2009. A espécie Sarconesia chlorogaster (Wiedemann, 1830) foi observada apenas na estação do outono, enquanto a morfoespécie Paralucilia sp. apenas nas estações do verão e outono. 45 Discussão de resultados SALVIANO et al. (1996) coletaram C. megacephala, H. segmentaria, C. albiceps. C. putoria e P. eximia (=Lucilia) associadas a cadáveres humanos no Instituto Médico Legal (IML) do Rio de Janeiro e verificaram maior frequência de C. megacephala, em cerca de 50% das coletas, constatando esta alta frequência que também foi verificada por GOFF (1991), e H. segmentaria também esteve presente em 50% dos corpos analisados, o que normalmente não ocorreu nos nossos experimentos. OLIVEIRA-COSTA et al. (2001), também no Rio de Janeiro, consideraram as espécies C. albiceps, C. megacephala, Co. macellaria e L. eximia, que foram coletadas associadas a cadáveres humanos em locais de crime, como as de maior importância forense para a cidade, nessa ordem de frequência e abundância. OLIVEIRA-COSTA & MELLO-PATIU (2004) utilizaram as espécies C. megacephala e Co. macellaria em estudos de caso para estimativa de IPM no Rio de Janeiro. Também nessa cidade, BARBOSA et al. (2010) coletaram, em experimento realizado com porco doméstico, algumas das espécies que foram frequentes em nossos experimentos, dentre elas, a de maior frequência Chrysomya albiceps, além de Chrysomya megacephala, Chrysomya putoria, Hemilucilia segmentaria e Lucilia eximia, ratificando sua importância para o Rio de Janeiro. Em outros estados da região Sudeste, esses táxons também foram ressaltados como de importância forense. SOUZA & LINHARES (1997), em Campinas – SP, encontraram C. albiceps como a espécie mais frequente na decomposição de carcaça de Sus scrofa e discutiram o fato de que nas pesquisas de LINHARES (1981), MONTEIRO-FILHO & PENEREIRO (1987) e MENDES & LINHARES (1993) essa espécie teria sido observada em quantidade relativamente pequena. Os autores atribuíram isso à utilização de iscas de diferentes tipos e tamanhos, como pequenos roedores e vísceras de frango, pois substratos alimentares efêmeros podem alterar o número e frequência de indivíduos presentes. Além dessa espécie, SOUZA & LINHARES (1997) verificaram que as fêmeas de Chrysomya megacephala, Chrysomya putoria, Hemilucilia segmentaria e Lucilia eximia utilizavam a carcaça para postura. CARVALHO et al. (2000), na mesma cidade, coletaram todas as espécies classificadas na presente pesquisa como de importância forense, tanto em cadáveres humanos no IML, quanto associadas a carcaças de porco doméstico. Porém, apenas C. albiceps e C. megacephala realizaram postura nos cadáveres humanos. CARVALHO et al. (2004), também em Campinas, utilizando apenas carcaça de porco exposta em área urbana, classificaram algumas espécies como potencial para a aplicação forense: C. albiceps, C. megacephala, C. putoria e L. eximia, justamente as espécies mais frequentes em nossos experimentos. Enquanto que em experimento realizado com carcaças mais efêmeras como ratos Mus musculus (Linneaus, 1758) e ratos albinos Rattus norvegicus (Berkenhout, 46 1769) , na mesma cidade, MORETTI et al. (2008) coletaram Co. macellaria, H. segmentaria, L. eximia e C. megacephala. Em Minas Gerais, ROSA et al. (2009) também coletaram esses califorídeos associados a carcaça de porcos domésticos. Os espécimes adultos de Chrysomya albiceps e Cochliomyia macellaria foram coletados em maior número. C. albiceps representou 72,5% dos membros da família atraídos e 96,9% de todos os dípteros criados, tendo postura também muito expressiva. Os imaturos de C. putoria, Hemilucilia segmentaria e Lucilia eximia também se desenvolveram nas carcaças. Também nesse estado, KOSSMANN et al. (2011) utilizaram postura de C. albiceps e H. segmentaria para a estimativa do intervalo pós-morte. A competição interespecífica é uma relação comum nas comunidades necrófagas, visto que as espécies são envolvidas em competição por exploração (NICKOLSON 1957). A dominância de duas ou três espécies caracteriza o padrão de estrutura de comunidades necrófagas (BRAACK, 1987; BLACKITH & BLACKITH, 1990, WOODCOOK et al. 2002). Na presente pesquisa foi verificada predominância de da espécie Chrysomya albiceps que também ratifica as conclusões de pesquisas em outras regiões do país, como BARROS (2009) na região Norte; OLIVEIRA & VASCONCELOS (2010), na região Nordeste; e BIAVIATI et al., 2010, na região Centro-Oeste. Porém, na região Sul do país foi verificada predominância da espécie Lucilia eximia. MOURA et al. (1997) e MOURA et al. (2004) observaram essa espécie em maior abundância em experimento com carcaça de Rattus norvegicus e ANJOS (2009) com carcaça de gambá Didelphis albiventris Lund, 1841, carcaça de perdiz Nothura maculosa Temminck, 1815 e um lagarto Tupinambis marianae Duméril & Bibron, 1839. Como já discutido acima, em razão do comportamento pioneiro dessa espécie, é possível que o caráter efêmero do substrato alimentar tenha impedido a competição com Chrysomia albiceps que não encontrou recurso alimentar suficiente na carcaça. Outra explicação para esse fato é que, de acordo com WELLS & GREENBERG (1992), a introdução das espécies C. albiceps, C. megacephala e C. putoria, possivelmente, causou impacto na comunidade nativa de dípteros necrófagos. Essa afirmativa é confirmada pela frequência e abundância observada por FREIRE (1914) que considerou Cochliomyia macellaria a mais frequente das espécies em colonização de cadáveres no Brasil. No experimento desse autor, a presença da espécie Lucilia eximia foi observada cerca de dois ou três dias após o abate do animal, contrariando o comportamento pioneiro observado na presente pesquisa. O tempo de desenvolvimento dessa espécie associada às carcaças no trabalho desse autor também foi muito mais longo. Em nossas pesquisas, o tempo curto de desenvolvimento pode ser explicado pela diferença do clima atual do Rio de Janeiro que torna o desenvolvimento desta espécie favorável, bem como pelo declínio em abundância e frequência verificado que, possivelmente, foi 47 decorrente da competição do C. albiceps que dominou a carcaça. Além disso, no trabalho de FREIRE (1914) a espécie dominante foi Co. macellaria que apresentou preferência pelo estágio de deterioração, enquanto que em nossos experimentos esse táxon frequentou a carcaça em praticamente todas as fases de decomposição e fez postura nas fases gasosa e esqueletização, podendo também ter inibido o desenvolvimento de L. eximia. De acordo com AGUIARCOELHO (1995), a frequência de Co. macellaria também diminuiu com a introdução de Chrysomya no país, possivelmente devido ao comportamento predatório e competição larval desse gênero. ANDRADE et al. (2005), em coleta realizada em cadáveres humanos no IML do Rio Grande do Norte, observaram que a agregação larval de Co. macellaria diminui quando C. albiceps está presente. Esses autores verificaram a frequência de seis espécies de Calliphoridae: Chrysomya megacephala, Chrysomya albiceps, Cochliomyia macellaria, Lucilia eximia, Lucilia cuprina e Lucilia sp. Porém, houve outra inversão de frequência e abundância, com a espécie C. megacephala predominando e sendo seguida de C. albiceps. Essa frequência também ocorreu na primavera de 2008 em nosso experimento, porém essa frequência foi maior para C. albiceps durante todo o restante do experimento. Dentre as espécies coletadas por esse autor, todas possuíram representatividade em nossos experimentos, com exceção de Lucilia cuprina que, apesar de presente, apresentou frequência baixa. Também na região Nordeste, Em Pernambuco, OLIVEIRA & VASCONCELOS (2010) coletaram C. albiceps em maior número em cadáveres humanos e C. megacephala em segundo lugar, conforme os resultados dos nossos experimentos no Rio de Janeiro. Neste experimento foi observada também a presença de C. putoria, Co. macellaria e L. eximia, cuja importância forense foi ratificada no presente trabalho, assim como ROSA et al. (2009) que verificou em Uberlândia, Minas Gerais, que estas mesmas espécies frequentaram e colonizaram carcaça de Sus scrofa durante o processo de decomposição, evidenciando que estas espécies são boas indicadoras forense. Apesar das outras espécies coletadas no presente trabalho não terem apresentado uma frequência tão marcante, todas já foram coletadas em outros estudos no país. No experimento de BARROS (2009), em Manaus, foi verificada também a frequência marcante de Hemilucila semidiaphana, que ocorreu em nossas pesquisas apenas na primavera de 2008 e no inverno de 2009, com pouca representatividade nos estágios de pós-deterioração e gasoso. SOUZA et al. (2008), no Rio Grande do Sul, assim como em nossas pesquisas, coletaram H. semidiaphana e Sarconesia chlorogaster com pouca representatividade. A baixa representatividade verificada aqui pode ser explicada, pois, de acordo com d’ALMEIDA & LOPES (1983), os adultos da 48 espécie H. semidiaphana apresentar aversão por áreas habitadas. MOURA et al. (1997) observaram essa espécie em área florestada e CARVALHO & LINHARES (2001) afirmaram que ocorre predominantemente em florestas. Portanto, H. semidiaphana pode ser considerada uma espécie indicadora forense para área rural. BIAVATTI et al. (2010), cujo experimento também foi afastado de área florestada, constataram pouca representatividade das espécies H. semidiaphana e L. cuprina ratificando os resultados de nossas coletas. S. chlorogaster também foi coletada na pesquisa de MOURA et al.(1997), MOURA et al.(2004) e SOUZA et al. (2008), todas as pesquisas realizadas no Sul do país, o que pode indicar uma preferência desse táxon por climas mais amenos. MOURA et al.(2004) também coletaram Paralucilia xanthogeneiates Dear (1885) e BARROS (2009) também coletaram Paralucilia parensis (Mello, 1969). Uma morfoespécie desse último gênero foi coletada no verão, outono e inverno de 2009 em nossos experimentos, mas não foi pode ser realizada a identificação da espécie. Apesar da espécie Paralucilia sp. ter sido pouco frequente, espécies desse gênero já foram utilizadas no país como indicador forense (PUJOL-LUZ et al., 2006). Conclusão Por ter sido a pioneira na colonização da carcaça e não apresentar preferência sazonal, a espécie Chrysomya albiceps foi considerada como aquela que apresenta maior potencial de indicação forense no município em questão. As espécies que não foram frequentes no processo de decomposição ou que tiveram pouca representatividade não estão descartadas de terem potencial para aplicação forense, porém é necessária a realização de outros inventários para confirmação desses dados. Referências AGUIAR-COELHO, V.M., QUEIROZ, M.M.C. & MILWARD-DE-AZEVEDO, E.M.V. Associações entre larvas de Cochliomyia macellaria (Fabricius) e Chrysomya albiceps (Wiedemann) (Diptera, Calliphoridae) em condições experimentais. Revista Brasileira de Zoologia. vol XII, n. 4, p. 983-990, 1995. ANDRADE, H.T.A., VARELA-FREIRE, A.A., BATISTA, M.J.A. & MEDEIROS, J.F. Calliphoridae (Diptera) Coletados em Cadáveres Humanos no Rio Grande do Norte. Neotropical Entomology. vol XXXIV, n.5, p.855-856, 2005. ANJOS, V.A. 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