Recriar a imagem de Portugal na India – uma oportunidade única
Óscar Nazareth *
Os laços históricos que unem Portugal a Goa remontam aos tempos da descoberta do caminho marítimo para a
India: 1511-1961 – um legado de 450 anos. Não é então de estranhar que se sinta no peito lusitano uma atracção
especial por Goa, pela "pérola do Oriente" cujas igrejas e conventos quinhentistas são considerados Património
da Humanidade.
Infelizmente, não é esta a realidade de Goa no século XXI. Reconquistada pela União Indiana há mais de 50 anos
atrás, o estado mais pequeno do país encontra-se bastante mudado desde os saudosos tempos da India
Portuguesa. Hoje em dia apenas se encontram cerca de 10,000 habitantes que falam português, ou seja, menos
de 1% da população. E desses 10,000 habitantes, a grande maioria encontra-se na terceira idade, ainda com
saudades dos tempos de Salazar.
Se já Portugal mudou bastante desde o tempo do Estado Novo, quanto mais Goa – para nem falar na
transformação da India desde a sua independência em 1947 como um país pobre, até se tornar na 10ª maior
economia do mundo.
Infelizmente o indiano comum nem faz ideia de onde fica Portugal, enquanto que os goeses ainda torcem pelas
Quinas no Mundial, ignorando largamente o críquete praticado no resto do pais. E a cozinha goesa tem varias
influências lusitanas, incluindo o bom bife de vaca com um ovo a cavalo – algo que escandaliza os habitantes
(Hindus e Vegetarianos) de outros estados!
Hoje em dia a economia goesa - outrora agrícola – diversificou-se bastante e é maioritariamente composta pelo
sector terciário, principalmente o turismo, e pelo sector secundário, desde estaleiros navais a fábricas de
computadores, como também as nas minas de ferro, exportado para o Japão e reimportado como aço. Totaliza
uns 4 mil milhões de dólares por ano.
Mais saliente para os empresários portugueses é o facto de Goa ser um excelente ponto de encontro e de
entrada para o mercado indiano – este pequeno estado tem o melhor nível de vida, a melhor infra-estrutura e o
PIB/capita mais elevado do país.
Aqui na Câmara de Comercio e Industria Indo-Portuguesa acreditamos que a falta de conhecimento de Portugal
no resto da India oferece-nos uma enorme vantagem em relação aos parceiros de negócio tradicionais como a
Espanha ou o Brasil.
Não somos vistos como um pais de enchidos e bacalhau, nem como parentes pobres e simplórios. Embora
tenhamos relações comerciais de quase mil milhões de dólares por ano com a India, somos, grosso modo, apenas
mais um país europeu desconhecido. Sendo este o caso, podemos moldar a percepção indiana de Portugal. Para
este fim, creio que temos 3 áreas principais de entrada: B2B, B2C e o sector turístico/imobiliário.
B2B: A India é um estado em desenvolvimento. O crescimento económico abrandou recentemente mas ronda os
5% por ano. O sector de construção precisa de mão-de-obra habilitada, as fábricas indianas precisam de
equipamento e máquinas europeias, e as empresas precisam do know-how ocidental, até em sectores como o
design e marketing – áreas em que podemos competir em pé de igualdade com os grandes. Temos empresas de
CIEP – Confederação Internacional dos Empresários Portugueses
Rua das Portas de Santo Antão, 89 | 1169-022 Lisboa | Tel: 213 224 067 | [email protected]| www.ciep.pt
engenharia e equipamento industriais, firmas de arquitectos, engenheiros civis, e designers dispostos a expandir
para o estrangeiro, a exportar o seu talento e produtos para novos mercados.
B2C: Com uma classe média de 300 milhões, uma classe alta maior do que a população inteira de Portugal e um
nível de vida que melhora ano após ano, não é de estranhar que o mercado indiano tenha descoberto os
produtos de qualidade europeus – e as companhias da União Europeia exportam fortemente para as economias
emergentes como a India, onde o consumismo e o poder de compra estão a aumentar cada vez mais.
Desde a moda até aos produtos agro-alimentares, existem vários nichos onde podemos mais uma vez competir
com o melhor da Europa, com produtos muito melhores do que o seu equivalente indiano. Temos vinhos e
azeites entre os melhores do mundo, temos uma indústria de moda e luxo que pode competir com Paris em
termos de qualidade, temos produtos inovadores como a cortiça texturada – enfim, toda uma gama de produtos
de alta qualidade que certamente teriam uma excelente recepção na India.
Sector turístico / imobiliário: A indústria de filmes indiana, centrada em 'Bollywood', é a maior do mundo. Os
filmes são produzidos principalmente para consumo doméstico e da diáspora indiana, e têm uma influência
extraordinária sobre os consumidores. Por exemplo, há mais de 15 anos que os recém-casados sonham com uma
lua-de-mel a praticar esqui na Suíça, desde que viram os seus ídolos de Bollywood a fazer o mesmo num filme dos
anos 90. Como resultado, o turismo indiano para a Suíça aumentou enormemente. Não vemos razão para o
mesmo não se passar com Portugal. Temos uma arquitectura única, uma paisagem lindíssima, um clima
excelente... enfim, vários ex-libris excepcionais. O filme Lunchbox foi um excelente início, mas precisamos de
atrair mais companhias de produção indianas para as terras lusitanas.
Em adição ao aumento da visita dos turistas indianos, uma segunda vantagem seria também popularizar os
Golden Visas, visto que ninguém quer investir num pais desconhecido. É quase chocante descobrir que só 2
indianos são detentores dos vistos dourados, quando os chineses já chegaram a superar os 600. Ainda mais
porque o preço de investimento é inferior a um bom T3 em Bombaim ou Nova Deli, e uma entrada mais fácil para
a Europa facilitaria – e muito – a vida de vários grandes empresários indianos.
É claro que não vai ser um mar de rosas – a India é conhecida pela corrupção, burocracia, falta de infra-estrutura
e todos os problemas associados com os países em desenvolvimento. Mas o mesmo não nos impediu de ter uma
presença forte em Angola, ou no Brasil – entrámos, lidámos com a situação e lucrámos com isso.
Em resumo, creio que temos uma oportunidade única de recriar a nossa imagem, reinventando-nos num dos
mercados mais importantes do mundo – porque não projectar uma imagem forte, de um país com garra,
empenho, talento e qualidade superior? Para um mercado de 1,200 milhões de consumidores, creio que não
faltam oportunidades para as empresas lusitanas que se atrevam a redescobrir a rota para a India – e para as que
convidem os indianos a descobrir o percurso de volta.
*Crónica redigida por Óscar Nazareth, Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Indo-Portuguesa – Goa,
India
Óscar de Sequeira Nazareth é formado em Investimento e Gestão de Risco pela Cass Business School em Londres.
Tendo desenvolvido a sua carreira profissional como executivo na Marsh & McLennan Companies e trabalhado na
área de derivativos exóticos no Deutsche Bank em Londres, mudou-se para Goa em 2012 para começar a
empresa Licor Armada, tratando-se do primeiro licor indiano premiado com medalhas internacionais.
É fundador e actual presidente da Câmara de Comércio e Indústria Indo-Portuguesa, sediada em Goa.
CIEP – Confederação Internacional dos Empresários Portugueses
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