Comentário a Isaías 54:1-10 por Virgílio Barros
26 de Abril
O Senhor É Compassivo
Passagem Bíblica: Isaías 54:1-10
CONTEXTO DA PASSAGEM
Apesar de haver alguns estudiosos que negam que os capítulos 40-55 pertencem
a um outro escritor que não o Isaías dos capítulos 1-39, a ideia de um deutero-isaías
vem desde 1892. As profecias que estão coleccionadas nestes 16 capítulos apresentam
uma unidade de linguagem, estilo, mensagem e situação que levaram muitos estudiosos
a aventarem a ideia de que estamos perante um profeta que viveu no período do exílio
na Babilónia, e cujas palavras foram transmitidas em conjunto com o livro de Isaías.
A colecção começa com um prólogo (40:1-11) e termina com um epílogo (55:611). Depois temos duas partes principais: a primeira abrange os capítulos 41-48, os
quais falam da expectativa em relação a Ciro; a segunda parte inclui os capítulos 49-55,
os quais falam da salvação vindoura para Sião e para o povo de Deus.
O facto de Ciro ser mencionado faz-nos pensar no período histórico entre 559529 a.C. Portanto o profeta é um contemporâneo de Ciro, e o seu ministério dever ter-se
iniciado ou em 553 a.C. momento da captura de Ecbátana, capital da Média, ou em 546,
ano da conquista de Sardes, capital da Lídia. As notícias sobre estas conquistas depressa
chegam aos ouvidos dos exilados, que esperam a sua
libertação da Babilónia. O profeta anuncia esta
mensagem de libertação, mas circunscreve-a à acção de
Iavé. Segundo o “Cilindro de Ciro”, as conquistas do rei
persa deveram-se a Marduque, o deus do novo império.
É dentro deste contexto histórico que o profeta procura
apresentar a mensagem de Iavé. Afinal quem é que estava a dar o poder a Ciro para
conquistar todas aquelas cidades importantes? Ciro não tinha dúvidas de que Marduque
era o seu deus, e que este o tinha colocado como governante sobre todo o mundo. Mas o
profeta via a mão de Deus a operar em tudo aquilo que Ciro fazia.
Esta unidade contém uma série de cânticos sobre o Servo (42:1-4; 49:1-6; 50:4-9
e 52:13-53:12), que têm sido alvo de muitos comentários e ideias, principalmente
relacionadas com a identidade do Servo. Presentemente os estudiosos dividem-se em
quatro teorias principais: interpretação colectiva – o Servo de Deus é o povo de Israel; a
interpretação individual – o Servo de Deus é uma pessoa histórica e provavelmente o
próprio profeta; a interpretação mista – o Servo de Deus é o rei que por sua vez
representa o povo todo; interpretação messiânica – o Servo de Deus é única e
exclusivamente Cristo. Todas as teorias têm sido defendidas com boa argumentação. A
realidade é que se em algumas passagens a imagem do Servo é claramente identificada
com o povo de Israel (ex.: 44:1-2, 21), noutras aplica-se claramente a uma pessoa
distinta de Israel (ex.: 49:1-3). Como Brevard Childs diz, “o processo canónico
preservou a tradição do servo numa forma que reflecte uma grande variedade de
tensões. A polaridade permanece entre o servo como realidade colectiva e como
indivíduo, entre os aspectos típicos e os históricos, entre um prometido novo Israel do
futuro e uma figura do passado sofredora e expiatória” (Introduction to the Old
Testament as Scripture, 335). É importante entender que a palavra de Deus se manifesta
historicamente, porém tem continuidade teológica. Ela aplica-se ao tempo em que foi
proferida, todavia tem repercussões para as gerações seguintes. É por isso que o autor
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não identifica claramente o servo nem o narrador ou narradores do texto. A revelação de
Deus é progressiva e vai-se aplicando em todas as gerações até que chega à revelação
suprema que é Jesus Cristo. A parte final desta segunda secção (cap. 40-55) do livro de
Isaías fala do período vindouro de salvação e restauração total do povo de Deus. O
capítulo 54, depois de fazer uma belíssima descrição desse período, atinge o seu auge na
frase: “esta é a herança dos servos de Iavé, e a sua justificação que de mim procede, diz
Iavé” (v. 17). O povo de Deus falha muitas vezes em viver de acordo com as exigências
da justiça de Deus, e por isso surge a pergunta: “Será que Deus vai perdoar e usar o seu
povo novamente?” A idolatria resultou na perda da terra, da liberdade e da reputação.
Mas esta lição mostra-nos que Deus continua a oferecer a Sua graça e esperança a todos
quantos reconhecem o seu pecado e se arrependem. Deus promete não só perdoar mas
também usar o Seu povo para atingir os Seus propósitos.
O Senhor Providencia um Futuro (Isaías 54:1-3)
Versículo 1.
O profeta dá uma ordem a uma nação deprimida utilizando o verbo ˆn"r; (ranan),
que literalmente significa “dar um grito”, para que ela desperte do seu marasmo. Esta
palavra encontra-se várias vezes no livro de Isaías e está sempre associada a momentos
que trazem alegria. O espectro da esterilidade iria acabar. Na época do Antigo
Testamento toda a mulher tinha desejo de casar e dar à luz filhos. A condição de
“estéril” (rq;[; - ‘aqar) era motivo para tristeza e vergonha. Mas aqueles que
guardassem os mandamentos, os estatutos e os juízos de Deus seriam abençoados de tal
maneira que não haveria esterilidade no meio deles (Dt 7:11-14). Mas neste caso, não é
motivo para lembrar se o povo tem guardado ou não os mandamentos de Deus, o que
temos é a promessa de algo imerecido para o povo.
A ordem continua a ser cada vez mais forte, pois o texto apresenta o verbo jx"P;
(patsach), que significa “romper, brotar”. O substantivo que vem a seguir ao verbo é da
raiz do verbo anterior que já mencionamos. Os sentimentos devem ser de tal ordem que
não é possível reprimir qualquer desejo de se gritar. O grito rompe desabridamente do
interior para o exterior. A insistência do profeta ainda se manifesta no uso de mais um
verbo (lh"x; - tsahal), que significa “gritar estridentemente”. Este verbo poderá estar a
fazer contraste com os gritos que dá aquela que está a dar à luz, se assim interpretarmos
o verbo hl;j; (chalah), que significa “ficar fraco ou doente”. A tradução, “não tiveste
dores de parto”, terá sido feita por influência da frase anterior, “não deste à luz”. Por
outro lado, este verbo, porém, faz-nos lembrar o servo de Iavé que foi um homem de
dores e que carregou as dores do povo (53:3-4). De uma maneira ou de outra, este povo
não teve dores, mas deve exultar e gritar estridentemente.
A explicação para os imperativos anteriores encontra-se na comparação entre os
filhos da desolada e os da casada. A palavra para “desolada” é µmev; (shamem), que se
encontra no Particípio como substantivo feminino. Esta palavra também se traduz por
“assolada” (Is 42:14; 49:8), e isto foi o que aconteceu ao povo de Deus. A expressão,
porém, procura dar a ideia de que aqueles que são desfavorecidos, abandonados,
despojados, invadidos poderão ter esperança que Deus fará nas suas vidas muito mais
do que aqueles que têm uma vida estabilizada, segura. Neste caso o termo l["B; (ba‘al)
foi traduzido por “casar”. O seu significado também é “governar sobre” ou “possuir”.
Por outro lado, este termo está associado ao deus Baal, deus dos cananitas e filisteus,
assim como está associado à raiz da palavra Babilónia. Os filhos dos que dominam são
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geralmente em maior número, porque têm todas as condições, em comparação com os
que são invadidos.
Nesta ordem para gritar de alegria e exclamar está patente que Deus não se
lembra, ou não quer lembrar, o que o povo fez para se encontrar nesta situação de
assolação, devastação. O que importa é que o povo está a ser desafiado para
experimentar um novo êxodo, depois da servidão, portanto há esperança.
Versículo 2.
Este versículo faz lembrar claramente os episódios do povo que vive em tendas
(lh,ao – ’ohel), desde os tempos de Abraão, a quem foi feita a promessa (Gén. 13:1418), passando pela travessia do deserto (Núm. 24:5), até se estabelecerem na terra da
promessa (Jos. 22:4). É evidente que o verbo “alargar” (bj"r; - rachab) é figurativo e
algumas vezes tinha o sentido de libertação, como é o caso do Sal. 4:1. A referência às
cortinas (h[;yriy] – yeriy‘ah) é uma forma de falar de prosperidade, pois a falta de
cortinas era sinal de destruição, de pobreza (Jer. 4:20). As cortinas faziam de paredes
Quanto à frase “não impeças”, temos de dizer que o verbo (Ëc"j; - chasaq) se
encontra no Imperfeito do grau Kal e não no Imperativo. Contudo, estamos claramente
perante um jussivo, pois temos a segunda pessoa do singular precedido pela negativa
Ala" (’al). A Gramática de hebraico de Gesenius diz que esta negativa “com o jussivo é
usado às vezes para expressar a convicção de que algo não pode ou não deve acontecer”
(§109 e). Para que haja o recebimento total das bênçãos de Deus é preciso que não se
coloque obstáculos à Sua acção.
Para além do alargamento da tenda e das cortinas é necessário que tudo fique
bem firmado para se receber as bênçãos que Deus dá. As cordas precisam de estar bem
esticadas (ykiyria}h" do verbo Ërea; - ’arek) e as estacas bem firmes (qz"j; - chazaq). O
verbo “esticar” encontra-se no grau Hiphil que transmite a ideia de causar, provocar.
Em relação ao verbo “firmar”, temos o grau Piel que transmite a ideia de intensidade.
Quanto mais profundas as estacas estiverem (intensidade) melhor se pode esticar
(causativo) as cordas. Os elementos que seguram precisam de estar agarrados a objectos
bem firmes para poderem ser esticados ao máximo.
No meio dos quatro Imperativos está apenas um jussivo proibitivo. Para o
recebimento desta maravilhosa bênção de Deus de libertação é preciso não criar
impedimentos, mas crer que Deus vai operar. No entanto é preciso fazer algo: criar
espaço para a presença de Deus e segurar esse espaço com firmeza.
Versículo 3.
Como anteriormente, depois de Imperativos temos a explicação ou apresentação
das razões por que se deram aquelas ordens. O verbo traduzido por “transbordar” (≈r"P;
- parats) transmite a ideia de um rompimento forte que afasta para o lado os obstáculos,
à semelhança de uma semente que vai rompendo da terra. Este verbo está associado à
promessa feita a Jacó (Gén. 28:14), mas interessante é notar que no início do livro de
Êxodo este mesmo verbo é usado para referir que apesar da aflição os filhos de Israel
cresciam (Êx. 1:12).
Agora a promessa fala da “posteridade” ([r"z, - zera‘), cuja palavra também é
traduzida por semente (Gén. 12:7; 28:14). Faz lembrar, sem dúvida, a promessa de Deus
feita a Abraão. É evidente que a promessa não se refere a uma conquista pela força de
exércitos. Crabtree escreveu que “alguns pensam que a expressão indica o nacionalismo
agressivo que se desenvolveu entre os israelitas depois da sua restauração, e que se
revela mais claramente em 60:12, 16 e 61:5. Mas o espírito de nacionalismo não
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concorda com a obra do Senhor” (A Profecia de Isaías, 243). O verbo “possuir” (vr"y; yarash) realmente tem o sentido de possessão especialmente pela força, mas o termo
também pode significar “despojar” ou “privar de”. De qualquer forma este verbo faz
lembrar a mensagem deuteronomista em relação à possessão da terra (Deut. 9:1), mas
mais importante do que a possessão física é o domínio espiritual sobre as outras nações.
E esta será a ideia do profeta, nesta altura. A mensagem continua a ser a de restauração
usando-se a ideia de habitar as cidades que estão abandonadas. As bênçãos que Deus
promete a Israel seriam sem precedentes e abundantes. A questão não é voltar a ser um
estado próspero como antigamente, em termos políticos e económicos, mas alcançar
objectivos mais nobres e de maior influência.
Às vezes os crentes caem na desobediência à vontade de Deus e deixam de O
servir, e então questionam-se se Deus os restaurará novamente para os usar no Seu
serviço. Querem saber se há alguma esperança de servirem a Deus como anteriormente.
Isaías revela um Deus amoroso que promete a bênção para aqueles desejam novamente
viver em obediência a Ele, renovando a sua relação com Ele. O Senhor responde sempre
com graça aos que verdadeiramente se arrependem. Por isso, eles podem regozijar-se
porque Deus lhes providenciará um futuro cheio de possibilidades.
O Senhor Perdoa o Passado (Isaías 54:4-5)
Versículo 4.
Depois de ter sido confrontado com tantas ordens e explicações para as bênçãos
que iria receber, é natural que o povo ficasse com medo. O verbo “temer” (arey); é usado
por Isaías cerca de 34 vezes, fundamentalmente nesta segunda secção do livro. O início
deste versículo apresenta-nos uma fórmula usada com certa frequência pelo deuteroIsaías que é “não temas” (yairy] TiAla" – a’al-tiyre’iy). Esta fórmula faz parte dos
oráculos de salvação desenvolvidos pelo círculo sacerdotal. A negativa é a mesma que
encontramos no versículo 2, portanto, isso significa que a acção não pode ser realizada.
Desta forma, o profeta acalma o povo e dá-lhe segurança de que a misericórdia de Deus
é muito maior do que a punição pelo julgamento.
Às palavras de acalmia seguem-se as promessas de bênção. Esta manifestar-se-á
na asseveração de que a nação não será envergonhada (v/B). Logo de seguida o profeta,
usando a mesma negativa Ala", realça também que a humilhação não pode acontecer. O
verbo que foi traduzido por “envergonhar” nesta segunda vez é µl"K; (kalam) que
significa “ser humilhado”. Por outras palavras, o profeta está a dizer que ela não tem
razões para se sentir humilhada. Mais uma vez o jussivo é traduzido como um
imperativo, por influência também da negativa.
Nova explicação surge para o facto de não poder haver qualquer sentimento de
humilhação. Desta vez o texto usa o verbo rp"j; (chapar) que, sendo traduzido por “ser
confundido” ou “sofrer afronta”, aponta para um sentido mais subjectivo da vergonha
ou embaraço em contraste com a sua causa. Neste caso, a causa da afronta ou vergonha
é a esterilidade. Gamberoni diz que neste texto há uma promessa que é dirigida a Israel
que é vista como uma mulher estéril, a qual “nunca teve um marido e finalmente sofre o
destino da viúva mais desolada” (TDOT, vol. V, 110).
Certamente a palavra “viuvez” (tWnm]l]a" – a’almenut) descreve a
condição devastada de Israel durante o período de castigo. As viúvas eram pessoas
pobres e vulneráveis uma vez que não tinham marido para as sustentar e proteger. O
Senhor também tinha retirado a sua protecção de Israel por causa do orgulho e do
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pecado da nação. A remoção da presença e protecção de Deus resultou nas incertezas
associadas com a viuvez.
O arrependimento do povo resultaria no regresso de Deus para ele com
bênçãos e protecção. A realidade é que ao viver esta experiência da presença de Deus, o
povo esqueceria (verbo jk"v; - shakach) a sua vergonha (tv,bo - boshet) da sua
mocidade, isto é, do tempo em que viveu pensando que não precisava de Deus, pois se
achava forte e acabou por ser humilhada. Associado a isto está a “reprovação” (hP;r]j, cherepah) da sua viuvez. Também este tempo era para esquecer, só que agora, o autor
usa o verbo “lembrar” (rk"z; - zakar) precedido da negativa. Só esta certeza que Deus
garante ao Seu povo lhe pode dar total confiança, sem temor.
Versículo 5.
Este versículo contém designações importantes de como o Senhor se relaciona
com Israel. As primeiras expressões mostram toda a soberania e transcendência de
Deus. Apesar de ser o Criador, a sua relação com o ser humano vai muito para além da
relação criador/criatura. Aqui o profeta exprime de forma profunda a relação de marido
(l["B" – ba‘al)/esposa. Ser marido implicava amar, proteger e ser fiel ao concerto. Nesta
palavra certamente estão implícitas todas as promessas e bênçãos que se relacionam
com um pacto entre duas pessoas.
Outro termo que apresenta a sua transcendência é o facto de Ele ser o Iavé
Tsebaoth (Senhor dos exércitos), Aquele que domina sobre todas as coisas no universo.
No entanto a sua imanência reside no facto de Ele ter um nome, Iavé. Este nome torna o
relacionamento mais pessoal. Este Deus é um ser pessoal que quer relacionar-se com as
pessoas.
O terceiro termo que mostra a natureza incomensurável de Deus é a designação
“Santo de Israel”. A palavra v/dq] (qedosh) aponta para a pureza total de Deus, onde
não há sombra de pecado nem variação. Ele é um Deus totalmente à parte do pecado,
está separado de tudo quanto possa contaminar. Mas mesmo assim, Ele é o Redentor
(laegO – gô’el). Este termo era usado para referir um familiar ou parente que tinha a
obrigação de restaurar para a família o que se havia perdido, ou que algum familiar
tinha perdido. Perante todas estas características, um Deus assim não poderá estar
limitado a um lugar, não poderá ficar restrito a um povo, Ele será invocado como o
Deus de toda a terra. Todas estas expressões só poderão provocar em Israel um
sentimento de esperança e encorajamento.
O Senhor Ama Eternamente (Isaías 54:6-8)
Versículo 6.
A descrição de Israel continua a ser a de uma mulher desamparada e
completamente desanimada. Israel sentiu a agonia como quando uma mulher é
abandonada pelo seu marido (Mal. 2:14). Israel é comparada a uma mulher da mocidade
que acaba por ser repudiada pela sua leviandade. No entanto Deus chamou esta mulher
e tornou-se o seu Deus. É importante a ênfase dada à frase “teu Deus” (Ëyih;loa‘). O
pronome “te”, “a ti” e “teu” aparecem tantas vezes neste capítulo que não podemos
deixar passar despercebido.
A chamada de Deus era uma oferta para Israel voltar às bênçãos do
relacionamento anterior antes de surgir o pecado. É preciso lembrar em que condições
Deus chamou este povo. O mesmo acontece connosco. É evidente que Deus disse que
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não nos lembraremos mais do que foi a nossa vergonha ou opróbrio, mas isso só
acontecerá quando voltarmos à relação com Ele. A Sua presença na nossa vida vai
fazer-nos esquecer a nossa vida de pecado. Mas agora é preciso que lembremos que não
éramos grandes “prendas” para que Deus nos chamasse á salvação. Ele fá-lo apenas por
causa do Seu nome e da Sua misericórdia.
Versículo 7.
O abandono de Deus foi por um pouco de tempo. Foi apenas um momento
insignificante (ˆfoq - qaton) certamente comparado com o tempo em que Deus vai estar
com aqueles que se voltam para ele. A palavra contrasta aqui com µylidoG] (gedoliym),
que significa “grande” em termos de temporalidade e qualidade. A palavra “abandonar”
(bz"[; - ‘azab), “deixar”, “desamparar”, aparece em contraste com “recolher” (≈b"q); ,
com o sentido de reunir, juntar. Faz-nos lembrar o trabalho de um pastor a recolher as
suas ovelhas que andam desgarradas. Deus agora está presente, mas tudo isto é
motivado pela compaixão (µymij}r"). De acordo com o Léxico de BDB, estamos perante
um plural de intensidade usado normalmente com referência a Deus. É interessante
notar que esta palavra tem a mesma raiz que significa “ventre” e, portanto, fala de um
sentimento maternal.
Quão maravilhoso é pensarmos que Deus manifestará a sua compaixão para
connosco por muito mais tempo do que os momentos passageiros em que nos afastamos
dele.
Versículo 8.
A palavra “ímpeto” traduz a palavra hebraica πf,v, (sheteph), que será
certamente a palavra correcta em vez de πx,v, (shetseph), como aparece no texto
hebraico. A primeira palavra, uma vez que a última não existe, significa “dilúvio” ou
“inundação”. Portanto, Deus diz que foi numa inundação de indignação que escondeu o
seu rosto. A ira de Deus em resposta ao pecado revela a Sua santidade e rectidão. Se
anteriormente temos a expressão “por um breve momento”, desta vez só temos a palavra
“momento” ([g"r, - rega‘). O interessante é que esta palavra agora está depois de “a
minha face” e se em vez das vogais e/a tivéssemos as vogais a/a ([g"r; - raga‘),
poderíamos traduzir a palavra por “endurecida”. Certamente Deus não estaria muito
contente com o pecado, e ao virar o seu rosto do seu povo, não seria de contentamento.
De qualquer forma a palavra “momento” também estará a contrastar com a
palavra “eterna” (µl;/[ - ‘ôlam), a qual, por sua vez, está a qualificar o termo
“benignidade” (ds,j, - chesed). Muito se tem escrito sobre esta palavra, pois ela adquire
um significado extremamente importante no contexto bíblico. Jepsen declarou que a
palavra designa não apenas uma atitude, mas também um acto que surge dessa atitude.
“É um acto que preserva ou promove a vida. É intervenção a favor de alguém que sofre
o infortúnio ou desgraça” (TDOT, vol. V, 51). Neste caso, o sujeito que expressa
benignidade é o próprio Iavé, o Redentor. Por conseguinte, não estamos apenas perante
uma atitude, mas sim de acção porque a seguir temos o verbo “compadecer” (µj"r; racham). O povo já tinha experimentado a benignidade de Iavé desde os tempos
antigos, e por isso criaram as fórmulas litúrgicas para confissão de fé (Êx. 34:6-7; Núm.
14:18; Jer. 32:17-28). O profeta mostra que a benignidade de Iavé se prolonga por toda
a eternidade e não está restrita a um momento nem está sujeita a condições impostas
para que ela se manifeste. Ele é o Redentor, Aquele que está próximo, como familiar,
para resgatar e restaurar.
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O Senhor Honra o Seu Concerto (Isaías 54:9-10)
Versículo 9.
A perspectiva que o profeta tem da aliança que Deus faz atinge um outro
patamar. Agora Deus é visto como alguém que vive em constante ira, que se move por
impulsos. É importante compreender este desenvolvimento no pensamento teológico
dos profetas. Assim como não haverá mais inundações diluvianas, também não haverá
mais ira contra o povo de Deus. A promessa de Deus no passado, em relação ao dilúvio,
continuava a ser cumprida, logo isso daria muita segurança ao povo que ouvia agora a
promessa de que Deus não se iraria mais contra ele.
Versículo 10.
De forma poética, o profeta continua a transmitir a mensagem de Deus para o
Seu povo. A efemeridade das montanhas e dos outeiros é destacada para ser comparada
com a continuidade da acção de Deus através da benignidade e do pacto.
A palavra “pacto” (tyrib] - beriyt) “implica primeiro e acima de tudo a noção de
‘imposição’, ‘compromisso’, ou ‘obrigação’”. O pacto ou concerto expressa a vontade
de Deus. Esta foi apresentada nos versículos anteriores, por isso é qualificada como
sendo de paz (µ/lv; - shalom).
A salvação de Deus é imerecida, mas ela flui da Sua benignidade e não da sua
justiça. O ser humano nada pode fazer para adquirir a salvação, não há mérito algum
que possamos apresentar para sermos salvos, a única coisa que podemos fazer é entregar
completamente a nossa vida nas mãos de Deus e aceitar a sua oferta de restauração. A
sua presença em nós dar-nos-á a verdadeira paz que necessitamos.
CONCLUSÃO
1. Quando nos arrependemos dos nossos pecados, Deus dá-nos um futuro cheio de
possibilidades.
2. Quando nos arrependemos dos nossos pecados e reivindicamos o perdão de
Deus, podemos colocar para trás das costas os nossos erros morais e espirituais
do passado.
3. A nossa resposta adequada à compaixão e amor de Deus é decidirmos viver para
Ele.
4. Podemos ter a certeza de que o amor e a compaixão de Deus por nós nunca
falha; o nosso relacionamento com ele através de Cristo durará para sempre.
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