LINDINALVA RIBEIRO DE SOUZA
O UNIVERSO POÉTICO DA DESILUSÃO
AMOROSA EM MARINA COLASSANTI
SALVADOR
1997
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LINDINALVA RIBEIRO DE SOUZA
O UNIVERSO POÉTICO DA DESILUSÃO
AMOROSA EM MARINA COLASSANTI
Projeto Experimental
Apresentado à Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia como
requisito para a obtenção do grau de Bacharela no Curso de Jornalismo.
PROF. ORIENTADOR:
JÚLIO CÉSAR LOBO
SALVADOR
1997
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SUMÁRIO
1- APRESENTAÇÃO...............................................................................................05
2 -INTRODUÇÃO....................................................................................................07
3- A DESILUSÃO AMOROSA...............................................................................11
4- A CONSTRUÇÃO DE UMA ILUSÃO...............................................................14
5- QUEM É MARINA COLASSANTI....................................................................20
6- A DESILUSÃO AMOROSA EM MARINA COLASSANTI.............................25
6.1 - O
DESENCANTO.........................................................................................27
6.2 - NA CLAUSURA DO AMOR.......................................................................42
6.3 - A INFIDELIDADE AMOROSA..................................................................55
7CONCLUSÃO......................................................................................................71
8 - BIBLIOGRAFIA.................................................................................................74
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Corações por que chorais?
Preparai meu arremesso
para as algas e os corais
Fim ditoso, hora feliz
guardai meu amor sem preço,
que só quis a quem não quis
CECÍLIA MEIRELES
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RESUMO
O que motivou esta pesquisa foi a leitura da obra de Marina Colassanti e o
desejo de desvendar um pouco o universo poético feminino. Assim, optamos pela
desilusão amorosa feminina dada à sua recorrência n a produção da autora, partindo
de três aspectos: O Desencanto ( nos textos Ä moça tecelã”, “Sexta-feira à noite” e
“Perdida estava a meta da morfose”), Na Clausura do Amor ( em “Para que ninguém
a quisesse”, “Sem que fosse tempo de migração” e “De água nem tão doce”) e A
Infidelidade Amorosa ( em “Hematoma da infidelidade”, “A alma é vã conselheira”
e “Até que a tesoura nos separe”).
Para a efetivação dos nossos objetivos os principais instrumentos
empregados foram os textos da autora que analisamos, outros de teoria e crítica
literárias e estudos de psicanálise, psicologia e sexologia.
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APRESENTAÇÃO
Quando escolhi “O universo poético da desilusão amorosa em Marina
Colassanti” como tema do meu projeto experimental, fui indagada por alguns alunos
e professores da FACOM quanto à pertinência do referido tema , ou seja, o que tem
a ver um ensaio crítico em literatura com a minha futura formação em jornalismo?
Diante disso, venho afirmar que: embora o estudante de Comunicação
saía da Faculdade com o diploma de jornalista, grande parte do curso está centrada
na teoria da comunicação e, como tal, permite a abordagem dos diversos tipos de
discurso e eu optei pelo literário; durante a minha permanência na referida
faculdade, tive a oportunidade de estudar diversos aspectos das culturas regional e
brasileira, em disciplinas específicas, nas quais os conteúdos programáticos estavam
voltados para a produção cultural; outros estudantes do curso têm feito opção pelo
discurso teatral, musical, cinematográfico, e por ultimo, quero dizer que, tenho
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observado nos cadernos culturais dos impressos locais, a exemplo de A Tarde e
Correio da Bahia, abordagens literárias feitas por jornalistas.
Assim, considerando os aspectos mencionados acima, e dada à minha
formação em Letras pela Universidade Federal da Bahia, busquei a união dos
conhecimentos obtidos nos dois cursos, para que este ensaio pudesse ser
concretizado.
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INTRODUÇÃO
A literatura é um dos meios encontrados pelo homem para expressar
desejos, sentimentos e emoções, além de propiciar a realização de fantasias das mais
diversas, empregando, para tanto, a palavra em seu sentido artístico, através da qual
se tornam possíveis a construção e a reconstrução de fatos passíveis ou não de
ocorrerem na vida real.
Ao longo da história da literatura, ou mesmo da história da humanidade,
um dos temas dos mais recorrentes tem sido o amor e, conseqüentemente a desilusão
amorosa. O primeiro originado a partir de uma atração que se dá, via de regra, tanto
no plano físico quanto no emocional, e a segunda, decorrente da falta de
reciprocidade por parte do objeto dos nossos desejos, pois sabemos que, muitas
vezes as pessoas criam suas próprias expectativas em relação ao outro, partindo de
dados puramente idealizados. Outra forma de manifestação da desilusão amorosa é
aquela surgida a partir da formação de um triângulo amoroso, desconhecido por
parte de um dos componentes do casal. Fazendo um breve passeio pelo
trovadorismo, apenas a nível ilustrativo, veremos que lá a essa temática já se fazia
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presente através das cantigas de amor e de amigo. A de amor, cantada a partir do eu
lírico masculino, rogava o amor de uma mulher, geralmente inacessível aos anseios
do poeta, pois a dama se encontrava em uma situação de superioridade social em
relação ao amado; enquanto a de amigo, cantada por um eu lírico feminino
confidenciava a outra mulher, geralmente mãe, irmã ou amiga, acerca de um amado
distante.
Nos dias atuais, denominados pós-modernos, tal temática ainda se faz
presente em larga escala, mostrando que, a despeito de todo o avanço cultural por
que tem passado a humanidade, inclusive com a chamada “liberdade sexual” e as
relações abertas, o amor desiludido se impõe como um tema universal.
Considerando o quanto foi exposto, destacamos a obra da escritora
Marina Colassanti com a finalidade de ilustrarmos a desilusão amorosa em seu
universo poético.
A escolha do tema, que ora nos propomos analisar deve-se, em primeiro
lugar , ao fato dele se constituir como um assunto de abordagem universal dentro da
literatura, bem como de outras artes,
em segundo plano coloca-se a nossa
preferência pelo assunto em questão, decorrente das várias leitura de obras da
referida escritora, o que, em última análise, foi fator preponderante para sua escolha
em detrimento de outras autoras de igual valor literário e finalmente, acrescentamos
que o nosso interesse é também mostrar o universo feminino do ponto de vista da
mulher-autora, pois está comprovado que, nos textos de autoria masculina cuja
temática esteja centrada na mulher, há sempre a presença da figura feminina envolta
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em uma aura de mistério e sensualidade, o que se distancia em muito da imagem da
mulher analisada a partir do seu próprio ponto de vista. Assim, vemos a mulher
presente na obra de Marina às voltas com seus problemas afetivos, existenciais,
conjugais ou mesmo domésticos.
Os objetivos a chegar findo este trabalho são a sistematização dos
desdobramentos da temática da desilusão amorosa, partindo de aspectos como: a
idealização da pessoa amada ( o encanto ), a queda da imagem idealizada ( o
desencanto ), o amor que funciona como aprisionamento e a infidelidade amorosa.
Partindo desta sistematização, procederemos à análise crítica e de conteúdo dos
textos representativos dos aspectos acima destacados.
O universo a ser abordado será representado pelo conjunto da obra de
Marina Colassanti (contos, contos de fadas, crônicas e poemas), cujo teor seja
referente ao nosso tema, considerando que, tendo uma produção vasta, a autora trata
de diversos assuntos,
além dos pertinentes ao nosso trabalho. Neste sentido,
destacaremos obras como: “Contos de Amor Rasgados”, “Eu Sozinha” (contos);
“Eu Sei, mas não Devia” (crônicas); “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento” e
“Uma Idéia toda Azul” ( Contos de fadas ) e “Rota de Colisão” (poemas).
A metodologia a ser adotada compreende a análise de conteúdo,
empregando para tanto, as metodologias da crítica literária, com suporte conceptual
nas obras de alguns psicólogos e psicanalistas contemporâneos, além da sexóloga
Marta Suplicy.
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Finalmente devemos acrescentar que a leitura das obras de Marina
Colassanti que ora apresentamos, por tratar-se de uma análise literária, está sujeita a
divergência por parte de outros intérpretes, mas em nosso favor, lançamos mão de
Umberto Eco, no livro intitulado Obra Aberta, que encara a obra de arte como um
produto do criador, mas sujeito às contribuições oferecidas pelos leitores ou críticos
literários, que imprimem sua marca na obra a partir de um dado subjetivo.
Podemos encontrar um exemplo do quanto exposto acima em Dom
Casmurro, de Machado de Assis, em que a suposta traição da personagem Capitu
fica em aberto, cabendo ao intérprete optar pela versão do narrador-protagonista,
Bentinho, ou não.
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A DESILUSÃO AMOROSA
Desilusão é um substantivo abstrato formado a partir do prefixo de
negação des, juntamente com o substantivo ilusão que significa sonho, quimera.
Logo, podemos entender por desilusão o desfazimento dos sonhos.
Ao longo da história da humanidade, a desilusão amorosa tem sido um
dos assuntos dos mais freqüentes dentro da produção cultural de todos os povos, de
todas as épocas, desde a Idade Média até os dias atuais, constituindo-se, juntamente
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com o amor, a loucura e a morte, em um dos grandes temas universais da arte,
fazendo-se presente na música, na literatura, no cinema, na pintura e na escultura.
As canções que ouvimos a toda hora nas rádios demonstram que há
sempre a presença de uma desilusão, como em “Queixa”:
“Um amor assim delicado
Você pega e despreza
Não o devia ter despertado
Ajoelha e não reza...” (VELOSO , 1981)
Ou em Olhos no olhos de Chico Buarque de Holanda
“Quando você me deixou, meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme
Quase enlouqueci
Mas depois, como era de costume
Obedeci...”( BUARQUE, 1993)
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Tomando como exemplos essas composições, podemos observar que
nelas estão presente a dor provocada pela desilusão amorosa e a conseqüente
separação, onde um dos amantes lamenta a perda do outro.
No cinema os exemplos são infinitos, como em “Mentiras do Coração”,
sob a direção de Michael Uno, cuja história retrata o envolvimento amoroso de uma
adolescente que se apaixona por um homem mais velho e no decorrer da relação vai
descobrindo que o amado, outrora carinhoso e apaixonado, transforma-se em um ser
obsessivo e violento. Ou ainda em “Pequeno dicionário amoroso”, da cineasta
Sandra Werneck, que aborda a desilusão amorosa vivenciada por um casal, que no
início do relacionamento amoroso acha que está vivendo um encontro perfeito, até o
surgimento das pequenas e grandes incompatiblidades que provocam a separação.
Na escultura, tomemos como exemplo o seguinte trecho, escrito pela
psicóloga analítica Liliana Wahba, referente à escultora francesa que viveu nos fins
do século XIX e início do XX, Camille Claudel:
“No Salão de 1984, apresentou um estudo em gesso, O Deus
que voa e uma variante, A Implorante, parte do grupo A Idade
Madura, terminada posteriormente. Essa escultura pode ser
interpretada como uma alegoria da separação, mostrando o
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abandono. Quando expôs o bronze, ele foi elogiado, mas
criticado pela crueza que retratava a decadência e o
sofrimento...” (WAHBA, 1996. P. 38).
Esses exemplos são colocados apenas para que tenhamos a dimensão da
constância com que a desilusão amorosa aparece em obras de artes, independente do
fato de elas refletirem, ou não, algum aspecto da biografia do seu autor, como
ocorre no caso de Camille Claudel.
A CONSTRUÇÃO DE UMA ILUSÃO
A ilusão é uma construção ideativa que tem como princípio a criação de
fantasias que podem apresentar ou não uma espécie de vínculo com a realidade . A
esse respeito Freud afirma.
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“As ilusões não precisam ser necessariamente falsas, ou seja,
irrealizáveis ou em contradição com a realidade. Por exemplo,
uma moça de classe média pode ter a ilusão de que um
príncipe aparecerá e se casará com ela. Isso é possível, e
certos casos assim já ocorreram.”( FREUD, 1978. P.108).
Isso quer dizer que a fantasia de encontrar um príncipe, é uma constante
no universo feminino, independente da classe social à qual pertença a mulher, pois
na maioria das vezes, o desejo do encontro com o homem ideal não está ligado ao
poder aquisitivo ou à posição social, mas a um dado de origem emocional.
Utilizando ainda um conceito freudiano, acrescentamos que essa
construção ideativa não ocorre necessariamente no plano “consciente”, pois a ilusão,
originada a partir de fatores da infância, podem persistir no “inconsciente feminino
até a fase adulta. Um desses fatores seria a convivência que a menina tem desde
tenra idade com os chamados contos de fadas.
“A influência dos contos de fadas não é generalizada em todas
as classes sociais, apesar de que acredito ser grande da classe
média para cima. Essa influência será depois acentuada, de
maneira diferente e com acesso a todas as classes, pelas
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revistinhas em quadrinhos e pela televisão.” ( SUPLICY,
1985, p. 201)
Na infância, a menina costuma ouvir os contos de fadas que falam de
castelos e príncipes encantados. A “Cinderela”, uma pobre moça escravizada pela
Madrasta e suas filhas, é salva da exploração destas a partir do surgimento do
príncipe.
Em “Branca de Neve”, a quem a Madrasta Malvada deseja matar, ocorre
algo semelhante, sendo que antes do surgimento do príncipe, a princesa é protegida
por sete pessoas do sexo masculinos.
“A Bela Adormecida” fala sobre uma jovem que penetra em sono
profundo por conta de uma maldição lançada por uma bruxa má e só despertada
com um beijo de amor dado por um príncipe encantado.
Na história da Bela e a Fera, a relação amorosa parte de um ponto de
vista um pouco diferenciado, pois aborda a beleza interior, mas , no final das contas,
a Fera era também um príncipe.
É, portanto, ainda na infância, que a mulher passa a sonhar com o dia em
que um homem entrará na sua vida para transformá-la em um paraíso de felicidade
eterna. Logo, podemos deduzir que é a partir desse momento, que se inicia o
processo de invenção da ilusão amorosa, caracterizada pela surgimento de um amor
eterno.
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“Qual a repercussão, numa personalidade infantil ao ouvir
dezenas de vezes estórias com as de Cinderela, Branca de
Neve ou Bela Adormecida, onde as heroínas sempre indefesas
e frágeis são resgatadas por varonis e competentes príncipes?
O trabalho de Bruno Bettelheim sobre o significado
psicológico dos contos infantis é belíssimo.
Por um lado, os contos de fadas falam às angústias mais
profundas das crianças, como o medo da morte dos pais, a
insegurança com o desenvolvimento e a entrada no mundo
adulto, as lutas interiores entre o bem e o mal, oferecendo a
possibilidade de viverem as fantasias de terror, raiva, morte e
amor profundo, com possibilidades de solução. Por outro lado,
apresentam a mulher como ser fundamentalmente frágil e
dependente do homem.
.................................................................................................
Vamos pensar sobre três das estórias mais conhecidas:
Cinderela, Branca de Neve, Bela Adormecida. Essas três
estórias apresentam heroínas que são resgatadas da dificuldade
da vida e do sono pelo homem. Em nenhuma das três estórias,
a heroína alcança um estágio de libertação do mal opressor
19
com esforço próprio. Sempre é através do outro e sempre de
um homem, com o qual se casa. Poderíamos ver um aspecto
positivo na idéia de encontro entre duas pessoas, de harmonia.
Mas acho que é muito mais forte a idéia de fragilidade e
vulnerabilidade
feminina
resgatada
pela
superioridade
masculina.”( SUPLICY, 1985, p. 201-2-3-4-)
Na idade adulta, ainda em nossos dias, a mulher mantém o ideal do
homem nobre, forte e poderoso que aparecerá em um passe de mágica e
transformará a sua vida em um paraíso encantado. Assim, tem início a criação do
seu ideal masculino.
Baseada nas reminiscências infantis, a mulher inicia o processo de
construção da imagem daquele com quem deseja partilhar
eternamente o seu
destino.
Acreditamos que esta nossa exposição pode ser contestada por um grande
número de mulheres, especialmente as feministas, mas consideramos, que mesmo a
nível inconsciente, como dissemos anteriormente, o ideal do amor romântico ainda
povoa as cabeças femininas. Isto pode, inclusive, ser confirmado através de diversos
fatores, dentre eles o elevado número de casamentos ( embora ocorram também
muitos divórcios), onde as jovens noivas fazem questão de vestirem-se de modo
tradicional, com a grinalda, o véu e buquê de flores. Outro aspecto que merece
20
destaque refere-se às telenovelas, cujas exibidoras costumam recorrer às pesquisas
de opinião pública para concluírem os seus enredos.
Em decorrência destas pesquisas, é que vemos a repetição de temas, ou
seja, nas telenovelas, o enredo inicial pode ser diferente, mas o final é quase sempre
igual. Todas se casam, aparecem maridos de última hora, e todos são felizes para
sempre. Um exemplo dos mais recentes foi A indomada exibida no horário nobre da
Rede Globo. Todas as mulheres que trabalhavam na “Casa de Campo”, um
prostíbulo, tiveram direito a casamento com véu, grinalda e com todas as honras.
O predomínio do final feliz na ficção novelesca é uma forma de mexer
com o ideário feminino, possibilitando uma espécie de descarga de energia, que
ocorre através do choro ou do gozo em ver, que, no final, tudo dá certo, embora na
vida real, as coisas sejam bem diferentes.
Costumamos pensar no amor ideal, romântico, não no amor real, aquele
que carrega consigo uma série de dificuldades que muitas vezes não conseguem ser
sanadas. Mas não agimos assim por uma determinação racional, mas porque assim
nos habituamos a agir, como frutos de uma sociedade
que transmite valores
diferenciados para homens e mulheres.
“O amor é, na maioria das vezes, descrito antes de maneira
idealizada e filosófica do que experimental.”(KELEMAN,
1996. P.13 )
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Notamos, aqui, que existe um distanciamento entre aquilo que é
idealizado, como sendo amor e o que se vive de fato.
QUEM É MARINA COLASSANTI
Marina Colassanti nasceu em 1937, em Asmara, Etiópia, mudando-se
para a Itália, no inicio da Segunda Guerra Mundial, quando tinha dois anos. Em
1948 passou a residir no Brasil.
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Cursou a Escola de Belas Artes ( gravura em metal) e em 1962 ingressou
na imprensa exercendo atividades como redatora, ilustradora e colunista.
Ao longo da sua vida intelectual traduziu livros, publicou cônicas,
inclusive no Jornal do Brasil. Atuando também na revista Nova como editora e
redatora.
CRONOLOGIA DA SUA OBRA
1968 _ Eu Sozinha ( crônicas)
1973 _ Nada na manga ( crônicas)
1975 _ Zooilógico ( contos)
1978 _ A morada do ser ( contos)
1979 _ Uma idéia toda azul ( infantil)
1980_ A nova mulher (ensaios e artigos)
1981 _ Mulher daqui pra frente ( ensaios e artigos)
1982 _ Doze reis e a moça no labirinto do vento ( infantil)
1984 _ A menina Arco-Íris (infantil)
1984 _ E por falar em amor ( ensaios e artigos)
1985 _ O lobo e o carneiro no sonho da menina (infantil)
1985 _ Uma estrada junto ao rio ( infantil)
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1986 _ Contos de amor rasgados (contos)
1986 _ O verde brilha no poço ( infantil)
1988 _ Aqui entre nós (crônicas)
1988 _ O menino que achou uma estrela. (infantil)
1988 _ Um amigo para sempre ( infantil)
1989 _ Ofélia, a ovelha ( infantil)
1989 _ Será que tem asas? ( infantil)
1990 _A mão na massa ( infantil)
1993 _Rota de colisão ( poemas)
1994 _ Ana Z., aonde vai você? (infantil)
1996 _ Eu sei, mas não devia (crônicas)
Com a sua produção infantil, Marina ganhou alguns prêmios, dentre eles
O Grande Prêmio da Crítica” da Associação Paulista de Críticos de Arte (Uma idéia
toda azul); “O Melhor Para o Jovem”, da Fundação Nacional e Juvenil ( Uma idéia
toda azul); “Prêmio Jabuti do livro do ano ( Ana Z, aonde vai você?), dentre outros.
MARINA COLASSANTI POR:
JULIETA DE GODOY LADEIRA
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“Jornalista, Marina Colassanti desenvolve sua criação literária
não levantando artificialmente muros entre uma e outra
linguagem, nem as descaracterizando, mas aproveitando todas
as possibilidades de cada uma. O conto “A moça tecelã” é um
bom
exemplo.
Ele
reúne
alguma
coisa
da
técnica
cinematográfica da animação, da arte da tapeçaria e das
baladas medievais. Dentro da linguagem mais corrente, a
autora, com inteligência, ignora qualquer limite entre o que
alguns gostam de rotular como “fantasia” ou “realidade” e cria
uma delicada saga familiar, de ambição e desencanto, onde,
com a maior sutileza, o poder feminino faz e desfaz o
destino.”( LADEIRA. 1991. P.54-7)
AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA
“...Quando minha mulher escreve, a casa toda fica em
atmosfera de encantamento. As meninas e a empregada Maria
Lúcia, todos participam. Os contos são contados, testados,
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discutidos, disputados. É um trabalho familiar em torno dessa
“moça tecelã”, que tira reis, garças e unicórnios das mãos,
com a mesma singeleza e integridade, com que faz um vestido
para ir numa festa daqui a uma hora, ou inventa um prato
fantástico para o jantar.”( COLASSANTI. 1982. P.9-10)
MARINA COLASSANTI:
“Comecei a falar para as mulheres quase paralelamente ao
início da minha atividade jornalística, e na verdade não
lembro períodos, nestes já quase 20 anos, em que não
estivesse de forma mais direta ligada ao público feminino.
Falar para elas logo transformou-se em falar delas e com
elas. Escrevi livros de contos, fiz televisão, fiz publicidade.
Mas nunca rompi o fio dessa conversa que se mantinha
através de revistas, palestras cartas, e que nos últimos anos
teve na revista Nova seu maior veículo.
Levada por profissão, me vi aos poucos aproximada por afeto.
Descobri, no infinito reflexo de tantas e tantas outras
mulheres, meu eu mulher. E floresci comovida um sentimento
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de irmandade que me liga indissoluvelmente às do meu
sexo.”( COLASSANTI. 1980. P. 9)
A DESILUSÃO AMOROSA EM MARINA COLASSANTI
Na obra literária de Marina Colassanti, a temática da desilusão amorosa
ocupa um lugar bastante significativo, juntamente com a questão da mulher na
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sociedade e, diga-se de passagem, grande parte da produção da referida autora está
voltada para a desilusão feminina, embora o universo amoroso masculino também
seja abordado.
Em seus ensaios, crônicas, contos, contos infantis e poemas, há, de modo
freqüente , uma referência à questão da mulher dentro da relação amorosa, os mitos
que a sociedade, caracteristicamente patriarcal, impõe, a expectativa existente no
ideário feminino que vê no homem o príncipe encantado, “o todo poderoso” capaz
de salvá-la das maiores dificuldades, criando-se assim o processo de idealização que
permeia o universo feminino, apesar das transformações ocorridas na sociedade ao
longo do tempo.
A desilusão amorosa em Marina aparece, ora como a descoberta de que o
outro não é bem aquela imagem que foi construída para ele (que seria o momento do
desencanto), ora funciona como uma forma de aprisionamento de um dos
componentes do par, ou ainda tem a forma da infidelidade, ou seja a inclusão de
uma terceira pessoa em uma relação em que se queria dois. Todos esses
desdobramentos são referentes à mulher que sonha com o príncipe encantado e
acorda com o sapo.
Estes três desdobramentos da desilusão amorosa serão abordados,
individualmente, na ordem acima mencionada, inicialmente, através de uma
exposição teórica acerca de cada tema, juntamente com a análise dos textos a eles
pertinentes.
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O DESENCANTO
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Como vimos anteriormente, na maioria das vezes, a imagem idealizada
nada tem a ver com a realidade imediata. E, como dizem que “a paixão é cega, a
mulher apaixonada tende a enxergar só aquilo que faz parte do seu ideal, aquilo que
ela projeta no outro. O homem, por sua vez, é conivente com a imagem que lhe é
atribuída, mesmo tendo consciência de que esta não se encaixa no seu verdadeiro
perfil. Deste modo, ele alimenta a fantasia feminina, muitas vezes parecendo ser o
que não é de fato.
Mas chega o momento da desilusão, quando a mulher percebe que o
amado não corresponde às suas expectativas. É o momento do desencanto, e
conseqüentemente, da desconstrução da imagem. O universo feminino é povoado
por uma imagem ideal do amor, um amor que, ao mesmo tempo, represente a
segurança, a honestidade e a nobreza de caráter.
Dentro desta perspectiva, selecionamos alguns textos de Marina
Colassanti, que ora começamos a analisar.
“A Moça Tecelã” é uma espécie de conto mágico, semelhante aos contos
de fada tradicionais, com foco na terceira pessoa, narrador onisciente. O texto
aborda a trajetória de uma jovem possuidora de um tear, no qual confeccionava um
tapete, que lhe conferia o poder da criação:
“Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando
atrás das beiradas da noite. E sentava-se logo ao tear.
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Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor de luz, que
ela ia passando entre fios estendidos, enquanto lá fora a
claridade da manhã desenhava o horizonte.”
A moça tecelã tem a capacidade de criar, modificar o tempo,
constituindo-se como um ser auto-suficiente que de nada necessitava, pois o seu
tear era o seu universo:
“Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com
cuidados de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto
para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que
entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de
escuridão, dormia tranqüila.”
Entretanto, na condição de criadora, ela própria constrói o momento em
que passa a sentir a necessidade de uma companhia, mais precisamente, um marido,
demonstrando que, no universo feminino, a realização plena só se concretiza a partir
da presença do elemento masculino, pois, apesar do poder da criação e da
possibilidade de realizar de tudo quanto desejasse, ela começa a sentir-se sozinha.
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É a partir do momento em que a moça tecelã sente o desejo de
companhia, que começa o processo de construção da imagem ideal do amado:
“... Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida,
começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe
dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo,
chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato
engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último
fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o
chapéu de pluma, e foi entrando na sua vida “
É interessante observarmos a descrição detalhada do homem com o
emprego de expressões que caracterizam a imagem da perfeição masculina, como
“chapéu emplumado”, que nos dá a idéia de nobreza; “ rosto barbado”, referindo-se
à masculinidade; “corpo aprumado”, simbolizando a elegância; e, finalmente, “
sapato engraxado”, que confere um quê de asseio, limpeza. Em resumo, estes
elementos representam, dentro da perspectiva feminina, o ideal do “príncipe
encantado”. Outra característica deste homem é a audácia com que, metendo a mão
na maçaneta, vai penetrando no universo feminino sem sequer pedir licença. Além
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destas observações, destacamos também a palavra “desejo”: é o desejo da mulher
que surge à sua frente, não o homem real. Neste ponto tem início o sonho do idílio
amoroso almejado pela moça tecelã.
Mas, ao contrário do que ocorre nos contos de fada tradicionais, em que a
história termina onde começa o relacionamento, com o “ e foram felizes para
sempre”, aqui, temos o começo da história de amor:
“Aquela noite, deitada contra o ombro dele, a moça pensou
nos lindos filhos que teceria para aumentar a sua felicidade.
E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha
pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque descoberto o
poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todos
que ele poderia lhe dar.”
É a partir do momento em que o homem começa a sua série de exigências
(uma casa maior, depois um palácio), que a Moça Tecelã, outrora livre para criar
seus dias, suas noites, torna-se escrava dos desejos do amado, iniciando,
conseqüentemente, o processo de desencanto, ou seja , a desconstrução paulatina da
imagem idealizada:
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“Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos
e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá
fora, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e
entristecia,
enquanto
sem
parar
batiam
os
pentes
acompanhando o ritmo da lançadeira.
Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o
marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais
alta torre.
_ É para que ninguém saiba do tapete _ disse. E antes de
trancar a porta à chave, advertiu: _ Faltam as estrebarias. E
não se esqueça dos cavalos.”
Um detalhe importante é que o único personagem que tem fala, através
do discurso direto, utilizado pelo narrador é o marido, ou seja, a mulher, embora
detenha o poder da criação que, em última análise, poderíamos estabelecer uma
analogia com a maternidade, não tem voz. Só o homem fala, aliás, dita as regras.
A mulher vê-se ocupada em tempo integral, tecendo e tecendo e ainda
fica confinada em um quarto trancado à chave, para que o seu poder de criação só
possa ser exercido entre quatro paredes Neste aspecto, existe uma analogia entre a
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criação artística, que durante muito tempo, foi uma exclusividade masculina,
enquanto a mulher não tinha o direito ao exercício da arte.
A partir do momento da constatação de que não mais dispunha do seu
próprio destino, a moça rememora o tempo em que era sozinha, porém livre:
“... sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os
seus tesouros. E pela primeira vez pensou como seria bom
estar sozinha de novo.”
Nesse ponto começa o desencanto propriamente dito, ou seja, a queda da
imagem construída pela moça tecelã, pois a relação que se queria para sempre
começa a ruir, a partir da descoberta gradativa de que o príncipe não era tão
encantado assim. É aí que a personagem começa a retirar, ainda a nível da
imaginação, cada peça da montagem que fizera do homem ideal, instaurando-se,
assim, a desilusão.
Após constatar que o companheiro não era a materialização do seu
desejo, a moça desfaz-se de todos os seus sonhos de princesa, a começar pelo
palácio, até chegar à imagem de príncipe encantado.
35
“Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a
lançadeira ao contrário, e, jogando-a veloz de um lado para o
outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as
carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os
criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E
novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim
além da janela.
A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura,
acordou e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se
levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele
viu seus pés
desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o
nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o
emplumado chapéu.”
Após desfazer-se dos seus sonhos, a personagem retorna à placidez da
sua vida anterior. Neste sentido, o regresso à vida inicial assemelha-se a uma
separação indolor, que leva a moça tecelã a retomar o fio da sua vida a partir do
momento em que ele foi interrompido pela chegado do homem:
36
“Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu
uma linha clara. E foi passando-a
devagar entre os fios,
delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do
horizonte.”
Este texto representa, em última análise, uma metáfora do universo amoroso, em
que a mulher, de certa forma induzida por padrões que a sociedade estabelece,
sonha com a vinda do príncipe encantado, aquele ser másculo, viril, dominador,
mas, ao mesmo tempo, belo, amável e capaz de conduzir o destino “ fragilizada”
mulher.
É também a sociedade quem estabelece os papéis a serem interpretados
por cada membro dentro da relação. No texto, talvez intencionalmente, o único
personagem que tem fala é o homem; a mulher fica na posição de alguém, que,
mesmo tendo tudo o que deseja, necessita da presença masculina.
A desilusão amorosa aqui, dá-se a partir do momento em que a
convivência, aquele ideal do amor eterno que se alimenta ao longo da vida, começa
a ruir. Deste modo, alegoricamente, o narrador aborda os momentos da vida
feminina, assim colocados:
a) a solidão;
b) a possibilidade de ter um companheiro;
c) a criação da imagem do outro;
37
d) o desencontro
e) o desencanto;
f) a separação, que representa o momento em que a “princesa”
tem que desfazer-se dos seus sonhos e desmanchar seu
castelo.
Dando continuidade ao desencanto, temos aqui, o poema “Sexta-feira à
noite. O poema está na terceira pessoa, e ao modo da narrativa, possui uma espécie
de narrador onisciente que conhece tudo que se passa na vida de um casal. Aqui há a
divisão em três estrofes, todas iniciadas com o refrão “Sexta-feira à noite. Passemos
à análise de cada estrofe.
“Sexta-feira à noite
os homens acariciam o clitóris das esposas
com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
contam dinheiro papéis documentos
e folheiam nas revistas
a vida dos seus ídolos”
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Na primeira, estrofe ocorre a narração do relacionamento de casais na
noite de sexta-feira. Estes versos estão centrados na figura masculina e abordam a
semelhança entre o que poderíamos denominar de ritual “ pré-cama” e os demais
gestos mecânicos e repetitivos do dia-a-dia. O texto apresenta indícios de que, com
o decorrer do tempo, a relação dos casais passa a ter a monotonia, afetando,
conseqüentemente, o ato sexual. No que se refere à linguagem, notamos que esta é
bem direta, com o emprego de palavras em seu sentido denotativo, logo, pouco
metafórica.
Na segunda estrofe:
“Sexta-feira à noite
os homens penetram suas esposa
com tédio e pênis.
O mesmo tédio com que todos os dias
enfiam o carro na garagem
o dedo no nariz
e metem a mão no bolso
para coçar o saco.”
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Nessa estrofe ocorre a reiteração dos gestos automáticos da vida
cotidiana e a realização do ato sexual. É o mesmo tédio, tanto no sexo, quanto nas
coisas mais corriqueiras e sem importância da vida. Repete-se a linguagem
coloquial da estrofe anterior.
Na última estrofe temos:
“Sexta-feira à noite
os homens ressonam de borco
enquanto as mulheres no escuro
encaram seu destino
e sonham com o príncipe encantado.”
É somente nessa parte que o poema refere-se à mulher, vista após a
consumação do ato sexual mecânico, e na escuridão da noite ela depara-se com a
sua realidade e, mesmo tendo um companheiro, continua a sonhar com aquele
“príncipe encantado” que aprendeu a esperar, ao longo da sua infância, passando
pela adolescência e, finalmente, na fase adulta, com a chegada da desilusão.
Notemos que o poema reporta-se aos dois sexos no plural: os homens e
as mulheres, genericamente, passando a imagem de que, na regra dos
relacionamentos amorosos, não há exceções.
40
A temática do desencanto será abordada também no conto “Perdida
estava a meta da morfose”:
“Durante todo o verão, o sapo coaxou no jardim, debaixo da
janela da moça. Até que uma noite, atraída por tanta
dedicação, ela desceu para procurá-lo no canteiro. E entre
flores o viu, corpo desgracioso sobre pernas tortas, gordo,
verde, os olhos saltados, aguados como se chorando, o papo
inchado debaixo da grande boca triste. Que criatura era
aquela, repugnante e indefesa, que com tanto desejo a
chamava? A moça abaixou-se, apanhou o sapo e, carregandoo nas pregas da camisola, levou para a cama”.
Esse conto aborda o tema do desencanto tomando como ponto de partida
uma posição diferenciada dos textos anteriores.
Como vemos, existem duas personagens, uma feminina ( a moça) e outra
masculina (o sapo). A ação transcorre, “durante todo o verão”, quando o sapo de
forma persistente coaxa no jardim sob a janela da moça, até que ela resolve procurálo.
41
Atentemos para o emprego das palavras “atraída” e “dedicação” e
perceberemos que neste ponto, diferentemente dos demais que abordam o
desencanto, a atração que a moça sente pelo sapo não decorre de uma imagem
idealizada, mas da dedicação que o sapo lhe inspira.
A descrição do sapo destoa do ambiente em que ele se encontra, um
canteiro de flores, estabelecendo-se assim, uma antítese, que coloca em oposição a
feiura daquele com a beleza deste.
O sapo é apresentado com as expressões seguintes: “corpo desgracioso”,
“pernas tortas”, “gordo e verde”, “olhos saltados”, “papo inchado” e “boca triste”,
distanciando-se da imagem do primeiro conto, “A moça tecelã”, cuja descrição do
elemento masculino caracteriza um príncipe.
Entretanto, mesmo percebendo a imagem “repugnante e indefesa”
(contrária à do homem ideal, belo e forte), a moça resolve acolher o sapo e levá-lo
para a cama.
No 2º parágrafo, vendo o que transcorre entre a moça e o sapo:
“Naquela noite o sapo não coaxou. Suspirou a moça,
descobrindo as viscosas doçuras do abismo”.
42
Através da expressão “descobrindo as viscosas doçuras do abismo”,
infeliz que entre a moça e o sapo ocorre uma relação amorosa gratificante, pois a
personagem feminina vivencia um enorme prazer que detectamos na palavra
“abismo”.
Os dois últimos parágrafos referem-se à manhã do dia seguinte à noite de
enlevo amoroso ocorrida entre a moça e o sapo:
“Mas, ao abrir-lhe os olhos, a manhã seguinte rompeu o seu
prazer. Sem aviso ou pedido, o sapo que ela recolhera à noite
havia desaparecido. Em seu lugar dormia um rapaz moreno.
Bonito, porém semelhante a tantos outros rapazes morenos e
louros
que haviam passado antes
por aquela cama, sem
jamais conseguir fazê-la estremecer.
A seu lado, sobre o linho, jazia inútil a pele verde”.
Nesse ponto o desencanto processa-se de modo diverso do comum, pois a
moça é atraída pela dedicação do sapo, apesar da sua aparência grotesca, deita-se
com ele e descobre prazeres nunca sentidos antes. Mas ao acordar, ainda sentindo a
lassidão do prazer proporcionado pelo encontro amoroso, depara-se com um rapaz
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moreno e bonito, e vem-lhe à lembrança todos os “príncipes” louros ou morenos
com quem havia deitado.
A moça mostra-se decepcionada, pois o sapo, apesar da sua imagem
contrastante com o ideal masculino, fora capaz de proporcionar-lhe mais prazer do
que os belos homens que passaram por sua vida.
Nesse sentido, o desencanto do sapo assume as mesmas proporções que o
desencanto do príncipe, com a diferença que neste caso o desencanto ocorre a partir
do momento em que o amado transforma-se no príncipe.
Nos contos de fadas tradicionais, a realização feminina dá-se a partir do
momento em que o sapo desencanta-se e torna-se príncipe, aqui, ocorre a aceitação
da personagem masculina pelo que ela é em si, pelo prazer que é capaz de
proporcionar, e não pela sua aparência. Logo, surge mais uma oposição agora entre
o interior versus o exterior.
Enfim, ao perceber-se com o príncipe, a moça sente a falta do sapo ao
constatar que a pele verde ao seu lado, resta inútil.
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NA CLAUSURA DO AMOR
É muito comum na nossa cultura, no que se refere à mulher, a criação de
expectativas, muitas vezes desmedidas, face ao relacionamento amoroso, tomando-o
45
inclusive como forma de libertação. Mas a regra é que, este, ao invés de
proporcionar a almejada liberdade, termina por constituir-se, para um do elementos
do par, em uma forma de aprisionamento.
Muitas vezes, esse aprisionamento pode estar vinculado a fatores de
ordem social ( o modo como a nossa sociedade encara a mulher sozinha),
econômica ( a sobrevivência em um mercado competitivo que privilegia os
homens), ou mesmo a nível emocional ( o antes mal acompanhada do que só).
Vejamos a afirmação seguinte:
“... fica clara a enorme importância do processo educativo
para a submissão, ao qual todas somos submetidas, via escola,
pais, tradição e meios de comunicação, e como essa
aprendizagem atuará no comportamento, vivência emocional,
e percepção de si mesma e do mundo da Mariazinha.
Entretanto, a influência da educação será limitada ou ampliada
por outros aspectos tais como o mundo econômico e social ao
qual pertencemos e pelo mundo psíquico e recursos inatos de
cada uma de nós. Esses limites, podem se transformar em
verdadeiras jaulas impedindo ou dificultando o nosso
desenvolvimento” (SUPLICY, 1985.p. 253)
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Neste sentido, a clausura, ou as “jaulas”, são responsabilidade tanto do
homem, quanto da mulher. Aquele, para exercer o seu poder, esta, buscando
proteção, talvez por uma incapacidade de se mover no mundo.
A clausura amorosa provoca uma espécie de alienação naquele que se vê
enredado nas teias do amor. Esse é o tema presente no conto “Para Que Ninguém a
Quisesse”, em que constatamos a supremacia do homem sobre a mulher. Esta
supremacia apresenta-se através de imposições e exigências geradas a partir do
ciúme masculino e do seu sentimento de posse:
“Porque os homens olhavam demais para a sua mulher,
mandou que descesse a bainha dos vestidos e parasse de se
pintar. Apesar disso, sua beleza chamava a atenção, e ele foi
obrigado a exigir que eliminasse os decotes, jogasse fora os
sapatos de salto alto. Dos armários tirou as roupas de seda, das
gavetas tirou todas as jóias. E vendo que, ainda assim, um ou
outro olhar viril se acendia à passagem dela, pegou a tesoura e
tosquiou-lhe os longos cabelos.”
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No primeiro parágrafo, o narrador expõe a situação do casal,
demonstrando o domínio do “sexo forte” sobre o “sexo frágil”. É através desta
dominação que, aos poucos, o elemento masculino desconstrói aquilo em que se
constituía a beleza da mulher.
Enfatizamos aqui o emprego da expressão “sua mulher”, onde o pronome
possessivo transmite, inevitavelmente, a idéia de posse. Outra palavra que
caracteriza o domínio é “ mandou”, ou seja, na relação há alguém que ordena e
alguém que se submete às suas ordens.
Como vemos, embora o homem se esforce por eliminar os traços de
feminilidade da esposa, outros prosseguem admirando-a. Assim, são empregados
recursos capazes de torná-la sem atrativos: usa vestidos compridos, deixa de se
pintar, elimina os decotes, os saltos altos, as roupas de seda, as jóias e por fim os
cabelos.
É a partir daí que se inicia o processo de aprisionamento e
descaracterização da mulher, à medida em ela perde seu poder de sedução.
“Agora podia viver descansado. Ninguém a olhava duas
vezes, homem nenhum se interessava por ela. Esquiva como
um gato, não mais atravessava praças. E evitava sair.”
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Após conseguir a transformação da mulher, o homem, enfim, suspira
aliviado. Por outro lado, ela, totalmente submissa e despersonalizada, aceita o
confinamento e passa a viver em sua prisão domiciliar:
“Tão esquiva se fez, que ele foi deixando de ocupar-se dela,
permitindo que fluísse em silêncio pelos cômodos, mimetizada
com os móveis e as sombras.”
A partir desse parágrafo, constatamos que a mulher, tendo perdido aquilo
que atraía os homens, deixa também de ser o centro das atenções do marido,
perdendo a sua essência, à medida em que passa a identificar-se com o ambiente da
casa.
Destacamos duas palavras: a primeira, “ permitindo”, significando que,
após conseguir a transmutação da imagem inicial da esposa ( bela, sedutora,
atraente), o homem, embora não se ocupe mais dela, continua em seu papel de
dominador, que lhe confere o poder da permissão, ou não; a segunda é “
mimetizada”, palavra do mesmo radical de mimese, mimético, mimetismo, cuja
definição, “1. fenômeno que consiste em tomarem diversos animais a cor e a
configuração dos objeto, em cujos meios vivem, ou de outro animais de grupos
diferentes, 2. Ocorre no camaleão, borboletas, etc.”.( FERREIRA, 1986. P.1135).
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Aqui, em sentido figurado, mimetizada significa a transmutação do
sujeito em relação ao seu meio, ou seja, ocorre um processo de integração, em tal
intensidade que o elemento se introjeta ao meio e passa a fazer parte dele. Podemos
dizer que a personagem feminina simbiotiza-se ao ambiente doméstico, ao ponto de
inexistir distinção entre ela, enquanto ser, e os objetos do meio.
Somente para reforçar a idéia de despersonalização por que passa a
personagem em função do seu confinamento, podemos afirmar que ela constitui-se
em um dos elementos da casa, perdendo a sua condição de sujeito para tornar-se
objeto.
Enquanto isto, o homem, a partir de determinado momento, relembra-se,
com saudade, da mulher que tivera, e que talvez escolhera, pelo poder de sedução
que exercia sobre ele:
“Uma fina saudade, porém, começou a alinhavar-se em seus
dias. Não saudade da mulher. Mas do desejo inflamado que
tivera por ela.”
O parágrafo acima indica que a saudade do homem não era da mulher,
enquanto sujeito, e sim, enquanto objeto de satisfação do seu desejo, o que reforça
a idéia de que a mulher não é vista como um sujeito co-participante na relação, mas
apenas como elemento capaz de inspirar e proporcionar prazer.
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Diante da constatação da saudade do tesão que a mulher lhe despertará,
o marido começa um processo de reconstrução da imagem perdida:
“Então lhe trouxe um batom. No outro dia um corte de seda. À
noite tirou do bolso uma rosa de cetim para enfeitar-lhe o que
restava dos cabelos.
Mas ela tinha desaprendido a gostar dessas coisas, nem
pensava mais em agradar. Largou o tecido numa gaveta,
esqueceu o batom. E continuou andando pela casa de vestido
de chita, enquanto a rosa desbotava sobre a cômoda.”
Esse é o último parágrafo do conto. E é aqui onde percebemos que, em
função das exigências do companheiro, e pela servilidade da mulher, ocorre o
aniquilamento da sua condição de sujeito. Assim, quando o homem busca reaver a
paixão inicial, depara com alguém, que, de tão acostumado à subserviência, abdica
de quaisquer elementos capazes de trazer à tona a mulher outrora sedutora, a quem
todos notavam.
Finalizando, podemos estabelecer uma analogia entre essa mulher que foi
aos poucos perdendo sua vida, vida em seu sentido mais amplo, implicando
liberdade, escolha e autonomia, com o pássaro que, antes livre, cantava
51
prazerosamente e voava na imensidão, e após anos de confinamento, desaprende o
canto e, se aberta a porta da gaiola, desconhece o rumo da liberdade.
Outro texto que destacamos referente à relação amorosa como prisão é o
conto “ Sem que fosse tempo de migração”, narrado na terceira pessoa, também com
a presença do narrador onisciente:
“Embora vivendo na gaiola há tantos anos, sua esposa não
cantava. Nem ele a culpava por isso. Bastava-lhe a presença
vivificando a casa.”
Estamos diante do primeiro parágrafo do conto, no qual repete-se uma
cena da vida de um casal, ela, confinada em uma “gaiola”, ( bem empregado o
termo, não?), mas ao contrário do que ocorre com os pássaros, não cantava. A
ausência do canto demonstra que, obviamente, estando a esposa vivendo em uma
gaiola, não poderia sentir-se feliz. O homem, por sua vez, dava-se por satisfeito,
pois a presença da mulher dava vida à casa. Já notamos neste parágrafo, a
constatação das diferenças entre o ponto de vista masculino e o feminino face à
convivência amorosa.
“Com quanto amor cuidava dela, trocando sua água todo dia,
providenciando alimentos que só bem lhe fizessem à saúde.
52
Com quanto encantamento a admirava na hora do banho,
apesar do gesto habitual com que ela, sacudindo dos cabelos
pingentes de cristal, o obrigava a trocar os jornais com que
forrava o fundo. E era sempre com doçura que à tardinha,
dando o dia por encerrado, cobria a gaiola com um pano.”
A mulher confinada na gaiola funcionava para o marido como uma
espécie de animalzinho de estimação, com o qual se preocupava em alimentar bem e
regozijar-se com os gestos feitos pela esposa na hora do banho. Além disto, o
homem se comporta como o provedor extremado, dando à esposa tudo quanto
necessitasse, inclusive com cuidados de cobrir a gaiola ao final do dia.
“Sim, a vida conjugal era cheia de alegrias, repetia para si
mesmo quando, chegando em casa com um pacote de uvas,
deparou com a portinhola aberta. Vazia, a gaiola pareceu-lhe
subitamente inconsistente, agora que nada havia para reter seu
olhar entre as varetas.”
Para o homem, a vida conjugal estava sendo perfeita, a mulher na gaiola,
o prazer de vê-la enjaulada. Mas chega o momento em que este pássaro, ao contrário
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do conto “Para que ninguém a quisesse”, recusa-se à prisão e foge da gaiola. É o
momento em que o marido defronta-se com a realidade à sua volta e percebe que a
amada havia buscado outro caminho.
“Chamou, sabendo que não teria resposta. Procurou nos
quartos, olhou atrás de móveis e portas, lugares onde ela não
estaria. Depois debruçou-se à janela como se ela tivesse
podido voar, e em alguma cornija ou fio ainda o esperasse.
Mas lá embaixo as pessoas iam a suas vidas. E nenhum rosto
era o rosto da mulher.”
Finalmente, constatada a fuga da esposa, o homem ainda mantém a
esperança de tê-la de volta e busca seu rosto entre tantos outros que passam à sua
janela. Mas a amada, de fato, já não estava engaiolada.
“Então colocou uma cadeira debaixo da gaiola, subiu, erguem
uma perna esgueirando-a com cuidado, levantou-se na ponta
do outro pé, puxou para cima o resto do corpo.
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Só depois de entrar e fechar com cuidado a portinhola,
percebeu que ninguém viria trazer-lhe a noite com o pano.”
São esses os últimos parágrafos do texto, em que, após a fuga da mulher
o homem experimenta o confinamento. É também o momento da solidão, vazia a
casa, trancado na gaiola, percebe que não haveria alguém para dispensar-lhe
cuidados, alguém com quem compartilhar a noite.
“De água nem tão doce” é o título do conto que ora passamos a analisar:
“Criava uma sereia na banheira. Trabalho, não dava nenhum,
só a aquisição dos peixes com que se alimentava. Mansa desde
pequena, quando colhida em rede de camarão, já estava
treinada para o cotidiano da vida entre azulejos”.
O primeiro parágrafo do texto nos apresenta uma sereia criada desde
pequena em uma banheira. A situação é bem interessante, considerando que uma
sereia, acostumada ä imensidão do mar, aceita o confinamento em uma banheira,
acostumada com o “cotidiano da vida entre azulejos”.
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A situação em que a sereia encontra-se é mais complicada do que a das
personagens dos dois contos anteriores, pois, desprovida de pernas, sequer tem
possibilidades reais de locomoção.
No parágrafo seguinte vemos:
“Cantava. Melopéias, a princípio. Que aos poucos, por
influência do rádio que ele ouvia na sala, foi trocando por
músicas de Roberto Carlos. Baixinho, porém para não
incomodar os vizinhos.”
No início do aprisionamento a sereia cantava melopéias, mas aos poucos
vai descaracterizando-se, ä medida em que, distante do seu ambiente original,
contamina-se pelo mundo do homem que a mantém na banheira e passa a cantar
músicas que ele ouvia.
O terceiro parágrafo dará continuidade à idéia de descaracterização
iniciada no anterior:
“Assim se ocupava. E com os cabelos, agora pálido ouro, que
trançava e destrançava sem fim. “Sempre achei que sereia era
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loura”, dissera ele um dia trazendo tinta e água oxigenada. E
ela, sem sequer despedir-se dos negros cachos no reflexo da
água da banheira, começara dócil a passar o pincel”.
Como dissemos anteriormente, a sereia vai descaracterizando-se, além de
não mais cantar melopéias, músicas de sereia, tinge os cabelos de louro, pois seu
“dono” sempre pensou que as sereias eram louras. Ela, morena, transforma-se em
loura, sem despedir-se dos seus cabelos negros.
O texto prossegue com:
“Só uma vez, nos anos todos em que viveram juntos, ele a
levou até a praia. De carro, as escamas da cauda escondidas
debaixo de uma manta, no pescoço a coleira que havia
comprado para prevenir um recrudescer do instinto. Baixou
um pouco o vidro, que entrasse ar de maresia. Mas ela nem
tentou fugir. Ligou o rádio, e ficou olhando as ondas,
enquanto flocos de espuma caíam dos seus olhos”.
Nesse último parágrafo a narradora destaca a ida ,uma única vez, da
sereia até uma praia. O homem cerca-se de cuidados colocando uma coleira no
pescoço da sereia temendo que ela pudesse fugir. Mas ela, tão acostumada estava ao
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confinamento, que sequer pensa em fazê-lo. Liga o rádio, e ouve música.. Olha as
ondas e o seu choro demonstra que, apesar de todas as mudanças impostas pelo
homem, ela continua sendo uma sereia, pois em seu olhos, ao invés de lágrimas,
brotam flocos de espumas.
A INFIDELIDADE AMOROSA
Finalmente, chegamos ao último aspecto da desilusão amorosa, e
possivelmente o mais difícil de ser abordado, dada à
existência de termos
correlatos, empregados freqüentemente como sinônimos. Para esclarecermos um
pouco esta utilização termos, recorremos algumas definições.
“É necessário que se tenha uma noção clara do que nos
referimos
como
adultério,
infidelidade
ou
relação
extraconjugal. Embora esses termos sejam usados como
sinônimos, envolvem diferenças conceituais que refletem a
visão sociopsicológica utilizada.
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Adultério é uma palavra quase que em total desuso hoje em
dia devido à sua conotação de infâmia, de crimes contra a
honra e de direito local de uma pessoa sobre a outra, de posse
exclusiva. Já ‘infidelidade’ indica ‘traição’, ‘deslealdade, o
que também, como no que se refere a adultério, traz consigo
um prejulgamento de algo errado e vil. Já o termo ‘relações
extraconjugais’ reflete uma postura mais neutra, onde não há
uma avaliação preconcebida ou culposa, nem de um crime
cometido”. (LIPP. 1991, p. 112-3)
Contudo, para ampliar o nosso leque de opções, consultamos também
outra fonte, que define o termo infidelidade, como: “qualidade ou caráter de infiel
(...) deslealdade”, traição, e
perfídia”. ( FERREIRA, 1986. P. 943) Logo,
deduzimos que estas são características daquele que, tendo assumido um
compromisso, deixa de cumpri-lo.
Ora, neste sentido, em uma relação amorosa, existe um compromisso
tácito de fidelidade, a não ser que haja um entendimento por parte do casal em
contrário, que se constituiria naquilo a que acostumamos denominar “ relações
abertas”.
Esclarecemos que, aqui, optamos pelo termo infidelidade, não com a
intenção de atribuir-lhe qualquer tipo de valor pejorativo, mas para mostrar como
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esta funciona no processo de desilusão amorosa, que é, de fato, a nossa proposta de
trabalho. Além disso, esclarecemos que a autora que ora analisamos emprega essa
terminologia, e não outras.
Para procedermos nossa análise, tomamos, inicialmente, como exemplo o
poema “Hematoma da Infidelidade”, que está centrado
na primeira pessoa do
singular, e cujo teor nos apresenta a imagem de uma confissão, feita por alguém
que demonstra a necessidade de lançar para fora aquilo que esta machucando por
dentro.
Assim começamos a nossa análise abordando o título “ Hematoma da
Infidelidade”. O vocábulo hematoma significa “... tumor formado por sangue
extravasado...”( FERREIRA, 1986 p. 886). Em linguagem coloquial, costumamos
definir hematoma como sendo uma espécie de mancha roxa, geralmente provocada
por pancada. Portanto, transmite a idéia de ferimento.
Nesse sentido, podemos detectar pelo título que há uma ferida provocada
pela infidelidade do amado, logo esse hematoma simboliza a mácula que se instala
na mulher. Essa idéia é reforçada pelo primeiro verso do poema: “ Tenho um
coágulo na alma”, cuja significação seria a conversão de uma substância líquida em
sólida, e como tal, não é possível desafazer-se de uma hora para outra. Já a palavra
alma serve para reforçar a idéia de solidificação da dor, uma vez que no físico as
marcas passam , na alma permanecem. Assim, poderíamos dizer que o hematoma a
que o eu lírico refere-se é o que os psicólogos denominam “trauma”.
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No segundo verso, a expressão “sangue preto pisado” transmite uma
imagem forte, e até certo ponto violenta, pois tem a conotação de morte interior.
Este ferimento que sangra não se dissipa facilmente, pois no terceiro verso temos “
que amor nenhum dissolve”, o que eqüivale a dizer que outros amores poderão
aparecer, mas a mácula da infidelidade permanece.
Nos quarto e quinto versos, aparece uma expressão que queremos
enfatizar, “ eterna estirpe”. A palavra eterna, que, como sabemos, está ligada à idéia
de infinitude, o que dura para sempre, juntamente com a palavra estirpe,
significando origem, linhagem, dá a dimensão do ser feminino, enquanto objeto da
infidelidade masculina. Logo, há a conotação de que a tendência para ser a traída
teria sua origem na própria condição de ser mulher. A mulher, como vemos nos
versos seguintes, é aquela que “ tece e fia”, ou seja, historicamente, a mulher tem
sido induzida a ser “ prendada”, fiar, bordar, costurar, cozinhar.
Muitos podem questionar se esse protótipo feminino ao qual nos
referimos, ainda existe em nossos dias, e acreditamos que a resposta inevitável é
sim, com um agravante, pois hoje a mulher além de desenvolver o todo ou partes
das atividades mencionadas, ainda
acumula outras, como trabalho, estudo e
administração da casa.
Por outro lado, temos o homem que “ afia mentira e gozo”, ora, a palavra
afiar possui inúmeras significações, dentre elas destacamos, aperfeiçoar, aprimorar.
Assim o ”macho” do poema aprimora-se dia após dia na arte da mentira.
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Há ainda a possibilidade de considerarmos afiar com o sentido de tornar
agudo, portanto, penetrante, sendo neste sentido relacionado à idéia que nos passa o
próprio ato sexual, logo seria uma acepção voltada para o gozo.
Observemos que o emprego da palavra “mulher”, sem a utilização do
artigo definido a, conota generalidade, e a utilização da expressão “ o macho” inclui
o homem no rol dos chamados animais irracionais.
Nos versos 10 e 11, ocorre a reiteração da generalidade a que nos
referimos anteriormente, desta vez através da afirmação “ É sempre o mesmo
homem/ o mesmo percurso”. Assim, existe um padrão de comportamento por parte
do homem, e conseqüentemente uma repetição de “percurso”, de caminho.
Prosseguindo, temos nos três versos seguintes, em primeiro lugar, o
emprego da palavra “ nenhum”, ou seja não há exceções, só a regra. O que exclui
para o eu lírico, qualquer possibilidade de que algum homem lhe tenha sido fiel. Em
seguida, temos:
“a mim minha mãe
minhas irmãs.”
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Chamamos a atenção para a ausência das vírgulas, ou mesmo da
conjunção aditiva “e”. Assim a imagem que nos é transmitida é a de continuidade,
infinitude, repetição.
Por fim, nos três versos finais, ocorre uma espécie de lamento:
“E nenhuma de nós
soube achar o caminho
que sem sair do amor
conduz à indiferença”.
Não tem saída, portanto, resta à mulher, guardar o seu coágulo, a sua
mácula de pertencer “à eterna estirpe das traídas”. Nesses versos finais ocorrem a
busca de uma solução, um caminho, para que esta dor solidificada, enfim, possa ser
desfeita.
No poema “ A alma é vã conselheira”, a poeta retoma o tema da
infidelidade, desta vez, partindo de um dado subjetivo, presente nos quatro versos
iniciais:
“Minha alma me diz
63
que meu amado
já não me ama hoje
como ontem”.
Nesses versos, o eu lírico mostra-se inquieto diante da possibilidade da
ocorrência de mudanças entre o amado no passado e no presente, o que acarretaria
uma mudança também no seu modo de amar.
Prosseguindo, temos:
“Nada foi dito
e no entanto
uma fresta se abriu
por onde o vento
me estremece as carnes.”
Embora afirme que não houve conversa ou mudança, o eu lírico, tomado
por uma espécie de temor interior, ditado pela alma, deixa abrir-se uma porta para a
desconfiança.
Diante da possibilidade de que o amado tenha mudado, a poeta perscruta
na sua face, algum indício que a leve à confirmação das suas sensações interiores:
64
“Olho o seu rosto
à procura daquilo
que não quero saber
e nem deixa sinais”.
O que ocorre com o outro, não deixa marcas, logo é impossível saber o
que de fato foi quebrado. Há aqui a presença de um conflito interior entre
a busca da realidade e ao mesmo tempo uma fuga. Tal conflito é gerado,
pois se confirmada a infidelidade, seria necessária uma tomada de
posição, que implicaria em duas possibilidade reais: o desfazimento do
casal ou a aceitação do amado tal qual é.
“Mas seus lábios me dizem
que me adora
e seus olhos me dizem
que me trai.”
65
Temos os últimos versos do poema, onde se dá a constatação do
distanciamento existente entre a palavra usada pelo emissor e a forma como o
receptor a decodifica. Assim, apenas a palavra não basta, pois o eu lírico, ao fazer a
decodificação da mensagem do amado, considera três aspectos: o que ele fala ( a
palavra); o que os seus olhos falam e, em última análise, estaria a percepção
subjetiva constatando que, apesar das palavras, os olhos delatam a traição.
Diferentemente do que vimos em “Hematoma da infidelidade”, aqui as
palavras empregadas são mais brandas, não há o tom frio adotado no referido
poema, ao contrário, a poeta, apesar do conflito que deixa transparecer, demonstra,
talvez um quê de conformismo, para se chegar àquele estágio “que sem sair do amo/
conduz à indiferença”.
A infidelidade amorosa volta a ser tematizada na crônica “Até que a
tesoura nos separe”, cujo teor reporta-se a um casal em fase de separação judicial:
“Eles se amaram. Quem ninguém duvide. Lavradores,
pobrezinhos, amaram-se um dia. E talvez apaixonadamente.
Isso ninguém contou mas podemos deduzir. O que se contou
foi como se separaram, a cena, que embora patética pareceu
cômica. Mas como avaliar qualquer separação sem levar em
conta o amor que a antecedeu?”
66
A primeira frase do texto apresenta uma afirmação .referente ao fato de
que um dia as personagens da cena que passa a ser contada se amaram. Isso
demonstra que, no presente, o casal não mais tem a relação amorosa do passado. A
narradora evoca a possibilidade de ter existido uma paixão que uniu o par, partindo
apenas de uma dedução subjetiva., ao considerar que duas pessoas se unem
necessariamente por amor.
Entretanto, a ênfase não é dada ao amor em si, mas ao momento do
desfazer-se do sentimento inicial, representado, no presente, por um misto de
tragédia e comédia, o que leva a cronista a questionar a respeito do instante da
separação e o caminho percorrido para que se chegasse até ele.
“Eles se amaram. Carla Elisa, que ainda não era Bortsmann,
tinha certamente um cheiro bom de sabonete quando tomava
banho à tarde, depois de um dia inteiro passado na lavoura,
um cheiro que, sobretudo na nuca debaixo dos cabelos
molhados, enchia de ternura e desejo o coração de Erni Darci
Bortsmann. E as mãos ásperas da enxada, desfaleciam Carla
Elisa quando apenas a tocavam. Assim, casaram-se. Assim,
foram felizes por algum tempo. Depois, esse tempo acabou.
67
No segundo parágrafo, a narradora faz uma série de digressões sobre o
amor inicial que unira Carla Elisa e Erni, abordando de forma extremamente
detalhista e ao mesmo tempo poética, o enlevo amoroso por que passava o casal,
para em seguida, assumindo um tom mais frio, falar sobre a efemeridade do amor,
quando afirma que “foram felizes por algum tempo”.
O terceiro parágrafo aborda o presente de Carla Elisa e Erni:
“E agora, quando ele já está morando com outra da qual
espera um filho, e ela recostura sua vida, Erni e Carla Elisa,
acompanhados dos respectivos advogados, compareceram
diante do juiz da Comarca de Candelária, no Rio Grande do
Sul, para efetivar a separação.
O fato tão pequeno, não teria chamado a atenção de ninguém,
e muito menos ocupado espaço na imprensa em plena Eco 92,
não fosse a reivindicação de Carla Elisa. Que abriu mão da
pensão alimentícia e não pediu divisão dos bens porque bens
não possuíam. Mas exigiu que a foto do casamento fosse
cortada em dois, ficando cada qual com a
aparecia”.
parte em que
68
A situação narrada acima, era uma coisa pequena, mas dada à exigência
de Carla Elisa, que a foto fosse cortada, separando os elementos do antigo par,
ocupou espaço na imprensa, pelo inusitado da exigência. Nesses parágrafos a
narradora adota um tom jornalístico, sem ater-se a comentários de caráter subjetivo
como já ocorrera em anteriores.
Destacamos os parágrafos quinto e sexto:
“_ Eu achei muito engraçado _ disse depois Amilcar
Kaercher, seu advogado. _ Mas ela queria que a foto fosse
cortada. Tive que defender minha cliente e é claro que no
início até o juiz achou que era brincadeira.
E o juiz Pedro Pozza confirma, ele também teve vontade de
rir. Ainda mais porque Carla Elisa fez questão de que a
decisão constasse de uma cláusula especial. Teve vontade,
mas não riu, que o riso não fica bem aos juízes. E atendeu ao
pedido.”
No quinto parágrafo, através do discurso direto, aparece o depoimento do
advogado de Carla Elisa, que admite ter achado graça no pedido da sua
representada, ou seja, solicitar que a foto do casamento separasse com uma tesoura
os antigos noivos, foi considerado risível, inclusive pelo juiz.
69
O sexto parágrafo relata a confirmação do juiz Pedro Pozza, feita através
do discurso indireto, que ele próprio teve vontade de rir, especialmente porque Carla
Elisa exigiu que houvesse uma cláusula na qual constasse a sua solicitação. Nesse
parágrafo a narradora destaca a questão do riso nos juízes, ao afirmar que “o riso
não fica bem aos juízes”.
O trecho seguinte apresenta duas indagações:
“Será que Erni também teve vontade de rir? Ou será que por
um instante um cheiro molhado de sabonete voltou-lhe ä
memória e ele percebeu a beleza do gesto da antiga amada?”
Novamente a narradora assume um tom poético ao indagar sobre os
sentimentos de Erni em relação à Carla Elisa, remetendo a um suposto passado, já
mencionado no segundo parágrafo.
Outro aspecto que destacamos é o fato de que a cronista se mostra
partidária da mulher, pois emprega a expressão “beleza do gesto”, conotando que a
posição assumida por Carla Elisa é nobre, bonita, portanto louvável.
Nos três parágrafos seguintes aparecerá mais uma vez a análise
subjetiva por parte da narradora face ao relacionamento amoroso de Carla Elisa e
Erni:
70
“Ali, diante do juiz, ladeada pelos advogados como se por
dois esbirros, Carla Elisa percebeu que nada ia lhe restar. Do
seu casamento, daquele período, talvez nem muito longo, em
que acreditou que poderia ser feliz, nada sobrava. Nem uma
casa, nem bens. Separados os corpos, separadas há tempos as
lembranças, rompia-se agora o último laço. E tudo estava
prestes a fazer-se nada.
Só havia a fotografia. Ele de terno, provavelmente o único
terno de toda uma vida. Ela triunfante no vestido de noiva,
coroa de flores na cabeça, o véu descendo pelos ombros como
um manto, firme na mão o cetro do buquê. Os dois sorrindo. E
ela de batom. Ali estava a prova de que havia sido feliz, ainda
que só por algum tempo. Ali estava a evidência de que havia
sido amada. Ali estava o testemunho da sua vitória.
Da vitória sim, mas também do fracasso. Porque aquele
homem ao seu lado, espremido no laço da gravata, era a um só
tempo o amado que havia sido e o desamado que era, o
apaixonado que havia sido e o indiferente que e era, a
esperança que havia sido e a desilusão que era. Guardando o
seu retrato de bodas, Carla Elisa guardaria também o retrato
de um homem que agora não queria mais lembrar, o retrato de
71
um homem que estava prestes a tornar-se o pai do filho de
outra mulher. Aquela fotografia emoldurada, ou mesmo
guardada numa gaveta, continuaria conservando na sua vida
um homem que havia saído dela.”
Nos fragmentos destacados a narradora busca justificar os motivos que
levaram Carla Elisa a solicitar que a separação que ora se concretiza, “seja também
efetivada na fotografia do casamento. Observemos que a descrição da mulher na
foto das bodas assemelha-se a uma princesa com a sua “coroa de flores “, “o manto”
e o “cetro do buquê”, ao mesmo tempo em que representa a prova do sucesso, da
vitória da mulher, que se realiza através do matrimônio. Mas a mesma imagem que
representa a vitória é o símbolo do fracasso de uma relação pouco duradoura que
termina com a infidelidade do amado, e a conseqüente a separação.
Outro aspecto que consideramos relevante é que nesses três parágrafos a
temática da infidelidade funde-se com a do desencanto, pois a mulher, ao exigir a
divisão da foto, desfaz a imagem que ela tinha do amado de outrora. Um amado que
no presente é um estranho, nada tendo a ver com a imagem inicial, presente na
fotografia, logo, é necessário que ele saía da sua foto, como saíra da sua vida.
Nos dois últimos parágrafos temos o desfecho da separação de Carla
Elisa e Erni:
72
“Então, salomônica, teve a idéia irretocável. Que, no momento
mesmo em que separavam-se no papel judicial os elementos
daquele casal, se empunhasse a tesoura, separando no papel
brilhante da fotografia. É provável que, na hora do corte, um
pedacinho do véu dela, um canto do cotovelo dele, ou mesmo
um tanto das mãos entrelaçadas de ambos tenha sido
decepado. E que a nesga de um tenha ido parar na parte que
coube ao outro. Se assim aconteceu, a tesoura fez justiça,
repetindo apenas a realidade, em que pequenas mutilações
foram inevitáveis e em que, ao fim do casamento,
surpreendeu-se um possuindo pequenas partes do outro,
descobriu-se o outro ainda um pouco habitado pelo um.
Riu o advogado, sorriu mais discreto o juiz. Só Carla Elisa não
riu. Guardou a tesoura e levou para casa seu único bem, a
fotografia em que aparece sozinha e gloriosa.”
No final da história de Carla Elisa e Erni a narradora apresenta uma
analogia entre a divisão da foto, em que partes de cada um dos componentes do
casal vão parar na que pertencia ao outro, esclarecendo que, na realidade as coisas
são assim, pois após a separação ocorrem algumas “mutilações”. Nesse sentido,
73
cada membro do antigo casal trará em si partes do outro, adquiridas com a
convivência, partes, que talvez, permaneçam para sempre.
Finalmente, após conseguir seu intento, Carla Elisa volta, segundo a
narradora, “sozinha e gloriosa”.
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CONCLUSÃO
Visando alcançar os objetivos estabelecidos no início do nosso trabalho,
e após inúmeras leituras da obra da escritora Marina Colassanti e de obras de
autores diversos que nos forneceram um suporte teórico, procedemos à elaboração
do quanto havíamos delineado no nosso projeto de pesquisa.
Analisamos a presença da temática da desilusão amorosa em Marina, e,
finalmente chegamos aos objetivos delineados no início da nossa pesquisa, ou seja,
a sistematização da referida temática em três desdobramentos: o desencanto; na
clausura do amor e a infidelidade amorosa.
Após a realização da análise dos textos referentes ao desdobramentos
acima mencionados, percebermos o teor poético que permeia a obra literária de
Marina Colassanti, como pudemos observar nos textos “ A moça tecelã”, “ Para que
ninguém a quisesse”, “Sem que fosse tempo de migração”, “De água nem tão doce”,
“ Estava perdida a meta da morfose” e “Até que a tesoura nos separe”, todos em
75
prosa, nos quais nos foi possível observar a constante presença de metáforas cujas
imagens poéticas transmitem grande beleza. Contraditoriamente, nos poemas “
Hematoma da infidelidade” e “Sexta-feira à noite”, ocorre o inverso, a linguagem
está bem mais a nível coloquial, é bem mais direta. Digamos, inclusive que é uma
linguagem mais fria, com emprego de palavras da área médica, como “hematoma”,
“coágulo”, como se se tratasse de uma espécie de diagnóstico fatal, diante da
constatação de uma doença incurável, a marca da infidelidade, no caso de
“Hematoma da infidelidade” e , no que se refere a “Sexta-feira à noite”, o emprego
de expressões chulas como: “coçar o saco”, “dedo no nariz”.
Observamos também que em todos os textos que analisamos, em prosa
ou veros, as referências aos sexo masculino e feminino são feitas com o emprego de
forma genéricas, como homem, mulher, macho, marido, esposa.
Tais denominações conotam que, na relação amorosa, ocorre o
desempenho específico de papéis previamente estabelecidos, o que coloca em
antagonismo homens e mulheres e afirmam a existência de uma generalidade, todos
os machos são iguais, todas as fêmeas são iguais.
Mas ocorre também nos referidos textos uma busca de solução, assim,
cada figura feminina encontra uma forma de se adequar à sua realidade ou de fugir
dela. A Moça Tecelã desconstrói a imagem do príncipe encantado. A mulher de
“Para que ninguém a quisesse” se confunde com os objetos da casa, e assim se
protege. A prisioneira da gaiola de “Sem que fosse tempo de migração” abre a
portinhola e foge. A figura feminina de “ Sexta -feira à noite sonha com o príncipe
76
encantado e continua a sua vidinha cotidiana, comendo o seu “feijão-com-arroz”.
Somente nos poemas “Hematoma da Infidelidade” e “A alma é vã conselheira” o
desfecho fica em aberto, pois, no primeiro caso, existe uma busca de solução ainda
não encontrada, no segundo, a dúvida sobre a fidelidade do amado paira no ar.
Finalmente, concluímos dizendo que, Marina Colassanti tem se
destacado em várias áreas do conhecimento, passando pelas artes plásticas,
jornalismo, literatura e possui diversos livros de ensaios em que fala sobre a mulher
e para a mulher, sendo partidária daquelas do mesmo sexo. Assim, sem querer
confundir a obra com a biografia da autora, destacamos que há subjacente à sua
produção literária uma preocupação de caráter ideológico, que visa de alguma forma
atingir o público feminino para uma possível tomada de posição.
77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA
DA AUTORA
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FREUD, Sigmund: O futuro de uma ilusão In: - .Os pensadores. seleção de textos
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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
DA AUTORA
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1990
DISCOS
BUARQUE, Chico. Perfil. Rio de Janeiro. PolyGram.1993
VELOSO, Caetano. Cores, Nomes. Rio de Janeiro, PolyGram, 1981.
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