A OBEDIÊNCIA M. Rosa Chao Ochoa, rcm EM CAMINHO (MOTIVAÇÃO) "Acatando a vontade divina, obedeçamos, certas de que tudo podemos n'Aquele que nos conforta". Humilhemos, obedeçamos, conformemo-nos com a vontade de Deus: que três pontos de apoio para subir a escada da perfeição (M. Carmen Sallés. Carta de 1900). No caminho de santidade, M. Carmen reconheceu a obediência como virtude sólida que expressa a fé e a confiança em Deus como Senhor e Salvador. Ainda mais: a busca da vontade de Deus foi o eixo de sua existência, procurando encontrar Deus em todos os acontecimentos. Queremos que a preparação à celebração da canonização impulsione o caminho de santidade em nós. Durante este mês de março de 2012, propomonos aprofundar, refletir, orar esta virtude que nos leva a imitar as atitudes que vemos em M. Carmen de Jesus Sallés e que, como a ela, nos configurarão com os sentimentos de Cristo e de Maria, Ela que pronunciou o Fiat ante o Projeto de Deus que o anúncio do Anjo lhe revelava. Propõem-se, durante o mês de março, dois momentos de oraçãocelebração: - A celebração do aniversário da Beatificação, em 15 de março. - A celebração da Encarnação, em 25 de março, em que se unem a obediência do Verbo encarnado e a de Maria. 1. ABERTAS À PALAVRA: FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA E TEOLÓGICA Em Cristo, a obediência é a expressão de sua filiação, a obediência constitui a essência do Filho. "Meu alimento é fazer a vontade do Pai" (Jo 4, 34). O Filho, em sua obediência, dá lugar, totalmente, a Deus. Jesus obediente é exegese da essência de Deus. O ser de Jesus se realiza a partir do Pai e visando os homens. O mistério Redentor é Mistério de obediência até a morte de cruz (Filip 2, 6-11). A obediência é o estilo de ser de Jesus Cristo. Lucas propõe a obediência de Cristo desde o início até o final de seu evangelho (cf. 2, 49- 23, 46). Neste evangelho, as primeiras palavras de Jesus referem-se a seu relacionamento de obediência ao projeto do Pai: "Não sabíeis que devia ocupar-me das coisas de meu Pai". As últimas também expressam este mistério de obediência filial: "Pai, em tuas mãos encomendo meu espírito". Toda a vida de Jesus, seus gestos, mensagem... são desenvolvidas no marco 1 da obediência. Desde o nascimento à morte, cumprir a vontade do Pai é a finalidade da Encarnação. O Verbo se encarna para experimentar a obediência extrema como prova de um amor absoluto ao Pai. O ponto alto é a morte de cruz, é uma obediência consciente e livre, que se expressa na oração confiada "Abba". Nesta obediência encontramos a essência do mistério de Cristo. Esta obediência identifica Cristo com sua missão. O ser de Jesus é receptivo, é ser aberto à vontade do Pai. Ser Filho equivale a ser obediente. Definitivamente, a obediência incondicionada de Jesus ao Pai, vivida no amor filial, realizou a Aliança e manifesta a beleza libertadora de uma dependência filial e não servil, rica de sentido, de responsabilidade e animada pela confiança recíproca, refletindo, na história, amorosa correspondência da Trindade1. A obediência de Jesus expressa a plenitude de diálogo entre Jesus e o homem e se contrapõe ao pecado de autossuficiência, de não comunicação com o próximo. A obediência é diálogo, abertura, comunhão, escuta. Cristo, palavra encarnada, é resposta total ao Pai, à sua vontade de amor. Ele quebrou o monólogo do homem pecador e nos levou à esfera da escuta e da disponibilidade, a Deus e aos irmãos, porque Cristo, na obediência filial, adota a forma de servo: "despojou-se de si mesmo tomando a condição de servo (...), obedecendo até a morte e morte de cruz" (Filip 2, 7-8)2. Estamos no próprio centro da Aliança: a obediência de Abraão pela fé é o início de uma escala de obediência que percorre todo o A.T. e que se dirige para Cristo que é o Amém. Amém, sinal de solidez, de credibilidade de Deus e expressão máxima da resposta fiel a Deus. Através de Cristo sobe a Deus o nosso Amém (cf. 2Cor 1, 20-21); o próprio Cristo vive em nós o amém. A obediência humana de Jesus brota da liberdade de seu coração, do compromisso e disponibilidade e é uma resposta de amor e fidelidade. Em Cristo o homem chega a sua plenitude, é o protótipo e modelo do homem novo, que se realiza na entrega para o Absoluto, para Deus. A forma de existência de Cristo é existência recebida, é abertura ao Pai para cumprir sua missão, na qual Jesus comprometeu todo seu ser e que acolhe como dom do Pai. Jesus, durante sua existência terrena, proclama que seu "alimento é cumprir a vontade do Pai". Com sua entrada no mundo, segundo Hebreus, expressa esta disponibilidade. Jesus é o "sim" às promessas divinas. Quando seus pais o encontram no templo lhes diz: "Não sabiam que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?". Com esta consciência 1 2 Cf. VC 21. Cf. VC 22 2 filial "desceu com eles e voltou a Nazaré e estava sujeito a eles. Sua mãe conservava todas estas coisas em seu coração". Os Evangelhos deixam intuir a lucidez com que Jesus se propõe uma meta. Sua fonte de decisão é a oração. Aprofunda no mistério do Reino em comunhão com seu Pai, preparando-se, assim, a sua hora. Para ele, a obediência não consiste na execução de uma série de preceitos, mas na participação na liberdade criadora de Deus, ali onde sua liberdade de Filho do homem se dilata até o infinito, em solidariedade e responsabilidade, até o dom de si mesmo para a regeneração do universo. O sentido da obediência é o amor Em sua atividade terrena, especialmente na cruz, Jesus revela o sentido da vontade de Deus como revelação de seu mistério de amor. O mandamento do Pai a Jesus e a toda criatura humana é revelar o Senhor de misericórdia infinita, em toda situação, inclusive na morte de cruz. É dar testemunho de amor, única resposta do Deus da vida ao ódio. Na pessoa consagrada, sua obediência é continuidade com a obediência de Cristo para salvar o mundo. A obediência faz chegar a dignidade da pessoa humana a seu pleno desenvolvimento, favorecendo seu crescimento na liberdade dos filhos de Deus. A pessoa chamada por Deus para professar este estilo de vida se empenha em aprofundar continuamente o dom dos Conselhos Evangélicos, com um amor sempre mais forte e sincero em "dimensão trinitária"; amor a Cristo que chama à sua intimidade, ao Espírito Santo que dispõe o ânimo para acolher suas inspirações, ao Pai, primeira origem e fim supremo da Vida Consagrada. Textos bíblicos para orar FILIPENSES 2, 1-11 "Se me é possível, pois, alguma consolação em Cristo, algum caridoso estímulo, alguma comunhão no Espírito, alguma ternura e compaixão, completai a minha alegria, permanecendo unidos. Tende um mesmo amor, uma só alma e os mesmos pensamentos. Nada façais por espírito de partido ou vanglória, mas que a humildade vos ensine a considerar os outros superiores a vós mesmos. Cada qual tenha em vista não os seus próprios interesses e, sim, os dos outros. Dedicai-vos, mutuamente, à estima que se deve em Cristo Jesus. Sendo ele de condição divina não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhandose aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhouse ainda mais, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz, por isso 3 Deus o exaltou soberanamente e lhe outorgou o nome que está acima de todos os nomes para que, ao nome de Deus, se dobre todo joelho, no céu, na terra e nos infernos. E toda língua confesse, para a glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é o Senhor". JOÃO 4, 34 "Meu alimento é fazer a vontade do Pai". JOÃO 5, 30 "E não posso fazer nada por mim mesmo; julgo segundo o que ouço; e meu julgamento é justo porque não procuro minha vontade, mas a vontade do que me enviou". O Filho enviado não age nunca por si mesmo. O Filho enviado contempla continuamente o Pai para dizer que o ouve e para realizar o que vê o Pai fazer. O Filho não tem vontade própria, sua vontade é a do Pai. JOÃO 6, 38 "Porque desci do céu não para fazer minha vontade, mas a vontade do que me enviou". JOÃO 12, 27 "Agora minha alma está perturbada. E que vou dizer? Pai, livra-me desta hora! Mas se cheguei até aqui para isto!" JOÃO 19, 30 "Quando Jesus tomou o vinagre, disse: "Tudo está cumprido"! E inclinando a cabeça entregou o espírito". HEBREUS 10, 5-7 "Eis porque Cristo ao entrar no mundo diz: Não quiseste sacrifício nem oblação, mas me formaste um corpo. Holocaustos e sacrifícios pelo pecado não te agradam. Então eu disse: Eis que venho (porque é de mim que está escrito no pergaminho do livro), venho, ó Deus, para fazer a tua vontade! SALMO 18 "A lei do Senhor é perfeita, reconforta a alma: A ordem do Senhor é segura, instrui o simples. Os preceitos do Senhor são retos, deleitam o coração: O mandamento do Senhor é luminoso, esclarece os olhos. O temor do Senhor é puro, subsiste eternamente; Os juízos do Senhor são verdadeiros, todos igualmente justos. Mais desejáveis que o ouro, que uma barra de ouro fino, Mais doces que o mel, que o puro mel dos favos. Ainda que vosso servo neles atente Guardando-os com todo o cuidado; Quem pode, entretanto, ver as próprias faltas? Purificai-me das que me são ocultas. 4 Preservai também vosso servo do orgulho; Não domine ele sobre mim, Então serei íntegro e limpo de falta grave. Aceitai as palavras de meus lábios e os pensamentos de meu coração, Na vossa presença, Senhor, minha Rocha e meu Redentor. PARA REFLETIR E ORAR: - Ler o documento e partilhar o que me ilumina para viver um caminho de obediência. Vivo a obediência como expressão de ser filha de Deus? É a virtude da obediência, em minha experiência, um caminho de verdadeira liberdade? Pelos textos bíblicos, que chamados recebo para ser "memória" de Jesus obediente? 2. SEMENTES CONCEPCIONISTAS A OBEDIÊNCIA EM M. CARMEN DE JESUS SALLÉS Obediência por amor a Jesus Cristo M. Carmen nos propõe uma obediência por amor a Jesus Cristo, aceitando a vontade de Deus com a confiança da criança nos braços de sua mãe: abandonadas à conformidade com a vontade de Deus. Este abandono é fruto da confiança que nos faz caminhar, viver em êxodo pelo deserto, subir da Galileia a Jerusalém. Toda a vida da concepcionista procura tornar seu o 'Fiat' de Maria, que a tornou conforme com seu Filho. Obediência no cotidiano Nas primeiras constituições, M. Carmen se inspira na Regra de São Bento, considerando a pronta obediência como um primeiro grau de humildade. Expressão do amor a Jesus Cristo. O sinal da obediência é a imediatez e supõe descobrir a voz de Deus no cotidiano, em tudo aquilo que nos chama a uma maior entrega (Superior, os irmãos, os acontecimentos) e nos esvazia de nós mesmos para nos encher da presença de Deus tangível, real e divinamente humana3. Do texto da Regra de São Bento, que M. Carmen transcreve quase literalmente, se depreendem duas conclusões: primeira, sem abnegação própria não se chega a um verdadeiro acatamento da vontade de Deus; e segunda, que a abnegação consiste na renúncia à própria vontade, que separa o homem de Deus4. 3 4 J.CHITTISTER, A Regra de São Bento. Sal Terrae, p. 71s. G. M. COLOMBÁS, citado por G. URIBARRI BILBAO, “Trazer as marcas de Jesus”. 5 Obediência como caminho da santidade Em 1900, depois de oito anos de caminhada do novo Instituto, M. Carmen procura relembrar aspectos fundamentais e ressalta a obediência como ponto de apoio para o caminho à perfeição, à santidade. Recordamos os três pontos de apoio: Humildade: reconhecer nosso ser como criaturas, necessitadas de misericórdia, de salvação. Criaturas que podem tornar-se indignas do projeto de Deus. Obediência: motivada por amor a Jesus Cristo, supõe um gesto de adoração e é vivida na mediação dos superiores. Conformidade à vontade de Deus: é consequência da humildade e obediência. M. Carmen parece falar mais de um momento místico, em que a pessoa se deixa levar pelos impulsos da graça e a concepcionista experimenta a força para se unir com Cristo esposo. É a identificação com Cristo: tornarmo-nos, como Ele, obediente, e Ele derramará graças quanto mais a Religiosa se anular. Obediência como identificação com as atitudes de Cristo, o Filho amado. M. Carmen exorta a passar da obediência à conformidade com a vontade de Deus. É um itinerário de conformação com Cristo. Este processo expressa a oferenda de uma vida que se faz sacrifício de justiça. É viver o mesmo processo de Cristo em um dinamismo pascal que parece ter como base o hino dos Filipenses. A união com Cristo, nosso Bem, é fruto da nossa aniquilação e a obediência que, em Cristo, chega até a morte e morte de cruz. Obediência a Deus nas mediações Para M. Carmen, a obediência se expressa no acomodar nossas ações às normas que a vida do Instituto expressam. Descobrimos a vontade de Deus aceitando as mediações. Pede-nos uma obediência ativa e responsável, para realizar os desígnios de Deus: "Conhecedoras, pois, dos grandes desígnios que Deus tem sobre nós, esforcemo-nos para nos tornarmos dignas e aptas para levá-los a glorioso fim" (Carta 1909). 6 É uma obediência que pospõe a própria vontade à confiança em um Deus pai-mãe que nos guia através de mediações. "Despojemo-nos de nossa vontade, frequentemente perigosa e inconstante, e deixemo-nos guiar como crianças inocentes e inexperientes, pelos desejos e mandatos de Deus, revelados por nossos Superiores" (Carta 1909). Em M. Carmen, encontramos a sabedoria espiritual que leva a procurar a união com Cristo, a assimilação de seus sentimentos e a identificação com suas atitudes. A fé e a confiança, a prontidão e a disponibilidade, a humildade e a simplicidade, são atitudes que expressam, no cotidiano, a busca da vontade de Deus, fazendo desta o eixo da existência. A OBEDIÊNCIA EM NOSSAS CONSTITUIÇÕES A obediência da concepcionista é prolongação da oblação de Cristo, nos faz participar do mistério redentor, afiança a pertença à Congregação e compromete com a missão da Igreja. A obediência nos une à vontade salvífica de Deus, faz de nossa vida uma continua oferenda e ato de amor ao Pai, leva-nos ao discernimento e à comunhão. Provoca um caminho de amadurecimento de fé e amor, de humildade e abnegação5. O Carisma fundamental resume a atitude de M. Carmen de fazer, da vontade de Deus, o eixo de nossa vida. Maria é o modelo de acolhida do Plano de Deus. Fazemos nosso o 'Fiat' de Maria que tem seu fundamento na anunciação, na acolhida ao amor que se responde com amor. São dimensões que expressam nossa obediência: a) Dimensão de fé * Viver em e com fé: "A obediência vivida em fé nos une com maior intensidade à vontade salvífica de Deus e nos faz partícipes no mistério redentor de Cristo, com uma vida que se faz oferenda contínua e ato de amor ao Pai" (CC 27). * Praticar o discernimento comunitário: "A vida de comunidade em obediência deve ser um exercício contínuo de discernimento e comunhão na busca da vontade de Deus" (CC 28). * Atitude ativa e responsável que nos faz crescer na liberdade dos filhos de Deus. "A obediência livre, ativa e responsável é um caminho de amadurecimento pessoal, de fé e amor, de humildade e abnegação" (CC 28). 5 Cf. CC 27, 28. 7 b) Dimensão comunitária A comunidade é, para cada concepcionista, o lugar privilegiado de busca e encontro da vontade de Deus. A obediência é a que cria o "nós" comunitário. A obediência gera comunhão em torno da vontade de Deus e cria comunidade. "Com nossa obediência, contribuímos para o bem da comunidade, para a convivência fraterna e à construção do Reino; participamos no apostolado comunitário, que se expressa na disponibilidade e desprendimento para cargos e ofícios, no diálogo e informação sobre planos e realizações e no fomento da corresponsabilidade subsidiária" (CC 29). c) Dimensão missionária Pela obediência, procurando realizar em tudo os desígnios salvíficos de Deus. "Expressa e afiança nossa pertença à Congregação e nos compromete com sua missão na Igreja" (CC 28). "Conscientes de nossas responsabilidades, expomos as iniciativas e os inconvenientes que encontramos no cumprimento de nossas obrigações, dispostas a aceitar o que a Superiora julgue oportuno determinar" (CC 29). A obediência é a expressão da fecundidade da vida de cada Irmã, a exemplo de Maria. "Queremos tornar nosso o Fiat de Maria, que foi, nas mãos de Deus, um membro ativo, livre e obediente, em sua fé de escrava do Senhor" (CC 31). d) Dimensão ascética A aceitação das mediações na própria vida faz parte do caminho de obediência. "Obedecemos a Deus através da mediação das superioras que animam a vida de comunidade, escutam com atenção às Irmãs e promovem sua colaboração para o bem da Congregação e da Igreja" (CC 29). "O Papa, Pastor Supremo, nos une de maneira especial ao mistério da Igreja. Seguimos as orientações de seu Magistério e rezamos diariamente por ele" (CC 30). 8 3 – HERDEIRAS DE UMA BÊNÇÃO 1. OBEDIÊNCIA (REDEMPTIONIS DONUM) 13. Cristo "apesar de ter a forma de Deus, não reputou como troféu (cobiçável) o ser igual a Deus; antes, se aniquilou, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e assim, pelo aspecto, sendo reconhecido como homem, se humilhou, fazendo-se obediente até a morte e morte de cruz! Tocamos aqui, nestas palavras da Carta de Paulo aos Filipenses, a própria essência da Redenção. Nesta realidade está inscrita de modo primário e constitutivo a obediência de Jesus Cristo. Outras palavras do Apóstolo, retiradas, desta vez, da carta aos romanos, confirmam também este dado: "Pois como, pela desobediência de um só homem, muitos se constituíram pecadores, assim também pela obediência de um, muitos se constituíram justos". O conselho evangélico da obediência é o chamado que brota desta obediência de Cristo "até a morte". Os que acolhem este chamado, expresso mediante a palavra "segue-me", decidem – como afirma o Concílio – seguir a Cristo "que... remiu e santificou os homens pela obediência até a morte de Cruz". Ao realizar o conselho evangélico da obediência, eles alcançam a essência profunda da economia total da Redenção. Ao realizar este conselho desejam conseguir uma participação especial na obediência daquela "um", através de cuja obediência todos "se constituíram justos". Portanto, pode-se dizer que os que decidem viver segundo o conselho da obediência se põem de modo particular entre o mistério do pecado e o mistério da justificação e da graça salvífica. Encontram-se neste "lugar" com todo o fundo pecaminoso da própria natureza humana, com toda a herança do "orgulho da vida", com toda a tendência egoísta a dominar e não a servir, e se decidem, precisamente através do voto de obediência, a transformar-se a semelhança de Cristo, que "remiu e santificou os homens pela obediência". No conselho da obediência desejam encontrar sua parte na Redenção de Cristo e seu caminho de santificação. Este é o caminho que Cristo traçou no Evangelho, falando muitas vezes do cumprimento da vontade de Deus, de sua busca incessante: "Meu alimento é fazer a vontade do que me enviou e acabar sua obra". "Porque não busco minha vontade, mas a vontade do que me enviou". "O que me enviou está comigo; não me deixou só, porque eu faço sempre o que é de seu agrado". "Porque desci do céu não para fazer minha vontade, mas a vontade do que me enviou". Este constante cumprimento da vontade do Pai faz pensar também naquela confissão messiânica do salmista da Antiga Aliança; "Nas páginas do livro me está prescrito: fazer tua complacência; meu Deus (isto) me é grato, e tua Lei está dentro de minhas entranhas". Esta obediência do Filho – cheia de gozo – alcança seu zênite na Paixão e na cruz: "Pai, se queres, aparta de mim este cálice; mas não se faça a 9 minha vontade, senão a tua". Desde o momento da oração em Getsêmani, a disponibilidade de Cristo para fazer a vontade do Pai se enche até o limite do sofrimento, se converte naquela obediência "até a morte e morte de Cruz" da que fala São Paulo. Através do voto de obediência, as pessoas consagradas decidem imitar, com humildade, de um modo especial, a obediência do Redentor. Ainda que, na verdade, a submissão à vontade de Deus e a obediência a sua lei sejam, para todo estado, condição de vida cristã, no entanto, no "estado religioso", no "estado de perfeição", o voto de obediência estabelece, no coração de cada um de vós, queridos Irmãos e Irmãs, o dever de uma particular referência a Cristo "obediente até a morte". E dado que esta obediência de Cristo constitui o núcleo essencial da obra da Redenção, como se deduz das palavras do Apóstolo citadas anteriormente, por isso mesmo, ao cumprir o conselho evangélico da obediência, deve-se perceber também um momento particular daquela "economia da Redenção", que envolve vossa vocação na Igreja. Daqui brota essa "disponibilidade total ao Espírito Santo", que age, sobretudo, na Igreja, como expressa meu predecessor Paulo VI na Exortação Apostólica "Evangelica Testificatio", mas que, igualmente, se manifesta nas Constituições de vossos Institutos. Daqui brota aquela submissão religiosa que, em espírito de fé, as pessoas consagradas demonstram aos próprios Superiores legítimos, que ocupam o posto de Deus. Na Carta aos Hebreus, encontramos uma indicação muito significativa sobre este tema: "Obedeçam a seus chefes e estejam sujeitos a eles, pois eles velam sobre suas almas, como quem há de dar conta delas". E o Autor da mesma Carta acrescenta: "Obedeçam... para que o façam com alegria e sem reclamações, pois isso seria para vocês sem utilidade". Os Superiores, por sua parte, recordando o dever que têm de exercitar, no espírito de serviço, a potestade conferida a eles mediante o ministério da Igreja, mostrem-se sempre disponíveis a escutar a seus próprios irmãos, para poder discernir melhor o que o Senhor exige de cada um, mantendo firmemente a autoridade que têm de decidir e de mandar o que considerem oportuno. Igualmente, à submissão-obediência entendida deste modo, se une a atitude de serviço, que conforma toda vossa vida segundo o exemplo do Filho do Homem, o qual "não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos". E sua Mãe, no momento decisivo da AnunciaçãoEncarnação, penetrando desde o começo em toda a economia salvífica da Redenção, disse: "Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo tua palavra". Relembrai também, queridos Irmãos e Irmãs, que a obediência a que vos haveis comprometido, consagrando-vos sem reserva a Deus mediante a profissão dos conselhos evangélicos, é uma particular expressão da liberdade interior, como sua obediência "até a morte" foi uma definitiva expressão da 10 liberdade de Cristo: "eu dou minha vida para tomá-la de novo. Ninguém ma tira, sou eu quem a dou por mim mesmo". O MUNDO INTEIRO ESPERA A RESPOSTA DE MARIA Das Homilias de São Bernardo, abade, sobre as excelências da Virgem Mãe. Ouviste, Virgem, que conceberás e darás à luz um filho. Ouviste que não será por obra de homem, mas por obra do Espírito Santo. Olha que o anjo aguarda tua resposta: já é tempo de que volte ao Senhor que o enviou. Também nós, condenados à morte por uma sentença divina, esperamos, Senhora, tua palavra de misericórdia. Em tuas mãos está o preço de nossa salvação; se consentes, em seguida seremos libertados. Todos fomos criados pela Palavra eterna de Deus, mas agora nos vemos condenados à morte; se tu dás uma curta resposta, seremos renovados e chamados novamente à vida. Virgem cheia de bondade, o desconsolado Adão, expulso do paraíso com toda sua descendência, te pede. Abraão te pede, Davi te pede. Também o pedem ardentemente os outros patriarcas, teus antepassados, que habitam na região da sombra de morte. Espera-o todo o mundo, prostrado a teus pés. E não sem razão, já que de tua resposta depende o consolo dos miseráveis, a redenção dos cativos, a liberdade dos condenados, a salvação de todos os filhos de Adão, de toda tua raça. Apressa-te a dar teu consentimento, Virgem; responde sem demora ao anjo, melhor dito, ao Senhor, que te falou por meio do anjo. Diz uma palavra e recebe ao que é a Palavra, pronuncia tua palavra humana e concebe ao que é a Palavra divina, profere UMA palavra transitória e recebe em teu seio ao que é a Palavra eterna. Por que demoras? Por que duvidas? Crê, aceita e recebe. Que a humildade se revista de coragem, a timidez de confiança. De nenhum modo convém que tua simplicidade virginal esqueça a prudência. Virgem prudente, não temas, neste caso, a presunção, porque, se bem que o pudor é agradável no silêncio, agora é mais necessário que, em tuas palavras, resplandeça a misericórdia. Abre, Virgem santa, teu coração à fé, teus lábios ao consentimento, teu seio ao Criador. Olha que o desejado de todas as nações está junto a tua porta e chama. Se demoras, passará direto e então, com dor, voltarás a procurar o que tua alma ama. Levanta-te, corre, abre. Levanta-te pela fé, corre pelo amor, abre pelo consentimento. Aqui está – diz a Virgem – a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo tua palavra. 11 1. A OBEDIÊNCIA COMO CAMINHO ESPIRITUAL A obediência cristã procura entrar no caminho espiritual de Jesus, desapropriado de sua vontade para fazer o que agrada ao Pai, pela salvação de todos. A postura do cristão implica, sobretudo, reconhecer que minha vida se fundamenta no mistério, crer que Deus tem um Projeto maravilhoso para salvar a humanidade. O cristão tem que viver procurando, em cada decisão concreta, a vontade de Deus. Esta busca começa em nosso coração, santuário da própria consciência, mas deve pautar-se pela mediação eclesial, para não cair no subjetivismo. As mediações próprias de todo cristão são a Sagrada Escritura, a Igreja com seu Magistério e os acontecimentos da história. A obediência caracteriza a Vida Consagrada, esta torna presente a obediência de Cristo ao Pai e testemunha que não há contradição entre obediência e liberdade. A atitude do Filho desvela o mistério da liberdade humana como caminho de obediência à vontade do Pai e o mistério da obediência como caminho para conseguir progressivamente a verdadeira liberdade. Isto é o que quer expressar a pessoa consagrada de maneira específica com este voto, com o qual pretende testemunhar a consciência de um relacionamento de filiação, que deseja assumir a vontade paterna como seu alimento cotidiano, como sua rocha, sua alegria, seu escudo e baluarte. Demonstra, assim, que cresce na plena verdade de si mesma, permanecendo unida à fonte de sua existência e oferecendo a mensagem consoladora: "Muita é a paz dos que amam tua lei, não há tropeço para eles" (Salmo 119). O voto de obediência significa olhar juntos, a vontade de Deus. Este testemunho das pessoas consagradas tem um significado particular na vida religiosa pela dimensão comunitária que a caracteriza. A vida fraterna é o lugar privilegiado para discernir e acolher a vontade de Deus e caminhar juntos em união de espírito e de coração. A obediência, vivificada pela caridade, une aos membros de um Instituto em um mesmo testemunho e em uma mesma missão, ainda respeitando a própria individualidade e a diversidade de dons. Na fraternidade animada pelo Espírito, cada um estabelece com o outro um diálogo precioso para descobrir a vontade do Pai e todos reconhecem em quem preside a expressão da paternidade de Deus e o exercício da autoridade recebida d'Ele, ao serviço do discernimento e da comunhão. A vida de comunidade é, além disso, de modo particular, sinal, ante a Igreja e a sociedade, do vínculo que surge do próprio chamado e da vontade comum de obedecer-lhe, acima de qualquer diversidade de raça e de origem, de língua e cultura. Contra o espírito de discórdia e divisão, a autoridade e a obediência brilham como um sinal da única paternidade que procede de Deus, da fraternidade nascida do Espírito, da liberdade interior de quem confia em Deus apesar dos limites humanos dos que o representam. 12 A vida religiosa tem, portanto, uma mediação específica que é a congregação, a comunidade. A obediência que professamos é a Deus, mas a vivemos através das mediações. À mediação da Sagrada Escritura, acrescentamos as Constituições que são a forma específica de viver o Evangelho. Além da Igreja e seu magistério, temos a Congregação com os Superiores e a missão que a Congregação, em nome da Igreja, nos encomenda. Caminhar em obediência tem alguns pressupostos: * Crer que Deus tem um Plano salvador sobre a humanidade e sobre cada um de nós; que a atitude crente supõe assumir e secundar esse plano. E isto como caminho de plenitude e felicidade. * Crer que os caminhos desse plano podem ser conhecidos por nós, já que Deus se nos revelou por seu espírito e continua se comunicando através das mediações. * Crer que nossas decisões podem favorecer ou ir contra esse plano de Deus. Para caminhar fundamentais: em obediência devemos cultivar as atitudes Paixão pela vontade de Deus: é necessário que o amor nos leve a situar o querer de Deus no cume de nossos desejos e opções. A vontade de Deus há de ser o mais importante em nossa hierarquia de valores. Guiadas pelo Espírito, a vontade de Deus se vai convertendo no único importante, no critério definitivo. Busca da vontade de Deus, com três componentes: o Súplica incessante para descobrir a vontade de Deus. o Libertar o coração. o Utilizar com fé as mediações da vontade de Deus. Aceitar, na fé, o mandato ou o combinado. Depois de nos empenharmos na busca, nos abandonamos e aceitamos na fé e liberdade madura. 2 – CARTA SOBRE A OBEDIÊNCIA CONCEPCIONISTA* Maria, modelo de obediência Maria é a peregrina na fé e modelo, para nós, de obediência e disponibilidade de abertura fiel e confiada aos planos de Deus. Como indicam 13 as Constituições, "Fazemos nosso o FIAT de Maria, modelo de nossa vida, que foi, nas mãos de Deus, um membro ativo, livre e obediente, em sua fé de escrava do Senhor" (CC 28). Em Maria, tudo se refere a Cristo. Por isso, nossa obediência como a de Maria, tem que ser, antes de tudo, uma obediência plasmada na de Cristo. Nossa obediência, como o FIAT de Maria, como o "FAÇA-SE" de Cristo, tem que ser uma obediência nascida "da fé e do amor, uma obediência livre, ativa e responsável" (cf. CC 23, 26). A obediência resposta ao amor de Deus Em Maria, a consciência da presença do Senhor n'Ela, do amor que Ele tem por ela, leva-a a aceitar sua dependência de Deus, a desejar e querer o que Deus quer para Ela. Assim como a primeira desobediência surgiu porque Adão e Eva quiseram ser autossuficientes, "ser como Deus", Maria teve consciência de ser criatura carente; com humildade e alegria, reconheceu sua pequenez: "Meu espírito se alegra em Deus meu Salvador, porque olhou para a pequenez de sua serva" (Lc 1, 48). Ela se sabe criatura amada por Deus e sabe que o amor de Deus não esmaga nem submete, mas cria e liberta, busca o bem de quantos ama. Por isso, Maria crê e acolhe o que Deus lhe pede, o que Ele lhe oferece como um dom, como um presente de seu amor; e se abandona confiada ao projeto de Deus com total disponibilidade e sem condições. Obediência e fé são, em Maria, uma mesma realidade. Assim tem que ser também nossa obediência, que deve brotar da fé e do amor. Devemos ser conscientes de que a vontade de Deus é a expressão do amor de um Pai providente, que quer o melhor para nós. Devemos crer e confiar plenamente que sua vontade expressa sempre algo que responde à plena realização de nosso eu, ainda que, às vezes, não saibamos reconhecê-lo no momento em que nos é proposto. Passaremos, frequentemente, por resistências e luta interior ante a obediência; mas se a assumimos partindo da fé e do amor, com atitude filial diante de Deus, descobriremos sua vontade como uma súplica que Ele nos faz, como um desejo que nos expressa; sentirnos-emos felizes em acolhê-la, ainda que nos seja difícil, ainda que para isto tenhamos que abraçar a cruz, porque compreenderemos que obedecer é amar e servir a Deus como Pai, é confiar n'Ele, acolher e colaborar para seu desígnio de amor. A vida de M. Carmen é uma contínua busca da vontade de Deus. Para M. Carmen, buscar a vontade de Deus e abandonar-se a seus desígnios foi algo essencial, ao qual dedicou todos os seus esforços. Sua vida nos mostra essa contínua busca do que Deus queria para ela e para a Congregação, assim como sua valentia e decisão em realizar o que Deus lhe pedia, por mais difícil que pudesse ser. Ela o expressa com uma bela 14 comparação, que indica seu amor a Deus, sua plena confiança n'Ele e como havia chegado a captar o amor providente de Deus Pai para ela; "Como a terna criança se deixa guiar por sua mãe, assim nós nos abandonamos à conformidade com a vontade divina, certas de que podemos tudo n'Aquele que nos conforta". M. Carmen sabe que a iniciativa vem de Deus e que é Ele, com a força de seu Espírito, quem nos dará a graça para realizar aquilo que Ele quer de nós. Nós também devemos nos abandonar confiadamente em braços de nosso Pai, certas de que sua graça não nos faltará, se vivemos nossa obediência com amor filial e alegre disponibilidade, como a que viveram Maria e M. Carmen. Obediência livre, ativa e responsável Nossa obediência deve ser também livre, ativa e responsável, como foram a de Cristo e a de Maria. "O Pai me ama porque dou minha vida... Ninguém me tira a vida, mas eu que a dou por mim mesmo" (Jo 10, 17-18). "Faça-se em mim segundo tua Palavra" (Lc 1, 38). Deus nos fez livres e não se pode contradizer. Ele toma a iniciativa, mas, paradoxalmente, se submete a nossa liberdade, deixa-nos livres em nossas decisões, para aceitar ou não sua vontade. Pela obediência, nos transformamos em co-criadoras com Deus, fazemos o que Ele deseja, o que Ele quer "criar" em nós. Para isto, devemos pôr, livremente, ao serviço de Deus e da missão que nos foi confiada "todas as forças da inteligência e da vontade e também os dons da natureza e da graça... sabendo que estamos cooperando para a edificação do Corpo de Cristo, segundo o desejo de Deus" (Dir 23, cf. PC 14). E isto o realizamos, como Maria, "por obra do Espírito", que é quem nos dá a luz, a fé, o amor e a força para realizar livremente, com atitude disponível e com fidelidade ativa e criativa. Formar para a obediência é formar para a liberdade de ser filhos de Deus Formar para a obediência e crescer em obediência deve ser, em primeiro lugar, formar para a liberdade e crescer nela. Uma liberdade que deve ser a dos filhos de Deus, que nos faça livres para o amor e o serviço; livres ante as coisas, ante as pessoas e ante nós mesmas; livres de nossas próprias escravidões, do egoísmo e do pecado, a fim de podermos chegar a ser livres para nos entregarmos aos demais e libertá-los, como o fizeram Cristo e Maria Imaculada, a mulher libertada que colaborou com seu Filho para a libertação e salvação do mundo. 15 A obediência a Deus que se revela nas mediações A obediência cristã e, portanto, também a obediência religiosa é uma obediência a Deus que se nos revela através de mediações, isto é, através de outras pessoas, dos acontecimentos ordinários da vida, dos sinais dos tempos, da escuta atenta da Palavra de Deus nas Escrituras, etc. As mediações são consequência de nossa condição humana. Uma obediência sem mediações negaria a Encarnação. Jesus e Maria também se submeteram a elas durante toda sua vida. As mediações não suprimem nossa liberdade nem nossa dignidade como pessoas, nem mesmo nossa realização pessoal, mas são "sacramento" da vontade de Deus. Não obedecemos às Superioras, às Irmãs, ou às Constituições; não nos submetemos às circunstâncias da vida ou ao devir da história, mas, através de tudo isto, queremos buscar, descobrir e assumir livremente a vontade de Deus nosso Pai e identificar-nos com Cristo obediente. Através das mediações colocamos nosso futuro nas mãos de Deus, confiadas em sua fidelidade, porque sabemos que Ele quer só nosso bem e que este se conseguirá através da obediência. Comprometemo-nos à obediência comunitária Nós não só devemos cumprir a obediência cristã, mas, como consagradas, nos comprometemos também à obediência comunitária. Fomos convocadas por Deus para viver em comunhão com as Irmãs. Por isso, a primeira mediação necessária para a busca da vontade de Deus é um clima de comunhão, de amor fraterno, sinal da vida Trinitária. É nesse clima onde obediência e autoridade se ligam e complementam, porque tanto as superioras como as demais Irmãs devemos "obedecer a Deus e procurar unidas sua vontade; viver o amor e o serviço, a colaboração, o diálogo sincero e o respeito mútuo, a humildade e doação de si; a disponibilidade e o desprendimento, a oblação e a renúncia, o espírito de fé e o discernimento, a atenção aos sinais dos tempos e a fidelidade ativa e criativa, para o bem comum e a construção do Reino" (Cf. CC 22-26). Isto é o que expressam e nos pedem nossas Constituições, tanto no Capítulo de "Comunidade em Obediência" como nos que tratam do governo da Congregação. A obediência é escuta e diálogo Na obediência religiosa, a superiora é uma mediação privilegiada da vontade de Deus, mas não a única. Segundo indicou o Concílio Vaticano no documento "Perfectae Caritatis" e nossas Constituições o sintetizaram, a superiora "deve escutar com agrado as Irmãs e promover sua colaboração"; e estas "devem expor as iniciativas e os inconvenientes que encontram no cumprimento do mandado, depois de haver consultado com Deus e dispostas a 16 aceitar o que a superiora julgue oportuno determinar no Senhor" (Cf. CC 24-25; PC 14). Isto é, a obediência supõe assumir o diálogo, a participação, a subsidiariedade e a corresponsabilidade no discernimento pessoal e comunitário e na tomada de decisões, procurando, unidas, a vontade de Deus, orientadas para o bem comum e a missão que Ele nos encarregou. Deste modo, tanto as que servem no ministério de autoridade, como as demais Irmãs, obedeceremos, sentindo-nos movidas pelo mesmo Espírito e enviadas pelo Senhor para realizar a missão própria do carisma da Congregação, com atitude disponível, com audácia, criatividade e desinstalação. Assim evitaremos tanto o autoritarismo ou o permissivismo, como o individualismo, a rebeldia ou o comunitarismo. Nossas vontades se unirão à vontade de Deus e estarão unidas entre si; chegaremos à comunhão com Deus e comunhão com as Irmãs. Obediência real e efetiva É preciso que sejamos conscientes de que a obediência deve ser real e efetiva. Isto exige uma dependência, um deixar nossa autonomia nas mãos de outros, porque sabemos que somos interdependentes. Exige uma submissão a umas Constituições, a uma Congregação e estilo de vida, a uma Superiora e a uma Comunidade, a uma missão concreta. Mas esta submissão deve ser sempre livre, um serviço que brota do amor, que nos faz assumir com todo nosso ser e capacidades aquilo que nos é proposto, através das mediações humanas, ainda que isto exija renúncia e sacrifício, pois sabemos que é expressão do amor do Pai. Obediência Pascal Nossa obediência deve ser também uma obediência Pascal, como a de Cristo, que "se fez obediente até a morte e morte de cruz" (Filip 2, 7-8). Também a obediência de Maria foi uma obediência Pascal. Ela, permanecendo firme na fé, soube ser fiel toda sua vida, até chegar a consumar o holocausto de si mesma, unindo-o ao de seu Filho ao pé da cruz. Assim colaborou para a redenção e libertação de todos os homens e a sua própria libertação. O caminho da obediência de Maria, como o de Cristo, não foi um caminho fácil, mas uma aprendizagem difícil que, em muitas ocasiões, teve que realizar na obscuridade da fé e na dor da renúncia. Mas em todo momento, inclusive junto à Cruz, Maria soube crer "que se cumpririam as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor" (Lc 1, 45). Sua fé, disponibilidade e amor apaixonado pelo Pai ajudaram-na a esperar contra toda esperança. Por isso, Ela também como Cisto, se viu exaltada e conheceu a glória da Ressurreição. Assim nós, obedecendo, chegaremos a nossa mais plena realização e nos tornamos 17 partícipes e colaboradoras do mistério Redentor de Cristo e de sua obra de salvação. Devemos avaliar nossa obediência, nossas atitudes de amor, serviço e disponibilidade, tanto se exercemos a obediência em um serviço de autoridade ou em outra função ou atividade comunitária, assim como na missão apostólica da qual fomos encarregadas. Não podemos esquecer que o cumprimento do dever, de um modo simples e responsável, na fé, no amor e na liberdade, é o modo mais seguro de cumprir a vontade de Deus. Se cumprimos o dever cotidiano com fidelidade criativa, com alegria e por amor a Deus, Ele o acolherá e convertê-lo-á em um ato salvífico, pois não são nossas ações as que salvam o mundo, mas nossa obediência unida a de Cristo, o fazer o que Deus quer e como Ele o quer, tanto no insignificante e pequeno como nas decisões importantes de nossa vida. * Recopilação de parágrafos da carta de M. Maria Mateu, de 21 de novembro de 1995. As citações de Constituições são das de 1981. ITENS PARA AJUDAR A REFLEXÃO 1. Sublinhe as ideias que mais lhe chamem a atenção nos documentos refletidos, para depois partilhar com a Comunidade. 2. Como vivo, na vida diária, a busca da vontade de Deus? Identifico-a com minhas reflexões, ou utilizo, com fé, as diferentes mediações, para não me enganar? 3. Em que medida a vida fraterna em comunidade favorece minha vivência do voto de obediência? 4. Ressalte as atitudes que você considera importantes como indicadores de que sua comunidade é obediente. Quais você acredita que são mais urgentes para que as torne vida e que, em sua Comunidade, estão necessitando, nas tarefas de cada dia? 5. Examino a realidade de minha maneira de viver: Vivo a obediência como seguimento a Jesus que aprendeu a obedecer, sofrendo? Manifesto independência em minhas decisões ou busca comum da vontade de Deus? 18 4 – M. CARMEN: UMA VIDA QUE DÁ FRUTO CELEBRAÇÃO – ANIVERSÁRIO DA BEATIFICAÇÃO A misericórdia e a fidelidade se encontram Deus semeou no coração de M. Carmen a semente do carisma concepcionista, dirigiu um chamado de plenitude a sua mente, a seu coração e a sua vontade e ela acolheu o dom, abriu-se em resposta confiante, abandonada ao amor maior, ao amor redentor de Cristo, descoberto ao contemplar a Maria em seu Mistério da Imaculada Conceição. Faz quatorze anos, todo 15 de março, relembramos, agradecemos o dom da Beatificação de M. Carmen. Hoje que está já próxima a sua canonização, recordamos as palavras que o Beato João Paulo II nos dirigia: A iniciativa divina, que chama uma pessoa à santidade e encarrega-a de uma missão especial ao serviço do próximo, resplandece de modo luminoso na experiência espiritual de (...) Maria del Carmen Sallés y Barangueras, virgem e fundadora das Religiosas Concepcionistas Missionárias do Ensino. A (...) vocação e missão de Moisés segue um esquema típico dos relatos bíblicos vocacionais: o chamado divino, as objeções do eleito e o sinal de proteção e complacência por parte de Deus. Estes elementos aparecem também na vida de Carmen Sallés y Barangueras, fundadora das Concepcionistas Missionárias do Ensino. Desde jovem, a nova beata pôs todo seu empenho em clarear a vontade de Deus sobre ela. Diversas experiências de vida religiosa a levaram a descobrir que sua missão na Igreja era semear o bem na infância e na juventude, para preservá-las dos males que as espreitavam e dotar a mulher de uma cultura e capacitação profissional que lhe permitisse inserir-se dignamente na sociedade. Consagrada à educação feminina, venceu numerosas dificuldades, sabendo-se um "instrumento inútil nas mãos de Maria Imaculada"; assumiu audazes projetos amadurecidos na oração e no conselho das pessoas bem formadas, repetindo com firme confiança: "adiante, sempre adiante. Deus proverá". Mulher cheia de valor, Madre Carmen fundamentou sua vida e sua obra em uma espiritualidade cristocêntrica e mariana, alimentada por uma piedade sólida e discreta. Seu carisma concepcionista, sinal do amor do Senhor por seu povo, continua, hoje, vivo no testemunho de suas filhas que, como missionárias nas escolas e colégios, trabalham com afinco evangelizando pelo ensino. É motivo de alegria reconhecer, na vida de M. Carmen, um caminho de santidade; é estímulo à fidelidade reconhecer que nossa Congregação oferece um caminho de santidade. 19 * Hoje, de novo, M. Carmen nos diz: Meu coração transbordante sempre de amor para vocês, impele-me a dizer-lhes que as que, guiadas pela luz do Alto, nos acolhemos sob a bandeira da Virgem sem mancha, temos em nosso humilde Instituto um meio para nos santificarmos. O Esposo de nossas almas derrama suas graças e nossa congregação chegou a ser terra de Bênção, jardim onde o Senhor quer viver. * Acolhemos a Palavra de Deus: Is 61, 10 – 62, 5 "Com grande alegria eu me rejubilarei no Senhor e meu coração exultará de alegria em meu Deus, porque me fez revestir as vestimentas da salvação. Envolveu-me com um manto de justiça como um neo-esposo cinge o turbante, como uma jovem esposa se enfeita com suas joias. Porque, quão certo o sol faz germinar seus grãos e um jardim faz brotar suas sementes, o Senhor Deus fará germinar a justiça e a glória diante de todas as nações. Por amor a Sião, eu não me calarei, por amor de Jerusalém não terei sossego e sua salvação será como uma flama. As nações verão, então, tua vitória e todos os reis teu triunfo. Receberás então um novo nome, determinado pela boca do Senhor. E tu serás uma esplêndida coroa na mão do Senhor, um diadema real entre as mãos do teu Deus. Não mais serás chamada a "Desamparada", nem tua terra a "Abandonada", mas serás chamada "Minha Preferida" e tua terra a "Desposada" porque o Senhor se comprazerá em ti e tua terra terá um esposo. Assim como um jovem desposa uma jovem, aquele que te tiver construído te desposará; e como a recém-casada faz a alegria de seu marido, tu farás a alegria de teu Deus". Descobrir que pertencemos ao Senhor nos faz descobrir que somos terra de bênção "chamar-te-ão minha preferida". És do Senhor terra bendita sobre a que se pronunciou a grande promessa. Serás campo de Deus, darás fruto... 20 Como Maria, a cheia de Graça, como M. Carmen de Jesus, queremos acolher, com atitude de escuta e obediência, a Palavra de Deus, seu Projeto salvador. Nossa vocação ao dizer "Sim", se converteu em amor, em caminho de santidade. * Acolher o testemunho, a mensagem que M. Carmen nos deixa com sua vida, o caminho de santidade que inaugura na Igreja: Brilhe em nós um grande amor para Cristo, o Esposo que tanto nos ama. Amemos a pobreza que priva do perecível e supérfluo para nos enriquecer com as riquezas eternas. Despojemo-nos de nossa vontade, com frequência perigosa e inconstante, e deixemo-nos guiar como crianças inocentes e inexperientes pelos desejos e mandamentos de Deus. Abandonemo-nos com confiança, como uma criança nos braços de sua mãe. Sejamos fervorosas na oração, o canal por onde desce a graça. Sejamos felizes com a missão. Deus nos faz depositárias do que mais ama, tornemo-nos companheiras das crianças e dos jovens. Encontremo-nos com Cristo no coração das crianças. Unamo-nos pela caridade mais pura, como se fôssemos uma só pessoa. Façamo-nos corpo místico de Maria imaculada. Deixemos que Cristo viva em nós, ponhamos n'Ele nossos pensamentos, nosso querer, nossos gostos. Façamos companhia para Jesus. Vivamos a presença ininterrupta de um Deus que é Pai amoroso e providente. Sejamos filhas de Maria imaculada, levantemos a Ela o olhar, repitamos sem cessar seu 'magnificat'. E caminhemos adiante, sempre adiante, porque Deus proverá. PARTILHEMOS A ORAÇÃO: PETIÇÃO, AGRADECIMENTO... Acolhamos a luz, a luz que começou a brilhar em M. Carmen e que hoje continua brilhando na Igreja. (Pode-se ler juntas a fórmula de profissão como compromisso de santidade, com velas acesas como sinal). CANTO: MAGNIFICAT 21 CELEBRAÇÃO MARIANA, 25 DE MARÇO (Visita a Maria) CELEBRAMOS A Encarnação, hoje é um dia para celebrar o "Sim" de Deus à humanidade, a Encarnação do Verbo no seio de uma Virgem, Maria Imaculada; um dia para celebrar o "sim" de Maria em nome da humanidade a Deus. Renovamos nosso compromisso de fazer nosso o 'Fiat' de Maria, um 'Fiat' que expressa o mistério da obediência do Filho ("preparaste-me um corpo... venho para fazer tua vontade") e o mistério da obediência de Maria ("faça-se em mim segundo tua Palavra"), que leva o Plano salvador de Deus à plenitude. Escutemos a narração de Lucas, acolhamos o "Sim" de Deus e nos unamos ao "Sim" de Maria: Leitura de Lc 1, 26ss. Em Maria Imaculada se encontram o mistério de Deus e o mistério do homem; n'Ela se realiza a plenitude do relacionamento com Deus Trindade (CC 47). Estamos chamadas a prolongar e viver em nós a experiência mariana de Deus. Prolongar Maria, viver em nós suas atitudes de mãe, de esposa e virgem. "Em sua Imaculada Conceição, ela é a imagem perfeita do que a Congregação inteira e cada uma das Religiosas queremos ser"6. Maria é a toda santa e imaculada por amor, é o fruto esplêndido da redenção, Ela realizou o itinerário que vai de acolher o Cristo, o Filho que o Pai lhe entregava, de sentir sua presença e vê-lo crescer, de acolher a Palavra, a ver-se crescer no Filho, sentir-se que Ela era na Palavra; que seu ser Imaculada era fruto do amor de seu Filho. Esta experiência Concepcionistas. fundamenta a Igreja, nos fundamenta como A redenção tem um ponto histórico concreto: a Anunciação do Anjo a Maria, seu "sim" é nosso "sim". Nossa vocação é acolher o FIAT de Maria, é descobrir a semelhança entre sua vocação e nossa vocação na Igreja. O impulso e a garantia de fidelidade estão na Encarnação. Nossa vocação nos leva a viver a experiência mariana de Deus, que supõe reproduzir em nossa 6 CC Carisma III 22 vida cotidiana, o seio virginal que tornou fecunda a Palavra, experiência de guardar esta Palavra, de permanecer nela, de cumpri-la aos pés da cruz. A vocação concepcionista é um ato de amor da Mãe Imaculada. Assim o compreendeu M. Providência; assim o vamos descobrindo cada Concepcionista, no dia-a-dia. Silêncio orante Partilhamos a oração de agradecimento pela vocação recebida, pela vocação das Irmãs, pela vocação concepcionista e sua missão na Igreja. Terminar com o Magnificat Oração-bênção ORAÇÃO PEDINDO OBEDIÊNCIA Pai: Em teu Filho amado nos mostraste o caminho da obediência livre, ativa e responsável, como um caminho de fé e de amor, de humildade e de abnegação. Como Jesus, nosso Mestre e Redentor, por amor a Ele, queremos viver a obediência que nos configura com seus sentimentos e atitudes. Que teu Espírito nos uma a tua vontade salvífica e nos faça participar do Mistério Redentor, vivendo em Cristo e para Cristo. Faze de nossa vida uma oferenda contínua de amor, que se expresse na busca cotidiana de tua vontade, através da acolhida das mediações e da leitura com fé dos acontecimentos e da história. Mãe Imaculada, queremos fazer nosso teu 'Fiat' e, como M. Carmen Sallés, fazer da fidelidade à vontade de Deus o eixo que unifique nossa existência. Amém. ****************************** 23