O DINHEIRO TRAZ FELICIDADE? Por Edgar Dahl, publicado na Scientific American Brasil de agosto/2008 No mundo ocidental as pessoas vivem melhor que antigamente em quase todos os aspectos. Mas não são, necessariamente, mais felizes. Como explicar este paradoxo da abundância? Embora a renda per capita dos países industrializados do Ocidente tenha mais que duplicado os últimos 50 anos, nossa felicidade não aumentou em nada. Temos muito mais alimentos, podemos nos vestir melhor, viver em casas mais bonitas e andar em carros mais confortáveis. Somos mais saudáveis e vivemos mais - tudo aumentou realmente nosso bem-estar. Esta observação surpreendente coloca já há certo tempo as ciências econômicas - que consideram o ser humano um Homo Economicus que pechincha por cada tostão – diante de um enigma que se chama “paradoxo da abundância”. Como os economistas não conseguiram resolver esta contradição, uma nova disciplina está se dispondo a examinar o problema: a pesquisa da felicidade. A disciplina é relativamente nova e tem orientação interdisciplinar. Ela reúne Biologia, Psicologia, Sociologia e Economia. Na sua busca pelas fontes “do bem-estar subjetivo”, os pesquisadores da felicidade chegaram inicialmente ao mesmo diagnóstico dos economistas. O conforto material tem uma “utilidade marginal decrescente”. Para os pobres, um ganho de dinheiro sempre significa um ganho de felicidade; já os ricos dificilmente ficam mais felizes com mais dinheiro. Assim, americanos com um rendimento anual de US$ 50 mil são bem mais felizes que dispõem de um rendimento anual de US$ 10 mil. Mas os que ganham mais de US$ 500 mil não são mais felizes do que os que ganham US$ 100 mil. Ao que tudo indica, parece existir um limite em que a abundância crescente proporciona bem-estar. Como mostrado por enquetes, na Europa esse limite parece estar em um ganho mensal de 2 mil euros líquidos. Quem ganha apenas 100 por mês avalia sua felicidade em uma escala de pontos de 1 a 10 – “totalmente insatisfeito” a “totalmente satisfeito”- com 6,6 pontos. Quem ganha mais de 2.000 já alcançou um limite com 7,9 pontos. As pessoas não ficam mais satisfeitas ganhando 2.500 por mês. Como era de se esperar, o fato de o conforto material ser caracterizado por uma utilidade marginal decrescente, imediatamente deu aos políticos a idéia de usar esta circunstância para suas respectivas visões de mundo. Dessa forma, economistas de esquerda, como Richard Layard, clamam por “mais Estado e mais redistribuição de propriedades”, enquanto gente de direita, como David Ramsey Steele, clamam por “menos Estado e menos redistribuição de propriedade”. Antes de ideologizarem ou abusarmos de maneira políticopartidária do paradoxo da abundância, deveríamos interpretá-lo de maneira imparcial. Em vez de nos deixarmos levar pelos resultados da pesquisa da felicidade, vale a pena uma espiada em outros resultados já revelados pela nova ciência. Homens não são mais felizes que mulheres. Brancos não são mais felizes que negros. Belos não são mais felizes que feios. Inteligentes não são mais felizes que tolos. Já casados são um pouco mais felizes que solteiros. E idosos são surpreendentemente mais felizes que jovens, sendo que isso se aplica mais aos homens que às mulheres. SEXO É MAIS DIVERTIDO Mais resultado de suas pesquisas: pessoas que correm conscientemente atrás da fama, beleza ou dinheiro, são comprovadamente mais felizes que aquelas que buscam metas menos materiais. E aquelas que conseguem dar sentido para a vida são de fato mais felizes que as que passam de uma diversão para outra. Por esta razão, pessoas religiosas são em média um pouco mais felizes que as não religiosas. Na comparação internacional, quanto à felicidade, os alemães estão aproximadamente no meio entre os melancólicos russos e os quase bem-aventurados irlandeses. De acordo com um ranking dos países, baseado em dados do International Social Survey Programme (ISSP) de 2001, em questão de felicidade os alemães são considerados, conforme esperado, mais depressivos que os holandeses ou americanos, mas surpreendentemente menos preocupados que os franceses ou italianos. Espantosos são também os resultados de uma pesquisa entre 900 mulheres que têm profissão e a quem se perguntou quando, no decorrer do dia, estão mais felizes. Evidentemente não é de se estranhar que o sexo lhes dê mais prazer que o serviço doméstico; mas que prefiram assistir a televisão ou telefonar que cuidar de seus filhos é no mínimo digno de nota. Sobre em companhia de quem se sente mais felizes, a pesquisa mostra novamente que as mulheres preferem passar seu tempo com seus amigos que com suas crianças. Estar só, contundo, é mais difícil que estar em contato com pessoas na vida profissional. Bastante desconcertante é o fato de que muitas pessoas são aparentemente mais felizes em seu tempo de trabalho que em seu tempo livre, não pelo fato de amararem tanto sua atividade, mas simplesmente por não saber o que fazer em seu tempo de lazer. Quem não tem hobbies como teatro, leitura ou praticar esportes liga a televisão e se sente mais apático que animado. Mas voltemos ao paradoxo da abundância. A fim de avaliar corretamente os diagnósticos citados do inicio sobre a relação conforto material e bem-estar, devemos observá-los diante do cenário das quatro colunas da pesquisa da felicidade. Elas sustentaram a totalidade da pesquisa da felicidade, a saber: a “teoria do setpoint”, o “princípio da adaptação”, a “renda relativa” e a “rotina hedonística”. AO OBSERVAR A SUA VIDA HOJE, O QUE VOCÊ DIRIA: NO TOPO, QUANTO VOCÊ É FELIZ OU INFELIZ? (TODAS AS INDICAÇÕES EM %) Rússia Itália França Alemanha Suíça Muito feliz 4,7 12,4 14,1 17,7 28,4 Bastante feliz Não muito feliz Não feliz 49,4 65,9 65,1 66,2 62,2 37,1 18,2 17,8 13,5 8,5 Países Baixos 31, 1 62, 9 5,4 8,8 3,5 3,0 2,6 0,9 0,6 Reino Unido 32,2 EUA Irlanda 36,7 44,1 60,7 52,4 50,9 6,2 8,9 4,4 0,9 2,0 0,6 APENAS UM POUCO MAIS RICOS Por detrás da “teoria do setpoint” esconde-se a constatação segundo a qual dispomos aparentemente de uma largura de banda geneticamente fixada de bem-estar subjetivo. Assim como inteligência, também nosso sentimento de felicidade está em sua maior parte determinado hereditariamente. Como é possível determinar um quociente de inteligência, seria o caso, ao menos em princípio, de calcular também para todo ser humano um “quociente de felicidade”. Se tomarmos como base uma escala de 1 a 10, alguém poderia ter, por exemplo, uma avaliação de, digamos, 7,5. Mas desde que essa avaliação corresponda menos a um ponto que a distribuição, seria possível elevar, em caso positivo, o bem-estar médio de um ser humano de 7,5 para 8, ou, em caso negativo, baixá-lo para 7. A constatação de que o grau de nosso bem-estar subjetivo é em sua maior parte determinado geneticamente está baseada em resultados de pesquisa com gêmeos. David T. Lykken, que dirige em conjunto com Thomas Bouchard o Projeto Mistra - Minnesota Study of Twins Reared Apart, examinou 1.500 pares de gêmeos adultos, verificando seu bem-estar médio. Entre estes 1.500 pares encontravam-se 663 pares de gêmeos univitelinos que haviam sido criados juntos e 69 pares de gêmeos que haviam crescido separados um do outro. Embora os gêmeos univitelinos tivessem sido separados depois do nascimento e criados por pais diferentes sob condição de vida totalmente diversas, eles dispunham de um grau de bem-estar subjetivo quase idêntico. Como segunda coluna, a pesquisa da felicidade se apoia no “princípio da adaptação”. Ela ensina que nós - quase independentemente do que nos esteja acontecendo - retornamos com bastante rapidez para nossa avaliação original de felicidade. O princípio da adaptação contém, portanto, duas mensagens. A má notícia é que aqueles que têm a sorte de ganhar milhões na loteria voltam para sua medida anterior de bem-estar subjetivo após uma breve fase de euforia. A boa notícia diz que aqueles que por ventura tenham o azar de terminar paraplégicos em uma cadeira de rodas após um acidente, voltam a sua medida anterior de bem-estar subjetivo após uma curta fase de depressão. O processo de adaptação leva em média um ano. Como já mencionado, a avaliação deve ser vista mais como um intervalo que um ponto fixo. Considerando dessa maneira, podemos imaginar, por exemplo, que o bem-estar subjetivo de uma pessoa com um quociente de felicidade de 7,5 caia definitivamente para 7 após tornar-se paraplégica, e que suba definitivamente para 8 após um ganho na loteria. Que o ser humano consegue adaptar-se rapidamente a novas condições de vida é tudo, menos novo. Se a pesquisa da felicidade nos ensinou algo novo, foi o fato de a nossa capacidade de adaptação ser ainda maior do que se imaginava. Embora nos acostumemos a quase tudo, há circunstâncias às quais comprovadamente não conseguimos nos acostumar. Disso faz parte, por exemplo, barulho infernal, mas também dor crônica, conflitos matrimoniais ou a perda de um ente querido. Do lado positivo existem, contudo, coisas das quais nunca nos enfadamos - por exemplo, comer, sexo e amigos. A terceira coluna da pesquisa da felicidade trata do conceito da “renda relativa”. Segundo esta idéia, temos a tendência de medir nosso próprio conforto material pela abundância alheia. Se todos à nossa volta são mais pobres que nós, nos sentimos ricos; se todos à nossa volta são mais ricos, nos consideramos pobres. A importância do papel desempenhado pela renda relativa foi mostrada por uma experimentação em que estudantes da Harvard University tinham a escolha entre “dói mundo”. Era-lhes perguntado se prefeririam viver em um mundo em que ganhariam US$ 50 mil por ano e todos os outros apenas US$ 25 mil; ou, alternativamente, em um mundo no qual receberiam US$ 100 mil ao ano, mas todos os outros US$ 250 mil. Embora difícil de acreditar, a maioria dos estudantes decidiu viver no primeiro mundo. Ou seja, desistiram de uma renda duas vezes mais elevada apenas para não serem “mais pobres” que os outros. SENTIMENTO DE FELICIDADE EM CONTATO COM OUTROS ENTRE MULHERES PROFISSIONALMENTE ATIVAS Atividade Amigos Parentes Parceiros Filhos Clientes Colegas Sozinho Superiores(chefe) Facilidade em uma escala de 1 a 10 3,7 3,4 3,3 3,3 2,8 2,8 2,7 2,4 Horas por dia 2,6 1,0 2,7 2,3 4,5 5,7 3,4 2,4 SENTIMENTO DE FELICIDADE EM ATIVIDADES ROTINEIRAS ENTRE MULHERES QUE EXERCEM UMA PROFISSÃO Atividade Sexo Estar com amigos Comer Assistir televisão Fazer compras Preparar refeições Telefonar Cuidar dos filhos Navegar na internet Trabalho doméstico Trabalhar fora Felicidade em uma escala de 1 a 10 4,7 4,0 3,8 3,6 3,2 3,2 3,1 3,0 3,0 3,0 2,7 Horas por dia 0,2 4,0 2,2 2,2 0,4 1,1 2,5 1,1 1,9 1,1 6,9 A quarta e última coluna da pesquisa da felicidade se ocupa com a “rotina hedonística”. As pessoas acostumam-se facilmente a um patamar de mais elevado e a felicidade que lhes poderia trazer conforto material esmaece rapidamente. Para voltar a ser feliz quando da compra de um relógio caro será necessário agora que seja um terno de grife, depois um carro de luxo, mais tarde uma mansão e por fim um iate sofisticado. É como o vício. Para atingir o mesmo efeito, o atrativo deve ficar cada vez mais forte. Assim, as pessoas correm em suas rodas de hamster sem dar um passo à frente. O filósofo Arthur Schopenhauer antecipou há muito tempo esta ideia: ”A riqueza é como água do mar. Quanto mais se bebe dela, mas se tem sede”. Se observarmos, portanto, o paradoxo da abundância à luz da pesquisa da felicidade empírica, ele desaparece. Que o nosso bem-estar subjetivo quase não melhorou, apesar de uma duplicação do rendimento per capita, não causa surpresa, quando vemos que as pessoas dispõem de uma medida de felicidade geneticamente fixada e se adaptam rapidamente a novas condições de vida. Elas sempre medem sua renda pela referência de outros e na luta contra o esmaecimento da felicidade se atrapalham na rotina hedonística. Visto assim, fica claro que o paradoxo da abundância é tudo menos um paradoxo. Será que alguém, ao saber que a renda anual dos japoneses se quintuplicou entre 1958 e 1987, acreditaria seriamente que eles são cinco vezes mais felizes? Como não se pode falar, portanto, de um paradoxo da abundância, seria melhor os políticos tomarem conhecimento dos diagnósticos da pesquisa da felicidade antes de deflagrar seus oportunismos típicos. Outro fator torna os resultados da pesquisa da felicidade ainda mais plausíveis. A pesquisa não se mostra coerente apenas internamente, mas pode reivindicar também consistência externa a isenção de contradição. O que isso quer dizer? Diferentemente de muitas outras teorias socioeconômicas, as hipóteses sobre o bem-estar subjetivo podem ser associadas a teorias da biociência. Assim, todas as quatro suposições fundamentais da pesquisa da felicidade, por exemplo, também podem ser fundamentadas de forma biológicoevolutiva. O IMPERATIVO BIOGENÉTICO Se todos os seres vivos obedecem a um “imperativo biogenético para a maximização da aptidão física” e são programados pela seleção natural a repassar os seus genes, fica compreensível que a felicidade ou infelicidade verdadeiras têm duração breve e que retornamos logo a uma espécie de valor médio. Se nossos antepassados, após cada malsucedida, ficassem tão deprimidos que cruzassem os braços durante dias, e que após cada caçada bem-sucedida ficariam tão eufóricos que fariam o mesmo, teriam sido presa fácil para seus inimigos. A natureza, na verdade, premia e castiga apenas temporariamente com felicidade ou infelicidade. Quando fazemos algo biologicamente sensato, como, por exemplo, saciar a fome, sede ou satisfazer nossos desejos, somos recompensados com momentos de felicidade suficientemente grandes para querermos repetir o comportamento, mas não tão grandes para nos levar a esquecer nossos “deveres biológicos”.