TEXTO COMPLEMENTAR
J.J. Abrams escapa das armadilhas da nostalgia em um filme autenticamente
apaixonado pelo cinema de gênero
A melhor fase da minha adolescência foi o início dos anos 80. Naquele tempo,
graças a dupla George Lucas e Steven Spielberg, você tinha a certeza de que ano sim,
outro também, um grande filme chegaria às telas de cinema. Assim foi em 1980, com
O Império Contra-Ataca, em 1981, com Caçadores da Arca Perdida, 1982 com E.T,
1983, com o Retorno de Jedi, 1984 com Indiana Jones e o Templo da Perdição e 1985
com De Volta para o Futuro. Não podemos esquecer ainda de pequenos clássicos como
Poltergeist (1982), Goonies (1985) e Gremlins (1984), estes dois últimos lançados pela
toda poderosa Amblin.
Da safra produzida por Spielberg a partir de 1982, todos compartilhavam de
características comuns: personagens “gente como a gente” que, de uma hora para
outra, eram sugados para uma trama com toques fantásticos e uma forte relação de
amizade entre os protagonistas, sempre mesclados com o tradicional rito de
passagem.
Super 8, dirigido por J.J, Abrams, conta a história de um grupo de amigos que
está produzindo um curta de terror com uma câmera super 8. Um dia, filmando
escondidos numa estação de trem, à noite, presenciam um longo e espetacular
acidente de trem causado de propósito por um professor local. Após o acidente,
estranhos incidentes começam a acontecer na pequena cidade de Lilian, com pessoas
e animais desaparecendo. Some-se a isso a presença massiva do exército e um rolo de
filme que mostra uma estranha criatura saindo das ferragens do trem e está pronto o
cenário para a aventura.
Trabalhando com tons nitidamente autobiográficos (Abrams tinha, em 1979,
ano em que se passa a história, a mesma idade de seus protagonistas), o filme
assume-se como uma homenagem aos filmes do período, utilizando diversos recursos
visuais e narrativos típicos para criar uma obra ao mesmo tempo original e nostálgica.
A fotografia de Larry Fong (o mesmo dos estilizados Sucker Punch e Watchmen) é
uma referência direta à suburbia de Steven Spielberg, assim como a sempre
competente trilha sonora de Michael Giacchino emula perfeitamente o John Williams
dos anos 80.
A direção de arte transforma a pequena cidade de Lilian em cidade gêmea
àquela vista em Goonies. Ainda assim, o filme jamais passa a impressão de uma obra
requentada, como foi, por exemplo, a tentativa pífia do mesmo Spielberg em trazer
Indiana Jones para os anos 2000. Há nostalgia e milhares de homenagens, mas há
inteligência por trás disso tudo.
A história é narrada do ponto de vista do jovem Joel Lamb (interpretado pelo
talentoso Joe Courtney), cuja mãe faleceu recentemente em um acidente na fábrica em
que trabalhava. Abrams informa isso ao público já na abertura do filme – numa cena
que poderia muito bem passar como irônica, mas que se torna triste ao entendermos
suas consequências – com os funcionários mudando a placa da fábrica de ”784 dias
sem acidentes” para “1 dia sem acidentes”. Já no enterro da mãe de Joel podemos
verificar a dinâmica entre seus jovens amigos, que se perguntam se ele ainda irá
participar das filmagens, já que se trata de um filme de mortos-vivos.
O relacionamento dos amigos, construído de forma autêntica pelo roteiro de
Abrams, ressona de forma evidente o filme Conta Comigo, outro clássico daquele
período. Assim como no filme de 1986, neste é a amizade entre os colegas que molda o
ritmo do filme. Conta ainda para a ótima química entre os jovens atores a presença
luminosa da pequena e talentosa Elle Fanning (irmã mais nova de Dakota), que surge
como a garota de 14 anos que dirige o carro de seu pai e irá servir como elemento
narrativo emocional na história de zumbis que está sendo filmada. Ao contrário da
irmã, que sempre tendeu para o overacting, Elle Fanning surge como a jovem Alice de
forma doce e inocente, e não é difícil perceber que os garotos a chamaram não porque
precisam dela, mas porque se interessam pela garota.
A sensibilidade e a delicadeza de Abrams para tratar o relacionamento entre os
garotos revelam-se na bela sequência em que a jovem Alice resolve visitar Joel em sua
casa, entrando pela janela de seu quarto. Os dois resolvem assistir a um filme em que
a mãe de Joel aparece com ele ainda bebê, o que causa uma reação de extrema
emoção em Alice, por um motivo explicado ao longo do filme. Há ainda uma ótima
discussão sobre a garota entre Joel e o Charles (Riley Griffiths), o diretor do curta de
terror, que com certeza fará muitas pessoas na plateia lembrarem-se de algo parecido
que já tenha ocorrido com elas.
O filme flerta diretamente com a metalinguagem. Acostumado a orçamentos
gigantescos (vide Missão Impossível 3 e Star Trek), Abrams realiza aqui um filme de
custo baixo, em que os efeitos digitais são realizados na medida certa e com
criatividade, assim como no filme dos garotos. Em mais um acerto do roteiro, o
personagem de Joel é o responsável não apenas pela maquiagem, como também pelos
efeitos especiais, miniaturas e maquetes do curta. Em suma, é ele quem coloca a
fantasia dentro da história.
Super 8, porém, como muitos já devem ter imaginado, é um filme de monstro.
Assim, não demora para que a aparente calma da cidade seja varrida por conta da
presença
de
uma
criatura
desconhecida
em
seus
arredores.
Relembrando
corretamente as lições de casa, Abrams, assim como em Cloverfield, no primeiro Alien
e no pioneiro Tubarão, apenas sugere a presença da criatura em suas primeiras
aparições – como na cena do posto de gasolina, em que o visual do monstro é
convenientemente oculto por uma placa que gira no momento exato. Há ainda os
sempre divertidos clichês dos homens do exército que guardam segredos, dos colegas
junkies e do policial incrédulo, papel vivido por Kyle Chandler, não coincidentemente o
pai do jovem Joel.
Jogando informações aleatórias aqui e ali, o roteiro de Abrams não pretende
identificar as motivações da criatura, que em determinados momentos é tão violenta
quanto o Predador, enquanto em outros é tão sensível quanto o E.T.
Finalizando, o filme Super 8, com uma cena tirada diretamente de vários filmes
relacionados aqui, é uma experiência deliciosa. Ao contrário de diversos filmes que se
apropriam de boas ideias para criar obras sem personalidade, neste, Abrams utilizouse de todo um universo presente em nosso imaginário para nos levar de volta ao
passado, mas com o olhar não de quem apenas está registrando, mas de quem viveu e
cresceu naquela época. Isso faz toda a diferença.
(Marcio L. Santos - http://amoscabranca.com/2011/08/critica-super-8/)
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