Pedagogia . Módulo 6 . Volume 3
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Adelson Ferreira da Silva
Geovani de Jesus Silva
Julia Maria da Silva Oliveira
Neilton Castro da Cruz
Ilhéus . 2012
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Universidade Estadual de
Santa Cruz
Reitora
Profª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro
Vice-reitor
Prof. Evandro Sena Freire
Pró-reitor de Graduação
Prof. Elias Lins Guimarães
Diretora do Departamento de Ciências da Educação
Profª. Emilia Peixoto Vieira
Ministério da
Educação
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Pedagogia | Módulo 6 | Volume 3 - Educação de Jovens e Adultos
1ª edição | Maio de 2012 | 476 exemplares
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Obra desenvolvida para os cursos de Educação a
Distância da Universidade Estadual de Santa Cruz UESC (Ilhéus-BA)
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Projeto Gráfico e Diagramação
Jamile Azevedo de Mattos Chagouri Ocké
João Luiz Cardeal Craveiro
Capa
Sheylla Tomás Silva
Impressão e acabamento
JM Gráfica e Editora
Ficha Catalográfica
E 24
Educação de jovens e adultos / Adelson Ferreira da Silva...
[et al.]. – Ilhéus, BA: Editus, 2012.
153p. : il. (Pedagogia - módulo 6 - volume 3 – EAD)
ISBN: 978-85-7455-278-1
1. Educação de adultos. 2. Educação do adolescente.
I. Silva, Adelson Ferreira da. II. Série.
CDD 374
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EAD . UAB|UESC
Coordenação UAB – UESC
Profª. Drª. Maridalva de Souza Penteado
Coordenação Adjunta UAB – UESC
Prof. Dr. Paulo Eduardo Ambrósio
Coordenação do Curso de Pedagogia (EAD)
Profª. Drª. Maria Elizabete Souza Couto
Elaboração de Conteúdo
Prof. Esp. Adelson Ferreira da Silva
Prof. Msc. Neilton Castro da Cruz
Profª. Drª. Julia Maria da Silva Oliveira
Prof. Msc. Geovani de Jesus Silva
Instrucional Design
Profª. Msc. Marileide dos Santos de Oliveira
Profª. Msc. Cibele Cristina Barbosa Costa
Profª. Msc. Cláudia Celeste Lima Costa Menezes
Revisão
Prof. Msc. Roberto Santos de Carvalho
Coordenação Fluxo Editorial
Msc. Saul Edgardo Mendez Sanchez Filho
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PARA ORIENTAR SEUS ESTUDOS
SAIBA MAIS
Aqui você terá acesso a informações que complementam seus
estudos a respeito do tema abordado. São apresentados
trechos de textos ou indicações que contribuem para o aprofundamento de seus estudos.
PARA CONHECER
Aqui você será apresentado a autores e fontes de pesquisa
a fim de melhor conhecê-los.
ATENÇÃO
Nos boxes em que há pedido de atenção são apresentadas
questões ou conceitos importantes para a elaboração de sua
aprendizagem e continuidade dos estudos.
VOCÊ SABIA?
Esses são boxes que trazem curiosidades a respeito da temática abordada.
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DISCIPLINA
EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS
Prof. Esp. Adelson Ferreira da Silva
Prof. Msc. Neilton Castro da Cruz
Profª. Drª. Julia Maria da Silva Oliveira
Prof. Msc. Geovani de Jesus Silva
EMENTA
Os fundamentos da Educação de Jovens e Adultos. O lugar
sócio-político da Educação de Jovens e Adultos. A Educação
de Jovens e Adultos na perspectiva da inclusão, da autonomia
e cidadania.
Carga horária: 60 horas
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OS AUTORES
Adelson Ferreira da Silva
Graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB
(2003), em Filosofia pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC
(2009), e possui Especialização em Espistemologia e fenomenologia
(2009). É Professor Auxiliar da Universidade do Estado da Bahia, onde
trabalha com a disciplina Pesquisa e estágio em espaços não-formais
de educação. Tem como interesse de pesquisa os saberes docentes e a
formação do educador social.
Geovani de Jesus Silva
Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual de Santa Cruz
(1997), é especialista em Educação Infantil (2008), em Políticas Educativas
e Desenvolvimento Humano (2006). Realizou o Mestrado em Ciências da
Educação pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Lisboa (2007) e é doutorando em Educação pela Universidade Federal de
Minas Gerais. Atualmente é Professor Assistente da Universidade Estadual
de Santa Cruz. Tem como interesse de pesquisa Educação em Periferias
Urbanas, Educação de Pessoas Jovens e Adultas, principalmente com os
seguintes temas: gênero, cotidiano, estudos do tempo e condição docente.
Julia Maria da Silva Oliveira
Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Santa Cruz
(1994), fez o Mestrado em Educação pela Universidade Federal da Bahia
(1997) e Doutorado em Educação pela Université de Montréal (2005).
Atualmente é Professora Adjunto da Universidade Estadual de Santa Cruz.
Tem como interesse de pesquisa a Educação de Pessoas Jovens e Adultas,
Juventude e a Educação em Espaços Não Escolares, principalmente com
os seguintes temas: educação em saúde e políticas públicas em educação.
Neilton Castro da Cruz
Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual de Santa Cruz UESC (2007) e fez o Mestrado em Educação pela Universidade Federal de
Minas Gerais (2011). Atualmente é professor efetivo da rede municipal de
educação da cidade de Porto Seguro, BA. Tem como interesse de pesquisa
a Educação de Jovens e Adultos (EJA); Fracasso/Sucesso Escolar; Juventude
e Educação.
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APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
As linhas que seguem buscam promover situações nas quais
seja possível refletir acerca da história de construção da Educação
para Pessoas Jovens e Adultas como campo de conhecimento na
sociedade brasileira.
Dessa forma, apresentamos, na I Unidade, a História da
Educação de Pessoas Jovens e Adultas no Brasil. Em seguida,
dialogamos, na Unidade II, acerca da conceituação da Educação
de Jovens e Adultos, bem como tecemos algumas reflexões sobre as
especificidades dos sujeitos da EJA, como as questões geracionais,
das relações de gênero, das relações étnico-raciais e, por fim, a
religiosidade na EJA. Na Unidade III, apresentamos os fundamentos
teóricos metodológicos da EJA. Nesse sentido, discutimos brevemente a
respeito da Andragogia e sua relação com a Pedagogia. Finalizamos
este livro com a Unidade IV, a qual é destinada à Epistemologia da
Educação Popular em Paulo Freire.
Enfatizamos que o conteúdo ora apresentado deve ser
compreendido como o começo de uma história; o seu desenvolvimento
e a sua conclusão devem ser trilhados, construídos (na perspectiva
freiriana) por cada um de vocês, estudantes, comprometidos com o
aprender a aprender.
Sucesso nessa caminhada que se inicia...
Adelson Ferreira da Silva
Neilton Castro da Cruz
Julia Maria da Silva Oliveira
Geovani de Jesus Silva
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SUMÁRIO
1ª UNIDADE
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE PESSOAS JOVENS E ADULTAS NO BRASIL
1
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 15
2
O PROPÓSITO DA EDUCAÇÃO NO PERÍODO COLONIAL............................................ 15
3
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA REPÚBLICA: DESAFIOS, CONTROVÉRSIAS E
RESISTÊNCIA .................................................................................................... 24
4
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: AVANÇOS,
ARBITRARIEDADE POLÍTICA E RESISTÊNCIA ......................................................... 28
4.1 O processo de democratização do país e inserção da Educação de Jovens e
Adultos na Constituição como direito de todos .................................................. 34
2ª UNIDADE
AS ESPECIFICIDADES DO SUJEITO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
1
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 53
2
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA BREVE CONCEITUAÇÃO ............................ 53
3
OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: ALGUMAS REFLEXÕES A PARTIR
DE SUAS ESPECIFICIDADES ................................................................................ 57
3.1 O encontro de gerações ........................................................................... 63
2.1 As relações de gênero e a Educação de Jovens e Adultos .............................. 69
2.2 A diversidade sexual e a Educação de Jovens e Adultos ................................ 71
2.3 As relações étnico-raciais e a Educação de Jovens e Adultos ......................... 74
2.4 A religiosidade e Educação de Jovens e Adultos ........................................... 79
3ª UNIDADE
FUNDAMENTOS TEÓRICOS-METODOLÓGICOS DA EJA
1
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 93
2
ALGUNS ANTECEDENTES HISTÓRICOS ACERCA DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS ............. 93
3
ANDRAGOGIA .................................................................................................... 98
3.1 O modelo pedagógico segundo Knowles (1984, 1990) ................................ 100
3.2 Modelo andragógico segundo Knowles (1984, 1990) .................................. 103
3.2.1 Necessidade de saber ........................................................................ 104
3.2.2 A percepção do estudante sobre si ....................................................... 104
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3.2.3 O papel da experiência ....................................................................... 106
3.2.4 O desejo de aprender ......................................................................... 108
3.2.5 Orientação para aprendizagem ............................................................ 108
3.2.6 A motivação para aprender .................................................................. 110
4ª UNIDADE
EPISTEMOLOGIA DA EDUCAÇÃO POPULAR EM PAULO FREIRE
1
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 123
2
O QUE É EDUCAÇÃO POPULAR? ......................................................................... 123
3
A CONCEPÇÃO DE HOMEM NA ONTOLOGIA FREIRIANA ......................................... 125
4
A CONSCIENTIZAÇÃO COMO CONCEITO CENTRAL DA EDUCAÇÃO LIBERTADORA ...... 126
4.1 Conscientização, utopia e realidade ......................................................... 128
4.2 Conclusões de Freire acerca da concepção libertadora da educação .............. 130
5
A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO COMO INSTRUMENTO DE LIBERTAÇÃO ...................... 130
5.1 Entre a sectarização e a radicalização ...................................................... 130
5.2 A dicotomia entre objetividade e subjetividade e sua superação pela unidade
dialética .................................................................................................... 132
5.3 O si mesmo como problema na ontologia freiriana ..................................... 134
5.4 Humanização e desumanização: viabilidade ontológica ou realidade histórica?135
5.5 Generosidade opressora ......................................................................... 137
5.6 O que é a pedagogia do oprimido?........................................................... 138
5.7 A aderência ao opressor ......................................................................... 139
6
A CONCEPÇÃO BANCÁRIA DA EDUCAÇÃO ............................................................ 140
7
OS TEMAS GERADORES .................................................................................... 142
8
TESES ESSENCIAIS DA EDUCAÇÃO POPULAR LIBERTADORA .................................. 143
9
ALGUNS CONCEITOS ESTRUTURANTES DA EDUCAÇÃO POPULAR EM PAULO FREIRE
144
9.1 Totalidade ............................................................................................ 144
9.2 Dimensões significativas da realidade ...................................................... 145
9.3 Codificação........................................................................................... 146
9.4 Investigação temática ............................................................................ 148
9.5 O conteúdo programático ....................................................................... 149
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1ª
unidade
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
DE PESSOAS JOVENS E
ADULTAS NO BRASIL
OBJETIVOS
Ao final desta unidade, o (a) estudante deverá
 conhecer a história da Educação de Jovens e Adultos
e analisar seus ranços e avanços;
 conhecer a legislação e políticas públicas nacionais
que regem a Educação de Jovens e Adultos – EJA;
 reconhecer a importância dos movimentos sociais
para a implementação da EJA, enquanto política
pública.
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Unidade
1
História da educação de pessoas jovens e adultas no Brasil
1 INTRODUÇÃO
Estudar a história da educação de pessoas jovens e adultas
no Brasil nos remete a algumas indagações: o que diz a história,
tendo em vista que homens e mulheres jovens e adultos/as não
tiveram o direito à educação por séculos? Quando é instituído
esse direito, para quem e de que forma? O que mudou após
mais de cinco séculos de educação no Brasil?
As respostas a essas e outras indagações servirão de
base para construção dessa história, que inicia aqui e terá
continuidade nas unidades posteriores. Buscaremos, neste
texto, apresentar uma breve história da negação da educação
de pessoas jovens e adultas até as primeiras décadas do século
XX, bem como a ação popular pelo direito de pessoas jovens e
adultas à educação e pela estatização da educação dessas pessoas,
garantindo-a como política pública e enquanto modalidade de
ensino da Educação Básica.
2 O PROPÓSITO DA EDUCAÇÃO NO PERÍODO
COLONIAL
No período colonial, eram os religiosos da Companhia
de Jesus quem exerciam o papel de professores. O projeto
educativo e missionário, iniciado nos anos de 1549, visava
difundir a fé católica, transmitir normas de comportamento,
ensinar ofícios necessários para o desenvolvimento da colônia
aos indígenas e posteriormente a negros escravizados.
Décadas depois, instituíram as escolas de humanidades para
colonizadores endinheirados e seus filhos (HADDAD; DI
PIERRO, 2000).
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Módulo 6 I
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Educação de jovens e adultos
você sabia?
você sabia?
Figura 1.1 - Índios e Jesuítas.
Fonte: http://ofeliafonseca.
pbworks.com/f/1257344635/
jesuitas%20e%20indios.png
Figura 1.2 - Marques de Pombal.
Fonte: http://www.grupoescolar.
com/a/b/A3BA3.jpg
A Companhia de Jesus foi
fundada, em 15 de agosto de 1534, pelo Padre
Inácio de Loyola e seus
seguidores, no contexto
da Contrarreforma, movimento contrário à Reforma Protestante. Os
Jesuítas eram obedientes
à doutrina da Igreja Católica e alcançaram grande
influência na sociedade,
entre os séculos XVI e
XVII, sendo educadores
e confessores dos reis e,
posteriormente, das colônias.
leitura recomendada
BANGERT S. J. W. V. História da Companhia de
Jesus. São Paulo: Edições Loyola, 1985.
LOYOLA, S. I. de. Obras
Completas. Madrid: BAC,
1963.
16
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Em 1755, Sebastião José
de Carvalho e Melo, o
Marques de Pombal, foi
nomeado o primeiro-ministro do Reino de Portugal. Governou com mão
de ferro, impondo a lei
a todas as classes, sem
exceção. Pelo sucesso
econômico inglês, tentou,
com êxito, implementar
medidas que incutissem
um sentido semelhante
à economia portuguesa.
Em sua gestão, Pombal
pôs em prática um vasto
programa de reformas,
conhecidas por Reformas Pombalinas, cujo
objetivo era racionalizar
a administração sem enfraquecer o poder real. O
Marquês de Pombal foi a
figura-chave do governo
português entre 1750 e
1777. No Brasil, expulsou os jesuítas em 1759
e implementou um novo
sistema educacional, intitulado Aulas Régias, sob
a responsabilidade do Estado.
filme recomendada
Figura 1.3 - Cartaz do filme
“A Missão”
Para refletir sobre a ação
educacional da Companhia de Jesus, recomendamos o filme A Missão.
Sinopse
No final do século XVIII
Mendoza
(Robert
De
Niro), um mercador de
escravos, fica com crise de consciência por
ter matado Felipe (Aidan Quinn), seu irmão,
num duelo, pois Felipe
se envolveu com Carlotta
(Cherie Lunghi). Ela havia se apaixonado por Felipe e Mendoza não aceitou isto, pois ela tinha um
relacionamento com ele.
Para tentar se penitenciar Mendoza se torna um
padre e se une a Gabriel
(Jeremy Irons), um jesuíta bem intencionado que
luta para defender os índios, mas se depara com
interesses econômicos.
Fonte: http://www.
cinemenu.com.br/filmes
Fonte: educação.uol.com.
br/biografias/marques-depombal
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História da educação de pessoas jovens e adultas no Brasil
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Volume 3
Unidade
1
Não estava nos planos dos jesuítas ensinar a ler e a
escrever às mulheres, aos pobres e aos negros. Essa parcela
da população estava excluída do projeto educativo. Bastava a
esse público a aprendizagem de ofícios: as mulheres deveriam
aprender a coser, bordar, cozinhar, cuidar de filhos e marido.
Já os escravos deveriam apenas aprender as práticas agrícolas.
Fazia parte do projeto educativo o ensino da leitura
e da escrita aos indígenas adultos, no entanto a função da
aprendizagem da leitura era restrita, pré-requisito necessário à
leitura do catecismo e da conversão à fé católica.
Segundo Galvão; Soares (2010), a “educação de indígenas
adultos, ao lado da catequese, era uma das ações prioritárias no
interior do projeto de colonização”. Eles “foram submetidos
a uma intensa ação cultural e educacional, embora os jesuítas
priorizassem sua ação junto às crianças” (p. 28).
Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, após
investigação realizada pelo Marquês de Pombal, feito que o
elevou a Primeiro Ministro de Portugal, houve um processo
de desorganização do ensino e parece “não ter conhecido
experiências sistemáticas e significativas em relação a
alfabetização de adultos. A ênfase da política pombalina estava
no ensino secundário, organizado através do sistema de aulas
régias” (GALVÃO; SOARES, 2010, p. 30).
A educação de pessoas jovens e adultas somente foi
tratada de forma legal na primeira constituição brasileira, de
modo implícito. A Carta de 1824, sob forte influência europeia,
declarou que a “instrução primária e gratuita para todos os
cidadãos” constituía um direito. De certo modo, jovens e
adultos estão incluídos, entretanto o conceito de cidadania,
naquela época, tinha suas contradições. Possuir cidadania era
privilégio de uma pequena parcela da população, pertencente
à elite econômica, excluindo-se desse processo negros/as,
indígenas, pobres e parte das mulheres (HADDAD; DI
PIERRO, 2000).
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Educação de jovens e adultos
O texto da Constituição não passou de intenção legal.
A garantia de uma escola de qualidade para todos foi protelada,
ficando apenas ações educativas restritas a poucas crianças,
excluindo crianças, jovens e adultos do campo, indígenas
e negros escravizados e alforriados, os quais permaneciam
analfabetos ou buscavam formas alternativas para aprender a
ler e escrever.
Galvão e Soares (2010) declaram que no século XIX,
no tocante à educação, houve um “processo de progressiva
institucionalização da escola no Brasil” (p. 30), definindo,
a partir daí, espaços e tempos de aprendizagem, saberes e
materiais didáticos e a formação do professor. Quanto à
inserção de homens e mulheres livres e pobres, negros e negras
escravizadas, livres e libertos/as nos processos formais de
educação, após várias discussões nas assembleias provinciais,
aprovou-se o Ato Adicional de 1834, que responsabilizou as
províncias pela “instrução primária e secundária e formulou,
especificamente, as políticas de instrução para jovens e adultos”
(GALVÃO; SOARES, 2010, p. 30).
A autora e o autor informam que, em Pernambuco,
os documentos oficiais fazem referência à existência de aulas
noturnas para maiores de quinze anos, por volta de 1885. A
instrução previa duas seções: ”uma para os que não tinham
nenhuma instrução e outra para aqueles que já possuíam
alguma” (GALVÃO; SOARES, 2010, p. 31). Ademais, o
Regimento das Escolas de Instrução Primária de Pernambuco
já previa, naquela época, escolas dominicais na escola da Casa
de Detenção para os presos e aulas para cegos no “Asylo de
Mendicidade”. Por outro lado, o ensino para adultos era de
responsabilidade dos docentes do diurno, sem remuneração,
como uma espécie de missão, instituindo-se, assim, uma rede
filantrópica que se desenvolveu no século XIX como forma de
contribuição das elites para “regeneração do povo” (GALVÃO;
SOARES, 2010).
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Unidade
1
É importante acentuar que as experiências de
alfabetização de jovens e adultos, no Brasil, na época
imperial não se restringiam à educação formal. Havia muitas
experiências não formais que superavam aquelas realizadas
pelo sistema escolar, principalmente no espaço urbano, onde
elas se multiplicavam.
Galvão e Soares (2010) ressaltam que historiadores,
dedicados ao processo de escravidão no Brasil, investigaram
que o “acesso à leitura e escrita era um elemento fundamental
para a conquista dos direitos civis pelos homens escravizados”
(p. 47). Tal fato demonstra a existência de práticas de escrita
e leitura entre os homens escravizados, proibidos legalmente
de frequentar escolas. Praticantes da oralidade, inseriam-se em
várias redes de sociabilidade em que a escrita estava presente:
os que viviam em plantéis das ordens religiosas e do clero,
os que tinham ocupações urbanas e/ou exerciam atividades
autônomas etc. (GALVÃO; SOARES, 2010; WISSENBAC,
2002).
Após a aprendizagem da leitura, os homens escravizados
formavam redes de aprendizagem informais, “em que, através da
leitura oralizada e do reconhecimento de trechos previamente
memorizados, tornava possível a alfabetização” (GALVÃO;
SOARES, 2010, p. 31). Em Pernambuco, muitos trabalhadores
livres aproveitavam a hora da sesta para ouvir leituras proferidas
pelos poucos alfabetizados. Tal prática era assistida por tantos
analfabetos e semianalfabetos que era comum formarem grupos
para aulas coletivas para, em suas modestas casas, aprenderem a
ler e a escrever (GALVÃO; SOARES, 2010).
Havia também aqueles que frequentavam grupos de
alfabetização proporcionados por brancos que utilizavam
impressos e imagens religiosas, almanaques, periódicos e
folhetins, poucos jornais e livros disponíveis (MOYSÉS, 1995).
Na segunda metade do século XIX, também foram
criadas associações de intelectuais que ofereciam cursos
noturnos para adultos “como forma de ‘regenerar’ as massas
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Educação de jovens e adultos
de pobres brancos, negros livres, libertos e até mesmo,
em alguns casos, escravos. [...] Esses intelectuais, entre os
quais muitos maçons, homens brancos pertencentes à elite,
entendiam que era preciso ‘iluminar o povo’ e ‘elevar a
cidade no plano intelectual’ “ (GALVÃO; SOARES, 2010,
p. 34-35).
Não podemos deixar de lembrar que essa
movimentação pela educação de adultos não aconteceu em
todo país, mas especialmente em alguns centros urbanos.
Enquanto isso as áreas mais longínquas, como algumas
províncias do norte e nordeste brasileiro, estavam fadadas
ao analfabetismo. Da mesma forma que “alguns princípios
norteavam as iniciativas oficiais em relação à alfabetização
das camadas populares: era preciso ‘iluminar’ as mentes
que viviam nas trevas da ignorância para que houvesse
progresso”. Nesse período, educar adultos não estava
na esfera do direito, mas da filantropia, da caridade, da
solidariedade (GALVÃO; SOARES, 2010, p. 35).
No final do império, a concepção de analfabeto
ignorante e incapaz acentuou-se fortemente, principalmente
em tempos de discussão da Lei Saraiva, de 1881, que impunha
restrições ao voto do analfabeto, vinculando-o à renda, bem
como determinava eleições diretas e admitia a elegibilidade
dos “acatólicos, ingênuos, libertos e naturalizados” (PAIVA,
1983, p. 83).
A partir desse momento, suscitam no país uma
série de discussões sobre o analfabeto adulto em diferentes
instâncias sociais para justificar o veto ao seu voto. Da
mesma forma que surgem outras indagações: seria o
analfabeto incompetente, dependente e ingênuo? O que
diferenciaria o analfabeto pertencente às classes populares
e o analfabeto das elites rurais? Não saber ler afetava a
dignidade, a inteligência, impedia de ganhar dinheiro, ser
chefe de família, exercer o pátrio poder? (RODRIGUES,
1965).
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Módulo 6 I
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Unidade
1
Por outro lado, a Reforma Leôncio de Carvalho, de
1879, anunciava a importância de criar cursos elementares
noturnos, acreditando o autor que a restrição ao voto do
analfabeto contribuiria para o desenvolvimento da educação,
mesmo que fosse somente por uma preocupação com a
eleição das elites. Tal pensamento também foi ratificado por
Ruy Barbosa em seu parecer de 1882, que fazia uma análise da
realidade brasileira e que serviu de base para Reforma Leôncio
de Carvalho. De acordo com o documento, as leis seriam
ineficazes para o desenvolvimento e a grandeza do país se o
Estado não partisse da educação popular, “a mais criadora de
todas as forças econômicas, a mais fecunda de todas as medidas
financeiras” e ainda declara: “a ignorância popular é vista como
a mãe da servilidade e da miséria”. (apud PAIVA, 1983, p. 73)
Seriam, então, os analfabetos incapazes de pensar sobre
si mesmos e de construirem a sua própria história? Dependentes
e apolíticos? Subalternos e manipuláveis? Produtores da miséria
e do atraso da nação?
Ao final do Império, com uma população total estimada
em 14 milhões, “82% da população com idade superior a cinco
anos era analfabeta”, portanto as intenções postuladas na
legislação “acabaram por não se consubstanciar, condicionadas
que estavam pela estrutura social vigente” (HADDAD; DI
PIERRO, 2000, p. 109).
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Educação de jovens e adultos
para conhecer
Carlos Leôncio de Carvalho nasceu em
18 de junho de 1847, na cidade de Iguaçu, na província do Rio de Janeiro. Era
filho do Dr. Carlos Antonio de Carvalho.
Estudou na Faculdade de Direito de São
Paulo, tendo concluído seus estudos
em 1868. Prestou concurso, em 1871,
para professor nesta faculdade e nele foi
aprovado, sendo nomeado membro catedrático em 1881. Foi convidado a ocupar a pasta dos Negócios do Império no
gabinete de 15 de janeiro de 1878, tendo sido eleito deputado pela província de
São Paulo neste mesmo ano, permanecendo na Câmara até 1881. Leôncio de
Carvalho, por meio do Decreto de 19 de
Figura 1.4 - Carlos Leôncio de Carvalho.
abril de 1879, reformou a instrução púFonte: www.google.com.br/imagens/
blica primária e secundária no Município
leonciodecarvalho
da Corte e o ensino superior em todo o
Império, este deu origem aos Pareceres/
Projetos de Rui Barbosa intitulados Reforma do Ensino Secundário e Superior
(1882) e Reforma do Ensino Primário e várias Instituições Complementares
da Instrução Pública (1883). Nesse Decreto, autorizava o governo a criar ou
auxiliar, nas províncias, cursos para o ensino primário, permitindo que os escravos frequentassem as escolas. Buscava também estimular a alfabetização
dos adultos, exigindo a leitura e escrita, dando preferência para obtenção de
empregos nas oficinas do Estado aos indivíduos que cursaram a instrução primária. No Relatório de 1878, como Ministro, Leôncio de Carvalho chamara a
atenção da Assembleia Legislativa para a importância da criação de cursos
para o ensino primário destinados aos adultos devido a discussão, na Câmara
dos Deputados, da reforma do sistema eleitoral que colocava como exigência
que se soubesse ler e escrever para o exercício do voto. Instituiu a liberdade
de ensino e a liberdade de frequência. Tais medidas causaram muita polêmica,
recebendo críticas por facilitar o crescimento das escolas particulares e ser
sua proposta “excessivamente” liberal. Participou da organização da exposição pedagógica, em 1883, em cujo congresso assumiu o cargo de secretário,
bem como foi presidente da Associação Propagadora dos Cursos Noturnos.
Sua reforma educacional marcou uma etapa importante na educação brasileira, mas provocou também uma acirrada oposição que o levou a se demitir da
pasta. Como deputado por São Paulo, na tribuna da Câmara, defendeu-se das
críticas, contudo, ao terminar seu mandato, não conseguiu ser reeleito. Na República, durante alguns meses, assumiu o cargo de diretor da Faculdade de Direito de São Paulo. Exonerou-se por ter entrado em conflito com seus colegas
de congregação, contrários à reforma da instrução pública feita pelo Governo
Provisório, na qual colaborara. Foi senador estadual no governo de Américo
Brasiliense. Jubilou-se, mudou-se para o Rio de Janeiro onde foi lente e diretor
da Faculdade Livre de Direito. Faleceu a 9 de fevereiro de 1912.
Fonte: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario
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História da educação de pessoas jovens e adultas no Brasil
1
ATIVIDADES
Unidade
ATatividades
Agora, você já conhece um pouco da história da
educação de jovens e adultos, portanto vamos trabalhar com
algumas questões para sistematizar o conhecimento.
1) Leia o texto abaixo:
A história da educação de jovens e adultos no Brasil é
muito recente. Embora venha se dando desde o período
do Brasil Colônia, de uma forma mais assistemática,
as iniciativas governamentais no sentido de oferecer
educação para os jovens e adultos são recentes. No Brasil
Colônia, a referência à população adulta era apenas de
educação para a doutrinação religiosa, abrangendo um
caráter muito mais religioso que educacional, tendo
como Método Pedagógico o Ratio Studiorum (grifo
nosso). Nessa época, pode-se constatar uma fragilidade da
educação, por não ser esta responsável pela produtividade,
o que acabava por acarretar descaso por parte dos
dirigentes do país (CUNHA, 1999). No Brasil Império,
começaram a acontecer algumas reformas educacionais e
estas preconizavam a necessidade do ensino noturno para
adultos analfabetos. Em 1876, foi feito então, um relatório,
pelo ministro José Bento da Cunha Figueiredo, apontando
a existência de 200 mil alunos freqüentes às aulas noturnas
(Rosa Cristina Porcaro - Professora do Departamento
de Educação da Universidade Federal de Viçosa – Fonte:
www.dpe.ufv.br/nead/docs/ejaBrasil.doc).
a) O fragmento em destaque no texto trata do método
utilizado pelos jesuítas em seu processo educacional.
Pesquise sobre esse método e discorra sobre ele,
apresentando suas especificidades.
b) Pesquise sobre as reformas educacionais que
aconteceram no Brasil Colonial e Imperial e apresente
os seus impactos para a educação de jovens e adultos.
c) No final do Império, a concepção de analfabeto
ignorante e incapaz acentuou-se fortemente,
principalmente em tempos de discussão da Lei Saraiva,
de 1881. Pesquise sobre do que tratava esta lei.
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Educação de jovens e adultos
3 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA
REPÚBLICA: DESAFIOS, CONTROVÉRSIAS E
RESISTÊNCIA
O movimento pela República trouxe à tona discussões
no campo político, econômico, social, cultural, educacional,
que fizeram emergir, nos brasileiros e brasileiras, a esperança
de assistir um novo país, livre, autônomo, nacionalista e
preocupado em resolver as mazelas acumuladas no decurso da
sua história.
Entretanto, para Romanelli (1997), a primeira
Constituição da República referendava a proibição do voto
do analfabeto e eliminava a seleção de eleitores por poder
aquisitivo, legitimando o direito de escolher e de ser escolhido.
O censo de 1890 indicou que apenas 20% da população
brasileira sabia ler e escrever, o que gerou um sentimento de
vergonha diante dos outros países, “de cada dez brasileiros, só
dois conseguiam ler uma carta, um documento, um jornal ou
um livro” (GALVÃO; SOARES, 2010, p. 37).
Por outro lado, segundo Haddad; Di Pierro (2000), a
Constituição instituiu a “concepção de federalismo em que a
responsabilidade pública pelo ensino básico foi descentralizada
nas Províncias e Municípios” (HADDAD; DI PIERRO, 2000,
p. 109). A lei traz em seu texto algumas indefinições: cabia
à União animar as atividades de ensino primário, enquanto
garantia a responsabilidade pelo ensino secundário e superior;
portanto garantiu a formação das elites em detrimento da
alfabetização de 80% de pessoas analfabetas pertencentes às
camadas sociais marginalizadas. Além disso, não havia dotação
orçamentária destinada à educação das massas.
O censo de 1920 indicou que, no Brasil, 72% da
população acima de cinco anos era analfabeta. Nesse período,
não havia nenhuma preocupação com o jovem e o adulto: o
pensamento pedagógico e as políticas públicas se movimentavam
expressamente em torno das crianças.
24
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História da educação de pessoas jovens e adultas no Brasil
Educador, sociólogo, administrador, escritor e
jornalista, Fernando de Azevedo nasceu em
São Gonçalo do sapucaí (MG), a 2 de abril de
1894.
http://www.jornallivre.com.br/images_enviadas/fernandode-azevedo-biografiaf.jpg
Educador baiano (12.07.1900 - 11.03.1971).
Responsável pelas reformas de sistema
educacional
brasileiro
que
mudaram
radicalmente os rumos do ensino no país.
Anísio Spínola Teixeira nasce na cidade de
Caitité, no sertão baiano.
http://www.iat.educacao.ba.gov.br/node/209
Cecília Meireles, formou-se em professora
com apenas 18 anos de idade, escreveu vários
poemas de caráter simbolista, foi jornalista e
cronista. É considerada por muitos como uma
das maiores poetisas da Língua Portuguesa.
Estudou também línguas, canto e violino.
Acervo Última Hora/Folhapress
1
você sabia?
A organização do sistema público de ensino
no Brasil foi resultado
de muitas lutas. A disputa para definir qual o
modelo de escola que
deveria ser generalizado na República reuniu
um grupo de ativos
educadores que ficaram
conhecidos como “os
pioneiros da educação
nova”. Eram 26 os signatários – dentre eles
Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo (18941974), Cecília Meireles
(1901-1964), Lourenço
Filho (1897-1970) e
Edgard Roquette-Pinto
(1884-1958) – do Manifesto dirigido ao povo
e ao governo. Publicado
em 1932, nos principais jornais do país, foi
elaborado em resposta
à solicitação do presidente Getulio Vargas
(1882-1954) para que
a Associação Brasileira
de Educação apresentasse a “fórmula feliz”
que orientaria o governo na definição das linhas gerais de sua política educacional.
Unidade
A partir dos anos de 1920, segundo Haddad e Di
Pierro (2000), há uma grande movimentação popular
pela ampliação do número de escolas e melhoria da
qualidade do ensino, ao mesmo tempo em que se lutava
pela implementação de políticas públicas para educação de
jovens e adultos. Nesse período, há uma exigência pelos
pioneiros e renovadores da educação nova, que o Estado se
responsabilizasse pela educação e pelos serviços inerentes a
ela.
Fonte: http://www.
armazemdedados.rio.
rj.gov.br/Revista - Rio
Estudos - Os Precursores
da Educação Nova, Nº
227, Nov. 2006
Educador brasileiro. Lourenço Filho foi
duramente criticado por ter colaborado
com o Estado Novo de Getúlio. Todavia,
sua contribuição para a educação brasileira
mereceria ser mais bem estudada. Sua obra
nos revela diversas facetas do intelectual
educador, extremamente ativo e preocupado
com a escola em seu contexto social e nas
atividades de sala de aula.
http://www.educacaomoral.org.br/reconstruir/Imagens/
foto_lourenco_filho.jpg
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Educação de jovens e adultos
saiba mais
O INEP foi criado pela Lei
nº 378, de 13 de janeiro de
1937, que reestruturou o Ministério da Educação e Saúde
Pública e recebeu inicialmente a denominação de Instituto Nacional de Pedagogia. O
novo órgão teria como missão “realizar pesquisas sobre os problemas do ensino,
nos seus diferentes aspectos”. Sua instalação, porém,
somente seria realizada no
segundo semestre do ano
seguinte, sob a liderança do
educador Lourenço Filho.
O Decreto-Lei nº 580, de 30
de julho de 1938, alterou sua
denominação para Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos, dando origem à sigla
INEP, pela qual a instituição
é conhecida até hoje. Esta
troca de nome, antes mesmo
de entrar em funcionamento,
já prenunciava as frequentes
mudanças organizacionais ao
longo das décadas posteriores. A última grande reestruturação aconteceu em 1997,
por meio da Lei nº 9.448, de
14 de março, que redefiniu e
ampliou suas atribuições. O
INEP ganhou maior autonomia ao ser transformado em
autarquia federal, vinculada
ao Ministério da Educação.
Ao completar 70 anos, o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira – INEP faz parte de
um seleto conjunto de instituições públicas que conseguiram sobreviver aos percalços da conturbada história
política brasileira no século
20.
Fonte: http://portal.inep.gov.br
Figura 1.6. Fonte: http://www.portalhoje.
com/wp-content/uploads/2011/10/inep.jpg
26
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Saiba que a educação básica de adultos começou
a delimitar seu lugar na história da educação no Brasil
a partir da década de 1930. Nesse período, a sociedade
brasileira passava por grandes transformações,
associadas ao processo de industrialização e
concentração populacional em centros urbanos.
Essa manifestação foi resultado das disposições da
Constituição Federal de 1934, na qual configuravase uma nova concepção de educação, inclusive para o
público jovem e adulto. Após grande movimentação
popular por uma educação para todos, houve a
ampliação da educação elementar, impulsionada pelo
governo federal, que traçava diretrizes educacionais
para todo o país, determinando as responsabilidades
dos estados e municípios (PAIVA, 1983; HADDAD;
DI PIERRO, 2000).
Em 1938, foi criado o Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos – INEP (figura 1.6), que
instituiu o Fundo Nacional do Ensino Primário
que custearia um programa de ampliação do ensino
primário, bem como o ensino supletivo para os
adultos. Em 1945, há uma ampliação do fundo, o
qual destina 25% dos recursos ao ensino supletivo de
adolescentes e adultos analfabetos (HADDAD; DI
PIERRO, 2000).
Segundo Sérgio Haddad e Maria Clara Di
Pierro (2000), no âmbito das relações internacionais,
foi criada em 1945, logo após a segunda Guerra
Mundial, a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, que
denunciava ao mundo as profundas desigualdades
entre os países e alertava para o papel que deveria
desempenhar a educação, em especial, a educação de
adultos, no processo de desenvolvimento das nações
categorizadas como atrasadas.
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História da educação de pessoas jovens e adultas no Brasil
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Módulo 6 I
Volume 3
Unidade
1
Em 1947, instala-se no Brasil o Serviço de Educação
de Adultos – SEA, uma espécie de serviço especial do
Ministério da Educação que tinha como objetivo coordenar
e orientar os trabalhos dos planos anuais de supletivo para
adolescentes e adultos. Além disso, o SEA desenvolveu várias
outras atividades: produção de material didático, mobilização
popular, reuniões com os governos municipais, estaduais
e a iniciativa particular. As ações do SEA se estenderam
até 1950, quando desencadeou no Brasil a Campanha de
Educação de Adolescentes e Adultos – CEAA, tendo
importância fundamental para a criação de infraestrutura
nos estados e municípios para atender às pessoas jovens e
adultas. Mesmo com os esforços dos movimentos sociais, a
população analfabeta no país chegava a 56%. Por essa razão,
em 1952, foi organizada pelo MEC a Campanha Nacional de
Educação Rural e, no final da década de 1958, a Campanha
Nacional de Erradicação do Analfabetismo, no entanto
realizaram poucas ações (HADDAD; DI PIERRO, 2000).
Os movimentos sociais avançavam na luta pela
educação de jovens e adultos analfabetos, forçando o Estado
brasileiro a assumir a responsabilidade pela educação, mesmo
que de forma tímida e gradual, enquanto o movimento
ganhava corpo e avançava pelo país, exigindo políticas
públicas de âmbito nacional e com recursos financeiros para
garantir sua efetiva implementação no território nacional.
Para Haddad e Di Pierro (2000, p. 111) “os esforços
empreendidos durante as décadas de 1940 e 1950 fizeram
cair os índices de analfabetismo das pessoas acima de cinco
anos de idade para 46,7% no ano de 1960”.
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Educação de jovens e adultos
ATIVIDADES
A
AT
ATIV
TIV
VI
ATIVIDADES
1) Pesquise sobre a importância do Manifesto dos Pioneiros
da Educação Nova de 1932 para consolidação da educação
de jovens e adultos no Brasil.
2) Faça um relato sobre a trajetória da educação de jovens e
adultos no Brasil entre os anos de 1930 e 1950.
3) Analise, nas Constituições Federais Republicanas (1891,
1934, 1937, 1946, 1967, 1969), nos capítulos da educação,
qual a importância atribuída à educação de adultos. Utilize a
internet como recurso através de busca com palavras-chave.
4 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX:
AVANÇOS, ARBITRARIEDADE POLÍTICA E
RESISTÊNCIA
Em 1958, aconteceu no Rio de Janeiro o II Congresso
Nacional de Educação de Adultos, quando se percebeu
que “havia uma grande preocupação dos educadores em
redefinir as características específicas e um espaço próprio
para essa modalidade de ensino” (PAIVA, 1983, p. 112).
Houve o reconhecimento nesse encontro de que, mesmo os
educadores atuando de forma organizada, reproduziam uma
educação aos moldes da educação das crianças. O adulto não
escolarizado era, aos olhos da sociedade, imaturo, ignorante,
sem atualização pela falta dos conteúdos da escola primária.
O Congresso repercutiu uma nova forma de pensar a
educação de adultos, alimentado pelas discussões regionais,
em especial, as pernambucanas, que discutiam um trabalho
educativo com o “homem” e não para o homem, propondo
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Volume 3
Unidade
1
a renovação de métodos e processos educativos apropriados
para os adultos (PAIVA, 1983).
Nesse sentido, não podemos deixar de considerar
acontecimentos, campanhas e movimentos que surgiram
nessa época, dentre eles o Movimento de Educação de Base
em 1961, organizado pela Conferência Nacional de Bispos
do Brasil - CNBB; o Movimento de Cultura Popular de
Recife; a Campanha de Pé no Chão Também se Aprende
a Ler, organizada pela Secretaria Municipal de Educação de
Natal e os Centros Populares de Cultura ligados à União
Nacional dos Estudantes - UNE.
A movimentação popular fez com que o governo
cedesse aos apelos populares e criasse, em 1964, o Programa
Nacional de Alfabetização do Ministério da Educação e
Cultura, idealizado principalmente por Paulo Freire e por
vários segmentos da sociedade: sindicatos, estudantes,
igreja e diversos grupos estimulados pelo momento político
da época, atendendo, assim, à necessidade de uma grande
demanda da população; por um lado, o mutirão pela educação
realmente popular e, por outro, os interesses populistas do
governo que ansiava em aumentar o contingente eleitoral, já
que os analfabetos eram proibidos de votar e a alfabetização
garantia a continuidade do governo que estava no poder.
Pela primeira vez, o Brasil teria um programa que tinha
em sua base o interesse em acabar com o analfabetismo, de
forma que propiciava aos seus educandos um pensamento
crítico, capaz de transformar sua realidade (PAIVA, 1983;
HADDAD; DI PIERRO, 2000; GALVÃO; SOARES,
2010).
O programa durou pouco tempo, pois caminhava de
forma contrária aos interesses reacionários da elite brasileira
que, amedrontada, enxergava no sucesso do Programa
Nacional de Alfabetização o fim de seus privilégios.
Entendia que a única forma de frear os anseios populares era
acabar com os movimentos que, na mentalidade burguesa,
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Educação de jovens e adultos
saiba mais
Após o fracasso do Plano Trienal, da economia e dos índices de inflação altíssimos, o governo de João Goulart (Jango) ficou extremamente enfraquecido e sem
apoio. Com isso, os movimentos sociais começaram a fazer pressão, exigindo
transformações substanciais na sociedade. Os líderes estudantis da União Nacional dos Estudantes (UNE) entraram em cena, clamando pelo fim da exclusão
social e do analfabetismo. Dentro da Igreja Católica surgiram segmentos políticos
com orientação socialista que se juntaram aos estudantes nas manifestações da
época. Nesse contexto ocorreu uma rebelião de sargentos em Brasília, que queriam o direito de se candidatar a cargos eletivos. Essa rebelião foi vista pelo alto
escalão das Forças Armadas como uma severa ameaça à hierarquia militar. Num
clima de tensão e enfraquecido politicamente, Jango realizou na Estação Central
do Brasil, no Rio de Janeiro, um grande comício no dia 13 de março. Diante de
mais de duzentos mil manifestantes, o presidente assinou decretos de grande
impacto popular, como a nacionalização das refinarias de petróleo privadas e a
desapropriação de terras, para a reforma agrária, situadas às margens de ferrovias e rodovias federais. No dia 19 de março, em resposta ao comício do Rio, foi
realizada em São Paulo a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Na passeata,
os manifestantes pediam a Deus e aos militares que salvassem o Brasil do perigo
comunista, presente na figura de Jango. O desfecho para o Golpe ocorreu quando
João Goulart apoiou a manifestação dos marinheiros no Rio de Janeiro, em 30 de
março. O apoio de Jango foi o estopim para o Alto Comando das Forças Armadas
acusar o presidente de conivência com os atos de insubordinação que ameaçavam a hierarquia militar. O golpe militar afastou Jango da presidência da República, substituindo-o pelo comando militar do General Costa e Silva, do Brigadeiro
Francisco de Assis Correia de Melo e do vice-almirante Augusto Hamann. Esses
militares iniciaram o processo de cassação dos mandatos parlamentares, afastando da vida política as pessoas que não se adequassem ao novo sistema político.
Nesse sentido, o Congresso Nacional foi pressionado de todas as formas pelos
militares para a escolha do novo presidente da República. O marechal Humberto
de Alencar Castelo Branco foi o escolhido para completar o mandato iniciado por
Jânio Quadros. Através do Golpe Militar de 1964, a história da República Brasileira recomeçava com outro olhar. Era o fim da República Populista e o começo do
regime militar, que se estendeu até 1985.
Fonte: http://www.brasilescola.com/historiab/golpe-militar.htm
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Unidade
1
já se confundiam com o governo popular. Assim, o meio
encontrado foi o golpe militar, ocorrido em 31 de março de
1964.
Um dos primeiros atos do governo militar foi
interromper o Programa Nacional de Alfabetização e os
demais programas de educação popular, bem como prender
e exilar seus idealizadores e apreender materiais didáticos.
Estes movimentos, mesmo sob a coerção dos militares,
conseguiram clandestinamente continuar com o trabalho de
conscientização, como sublinha Haddad e Di Pierro:
Sob a denominação de educação popular,
entretanto diversas práticas educativas de
reconstituição e reafirmação dos interesses
populares inspirados pelo mesmo ideário
das experiências anteriores persistiam
sendo desenvolvidas de modo disperso
e quase que clandestino no âmbito da
sociedade civil. Algumas delas tiveram
previsível vida curta; outras subsistiram
durante o período autoritário (2000, p.
113 - 114).
Com a interrupção dos movimentos voltados
para a Educação de Pessoas Jovens e Adultas, os militares
começaram a incentivar programas conservadores, pois
já não podiam ignorar friamente o trabalho educativo dos
movimentos; que, no período anterior, ganhou força junto
à sociedade. Sendo assim, começou a desenvolver e apoiar
a Cruzada de Ação Básica – ABC, dirigida por evangélicos
norte-americanos e que só teve seu fim em 1971, depois de
várias críticas. Em substituição à ABC, foi criado pela Lei
5.379, de dezembro de 1967, o Movimento Brasileiro de
Alfabetização – MOBRAL, um programa interministerial,
que abrangia todos os municípios do país. Para isso, foram
criadas algumas situações que pudessem garantir sustentação
financeira ao projeto, como ressalta Haddad e Di Pierro
(2000, p. 114): “os recursos foram obtidos com 1% do
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Educação de jovens e adultos
Imposto de Renda das empresas, complementadas com
24% da renda líquida da Loteria Esportiva”. O empenho em
se disponibilizar tanto dinheiro objetivava dar uma resposta
aos grupos que exigiam uma educação para os adultos e
que, por outro lado, pudesse dar sustentação aos planos dos
militares.
Segundo Haddad e Di Pierro (2000), o MOBRAL
apresentava três características: o paralelismo em relação
aos demais programas de educação; organização operacional
descentralizada e, por fim, a centralização de direção do
processo educativo, através da Gerência Pedagógica do
Mobral Central. Era uma máquina completa: tinha recursos
próprios e os geria; planejava, treinava o seu pessoal e avaliava
o processo. Os encontros de treinamento de supervisores
eram realizados em grandes hotéis, demonstrando
desperdício de recursos, além da produção de material a mais
do que o necessário, bem como dirigentes e supervisores
excedentes em comparação à quantidade de turmas.
A autora e o autor afirmam que, inicialmente, a
atuação do MOBRAL era dividida em dois programas:
o Programa de Alfabetização de 1970 e o Programa de
Educação Integrada, uma versão do ensino primário.
Posteriormente, implementaram-se outros programas e
convênios, com a promessa de acabar em dez anos com o
analfabetismo.
Alguns anos depois de sua criação, o MOBRAL
perdeu seu caráter ligado à alfabetização e se mostrou
como um poderoso instrumento ideológico, que obedecia
aos interesses dos militares. Desta forma, este programa
tornou-se autônomo do Ministério da Educação. Não
conseguindo alcançar seus objetivos iniciais, o MOBRAL
passou por várias mudanças e, mesmo assim, não respondia
às reais necessidades da época. Nesse período, foi aprovada
a segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN, a de nº. 5.692/1971, pelo governo militar, que trata
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História da educação de pessoas jovens e adultas no Brasil
Unidade
1
a Educação de Jovens e Adultos, em seu artigo 24, como
supletivo:
O ensino supletivo terá por finalidade:
a. suprir a escolarização regular para os
adolescentes e adultos que não a tenham
seguido ou concluído na idade própria;
b. proporcionar, mediante repetida volta à
escola, estudos de aperfeiçoamento ou
atualização para os que tenham seguido
o ensino regular no todo ou em parte.
O principal objetivo desta nova lei foi dar um aspecto
técnico para a educação, voltado para a expansão industrial
que se pretendia na época, contudo trouxe novidade quanto
à Educação de Jovens e Adultos. Haddad sublinha que
“apesar de ser produzida por um governo conservador, essa
lei estabeleceu, pela primeira vez, um capítulo específico
para a educação de jovens e adultos” (2005 p. 112).
Mesmo retirando a criticidade incorporada nas
décadas de 1958 a 1964 e impondo uma fórmula militar de
educação, a educação de jovens e adultos passou a ter uma
lei que a regulamentou e criou condições para sua expansão.
Com o fim da ditadura militar, em 1985, o MOBRAL,
que já vinha sendo combatido por denúncias de corrupção,
foi substituído pela Fundação Nacional para a Educação de
Jovens e Adultos (Fundação Educar). Segundo Haddad e
Di Pierro (2000), a fundação assumiu a responsabilidade de
articular, em conjunto, o subsistema de ensino supletivo, a
política nacional de educação de jovens e adultos, cabendolhe fomentar o atendimento nas séries iniciais do ensino
de 1º grau, promover a formação e o aperfeiçoamento dos
educadores, produzir material didático, supervisionar e
avaliar atividades.
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Educação de jovens e adultos
4.1 O processo de democratização do país e
inserção da Educação de Jovens e Adultos
na Constituição como direito de todos
Figura 1.7. Fonte: http://www.mundoeducacao.com.br/upload/conteudo_legenda/bd8b35656e1ed8e64e2087f3251bede4.jpg
A luta pela democratização do país que envolvia
também a democratização das relações sociais, das
instituições públicas e o alargamento dos direitos civis,
impulsionada e organizada pelos antigos e novos movimentos
sociais que haviam emergido na década de 1970 e expandido
até a década de 1980, trouxe à tona uma série de discussões,
principalmente, acerca da educação, direcionando demandas
educacionais a serem instituídas na Carta Magna que estava
por vir. Após a abertura política, em 1985, a Constituição
Federal de 1988 e seus desdobramentos nos estados e
municípios “materializou-se o reconhecimento social dos
direitos das pessoas jovens e adultas à educação fundamental,
com conseqüente responsabilização do Estado por sua oferta
pública, gratuita e universal” (HADDAD; DI PIERRO,
2000, p. 119). A lei garante que o “Ensino Fundamental
obrigatório e gratuito é um direito do cidadão, qualquer que
seja ele, e dever do Estado, valendo esse direito também para
os que não tiveram acesso a ele na idade própria” (BRASIL,
1988, Art. 208).
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Unidade
1
Em 1990, a Organização das Nações Unidas
(ONU) instituiu o Ano Internacional da Alfabetização e
convocou para o mesmo ano uma Conferência Mundial
de Educação para Todos que reforçou a expectativa de
melhoria da educação de adultos. Também em 1990, ao
longo do governo Fernando Collor de Mello, extinguiuse a Fundação Educar, justificado por enxugamento no
orçamento. Após o impeachment de Collor, o governo se
comprometeu a movimentar um Programa Nacional de
Alfabetização e Cidadania (PNAC), no entanto não saiu do
campo das intenções (HADDAD; DI PIERRO, 2000).
Nesse período, segundo Di Pierro (2010),
estabeleceu-se no cenário brasileiro, um grande paradoxo:
de um lado, a afirmação de que pessoas jovens e adultas
teriam direitos educativos, já estabelecidos na Carta de
1988; por outro lado, a forma marginal como foi tratada
essa modalidade de ensino no campo das reformas
educacionais, do financiamento, das políticas públicas e
sociais, respondendo às exigências neoliberais que definiam
a agenda política nacional.
É nesse contexto que a União recua do seu
papel educativo e, estabelece a municipalização do
Ensino Fundamental, inclusive para jovens e adultos.
Entretanto, mesmo a matrícula tendo crescido
consideravelmente, a democratização com qualidade
estava comprometida,”sobretudo, pela restrição de fontes
de financiamento em virtude da focalização de recursos
públicos no ensino elementar de crianças e adolescentes
promovida pela política de fundos adotada no governo de
Fernando Henrique Cardoso” (DI PIERRO, 2010, p. 27).
Em 1994, após discussões advindas da Conferência
Mundial de Educação para Todos e das pressões dos
movimentos sociais, às vésperas do fim do governo,
apresentou-se o Plano Decenal que “fixou metas de
prover oportunidades de acesso e progressão no ensino
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Educação de jovens e adultos
fundamental a 3,7 milhões de analfabetos e 4,6 milhões de
jovens e adultos pouco escolarizados” (HADDAD; DI
PIERRO, 2000, p. 121).
A autora e o autor declaram que com a eleição de
Fernando Henrique Cardoso, o Plano Decenal foi posto
de lado, priorizando reformas político-institucionais,
compreendendo diversas medidas, dentre elas a aprovação
de uma emenda constitucional e a promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Haddad e Di Pierro (2000) analisam que, nesse
governo social democrata, houve um deslocamento das
responsabilidades públicas para as privadas, especialmente
por meio da transferência de serviços e funções do Estado
a organizações sociais sem fins lucrativos e movimentos
sociais organizados. Essas ações “restringem a EJA à função
compensatória de reposição de estudos não realizados na
infância e adolescência” (p. 28), com o aval das universidades
e redes de ensino, que foram incapazes de enfrentar
as práticas apresentadas pelo governo, persistindo no
improviso, nos modelos pedagógicos da época da ditadura
e no silenciamento diante do processo de desvalorização
do/as educador/as. Tal silêncio estava claro na nova Lei de
Diretrizes e Bases, promulgada em 20 de dezembro de 1996,
sob o nº. 9.394, a qual trouxe em seu Art. 37 a confirmação e
garantia do direito dos jovens e adultos à educação, já previsto
na Carta Magna. Nesse artigo a referida lei estabelece que:
A Educação de Jovens e Adultos será
destinada àqueles que não tiveram acesso
ou continuidade de estudar no ensino
fundamental e médio na idade própria.
Ensino fundamental, obrigatório e
gratuito, inclusive para os que a ele não
tiveram acesso na idade própria.
Haddad e Di Pierro (2000) afirmam que a seção
dedicada à educação de adultos na LDB foi curta e
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Unidade
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pouco inovadora, basicamente uma transcrição do texto
constitucional. A única novidade é o rebaixamento da
idade mínima para prestar exames supletivos, fixada em, no
mínimo, 15 para o Ensino Fundamental e 18 para o Ensino
Médio, bem como a integração da Educação de Jovens e
Adultos à Educação Básica. A aceleração dos estudos e a
flexibilidade de organização do ensino deixaram de ser
atributo somente da educação de adultos e estendeu-se
a toda educação básica. Além disso, a nova lei apresenta,
como diria Demo (1997), ranços e avanços, contradições e
possibilidades.
As reformas implementadas desde 1995, justificadas
pela restrição de gastos públicos para fins de estabilização
da economia adotada pelo governo federal, “implicaram que
o MEC mantivesse a educação básica de jovens e adultos na
posição marginal que ela já ocupava nas políticas públicas
de âmbito nacional” (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.
122). Um desses entraves foi a emenda constitucional n.
14/1996 que suprimiu, na Constituição de 1988, o artigo
que comprometia a sociedade e os governos a erradicar o
analfabetismo e universalizar o ensino fundamental até
1998, bem como desobrigava o governo federal a investir
metade dos recursos destinados à educação a tais ações.
Além disso, na aprovação da Lei 9.424/1997 que
regulamentou o Fundo de Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF), o
qual destinava 60% dos recursos a salários dos docentes e
os 40% para despesas de manutenção e desenvolvimento
do ensino, que compreendem o pagamento de outros
profissionais ligados à educação, formação continuada
de professores; aquisição de equipamentos; manutenção,
construção e conservação de instalações, recebeu o veto do
presidente, impedindo que jovens e adultos matriculados na
EJA fossem beneficiados pelo fundo, priorizando apenas as
crianças de 07 a 14 anos.
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Educação de jovens e adultos
saiba mais
Na segunda metade
da década de 1940, a
UNESCO propôs a realização de Conferências
Internacionais de Educação de Adultos em
diferentes países, com
o objetivo de mobilizar,
através de um processo coletivo, instituições
públicas e privadas a
discutirem, com maior
ênfase,
o
processo
educativo de adultos e
a incidência de políticas públicas para esse
fim, tendo em vista o
desenvolvimento
dos
países após a Segunda Guerra Mundial. As
CONFINTEAS
ocorreram simultaneamente
em: Elsinore/Dinamarca (1949); Montreal/
Canadá (1960); Tóquio/Japão
(1972);
Paris/França
(1972);
Hamburgo/Alemanha
(1997) e Belém/Brasil
(2009).
Esses descaminhos e descasos impulsionaram a
instituição de vários fóruns, em vários estados brasileiros,
que, para Di Pierro (2000), foi resultado da resistência
de educadores e educadoras, bem como de organizações
da sociedade, iniciando uma ampla discussão acerca da
incidência de políticas públicas de educação de jovens e
adultos.
Silva (2005) afirma que os Fóruns de EJA surgiram
no Brasil, em 1996, quando os países se preparavam para
participar da V Conferência Internacional de Educação
de Adultos (CONFINTEA). Aqui no Brasil, houve um
movimento para realização dos seminários regional e
nacional, envolvendo vários segmentos da sociedade, de onde
sairiam os delegados para participar da V CONFINTEA na
cidade de Hamburgo-Alemanha. Sendo assim, as discussões
estaduais e regionais desembocavam em um importante
acontecimento nacional, o Encontro Nacional de Educação
de Jovens e Adultos (ENEJA), prática que vem ocorrendo
desde o final da década de 1990 até a atualidade.
Haddad (2000) acentua que, naquela época, iniciava o
processo de implantação da política neoliberal e do processo
mais intenso da globalização no Brasil: privatizações de
empresas estatais; vinculação às políticas lideradas pelo
Banco Mundial e inserção de seus programas no campo
social e educacional, o que promoveu o desemprego e,
consequentemente, uma grande ação sindical no Brasil.
Outro problema, segundo Di Pierro (2010), era a falta
de qualificação profissional específica para as exigências do
país para aquele momento, principalmente devido ao nível
baixo de escolarização de homens e mulheres adultos/as.
Por outro lado, havia incentivo internacional para priorizar
o Ensino Fundamental para crianças, excluindo, mais uma
vez, jovens e adultos do processo educativo, digital e social,
instituindo o que Schwartz (2001) chamou de apartheid
mental, ou seja, a exclusão de uma grande quantidade de
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Unidade
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pessoas da era da informática, principalmente os adultos e
idosos.
Outro elemento importante para a constituição dos
fóruns, foi a criação da Comissão Nacional de Educação
de Jovens e Adultos (CNEJA), em 1995, vinculada ao
MEC, que tinha o objetivo de “subsidiar a formulação e
implementação de políticas na área de Educação de Jovens e
Adultos” (Diário Oficial da União, 23/06/1995). A CNEJA
foi composta por representantes de vários segmentos da
sociedade civil e do governo. Mesmo sendo criada pelo
MEC, divergiu de suas políticas, construindo ações críticas
em defesa da educação de jovens e adultos (SILVA, 2005).
Outro quadro alentador foram os processos de
mudança de pensamento e de políticas públicas de EJA no
Brasil, nas últimas décadas. A expansão dos cursos de pósgraduação e produção de conhecimento sobre a temática
constituiu, também, no interior da comunidade acadêmica,
uma legitimidade e adensamento de pesquisas, discussões,
grupos de estudos etc. Por outro lado, “administrações
comprometidas passaram a implementar políticas de
atendimento a demanda a partir da tradição da educação
popular libertadora” (DI PIERRO, 2010, p. 28).
A autora também declara que os movimentos
sociais impulsionaram positivamente o campo da EJA na
contemporaneidade: os movimentos juvenis, das mulheres,
dos homossexuais, dos afrodescendentes, dos indígenas,
dos trabalhadores, dos povos do campo, incluindo em
suas bandeiras de luta o direito do jovem e do adulto à
educação, o reconhecimento da negação do direito por parte
dos governantes, obrigando a elaboração de políticas de
igualdade, considerando a sua diversidade e especificidade
cultural.
Esses processos, dentre outros, orientaram a política
da União para a EJA, no início dos dois mandatos consecutivos
do Presidente Lula. Di Pierro (2010) afirma que, no período
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Educação de jovens e adultos
de 2003-2009, mesmo em meio a vários programas, avanços
e recuos, podemos destacar dois importantes traços da
política federal de EJA: a mudança da posição em relação
à modalidade na política educacional, atribuindo-lhe
maior importância, ação que já vinha ocorrendo desde o
final do governo anterior, resultado das lutas políticas dos
movimentos sociais. Por outro lado, outro avanço foi a
inclusão da EJA na política de financiamento, especialmente
no Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica
(FUNDEB), criado através da Emenda Constitucional n.
53, de 19 de dezembro de 2006, a qual estabelece que
[...] a apropriação dos recursos pela
educação de jovens e adultos, nos termos
do art. 60, inciso III, alínea “c”, do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias,
observará, em cada Estado e no Distrito
Federal, o percentual máximo de dez
por cento dos recursos do Fundo”, bem
como nos programas de assistência aos
estudantes
(alimentação,
transporte
escolar e livro didático) (p.29).
A EJA continua, dessa forma, ocupando um lugar
secundário nas prioridades do governo e da escola, que, em
muitos casos, ainda continuam a afirmar que a prioridade
é o Ensino Fundamental de Crianças, tornando a EJA
dependente da sobra do seu financiamento e de recursos
materiais.
Di Pierro (2000) também acentua que não há na
administração federal e na política social e educacional
um projeto coerente e consensual para a EJA. Tal fato se
confirma se analisarmos a distância existente entre a proposta
de governo do Partido dos Trabalhadores de 2002 e as
políticas efetivadas pós eleição. Houve uma multiplicidade
de iniciativas: Brasil Alfabetizado, Programa Nacional de
Inclusão de Jovens (PROJOVEM), Programa Nacional
de Integração da Educação Profissional com a Educação
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
Parecer CNE/CEB nº 11/2000, aprovado em 10
de maio de 2000, que dispõe sobre as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos;

Resolução CNE/CEB nº 1, de 5 de julho de 2000,
que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação de Jovens e Adultos;
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Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
(PROEJA), Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (PRONERA), Exame Nacional de Certificação
de Competências (ENCCEJA), Saberes da Terra e outros
dispersos em diferentes órgãos e secretarias ministeriais,
com escassa coordenação e muitos problemas: duplicidade
de critérios, pulverização de recursos, dificuldade de
consolidação e descontinuidades.
Por outro lado, há um aspecto que merece destaque,
a abertura à interlocução com as outras instâncias do
governo e as organizações da sociedade civil, tendo como
lugares privilegiados a Comissão Nacional de Alfabetização
e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA) e os Encontros
Nacionais promovidos anualmente pelos Fóruns/EJA (DI
PIERRO, 2010). Não se pode negar a democratização
das informações, o reconhecimento dos interlocutores da
sociedade civil, o apoio às iniciativas dos fóruns, dentre
outras ações que ocorreram no governo Lula, mesmo com
algumas ressalvas.
Nas últimas duas décadas, também foram instituídos
vários marcos legais que objetivaram a implementação, a
organização curricular, a profissionalização e a estrutura da
EJA enquanto modalidade de ensino para todos os jovens e
adultos, a saber:
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Educação de jovens e adultos

Parecer CNE/CEB nº 36/2004, aprovado em 07
de dezembro de 2004, que aprecia a Indicação
CNE/CEB 3/2004, que propõe a reformulação da
Resolução CNE/CEB 1/2000, que define Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos;

Parecer CNE/CEB nº 20/2005, aprovado em 15
de setembro de 2005, que trata da inclusão da
Educação de Jovens e Adultos, prevista no Decreto
nº 5.478/2005, como alternativa para a oferta da
Educação Profissional Técnica de nível médio de
forma integrada com o Ensino Médio;

Resolução CNE/CEB nº 4, de 27 de outubro de
2005, que inclui novo dispositivo à Resolução CNE/
CEB 1/2005, que atualiza as Diretrizes Curriculares
Nacionais definidas pelo Conselho Nacional de
Educação para o Ensino Médio e para a Educação
Profissional Técnica de nível médio às disposições
do Decreto nº 5.154/2004;

Parecer CNE/CEB nº 29/2006, aprovado em 5 de
abril de 2006, que trata do reexame do Parecer CNE/
CEB nº 36/2004, que aprecia a Indicação CNE/CEB
nº 3/2004, propondo a reformulação da Resolução
CNE/CEB nº 1/2000, que definiu Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos;

Parecer CNE/CEB nº 23/2008, aprovado em
8 de outubro de 2008, que institui Diretrizes
Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos
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História da educação de pessoas jovens e adultas no Brasil

Resolução nº. 3, de 06 de março de 2009, do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária –
CNPCP, que dispõe sobre as Diretrizes para a
oferta de educação, nos estabelecimentos penais, aos
privados de liberdade;

Parecer CNE/CEB nº. 4, de 9 de março de 2010,
institui as Diretrizes Nacionais para a oferta de
educação para jovens e adultos em situação de
privação de liberdade nos estabelecimentos penais;

Parecer CNE/CEB nº 6/2010, aprovado em 7
de abril de 2010, que trata do reexame do Parecer
CNE/CEB nº 23/2008, que institui Diretrizes
Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos
– EJA, nos aspectos relativos à duração dos cursos
e idade mínima para ingresso nos cursos de EJA;
idade mínima e certificação nos exames de EJA; e
Educação de Jovens e Adultos desenvolvida por
meio da Educação a Distância.

Resolução CNE/CEB nº 3, de 15 de junho de
2010, que institui as Diretrizes Operacionais para a
Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos
à duração dos cursos e idade mínima para ingresso
nos cursos de EJA; idade mínima e certificação nos
exames de EJA; e Educação de Jovens e Adultos
desenvolvida por meio da Educação a Distância.
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– EJA nos aspectos relativos à duração dos cursos
e idade mínima para ingresso nos cursos de EJA;
idade mínima e certificação nos exames de EJA; e
Educação de Jovens e Adultos desenvolvida por
meio da Educação a Distância;
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Educação de jovens e adultos
Não podemos esquecer que o conjunto de leis,
resoluções, pareceres, portarias e diretrizes aprovadas
entre as décadas de 1990 e 2000 foi resultado da luta dos
movimentos sociais por uma educação para todos desde os
anos de 1930.
Do mesmo modo, não significa que, com a instituição
desses marcos legais, houve a garantia imediata dos direitos,
ainda há muito que fazer. Isto porque a Educação de Jovens
e Adultos – EJA vem enfrentando uma série de conflitos,
tanto no espaço escolar, quanto no cenário nacional.
ATIVIDADES
ATIVIDADES
AT
A
T
1) Faça um relato sobre a trajetória da educação de jovens e
adultos no Brasil, entre os anos de 1950 e 1980.
2) Analise nas Constituições Federais Republicanas (1967,
1969, 1988), nos capítulos da educação, qual a importância
atribuída a educação de adultos. Utilize a internet como
recurso através de busca com palavras-chave.
3) Quais os marcos legais que instituíram a Educação de
Jovens e Adultos como modalidade de ensino e o que
muda no cenário nacional, a partir da década de 1990?
4) A logomarca a seguir foi utilizada na Conferência
Internacional de Educação de Adultos – CONFINTEA
VI, realizada em Belém/Brasil. Como foi informado no
corpus do texto, aconteceram outras CONFINTEAS.
Pesquise sobre qual o conteúdo, as decisões e os
encaminhamentos realizados em cada uma delas.
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História da educação de pessoas jovens e adultas no Brasil
5) Agora que você conhece a história da educação de
jovens e adultos no Brasil, pesquise e construa um texto
fundamentado (articulando com a história da educação
de adultos no Brasil), sobre a História da Educação de
Adultos do seu município.
RESUMINDO
RESU
RE
ESU
SU
RESUMINDO
1. No Brasil Colônia, a educação dos adultos era apenas
para a doutrinação religiosa, abrangendo um caráter
muito mais religioso que educacional. Já no Império,
iniciaram-se algumas reformas educacionais que
preconizavam a necessidade da alfabetização de adultos.
2. No discurso republicano, a partir da constituição de 1891,
a educação de adultos tinha a finalidade emancipadora,
inclusive porque instituiu a laicidade de ensino. No
entanto a Carta Magna de 1891 não apresentou os
dispositivos legais suficientes para garantir o direito do
jovem e adulto à educação.
3. O Movimento dos Pioneiros da Educação Nova foi
preponderante para a efetivação de uma educação
melhor e para todos, que só veio se efetivar depois de
aproximadamente sessenta anos.
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Educação de jovens e adultos
4. A partir dos anos 1940, emergiram vários movimentos
que defendiam a educação de adultos como política
pública urgente no cenário nacional, imbuído pela ação
de organismos internacionais e pelas organizações não
governamentais.
5. A Ditadura Militar de 1964 destituiu as organizações
pela educação de adultos e instituiu o Movimento
Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL. Mesmo assim,
o movimento pela educação de adultos persistia na
clandestinidade.
6. Somente com a promulgação da Constituição Federal de
1988 e da LDBEN 9.394/1996, a educação de adultos
foi instituída como modalidade de ensino vinculada à
Educação Básica.
7. Depois disso, o movimento continuou pela
implementação da modalidade nos municípios
brasileiros, bem como pela garantia de financiamento e
de condições de trabalho nas escolas.
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REFERÊNCIAS
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REFERÊNCIAS
R
RE
REFE
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FER
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692, de 11 de agosto de 1971. Estabelece as diretrizes e bases
da educação para o ensino de 1º e 2º graus.
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Educação de jovens e adultos
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Suas anotações
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2ª
unidade
AS ESPECIFICIDADES DO
SUJEITO DA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
OBJETIVOS
Ao final desta unidade, o (a) estudante deverá
 compreender que as pessoas que frequentam as escolas de EJA,
sobretudo os adultos, já possuem identidade formada;
 reconhecer que a diversidade é inerente ao grupo que compõe a EJA;
 compreender que o exercício do trabalho docente na EJA, ao contrário
do que é propagado, exige profissionalismo e sensibilidade para
respeitar as diferenças apresentadas pelo referido público;
 refletir sobre a importância de se construir uma proposta curricular
capaz de atender as especificidades dos/as educandos/as da EJA;
 reconhecer que a educação é um processo que deve ser vivenciado ao
longo de toda uma vida.
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
Unidade
2
1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, você estudará o conceito de educação
de jovens e adultos e entenderá que a especificidade do sujeito
da EJA extrapola sua condição de aluno/a-trabalhador/a.
2 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA
BREVE CONCEITUAÇÃO
Lembre-se de que foi apresentada, na Unidade I, a
trajetória histórica da EJA. Observe que esse campo tem sido
um espaço das classes populares (PAIVA, 1987), destinada,
sobretudo, àqueles/as que, por alguma razão, vivem ou
viveram à margem de seus direitos e, por esse motivo,
retornam ou retornaram à escola numa fase considerada
avançada, na perspectiva de re/começar seu processo de
escolarização ou concluí-lo.
Saiba que a EJA é uma modalidade educativa a qual
exige das pessoas que se envolvem profissionalmente um
olhar diferenciado daquele comumente direcionado aos
estudantes do ensino regular. Tais sujeitos, diferentemente
dos estudantes que frequentam o ensino regular, ao
retornarem aos espaços de educação formal, carregam
consigo marcas profundas de vivências constitutivas de
suas dificuldades (SILVA, 2010). Nessa medida, nos alerta
Miguel Arroyo (2009), que as trajetórias humanas desses
educandos/as se sobrepõem às escolares e, desse modo, se a
primeira não for compreendida, a segunda tampouco o será.
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Módulo 6 I
Volume 3
saiba mais
Você sabia que a EJA é
um braço da Educação
Popular?
Para saber mais, leia:
ARROYO, M. G. Educação de jovens-adultos:
um campo de direitos
e de responsabilidade
pública. In: SOARES, L.
J. G.; GIOVANETTI, M.
A.; GOMES, N. L. Diálogos na educação
de jovens e adultos.
Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
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Educação de jovens e adultos
saiba mais
Se quiser saber mais
sobre a concepção de
trajetórias
humanas
defendida por Arroyo
leia: ARROYO M. G.
Imagens
Quebradas:
trajetórias e tempos
de alunos e mestres. 5
ed. Petrópolis: Vozes,
2009.
Outro aspecto inerente ao grupo que busca as
escolas de EJA, destacado por Arroyo (2004), diz respeito à
sua condição de excluído social, cultural e economicamente.
As pessoas que frequentam as salas de aula de educação
de jovens e adultos são, em sua maioria, trabalhadores,
pobres, negros, subempregados. Noutros termos, trata-se
de pessoas que vivem/viveram à margem de direitos básicos
constitucionalmente estabelecidos. Segundo o referido
autor,
Não podemos esquecer que as experiências
mais radicais de EJA nascem, alimentamse e incentivam movimentos sociais
ou sujeitos coletivos constituindose como sujeitos de direitos. Nesses
movimentos se descobrem analfabetos,
sem escolarização, sem o domínio dos
saberes escolares, sem diploma, porém,
não só, nem principalmente. Se descobrem
excluídos da totalidade de direitos que são
conquistas da condição humana. Excluídos
dos direitos humanos mais básicos, onde
se jogam as dimensões mais básicas da vida
e da sobrevivência (ARROYO, 2004, p.
229).
Observe que a condição marginal vivida pelo/a
estudante que busca a escolarização tardiamente tende a
influenciar a proposta estabelecida para o referido grupo.
Segundo Haddad (1994), a miséria social é que acaba por
definir as diversas maneiras de se pensar e realizar a Educação
de Jovens e Adultos. Para esse autor,
É uma educação para pobres, para jovens
e adultos das camadas populares, para
aqueles que são maioria nas sociedades
de Terceiro Mundo, para os excluídos do
desenvolvimento e dos sistemas regionais
de ensino. Mesmo constando que aqueles
que conseguem ter acesso aos programas
de Educação de Jovens e Adultos são
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
os com “melhores condições” entre os
mais pobres, isso não retira sua validade
intencional do seu direcionamento aos
excluídos (HADDAD, 1994, p. 86).
Unidade
2
Arroyo (2008), no mesmo sentido de ideias, ao
situar a posição histórico-social da educação de jovens e
adultos, acredita que o tratamento atribuído ao educando
da EJA condiz com a posição ocupada por essa demanda
na sociedade, ou seja, o tratamento é aquele destinado aos
“marginais, aos oprimidos, aos excluídos, aos empregáveis,
enfim, aos miseráveis” (ARROYO, 2008, p. 221).
Contudo, garante Haddad (2007, p. 04), a EJA
representa
[...] uma conquista da sociedade brasileira.
O seu reconhecimento como um direito
humano veio se dando de maneira
gradativa ao longo do século passado,
atingindo sua plenitude na Constituição de
1988, quando o poder público reconhece
a demanda da sociedade brasileira em
dar aos jovens e adultos que não tinham
realizado sua escolaridade o mesmo direito
que os alunos dos cursos regulares que
freqüentam a escola em idades próprias ou
levemente defasadas.
Todavia, apesar de ser um direito previsto na
Constituição Federal de 1988, a educação de jovens e
adultos ainda continua arraigada a um modelo de educação
alicerçado sob o paradigma compensatório, isto é, a
pressuposição de que a escolarização dos sujeitos da EJA
deva estar pautada numa prática de reposição de estudos não
realizados na infância ou adolescência, contrariando, desse
modo, os preceitos da citada lei. Tal situação tem, e muito,
inviabilizado a proposta de Educação de Jovens e Adultos,
visto que, na perspectiva da reposição escolar, o sujeito
jovem ou adulto perde sua especificidade. Sua experiência
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Educação de jovens e adultos
de vida deixa de ser um fator significante em seu processo
educativo.
Nesse sentido, pode-se afirmar: é chegada a hora
de se desconstruir a ideia de que a educação básica deva,
obrigatoriamente, acontecer na infância e/ou adolescência. A
educação é um exercício que deve ser desenvolvido ao longo
de toda uma vida. Sem tempo ou datas preestabelecidas.
Nessa direção nos garante Alcoforado (2008), que
De fato, aprender ao longo da vida
significa
também,
que
se
pode
aprender, parcelarmente, em distintas e
independentes situações, experienciando
mudanças internas segmentadas que,
individualmente, teremos que saber
integrar significado autoconstruído, cujo
resultado é um entendimento de aprender
bem divergente de educar-se, pois que,
neste caso, a aprendizagem se faz de uma
forma holística, integrada e contínua (p.
60).
Na ótica da reposição, do reforço da ideia de que há de
fato o tempo certo de aprender, o rico repertório de vivências
e saberes trazidos pelos estudantes jovens, adultos e/ou
idosos acaba por ser ignorado e, ao contrário do que se pode
esperar, não influencia como deve as propostas curriculares
desenvolvidas para a EJA. Não é por acaso que o conceito
de educação dessa modalidade tem sofrido constantes
modificações, desde a década de 1940 (GADOTTI, 2007).
Tais alterações justificam-se, sobretudo, pela tentativa de
atender de forma condizente aos sujeitos que compõem a
demanda de EJA.
Recentemente, como afirma Haddad (2007, p.
22), “um novo conceito de Educação de Jovens e Adultos
vem sendo construído, tendo por base o perfil do jovem
e do adulto que demanda escolaridade, bem como suas
necessidades de escolaridade”. Dito de outra forma, o
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
Unidade
2
conceito de EJA encontra-se num constante processo de
ressignificação.
Esse novo conceito parte da pressuposição de que
o sujeito jovem, adulto e/ou idoso, devido a sua vivência e
autonomia, tem condição de refletir o processo da própria
escolarização, exigindo uma nova postura do Estado e da
escola, quanto aos seus anseios e necessidades. Arroyo
(2007) alerta que é preciso que o Estado mude a concepção
que construiu acerca da EJA. Para esse autor, “chega de
amadorismo, improvisação, assistencialismo. A finalidade
da Educação de Jovens e Adultos não poderá ser a de suprir
carência de escolarização, mas garantir direitos de um tempo
de vida” (ARROYO, 2007, p. 21).
3 OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS: ALGUMAS REFLEXÕES A PARTIR
DE SUAS ESPECIFICIDADES
Não é mais possível, na atualidade, pensar a educação
para pessoas jovens, adultas e/ou idosas sem levar em
consideração as especificidades inerentes apresentadas por
esse grupo: sua diversidade social, cultural, sexual, religiosa,
étnica, geracional, entre outras. No que diz respeito à
especificidade dos sujeitos da EJA, Oliveira M. (1999) diz
que esta é uma questão que precisa ser vista com prioridade.
A perspectiva de um estudante inserido na referida
modalidade, segundo a autora, tende a ser distinta daquela
apresentada por um estudante dos cursos regulares, por isso
não pode ser desconsiderada pelas instituições de ensino,
pois,
O adulto, no âmbito da educação de
jovens e adultos, não é o estudante
universitário, o profissional qualificado
que freqüenta cursos de formação
continuada ou de especialização, ou a
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Educação de jovens e adultos
pessoa adulta interessada em aperfeiçoar
seus conhecimentos em áreas como
artes, línguas estrangeiras ou música, por
exemplo. Ele geralmente [...] é proveniente
de áreas rurais empobrecidas, filho de
trabalhadores rurais não qualificados
e com baixo nível de instrução escolar
(muito freqüentemente analfabetos). E o
jovem, incorporado ao território da antiga
educação de adultos relativamente há pouco
tempo, não é aquele com uma história de
escolaridade regular, o vestibulando ou o
aluno de cursos extracurriculares em busca
de enriquecimento pessoal. Não é também
o adolescente no sentido naturalizado de
pertinência a uma etapa bio-psico-lógica
da vida. Como o adulto anteriormente
descrito, ele é também um excluído da
escola, porém geralmente incorporado
aos cursos supletivos em fases mais
adiantadas da escolaridade, com maiores
chances, portanto, de concluir o ensino
fundamental ou mesmo o ensino médio
(OLIVEIRA. M, 1999, p. 59 – 60).
A preocupação de Oliveira M. (1999) em relação à
especificidade do estudante da EJA ganha força, na medida
em que se constata a insuficiência de políticas públicas
que garantam a formação profissional dos docentes que
atendem a essa demanda. Sem a formação adequada, o
educador/a tende a desenvolver suas ações pedagógicas de
forma pragmática e, por muitas vezes, essas o conduzem a
desenvolver práticas que infantilizam o estudante jovem,
adulto e/ou idoso.
No que concerne à formação docente, Di Pierro
(2008) afirma que entre a América Latina e o Caribe, apenas
Cuba e Uruguai possuem profissionais qualificados para
atuar na EJA. Segundo a autora, nas “redes públicas de ensino,
de modo geral, são os mesmos docentes que trabalham
com crianças, adolescentes, jovens e adultos, muitas
vezes reproduzindo metodologias, currículos e materiais
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Unidade
2
de ensino inadequados” (DI PIERRO, 2008, p. 287). A
infantilização dos jovens e adultos, situação recorrente na
prática pedagógica em escola de EJA, tem contribuído de
forma imperativa com a evasão desses sujeitos.
A ineficiência de formação adequada dos profissionais
que atuam na EJA contribui de forma relevante para que
as instituições escolares dispensem aos sujeitos da referida
modalidade o mesmo tratamento oferecido às crianças,
seja através das relações interpessoais e/ou por meio de
suas práticas pedagógicas (DA CRUZ, 2011). Acerca dessa
questão, ressalta Oliveira I. (2009), a infantilização das
pessoas jovens, adultas e/ou idosas é,
[...] possivelmente, um dos principais
problemas que se apresentam ao trabalho na
EJA. Não importando a idade dos alunos,
a organização dos conteúdos e os modos
privilegiados de abordagem dos mesmos
seguem as propostas desenvolvidas para as
crianças do ensino regular. Os problemas
com a linguagem utilizada pelo professor
e com a infantilização das pessoas que,
se não puderam ir à escola, tiveram e
têm uma vida rica em aprendizagens que
mereceriam maior atenção, são muitos
(OLIVEIRA. I, 2009, p. 99).
Mesmo não havendo na prática docente da
maioria das escolas que atendem pessoas jovens, adultas
e/ou idosas o reconhecimento das especificidades dos
referidos educandos, há muito tal preocupação tem
assumido notoriedade entre os discursos de professores/
as, coordenadores/as, diretores/as e demais profissionais da
educação. Dentre as especificidades, Machado (2002) chama
a atenção para alguns aspectos, quais sejam: os sujeitos da
EJA são mais sensíveis, no que diz respeito às nuances do
contexto escolar. Ainda de acordo com essa pesquisadora,
o autoritarismo de alguns professores, o medo do fracasso
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e do isolamento de colegas na classe, bem como o cansaço,
consequência da árdua jornada de trabalho, tendem a se
transformar em obstáculos, muitas vezes intransponíveis
para a grande maioria, culminando na interrupção da
trajetória escolar desses estudantes.
Pensar e reconhecer, de fato, as especificidades
dos/as educandos/as da EJA é, sobretudo, incorporar
nos currículos tais questões. Mas, ao contrário do que
se tem discutido, nota-se que o currículo efetivado pela
prática docente não tem conseguido, enquanto ferramenta
pedagógica, desempenhar o que se espera. Na verdade, ele
tem se constituído como
[...] um dos mecanismos de normalização,
de homogeneização da diversidade,
através de um processo de aculturação
acadêmica que não representa por igual os
interesses, as necessidades, os objetivos,
nem as formas de pensamento, expressão
e comportamentos dos diferentes grupos
que constituem o mosaico cultural das
nossas escolas. (SOUSA, 2000: 3)
De acordo com Sousa (2000), o currículo não pode
se preocupar apenas com a organização do conhecimento
escolar. É preciso que ele acolha as tantas outras culturas que
se encontram no interior das escolas. A homogeneização do
currículo, de alguma forma, promove o que Dubet (1997)
chama de a construção de programas escolares feitos para
estudantes que não existem.
No campo da EJA, a proposta pedagógica tem sido,
ao longo de muitos anos, tema recorrente em debates,
fóruns e congressos. É fato que as especificidades inerentes
aos sujeitos que compõem a EJA têm se colocado como
um desafio que precisa ser enfrentado. Noutros termos, as
propostas pedagógicas não têm conseguido dar conta da
diversidade que os sujeitos da educação de jovens e adultos
trazem para a sala de aula.
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Unidade
2
Diferentemente do que é possível encontrar nas
escolas de EJA, Sousa (2000, p. 109) garante que a proposta
pedagógica deve “promover educacionalmente todos os
alunos, fornecendo a cada um o mesmo tipo de ferramenta
mental para crescer”, independentemente de sua origem
social e/ou étnica.
Tomando como ponto de reflexão as leituras
proporcionadas por Dubet (2004), entendemos que o
grande desafio que por ora está posto às escolas do mundo
contemporâneo é, exatamente, aprender a lidar com a
diferença, seja ela cultural, social, dentre outras. Dessa
forma, a ideia central deve ser a de romper com a realidade
vigente nas escolas e, assim, criar condições para que as
instituições escolares consigam dar conta das especificidades
que a criança, o adolescente, o jovem, o adulto e o idoso
apresentam.
Para Oliveira C. A. (2009), a diversidade cultural,
inerente a qualquer comunidade escolar, está posta, dentre
os elementos que envolvem a atividade docente, como uma
das mais complexas realidades que a proposta pedagógica
precisa lidar. Segundo esse autor
É difícil dizer que são simplesmente
diferenças culturais. Ao mesmo tempo
em que observamos interesses que
convergem, expectativas que aproximam
lazer comum, parece que os mundos estão
distantes. A dificuldade de apropriação
cultural entre os membros de uma mesma
comunidade escolar que têm dificuldade
com a compreensão cultural da língua
e vive no mesmo espaço geográfico. A
complexidade de comunicação entre
diferentes culturas e gerações dentro
de um mesmo universo lingüístico que
intermitentemente se aproximam e se
afastam no interior da instituição escolar
(OLIVEIRA C. A, 2009, p. 50).
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Nesse sentido, o mais comum seria idealizar uma
escola que pudesse atender, no sentido literal, toda diversidade
que o mundo contemporâneo é capaz de promover. Talvez
a solução fosse pensar numa escola justa? Porém, de acordo
com Dubet (2004), a definição do que seria uma escola justa
é das mais complexas ou mesmo das mais ambíguas, pois
podemos definir justiça de forma diferente.
Nesse sentido, nos alerta Dubet (1997, p. 542) que
“as desigualdades sociais pesam muito nas desigualdades
escolares”. Conclui o autor,
[...] todas as pesquisas mostram que a
escola trata menos bem os alunos menos
favorecidos: os entraves são mais rígidos
para os mais pobres; a estabilidade das
equipes docentes é menor nos bairros
difíceis, a expectativa é menos favorável às
famílias desfavorecidas (DUBET, 1997, p.
542).
Anômico
é um conceito discutido
por Elias na obra “Os
Estabelecidos e os Outsiders” de Norbert Elias
e Jonh Scotson (2000),
consulte.
Há na EJA uma ideia enviesada que tende a colocar
o estudante na posição de ignorante, anômico. É comum
aos professores que não pertencem à comunidade local
chegar à escola com o pré-conceito já formado acerca dos
estudantes. Afinal, “pobre é tudo igual”. Ademais, não são
raras as escolas de EJA do turno noturno que não permitem
o acesso desses estudantes a determinados espaços da
escola, como a biblioteca, por exemplo. Ainda existem os
casos em que as salas de aulas não possuem luz adequada ou
carteiras apropriadas a esse público. Não podemos deixar
de citar as pessoas que utilizam a ‘sobra’, o mesmo material
didático (textos, atividades) que é usado no ensino regular,
infantilizando os conteúdos, tornando-os inadequados ao
público jovem e adulto.
Por um período considerável, a especificidade dos/
as educandos/as que frequentam as escolas de EJA se
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Unidade
2
resumia, apenas, à sua condição de estudante trabalhador/a.
Na atualidade, ao problematizar tal questão, não é possível
fazê-la sem levar em consideração a diversidade inerente ao
referido público. Nessa perspectiva, as linhas que seguem
trazem cinco categorias que englobam o que hoje está sendo
discutido acerca da referida questão. Vamos aprofundar o
conhecimento a respeito dessa temática?
3.1 O encontro de gerações
As escolas que oferecem Educação para Jovens e
Adultos (EJA), há pelo menos duas décadas, deixaram
de ser espaço exclusivo das pessoas mais velhas. “O
rejuvenescimento da população que freqüenta a Educação de
Jovens e Adultos (EJA) é um fato que vem progressivamente
ocupando atenção de educadores e pesquisadores na área de
educação” (BRUNEL, 2004, p. 9). Segundo a mesma autora,
esse fenômeno iniciou-se na década de 1990.
Figura 2.1. Estudantes da Escola The Fevers em atividade cultural (SILVA, 2010,
p. 121).
A presença dos jovens cada vez mais jovens na
educação de jovens e adultos trouxe uma nova dinâmica
para esse contexto. O silêncio, algo comum outrora às salas
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Educação de jovens e adultos
você sabia?
Ser jovem é viver uma
condição específica que
precisa ser reconhecida
pelas pessoas adultas
como tal. Para aprofundar essa discussão
veja: DAYRELL, Juarez,
GOMES, N. L. e LEÃO,
G. Escola e participação juvenil: é possível
esse
diálogo?
Educar em Revista, Dez
2010, n.38, p.237-252.
ISSN 0104-4060
da EJA, deu lugar às formas extrovertidas e barulhentas
dos modos de ser jovem dos jovens que a frequentam (DA
CRUZ, 2011). Para Brunel (2004), a presença dos jovens em
número cada vez mais elevado modificou o cotidiano escolar
e as relações estabelecidas entre os sujeitos que ocupam o
referido espaço.
Em se tratando dos jovens que frequentam a
EJA, vale lembrar, na maioria dos casos, são educandos
desmotivados, desencantados com a escola regular. No
mais das vezes, trata-se de adolescentes com histórico de
repetência de vários anos. Muitos, ao integrarem esse novo
contexto, sentem-se perdidos, principalmente porque, em
geral, sua inserção nesse novo universo, o da EJA, se dá
mais por uma imposição da própria escola do que por uma
escolha autônoma e consciente (BRUNEL, 2004). Noutros
termos, esses estudantes são transferidos, em muitos
casos, arbitrariamente para a EJA, porque o ensino regular
já não os suporta mais, já que são vistos como alunos/as
problema, os que nada querem. Além da referida questão,
faz-se importante salientar que “fatores pedagógicos,
políticos, legais e estruturais fazem com que muitos jovens
procurem cada vez mais esta modalidade e a cada ano mais
precocemente” (BRUNEL, 2004, p. 19).
Nessa trama, os jovens são, na maioria dos casos,
vistos como os únicos responsáveis pelo desequilíbrio do
ambiente escolar. Notadamente, docentes e educandos/as
adultos/as e/ou idosos/as são tratados como vítimas desse
novo grupo que “invadiu” a EJA e descaracterizou a ordem
outrora estabelecida. Segundo Juarez Dayrell (2007),
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[...] para a escola e seus profissionais,
o problema situa-se na juventude, no
seu pretenso individualismo de caráter
hedonista e irresponsável, dentre outros
adjetivos, que estaria gerando um
desinteresse pela educação escolar. Para
os jovens, a escola se mostra distante dos
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
seus interesses, reduzida a um cotidiano
enfadonho, com professores que pouco
acrescentam à sua formação, tornando-se
cada vez mais uma ‘obrigação’ necessária,
tendo em vista a necessidade dos diplomas
(DAYRELL, 2007, p. 3).
Unidade
2
Frente a essa nova configuração, a repressão aos
modos inerentes de ser jovem tornou-se o recurso mais
utilizado pelas escolas de EJA. Tal postura encontrase presente até no tratamento dispensando pelos/as
estudantes mais velhos/as ao referido grupo. Em alguns
casos, é possível constatar atitudes de intolerância e até de
desavenças. “Alguns professores (e também alunos mais
idosos) parecem convencidos de que os jovens alunos da
EJA vieram para perturbar e desestabilizar a ordem supletiva
escolar” (CARRANO, 2007, p. 01).
Em relação aos conflitos geracionais, ressalta Carrano
(2007, p. 7):
[...] é importante que os educadores
percebam isso, pois, muitos dos conflitos
mal resolvidos existentes entre os jovens
entre si e entre estes e as instituições
são provocados pelas dificuldades de
tradução de sinais que não são decifrados
adequadamente pelos sujeitos envolvidos.
É nesta situação que se processa uma crise
de sentidos entre jovens, instituições e
sujeitos adultos. As instituições parecem
não perceber que não se pode educar
ou negociar valores na ausência de uma
linguagem em comum e de espaços
democráticos onde os conflitos possam
ser mediados.
Para as pessoas de mais idade, os jovens incomodam.
Suas brincadeiras e as músicas barulhentas, tocadas
ininterruptamente em seus celulares, atrapalham o raciocínio
e irritam. Os palavrões, as brincadeiras excessivas são, muitas
vezes, inoportunas e desnecessárias (DA CRUZ, 2011).
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Educação de jovens e adultos
De acordo com Andrade (2004),
[...] estes jovens, recém-chegados,
trazem consigo o que são como classe
social e também a sua cultura, e estas
transformações colocam em crise a oferta
tradicional da educação escolar, trazendo
sintomas de fracasso, mal-estar, conflito,
violência, dificuldade de integração,
conflitos geracionais e, sobretudo,
ausência de sentido da experiência escolar
e da incorporação a uma educação que não
foi pensada e nem feita para eles (p. 90).
Ainda segundo Andrade (2004),
[...] perceber os jovens do ponto de vista
da EJA revela uma condição marcada por
profundas desigualdades sociais. Nas
escolas de EJA estão os jovens reais, os
jovens para os quais o sistema educacional
tem dado as costas. Percebê-los significa
a possibilidade de dar visibilidade a
esse expressivo grupo que tem direito à
educação, contribuindo para a busca de
respostas a uma realidade cada vez mais
aguda e representativa de problemas que
perpassam o sistema educacional brasileiro
como um todo (p. 92).
Para Arroyo (2007), a escola, de modo geral, tem
uma capacidade extraordinária de excluir, “materializada na
organização da e na estrutura do sistema escolar” (p. 13).
Nessa direção, assegura Carrano (2000, p. 160),
As dificuldades em lidar com a diversidade
parece algo congênito na constituição da
ideia de escolarização. A homogeneidade
ainda é muito mais desejável à cultura
escolar do que a noção de heterogeneidade,
seja ela de faixa etária, de gênero, de classe,
de cultura regional ou ética.
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
[...] a escola impõe-se o desafio de
derrubar os muitos muros materiais
e simbólicos que foram construídos
ao longo da história e que, em última
instância, são os principais responsáveis
pelas interferências na comunicação entre
os jovens alunos, seus colegas mais idosos
e seus professores (2000, p. 155).
Para
saber
mais
sobre como os/as
adultos/as
enxergam e pensam sobre o papel da escola leia: BARRETO, J.
C. e V. Um sonho que
não serve ao sonhador.
In: BARRETO, J. C. e
V. Construção Coletiva: contribuições à
educação de jovens e
adultos. 2 ed. – Brasília: UNESCO, MEC, RAAAB, 2008. O referido
texto traz uma discussão interessante sobre
a construção social da
escola e a forma como
os estudantes mais
velhos, sobretudo, os
que frequentam o Primeiro Segmento da
EJA (da alfabetização
a 4ª série) pensam
sobre o papel da instituição escolar e sua
função social.
2
saiba mais
Unidade
Na ótica de uma parcela considerável de educandos/as
mais velhos/as, a escola é lugar de estudar: fazer as atividades;
ouvir atentamente as explicações dos/as professores/as,
enfim, lugar de silêncio e respeito (DA CRUZ, 2011). No
entanto, para os/as mais jovens, “aqueles/aquelas que vão à
escola apenas para conversar e fazer algazarras”, como diz
o senso comum, a escola, além de ser o lugar de estudar,
é também um lugar de encontros, de fazer amigos, de se
divertir nas rodas de conversa, enfim, é também lugar de
namorar. Segundo Hernández e Weiss (2009, p. 3) “o espaço
de convivência entre os jovens na escola é sem dúvida um
espaço de sociabilidade” (Tradução nossa). Noutros termos,
a escola para os/as mais jovens é também um espaço de
convivência, de se fazer e viver laços de amizades.
A escola, enquanto instituição escolar, não tem
conseguido suprir as necessidades apresentadas pelos/as
educandos/as que se encontram na EJA. Para Carrano,
Mesmo percebendo que a escola continua a manter
uma postura ainda pouco flexível, Dayrell (2007) garante
que é incontestável o desmoronamento dos muros que
garantiam uma autonomia das instituições (dentre elas,
a escola). É difícil distinguir o dentro e o fora, com os
contornos cada vez mais tênues. Assim, pode-se afirmar que
a escola assiste a um “ruir dos seus muros”. Para o autor,
o fator determinante para esse ruir foi e é o processo de
massificação da escola pública, que significou a superação
das barreiras que antes impediam as camadas populares de
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Educação de jovens e adultos
frequentarem-na. No entanto,
[...] se a escola se tornou menos desigual,
continua sendo injusta. E assim é, devido,
em grande parte, ao fato da escola e seus
profissionais ainda não reconhecerem
que seus muros ruíram, que os alunos
que ali chegam trazem experiências
sociais, demandas e necessidades próprias.
Continuam lidando com os jovens com
os mesmos parâmetros consagrados por
uma cultura escolar construída em outro
contexto (DAYRELL, 2007, p. 22-23).
A questão que mais chama a atenção nessa relação
estabelecida, de modo geral, entre a escola e os jovens é,
sobretudo, a forma com que a escola trata tais sujeitos.
A ideia de homogeneizar o atendimento aos estudantes
descaracteriza sua condição juvenil, ou seja, suas identidades.
“Os jovens estão pedindo que não querem ser tratados como
iguais, mas, sim, reconhecidos nas suas especificidades,
o que implica serem reconhecidos como jovens, na sua
diversidade” (DAYRELL, 2007, p. 23). Acredita-se, ao
demonstrar pouca e/ou nenhuma intolerância em relação
aos modos de ser jovem na escola de EJA, tal indiferença
tende a alimentar a distância entre os/as estudantes mais
velhos com os mais novos, aumentando, desse modo, os
conflitos entre as gerações que frequentam os mesmo
espaços educacionais, as escolas de EJA.
Em meio a tantas situações, nota-se que as escolas de
EJA não têm conseguido lidar com as especificidades dos
estudantes adultos, tampouco com as que são apresentadas
pelo público mais jovem. Fatores que a princípio poderiam
ser citados como aspectos positivos, como, por exemplo, a
diferença etária dos grupos que a frequentam, são na maioria
dos casos, compreendidos como negativos. Pensar os sujeitos
da EJA levando em consideração a sua concretude, ou seja,
reconhecendo-os como pessoas ativas na sociedade em que
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
vivem, talvez seja a questão mais urgente que os programas
de educação, voltados ao público das pessoas jovens, adultas
e/ou idosas precisam contemplar (DA CRUZ, 2011).
você sabia?
Você já percebeu que a escola de educação de jovens
e adultos tem sido um espaço ocupado por uma maioria
de pessoas do sexo feminino? Pois, então, de modo geral,
trata-se de mulheres que exercem algum tipo de atividade
no campo do trabalho, seja ela remunerada ou não. Muitas,
ao retornarem à escola para (re) começar seus estudos se
veem de frente a obstáculos muitas vezes intransponíveis.
Nesse sentido, levando em consideração o tamanho do
desafio que é para as mulheres frequentarem a escola, é que
consideramos importante levantar, neste ensaio, algumas
questões que têm, de forma imperativa, maximizado a
dificuldade que o referido grupo enfrenta cotidianamente
para permanecer na escola.
Você sabia que as mulheres representam a
maioria das matrículas
na Educação de Jovens
e Adultos?
Unidade
Jovens e Adultos
2
2.1 As relações de gênero e a Educação de
Segundo
dados
da
Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio
(PNAD), publicados em
2009, no que se refere
à análise por sexo, do
total daqueles que frequentavam em 2007
ou que frequentaram
anteriormente a EJA,
53% eram mulheres e
47%, homens.
Figura 2.2. Classe da EJA (SiLVA, 2010, p.66).
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Educação de jovens e adultos
Ao pensar nas adversidades que as mulheres
notadamente precisam lidar, é importante destacar os
conflitos conjugais gerados por essa tomada de decisão,
a de ser estudante a certa altura da vida. Para uma parcela
considerável desse grupo, o retorno à escola se dá em meio a
muitas divergências. Algumas, para não desistirem da escola,
põem em risco até o relacionamento afetivo de anos (DA
CRUZ, 2011). De acordo com Silva (2010), na maioria das
vezes, as mulheres que vivem em união estável, para estudar
na EJA pedem a seus companheiros permissão para voltar
aos estudos. Ao receberem o incentivo, “não dão conta de
que, da forma como esse incentivo é expresso pelos homens,
está subentendido que há, por parte deles, uma concessão”
(p. 75), sem a qual, certamente, o retorno e, sobretudo, a
permanência na escola seria ainda mais difícil de ocorrer.
Nesse sentido, acredita-se que, para as mulheres,
sobretudo as que trabalham fora de casa, suas dificuldades
em permanecer na escola, em relação aos homens, são
significativamente ampliadas. Além do ciúme do marido, do
cansaço da jornada de um dia inteiro de trabalho, precisam
também dar conta dos afazeres domésticos (DA CRUZ,
2011).
Ao contrário dos homens, as mulheres precisam
conciliar trabalho remunerado (o fora de casa), trabalho
não remunerado (o doméstico), a escola e a quantidade
de atividades vinculadas a ela. Nesse caso, permanecer na
escola para as mulheres da EJA, na maioria das vezes, é ter
que excluir de sua vida cotidiana momentos importantes,
como os de lazer e/ou a vivência com os familiares, por
exemplo. Além de tudo que já foi explicitado, é provável que
tais mulheres não tenham condições de sistematizar o que
se aprende na escola, pois sua vida resume-se em trabalhar,
cuidar da casa, dos/as filhos/as, dos afazeres domésticos
e frequentar a escola, o que seria uma das especificidades
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
mais evidentes entre as mulheres provenientes das classes
populares que estudam na EJA (DA CRUZ, 2011).
2.2 A diversidade sexual e a Educação de
2
Jovens e Adultos
Unidade
Os educandos que buscam na educação de jovens
e adultos a escolarização são pessoas que, em sua grande
maioria, já têm suas identidades formadas. De alguma forma,
tiveram em suas trajetórias humanas, orientação sexual e, em
grande medida, buscam, nas relações sociais, assumir suas
identidades sexuais nos espaços cotidianamente vivenciados.
Todavia, não são raras as situações em que nos
deparamos nas escolas de EJA com estudantes praticando
atos de intolerância sexual com colegas da escola. Tal
comportamento existe, de acordo com Altman e Martins
(2007, p. 136), porque,
Cada cultura constrói significados para
as diferenças corporais, e a nossa coloca
o sexo biológico na origem do gênero
e da sexualidade. Em outras palavras,
compreendemos o sexo biológico como
definidor de alguém ser homem ou mulher
e também de sua orientação sexual.
Ainda segundo os mesmos autores,
O gênero e a sexualidade não podem
ser
explicados
por
determinismos
biológicos. A biologia por si só não
explica a maneira como nos construímos
homens e mulheres, tampouco a forma
como vivenciamos a sexualidade. Essas
experiências são construídas culturalmente
e historicamente. A própria definição seja
natural está sujeita a variantes (p. 137138).
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Educação de jovens e adultos
Cabe à escola, enquanto espaço de produção de
conhecimentos, promover debates para que a diversidade
sexual seja reconhecida e legitimada por toda a comunidade
escolar. Por defendermos que é válida toda tentativa que
busca desconstruir o “discurso que estabelece o que é normal
e o que é anormal. Via de regra, em nossas sociedades, o
discurso normativo opera naturalizando o que visa a instruir
como normal e desnaturalizando o que pretende considerar
anormal” (ALTMAN; MARTINS, 2007, p. 138). Dito de
outra forma,
As normas regulatórias do sexo, por
meio das instituições e seus especialistas,
trabalham a maneira a estabelecer a
materialidade do sexo nos corpos,
concretizando a diferença sexual a
serviço da padronização heterossexual.
Essa padronização heterossexual impõe
que todos, independentemente de suas
diferenças, de suas variações anatômicas
e fisiológicas, e de seus desejos e afetos,
enquadrem-se na norma masculina ou
feminina. Por outro lado, faz com que
aqueles que nela não se enquadram
passem automaticamente para o campo
da anormalidade (ALTMAN; MARTINS,
2007, p. 141-142).
Tais relações, tratadas pelo viés da padronização
da sexualidade, tendem a potencializar os conflitos entre
os que defendem a heterossexualidade e os que lutam
pelo reconhecimento da diversidade sexual. A busca pela
homogeneização da heterossexualidade tende a maximizar
as relações de intolerância entre os diversos grupos que
ocupam os espaços escolares.
Nesse sentido, é importante destacar o papel do
docente para esse contexto, se pudermos conceber o papel
do professor como não sendo apenas um agente a serviço da
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
Unidade
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normalização – aquele que professa e prescreve conteúdos
e valores verdadeiros e inquestionáveis de um suposto
saber absoluto – talvez possamos concebê-lo como um ator
social operando no interior dessa rede de saberes e poderes.
Nessa direção, vale destacar o que dizem e pensam Altman
e Martins (2007, p. 148), a respeito do papel do professor
acerca desse assunto
Os professores podem jogar o seu
delicado papel de permutador da realidade
social, pois eles se encontram em pontos
de cruzamento privilegiados entre o
que é ‘certo’ e o que é ‘errado’, entre o
que é ‘normal’ e o ‘anormal’, o ‘natural’
e o ‘antinatural’, o ‘científico’ e o ‘não
científico’, enfim, entre o ‘verdadeiro’
e o ‘falso’. Portanto, é quanto ao seu
posicionamento no campo da ‘política da
verdade’ que o educador joga seu decisivo
papel como ator social.
Atitudes de intolerância sexual têm marginalizado
um número considerável de pessoas que poderia estar
frequentando as escolas de EJA. Dados da pesquisa, realizada
no ano de 2009, pela Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (FIPE), vinculada à Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de
São Paulo (USP) juntamente com o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)
ratificam a necessidade da implementação de políticas
educacionais cada vez mais contundentes nas ações de
enfrentamento ao preconceito sexual dentro dos ambientes
escolares, para oportunizarem a inclusão dos grupos
discriminados e ajudar a construir uma sociedade que não
somente tolera, como também aceita as pessoas como elas
são. O referido trabalho apontou a presença da intolerância
à diversidade sexual na sociedade brasileira e, em especial, na
escola (SILVA, 2010).
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Educação de jovens e adultos
saiba mais
LGBTT é o movimento de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis
e Transexuais.
No que tange à EJA, as informações sobre o
analfabetismo e a baixa escolarização da população LGBTT
são inquietantes, visto que verificam-se dificuldades de
consolidação de políticas educacionais tanto no que se refere
ao acesso, quando no que tange à permanência dessas pessoas
nas escolas. Não são raros os relatos nos quais homossexuais,
transexuais e travestis são hostilizados nos espaços escolares,
sobretudo nos momentos e locais nos quais os educadores e
educadoras não estão presentes: recreio, pátio, banheiros etc.
(SILVA, 2010).
Nessa trama, é importante destacar ainda o uso da
expressão opção sexual. Entendemos que, em se tratando
da sexualidade dos sujeitos, não é possível dizer que as
pessoas possam sempre fazer escolhas de suas preferências
sexuais. Nesse sentido, a expressão, também, é carregada
de significados que precisam ser melhor compreendidos
(SILVA, 2010). A despeito disso, vale aqui chamar a atenção
ainda para a forma como o docente que atua, sobretudo,
na EJA se posiciona frente aos debates que tematizam a
diversidade sexual. Haja vista que o nosso posicionamento
como professor/a pode contribuir para o combate ao
preconceito, a discriminação, ou infelizmente, reforçá-los.
Reflita profundamente e seriamente sobre essa questão!
2.3 As relações étnico-raciais e a Educação de
Jovens e Adultos
Os debates em torno das relações étnico-raciais são
de longa data. Nos primeiros vinte anos da República, foram
realizadas experiências alternativas na área de educação
visando a construir espaços para a valorização da identidade
racial e cultural de estudantes negras e negros e, ainda,
fornecer a essa população possibilidades de integração social.
No entanto, somente a partir do final da década de 1970 é que
as organizações negras começaram a questionar a instituição
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
Unidade
2
escolar, consequência da valorização da cultura e identidade
negras iniciadas nas décadas de 1940, 1950, 1960 (SILVA,
2010).
No final da década de 1970, foram criadas entidades
tais como o Movimento Negro Unificado – MNU (1978);
o Grupo de Consciência Negra – GRUCON (1979); bem
como inúmeras outras entidades negras, vinculadas a igrejas,
sindicatos, partidos políticos e associações culturais e é no
interior dessa movimentação que a educação ressurgiu como
campo de luta e reivindicação (SILVA, 2010).
Vale lembrar, o racismo e suas consequências no
Brasil possuem uma história de longa duração. Muito
embora possamos, no campo educacional, apontar muitos
avanços: a homologação da lei 10.639/03, a aprovação,
pelo CNE, das Diretrizes Curriculares para Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História
e Cultura Africanas e Afro-brasileiras (SILVA, 2010) e,
ainda, no governo, de Luiz Inácio Lula da Silva, a criação
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade (Secad), no Ministério da Educação, além da
formulação de políticas afirmativas que buscam promover a
igualdade, a equidade e a justiça social.
Acreditamos que à escola cabe o papel, enquanto
agente de transformação sociocultural, discutir e, sobretudo,
problematizar por meio de sua ação político-pedagógica
questões que dizem respeito ao reconhecimento de direitos
que, por séculos, estiveram à margem de determinados
grupos étnicos. Tratando-se de EJA, tal responsabilidade
ganha contornos ainda mais imperativos, já que
As pessoas que frequentam o segmento
de educação voltado aos jovens e adultos,
antes de serem estudantes da EJA, são
atores sociais que, cotidianamente, ajudam
a construir – social e culturalmente – a
sociedade na qual se encontram inseridos
(DA CRUZ, 2011, p. 50).
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Educação de jovens e adultos
Nesse sentido, torna-se ainda mais urgente a
problematização por parte das escolas de EJA acerca da
temática.
Figura 2.3. Fonte: www.brasilescola.com
Segundo Silva (2010), a ausência de uma reflexão
séria sobre o racismo existente na escola sempre foi apontada
pelos grupos do movimento negro brasileiro como um dos
fatores que contribuem para que a sua reprodução continue
condicionando a trajetória escolar de milhares de estudantes
negros e negras.
Mesmo reconhecendo que há muitos
avanços para comemorar, ainda é preciso
lançar luzes nas profundas lacunas e na
necessidade de combater o racismo e à
discriminação racial que se materializa
no cotidiano da escola. Para aplacar a
perversidade do racismo no interior
das instituições de educação, torna-se
necessário uma intervenção pedagógica,
visto que não é mais possível o
silenciamento diante das discriminações
veladas ou não! (SILVA, 2010, p. 98).
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
Unidade
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Em relação à educação de pessoas jovens, adultas
e/ou idosas, vale destacar que, o referido segmento é
composto, sobretudo, por pessoas que tiveram negados
direitos básicos, como o de frequentar e o de permanecer
em uma escola e ter condições materiais de prosseguirem
o processo de escolarização básica. São mulheres e homens
pobres, em sua maioria, afrodescendentes, atores/atrizes
sociais que, não sem resistência, através de sua própria
organização, buscam/buscaram a garantia do cumprimento
de seus direitos sociais e políticos, por meio de sua inserção
no processo educativo. Ressalta-se que
A temática racial ganhou espaço
significativo na produção acadêmica em
várias áreas do conhecimento, nas últimas
décadas. Além disso, com a implantação
da lei 10639 que determinou a inserção da
história e cultura africana nos currículos
escolares, está em curso uma mudança de
perspectiva nos cursos de formação de
professores/as (SILVA, 2010, p. 99).
De acordo com Silva (2010), faz-se importante
salientar que muito pouco se abordou, ao longo da história
da educação brasileira, as trajetórias e os aspectos que
valorizassem os homens e mulheres, negros e negras, que
ajudaram a construir a cultura e a riqueza do País.
A instituição escolar, ao longo dos últimos anos,
atuou de forma negligente quanto à temática racial. No mais
das vezes, a discussão acerca da temática, lamentavelmente,
priorizava, apenas, a discussão em torno da escravidão e da
abolição da escravatura (GOMES, 2005).
Por isso, a importância de integrar às propostas
pedagógicas a temática racial. Na medida em que
a escola faz a opção pela construção de
uma sociedade mais justa, fraterna e
igualitária, faz do ambiente e do cotidiano
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Educação de jovens e adultos
escolar um espaço privilegiado de combate
ao racismo, ao sexismo, ao machismo e à
toda e qualquer forma de discriminação
(SILVA, 2010, p. 100).
Desfazer as distorções, alastradas ao longo do tempo,
não é tarefa fácil. Existem várias ações em movimento que
almejam propagar a outra vertente dessa mesma história.
Além das expressivas ações governamentais que buscam
promover ações concretas de combate ao racismo na
educação brasileira, subsidiando professores e professoras
com informações e conhecimentos estratégicos para o
enfrentamento desta questão, verificam-se, também, várias
produções teóricas e acadêmicas em torno dessa questão
(SILVA, 2010).
Outro aspecto que envolve a discussão aqui proposta
diz respeito às questões que envolvem os povos indígenas.
Assim como a história dos negros, a história dos indígenas
também precisa ser reescrita, tendo em vista que a que
conhecemos e a discutimos nas escolas sob a ótica dos
colonizadores, por isso a importância de se criar condições
e espaços para que a temática seja debatida. Para tal, foi
criada a Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008, que obriga as
escolas brasileiras a inserirem em seu currículo, a História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena.
A intenção proposta nesta reflexão é chamar a atenção
do/a futuro professor/a e/ou daquele/a que já exerce a nobre
função, sobre a importância de reconhecer o estudante da
EJA a partir de sua concretude e, sobretudo, ressaltar a
necessidade da escola em aprofundar determinados debates,
como por exemplo, o que envolve as questões étnicas. De
acordo com a Silva (2010, p. 106-107),
Enquanto o processo de longa duração
continua, fato é que continuamos a lidar
com suas nuanças no fazer pedagógico,
no ser professor, no ser estudante jovem
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
Unidade
2
e adulto, nas propostas pedagógicas,
nos materiais e rituais pedagógicos que,
ora escondem, ora revelam arestas e não
ditos do racismo, escondidos em camadas
profundas dos fios que tecem relações
sociais desiguais e condicionam vidas de
maneira dolorosa. Ao fim, o que sabemos
é que o tratamento dispensado ‘aos pretos,
aos quase pretos e aos tornados pretos
de tão pobres’ ainda é um tratamento de
profunda desigualdade, não sendo surpresa
o fato de que parte dessa população que foi
deixada sem ler e escrever constitui hoje o
público da EJA, quase toda preta!
Posto isso, vale lembrar que promover a igualdade
entre as diferentes etnias é, acima de tudo, reconhecer
que a sociedade é diversa e que sua diversidade ocorre de
forma mais expressiva através da cultura que cada grupo
internalizou por meio de um longo processo de convivência.
2.4 A religiosidade e Educação de Jovens e
Adultos
A religiosidade é uma questão que se encontra
muito presente na vida cotidiana das classes populares e,
por conseguinte, entre os/as estudantes que frequentam
as escolas de EJA. O debate em torno da referida temática
torna-se necessário tendo em vista a postura, histórica, da
escola frente a tal discussão. Sem o devido debate, é possível
que muitos preconceitos tendam a ser perpetuados e, nesse
caso, com a colaboração da própria escola.
A manifestação religiosa na Educação de
Jovens e Adultos – EJA – não se restringe
à presença de sujeitos nos cursos de
alfabetização, nem na participação de
instituições religiosas na formação de
novos leitores. Além de estar presente
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Educação de jovens e adultos
na rede de significados de educadores/
as e educandos/as, em símbolos e nomes
de estabelecimentos educativos, ela
irrompe no contexto escolar em situações
nas quais indivíduos, investidos de
identidades religiosas fundamentalistas,
sentem que seus valores e crenças estão
sendo ameaçados pelos ritos, pelos
conhecimentos e pelas práticas escolares
(SILVA, p. 108).
Comumente os meios de comunicação, bem como
os próprios livros utilizados nas escolas, ao se reportarem
a questão religiosa, seja nas aulas de história ou ciências
sociais, tendem a direcionar a atenção à Igreja Católica,
no mais das vezes, posta como “A Igreja” e/ou as igrejas
protestantes. Com isso, ficam marginalizadas centenas de
igrejas evangélicas, como as pentecostais, as neopentecostais
e as afro-brasileiras: umbanda e candomblé (VALLA, 2001).
Não há como negar a necessidade de se discutir e, ao
mesmo tempo, direcionar os debates em torno da temática
religiosidade na EJA. Sabe-se também que, apesar de ser tão
presente na educação de pessoas jovens e adultas, segundo
Di Pierro (2005), essa temática é pouco debatida nos meios
acadêmicos. Os cursos de formação e os fóruns de EJA,
embora destaquem a necessidade de se conhecer o público
ao qual se destina o fazer pedagógico dessa modalidade
educacional, não têm se dedicado a essa importante dimensão
humana, orientadora não somente de princípios e valores,
mas também produtora de normas e de condutas.
De acordo com Silva (2010), a inexistência da
problematização da referida questão ajuda a escola repetir
o que já se encontra cristalizado socialmente, ou seja, que
o campo religioso brasileiro é dividido em duas linhas:
“deste lado da linha”, encontram-se as práticas religiosas
consideradas autênticas e “do outro lado da linha”, as
práticas religiosas degeneradas, classificadas, muitas vezes,
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Unidade
2
como práticas primitivas e irracionais.
Segundo Valla (2001), muitos educadores/as acabam
não percebendo que a religiosidade, além de fazer parte
da realidade de muitos brasileiros, é um eixo organizador
importante das camadas populares. Sendo o código cultural
que o povo domina, a religião popular é, em parte, responsável
tanto pelo modo de ser e de pensar quanto por crenças e
por esperanças de uma parte significativa das pessoas. Daí
a necessidade de se estudar a questão da religiosidade no
contexto escolar.
A questão religiosa pode até não parecer, mas é
também uma importante especificidade dos/as educandos/
as jovens e adultos/as. Isso pode ser notado especialmente
em turmas de alfabetização. Nessa etapa de escolarização,
há, normalmente, um número expressivo de estudantes
que não escondem que a principal razão para (re) iniciar
o Ensino Fundamental foi o desejo de ler a Bíblia (SILVA,
2010). Nessa medida, o/a professor/a deve lembrar que em
suas salas estão presentes pessoas portadoras de identidades
já formadas, as quais, boa parte delas já fez suas escolhas
religiosas.
Assim, ao abordar o tema religião, o/a docente
precisa se atentar para a postura adotada por ele/ela, frente
à referida discussão, pois a depender do posicionamento, é
provável que a indiferença, a intolerância a certos grupos
religiosos possa ser fortalecida. Se não houver sensibilidade
quanto ao tratamento da questão anteriormente mencionada,
as relações sociais e, por isso mesmo, relações de poder,
tendem a invisibilizar grupos como os de raízes africanas, os
Kardecistas, entre outros (SILVA, 2010).
É importante salientar, ainda, que as especificidades
acima destacadas precisam estar contempladas não somente
nos projetos pedagógicos, burocraticamente, mas, sobretudo
nas ações pedagógicos que se desenvolvem no interior das
escolas.
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Educação de jovens e adultos
ATIVIDADES
ATIVIDADES
A
TI
1. “A EJA tem que ser uma modalidade de educação para
sujeitos concretos, em contextos concretos, com histórias
concretas, com configurações concretas [...]” (ARROYO,
2007).
Tomando como ponto de reflexão a fala do citado
autor, associado à discussão provocada pelo texto acima,
o que você entende por “reconhecer os sujeitos da EJA
em sua concretude”? Discorra a respeito e em seguida
debata com os/as colegas de sala.
O texto de Arroyo intitulado, Balanço da EJA: o que
mudou nos modos de vida dos jovens-adultos populares?
REVEJ@ - Revista de Educação de Jovens e Adultos,
on-line, v. 1, n. 0, agosto de 2007. Disponível em: http://
www.reveja.com.br/revista, pode ajudar nessa reflexão.
2. Reflita, pesquise e responda.
Reflita
Esses/as educandos/as, os da EJA, precisam ser vistos
e compreendidos a partir das marcas que suas trajetórias
humanas deixaram sobre cada um/a deles/as; pois, sem
compreender as primeiras, talvez, suas trajetórias escolares
jamais sejam compreendidas (ARROYO, 2009).
Pesquise e responda
a) De acordo com Di Pierro (2008), entre a América
Latina e o Caribe, apenas Cuba e Uruguai possuem
profissionais qualificados para atuar na EJA. Nessa
medida, acredita-se que a prática pedagógica
“inadequada”, muitas vezes infantilizada, dispensada
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
Unidade
2
ao público que frequenta a educação voltada às pessoas
jovens, adultas e/ou idosas é reflexo da insuficiência
de políticas públicas de formação do docente que
trabalha na referida modalidade. Partindo desse
suposto, faça uma pesquisa com os/as professores/as
que atuam em EJA em sua escola/cidade/município
e veja se eles/elas têm/tiveram formação específica
(especialização/formação continuada, entre outras)
para trabalharem na referida modalidade educacional.
Pergunte ainda aos/às mesmos/as o que eles/elas
entendem por especificidades, ao se referirem à
demanda que estuda na EJA.
Ao final, a atividade deve ser concluída com um
relatório, o qual deve ser entregue ao tutor e será
uma das atividades avaliativas.
b) Analise as Propostas Pedagógicas de escolas que
atendem pessoas jovens, adultas e/ou idosas e, a
partir das reflexões provocadas pela leitura do texto
desta unidade, avalie em que medida estas propostas
contemplam as especificidades dos referidos sujeitos.
Após o levantamento das informações, a atividade
deve ser concluída com um debate em sala, no qual
será problematizada, à luz das leituras realizadas nesta
unidade, a realidade de cada Proposta Pedagógica.
c) Faça uma resenha crítica do texto
“Um sonho que não serve ao sonhador”.
(BARRETO, José Carlos e Vera. Um sonho que
não serve ao sonhador. In: Construção Coletiva:
contribuições à educação de jovens e adultos. 2 ed. –
Brasília: UNESCO, MEC, RAAAB, 2008).
Nesse exercício, busque identificar as marcas sociais
que os sujeitos da EJA, sobretudo os que frequentam
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Módulo 6 I
Volume 3
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Educação de jovens e adultos
as salas de alfabetização, carregam consigo. Por
conseguinte, analise criticamente qual tem sido
historicamente o atendimento da instituição escolar
dispensado a esse grupo social.
A resenha deve ser entregue ao tutor/a e conter no
máximo duas laudas.
RESUMINDO
RESUMINDO
R
RE
SU
U
Nesta unidade, você estudou:
1. O conceito de Educação de Jovens e Adultos;
2. O sujeito da EJA e suas especificidades: etária; de gênero;
sexual; étnico-racial e religiosa.
A partir dessa discussão, espera-se que você reconheça
que a especificidade do/a estudante da EJA extrapola sua
condição de aluno/a-trabalhador/a. Outro aspecto é o
reconhecimento de que ser professor/a da educação de
jovens e adultos não é tarefa assim tão fácil, tendo em vista
o grau de complexidade apresentado pelas especificidades
inerentes aos referidos sujeitos.
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Pedagogia
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
Unidade
2
ALCOFORADO, J. L. M. Competências, Cidadania e
Profissionalidade: limites e desafios para a construção de
um modelo português de educação e formação de adultos.
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da Educação, Universidade de Coimbra, 2008.
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no cotidiano escolar. In: CAMARGO, A. M. F. de e
MARIGUELA, M. (orgs.) Cotidiano escolar – emergência
e invenção. Piracicaba: Jacintha Editores, 2007.
ANDRADE, E. R. A Educação de Jovens e Adultos e os
jovens do “último turno”: produzindo outsiders. Faculdade
de Educação da UFF/ Niterói – RJ. Tese de Doutorado,
2004.
ARROYO, M. Imagens Quebradas: trajetórias e tempos de
alunos e mestres. 5. ed. Petrópolis – RJ: Vozes, 2009.
______________. A educação de Jovens e Adultos em tempo
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contribuição à educação de jovens e adultos. Brasília, MEC/
UNESCO, 2008.
______________. Balanço da EJA: o que mudou nos modos
de vida dos jovens-adultos populares? in: REVEJ@ - Revista
de Educação de Jovens e Adultos, on-line, v. 1, n. 0, agosto
de 2007. Disponível em: http://www.reveja.com.br/revista.
______________. A Educação de Jovens e Adultos em
tempos de exclusão. In: PAIVA, J.; MACHADO, M. M.;
IRELAND, T. Educação de jovens e adultos: uma memória
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Módulo 6 I
Volume 3
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22/05/2012 11:18:22
Educação de jovens e adultos
contemporânea 1996-2004. Brasília, DF: MEC, 2004.
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BRUNEL, C. Jovens cada vez mais jovens na educação de
jovens e adultos. Porto Alegre: Mediação, 2004.
CARRANO, P. C. R. Educação de Jovens e Adultos
e Juventude: o desafio de compreender os sentidos da
presença dos jovens na escola da “segunda chance”. Palestra
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______________. Identidades Juvenis na Escola.
Alfabetização e Cidadania – Revista de Educação de Jovens
e Adultos, n. 10, jul., 2000.
DA CRUZ, N. C. Trajetórias Ininterruptas de Estudantes
da EJA no Ensino Fundamental: casos pouco prováveis.
Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação – FaE/
UFMG, Belo Horizonte, 2011.
DAYRELL, J. A escola “faz” as juventudes? Reflexões em
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DI PIERRO, M. C. Educação de jovens e adultos na
América Latina e Caribe: trajetória recente. in: Cadernos
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DUBET, F. O que é uma escola justa? in: Cadernos de
Pesquisa, v. 34, n. 123, p. 539-555, set. /dez. 2004.
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Pedagogia
EAD
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
______________. Quando o sociólogo quer saber o que é
ser professor: entrevista com François Dubet. in: Revista
Brasileira de Educação, São Paulo, n. 5, mai./ago. 1997, p.
222-231.
Unidade
2
GADOTTI, M. Educação de Jovens e Adultos: correntes
e tendências. In: GADOTTI, M. Educação de Jovens e
Adultos: teoria, prática e proposta. 9. ed. São Paulo: Cortez
– Instituto Paulo Freire, 2007.
GOMES, N. L. Educação de Jovens e Adultos e questão
racial: algumas reflexões iniciais. In SOARES, L. e
GIONVANETTI, M. A.G. de C. e G., N. L. (Orgs.)
Diálogos na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte:
Autêntica, 2005.
HADDAD, S. Por uma nova cultura na Educação de
Jovens e Adultos: um balanço de experiências de poder
local. Editora Global e Ação Educativa. Outubro de 2007.
______________. Tendências atuais da Educação de Jovens
e Adultos no Brasil. In: HADDAD, S. Encontro latinoamericano sobre Educação de Jovens e Adultos trabalhadores.
Olinda, 1993. Anais do Encontro latino-americano sobre
Educação de Jovens e Adultos trabalhadores. Brasília:
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1994.
HERNÁNDEZ, J., Weiss., E. Amor y sexualidad entre
jóvenes de la educación media en México, Ponencia, in:
VI Jornadas en Investigación, Universidad Nacional
de Córdoba, Argentina, 1 al 3 de julio del 2009 (versión
electrónica).
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Módulo 6 I
Volume 3
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Educação de jovens e adultos
MACHADO, M. M. O aluno de EJA. In MACHADO, M.
M. Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Série O estado
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Comped– 2002.
OLIVEIRA, A. C. de. Entre os muros da escola: uma
aproximação entre literatura e cinema. in: Revista
Espaço Acadêmico - revista multidisciplinar. (on-line) Departamento de Ciências Sociais - Universidade Estadual
de Maringá (UEM), n. 100, ano IX, set. 2009. Disponível em:
<http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/
article/viewPDFInterstitial/7953/4565>. Acesso em 10 out. 2009.
OLIVEIRA, I. B. de. Organização Curricular e Práticas
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PAIVA, V. P. Educação popular e educação de adultos. São
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REIS, S. M. A. de O. A inserção dos egressos da educação
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emancipação. Belo Horizonte – MG. Universidade Federal
de Minas Gerais, 2009. (Dissertação de Mestrado).
SANTOS, E. P. As Interrupções na Educação de Jovens
e Adultos e o seu Desvelamento: Um Estudo de Caso
na Escola Municipal Frei Calixto. Faculdade de Psicologia
e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra/
Portugal, 2011. (Dissertação de Mestrado).
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Pedagogia
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As especificidades do sujeito da educação de jovens e adultos
SILVA, J. A. da. Um estudo sobre as especificidades dos/
as educandos/as nas propostas pedagógicas de educação
de jovens e adultos – EJA: tudo junto e misturado!
Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais/
Faculdade de Educação, 2010 (Dissertação de Mestrado).
Unidade
2
SOUSA, J. M. O olhar etnográfico da escola perante a
diversidade cultural. PSI – in: Revista de Psicologia Social
e Institucional, v.2, n. 1, p.107-120, 2000.
VALLA, V. V. Religião e cultura popular. Rio de Janeiro:
D&P, 2001.
UESC
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Módulo 6 I
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Suas anotações
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3ª
unidade
FUNDAMENTOS TEÓRICOSMETODOLÓGICOS DA EJA
OBJETIVOS
Ao final desta unidade, o (a) estudante deverá
 compreender as premissas que fundamentam a
andragogia;
 identificar as diferenças entre a andragogia e a
pedagogia;
 compreender as contribuições fornecidas pela
andragogia e pela pedagogia à prática
pedagógica.
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Fundamentos teóricos-metodológicos da EJA
1 INTRODUÇÃO
Unidade
3
Nesta unidade, discutiremos sobre alguns
antecedentes históricos da educação de adultos, a andragogia
e suas bases, o modelo andragógico preconizado por
Malcolm S. Knowles, que é considerado um dos grandes
expoentes desse campo. Esse estudioso elabora, também,
um quadro com as características e implicações da Teoria
de Aprendizagem dos Adultos, o qual estará, no final dessa
Unidade, disponível para você.
Compreenda que não temos a pretensão de esgotar
a discussão sobre essa temática, perceba o que está aqui
disposto como indícios para sua caminhada de estudos
sobre a Educação de Adultos.
2 ALGUNS ANTECEDENTES HISTÓRICOS
ACERCA DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS
Você sabia que, desde a antiguidade, todos grandes
mestres, tais como Confúcio e Lao Tse, na China; Aristóteles,
Sócrates e Platão, na Grécia; Cícero e Quintilien, em Roma,
interessaram-se pela educação de adultos e não de crianças?
Pois, então, para eles, a aprendizagem era um processo de
investigação ativa e não um processo de recepção passiva
de um determinado conteúdo. Isso não lhe faz lembrar
Paulo Freire, quando fala sobre a “concepção libertadora da
educação?”
Voltemos, esses mestres desenvolveram técnicas que
permitiram a participação ativa dos estudantes no processo
de investigação (KNOWLES, 1990).
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Módulo 6 I
Volume 3
saiba mais
Para saber mais sobre
as bases da concepção
libertadora leia a unidade IV
Boa leitura!
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Educação de jovens e adultos
saiba mais
PARA SABER MAIS SOBRE CURRÍCULO, LEIA:
SILVA T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às
teorias do currículo. 2
ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
saiba mais
Saiba que, apesar dessa herança milenar ainda não
tínhamos, até recentemente, teorias, estudos e escritos
sobre a educação de adultos. O modelo que predominava
tem bases na pedagogia, sob o qual os educadores erigiram o
currículo e desenvolveram suas práticas educativas.
As escolas surgiram na Europa, no início do século
VII, e, originalmente, destinavam-se à educação de crianças,
principalmente de jovens rapazes, a fim de prepará-los para
o sacerdócio. Por essa razão, foram denominadas escolas
religiosas.
PARA SABER MAIS SOBRE AS IDEIAS PEDAGÓGICAS NO BRASIL:
SAVIANI D. História
das ideias pedagógicas no Brasil. 3 ed.
Campinas: Autores Associados, 2010.
Figura 3.1 - Escola monástica europeia.
Fonte: http://turma56ebiah.blogspot.com.br/2011_03_01_
archive.html
As escolas monásticas europeias se tornaram
dominantes entre os séculos VII e XII, quando surgiram
as primeiras universidades: a primeira, em Bolonha (Itália)
no final do século XI, e depois em Paris, no século XII
(KNOWLES, 1980). Tal evento propiciou o nascimento de
outras universidades na Europa. Dessa forma, estendeu-se
todo sistema pedagógico desenvolvido nas escolas para as
universidades.
O termo pedagogia tem sua origem no grego: paid
= criança e agogus = conduzir, guiar. Assim, pedagogia
significa, literalmente, a arte e a ciência de ensinar crianças.
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Fundamentos teóricos-metodológicos da EJA
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Módulo 6 I
Volume 3
Unidade
3
Segundo Knowles (1980), os pressupostos
pedagógicos sobre ensinar e aprender foram, inicialmente,
baseados em observações de monges que ensinavam às
crianças pequenas habilidades originalmente simples, quais
sejam: ler e escrever. A disseminação de escolas primárias por
toda Europa e América do Norte e, através do mundo, foi
realizada, sobretudo, por missionários religiosos nos séculos
XVIII e XIX, ação que contribuiu, consequentemente, para
a adoção e consolidação do modelo pedagógico, sob o qual
repousava, até pouco tempo atrás, a organização do nosso
sistema educativo.
Quando a educação de adultos começou a ser
organizada na Europa e nos Estados Unidos, após a primeira
guerra, esse modelo era o único existente, e começou a
ser questionado por educadores de adultos. Isto porque
esses educadores experenciavam problemas decorrentes
da relação ensinar-aprender com adultos, posto a sua
diferença com a educação com crianças, ao qual estavam
habituados. Assim, os professores encontraram resistência
às estratégias desenvolvidas prescritas pela pedagogia, tais
como leituras, questionários, exercícios gramaticais, dentre
outros (KNOWLES, 1980), as quais eram transpostas, sem
nenhuma adequação, para o público adulto como se fossem
crianças. É nesse contexto que surgiram as primeiras ideias
sobre a aprendizagem dos adultos.
Em 1926, com a criação da Associação Americana
de Educação para Adultos (American Association for Adult
Education), estudos científicos foram desenvolvidos pelos
pesquisadores, dentre outros, Edward L. Thorndike, que
publicou as obras intituladas Adult Learning (1928); Adult
Interests (1935); Herbert Sorenson publicou Adult Abilities
(1938); nesse mesmo ano, Eduard C. Lindeman publicou
The Meaning of Adult Education. De acordo com Knowles
(1990), Lindeman se interessou por investigar como os
adultos aprendem, foi fortemente influenciado por John
Dewey (1859-1952), e estabeleceu cinco pressupostos
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Educação de jovens e adultos
saiba mais
PARA SABER SOBRE
A INFLUÊNCIA DAS
IDEIAS DE JOHN
DEWEY NA EDUCAÇÃO
BRASILEIRA, LEIA:
SOUZA, Rodrigo Augusto e MARTINELI, Telma
Adriana Pacifico. Considerações históricas sobre a influência de John
Dewey no pensamento
pedagógico brasileiro.
Revista
HISTEDBR,
On-line, Campinas, n.
35, p. 160-172, set.
2009.
chaves para a educação de adultos, os quais ulteriormente
deram suporte para pesquisas e, hoje, constituem os
fundamentos da teoria moderna de aprendizagem para
adultos, quais sejam:
a) os adultos são motivados a aprender quando descobrem
que seu principal interesse e que suas necessidades poderão
ser satisfeitas, por essa formação (curso, aperfeiçoamento,
treinamento). Esses aspectos constituem-se como pontos
de partida ideais para a organização das atividades de
aprendizagem do adulto;
b) a forma de aprendizagem dos adultos está centrada
sobre a realidade. É por essa razão que a formação deve ser
concebida em torno de situações reais e não em torno de
conteúdos, unidades e disciplinas;
saiba mais
Você sabia que os estudos sobre a juventude e jovens constituem
um campo de conhecimento?
Para saber mais, leia
um excelente artigo a
respeito:
SPOSITO, M. P. Algumas reflexões e muitas
indagações sobre as
relações entre juventude e escola no Brasil. In ABRAMO, H. e
BRANCO, Pedro Paulo
(Orgs). Retratos da
juventude brasileira. Análises de uma
pesquisa
nacional.
São Paulo: Instituto da
Cidadania/Editora Fundação Perseu Abramo,
2005. p. 129-148
c) a experiência é o principal recurso para a aprendizagem
dos adultos, por isso que a análise de experiência é o método
basilar na educação de adultos;
d) os adultos aspiram profundamente conduzir-se a si
mesmos. Dessa forma, o papel do professor é iniciar um
processo de investigação bilateral, no lugar de lhes transmitir
os conhecimentos e depois avaliá-los;
e) as diferenças individuais se aprofundam com a idade; os
professores devem, consequentemente, considerar essas
diferenças e variar as estratégias educativas, o tempo de
duração das atividades, o lugar, o ritmo de aprendizagem.
Knowles (1990) destaca que Eduard Lindeman (1926)
não opôs a educação de adultos à educação de jovens, mas
à educação tradicional. Afirma que se pode deduzir que os
jovens, também aprenderão melhor se considerarmos suas
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Fundamentos teóricos-metodológicos da EJA
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Módulo 6 I
Volume 3
Unidade
3
necessidades, seus interesses, seus objetivos, as situações
reais da experiência destes, de autodeterminação e suas
diferenças individuais.
Em 1940, apesar da descoberta da maior parte dos
elementos que poderiam permitir a elaboração de uma
teoria completa acerca da educação de adultos, todos esses
elementos estavam no estado das ideias, de conceitos e de
princípios dispersos. Entretanto, durante as décadas de
1940 e 1950, essas noções foram esclarecidas, unificadas e
integraram uma verdadeira explosão de conhecimentos no
interior de diferentes disciplinas das ciências humanas.
Knowles (1990) considera que um dos campos do
conhecimento que mais contribuiu à construção de uma
teoria da aprendizagem de adultos foi a psicoterapia, uma
vez que os pacientes em reeducação são principalmente
adultos.
Muitos teóricos da aprendizagem também avaliaram
como relevantes as contribuições trazidas por Sigmund
Freud (1856-1939), o qual jamais elaborou uma teoria da
aprendizagem, mas seus estudos demonstraram a influência
do subconsciente sobre o comportamento. Seus conceitos,
tais como: ansiedade, censura, obsessão, regressão,
agressividade, sistema de defesa, projeção, e transferência
influenciaram a compreensão sobre o bloqueio ou a
motivação da aprendizagem (KNOWLES,1990).
Carl Jung (1875-1961) preconizava uma concepção
holística da consciência humana, a qual possuía quatro
maneiras de extrair a informação da experiência e, assim,
alcançar a assimilação do conhecimento, a saber: a sensação,
o pensamento, a emoção e a intuição.
A importância primordial do autoconceito no
desenvolvimento humano (e de aprendizagem) foi
reforçada por todas as disciplinas da psiquiatria, na medida
em que estas se distanciavam do modelo biomédico e se
dirigiam ao modelo educativo (KNOWLES, 1990). Nesse
97
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Educação de jovens e adultos
para conhecer
PARA CONHECER MAIS
SOBRE A CAPACIDADE DOS
ADULTOS RECOMENDAMOS:
OLIVEIRA M. K. Ciclos da vida:
algumas questões sobre a psicologia do adulto. Educação
e Pesquisa, São Paulo, v. 30,
n. 2, p. 211-229, mai./ago.,
2004.
___________. Jovens e Adultos como sujeitos de conhecimento
e
aprendizagem.
Revista Brasileira de Educação, n. 12, set./out./dez.,
1999.
sentido, a psicologia do desenvolvimento trouxe à
teoria da aprendizagem (dos adultos) um volume de
conhecimentos sobre as transformações ocorridas nas
diferentes fases da vida, nos domínios da capacidade
física e mental, os principais interesses do indivíduo,
os comportamentos, os valores, a criatividade e os
estilos de vida.
A partir de 1949, começam as tentativas de
integrar os diferentes conceitos, noções e resultados
de pesquisa sobre a educação de adultos em um
mesmo programa. Na Europa, desenvolve-se,
tempos depois, o conceito de uma teoria unificada
de educação de adultos que nomearam andragogia
em distinção à pedagogia.
para conhecer
SAIBA
S
SA
AIBA MAIS
Koifman L. (2001) diz que o
modelo biomédico “vê o corpo
humano como uma máquina
muito complexa, com partes que se inter-relacionam,
obedecendo a leis natural e
psicologicamente
perfeitas.
O modelo biomédico pressupõe que a máquina complexa
(o corpo) precise constantemente de inspeção por parte
de um especialista. Assumese, assim, de modo implícito,
que alguma coisa, inevitavelmente, não estará bem dentro dessa complexa máquina.
Não fosse por isto, por que as
inspeções constantes? O modelo biomédico não vê o corpo
como uma máquina perfeita,
mas como uma máquina que
tem, ou terá, problemas, que
só especialistas podem constatar” (p. 6).
3 ANDRAGOGIA
Segundo Smith (1996, 1999), o termo
andragogia foi originalmente formulado pelo
professor de gramática alemã Alexander Kapp, em
1883, o qual usou a palavra andragogia para descrever a
teoria educativa de Platão, em alemão der Andragogik.
Andragogia tem por etimologia as palavras gregas
andros – homem (significando ser humano adulto)
e agogus – guia. O termo desapareceu por quase um
século e somente em 1921 se encontraram referências
sobre seu uso no relatório do especialista em ciências
sociais, o alemão Eugen Rosenstock, professor na
Academia de Ciências Sociais de Frankfurt, o qual
argumenta que a
Fonte: KOIFMAN L. O modelo
biomédico e reformulação do
currículo médico da Universidade Federal Fluminense.
História, Ciências, Saúde
— Manguinhos, V. 8, n.1, p.
48-70, mar./jun., 2001.
98
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[...]
educação
de
adultos
requer professores, métodos e
filosofia que lhes são próprias,
o termo andragogia deve ser
usado para, especialmente se
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referir coletivamente a estas exigências
(Nottingham Andragogy Group, 1983, p.
5, apud SMITH, 1996, p.2).
Unidade
3
Desde então, de acordo com Knowles (1990), o
termo andragogia começou a ser utilizado por professores
de adultos na França, Inglaterra, Venezuela, Canadá,
Iugoslávia, Hungria, e várias obras sobre a temática foram
publicadas.
Knowles diz que quem lhe falou pela primeira
vez acerca da andragogia foi o educador iugoslavo Dusan
Savicevic. Foi o primeiro estudioso a introduzir essa
concepção nos Estados Unidos por meio de um artigo
intitulado “Andragogia, e não pedagogia” (Andragogie, et non
pédagogie), publicado em 1968, na revista Adult Leadership.
O americano Malcom Shepherd Knowles (19131997) influenciou o campo da educação de adultos
ao construir um arcabouço de pressupostos sobre a
aprendizagem dos adultos, no qual enfatiza a distinção
entre o modelo pedagógico destinado às crianças do modelo
andragógico postulado para os adultos.
Smith (1996, 1999) assinala que a andragogia
propalada por Knowles é fundamentada sob cinco premissas
centrais, as quais dizem respeito às características dos
educandos adultos e que se distinguem dos educandos
crianças no processo ensino e aprendizagem sob o ponto de
vista da pedagogia tradicional. São elas:
a) Auto-conceito (self-concept) – na medida
em que a pessoa amadurece, sua autopercepção move-se de uma personalidade
dependente para um ser humano autodirecionado;
b) Experiência – no processo de amadurecimento, a pessoa acumulará experiências que
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se transformarão em subsídios ao processo
de aprendizagem;
c) Vontade de aprender – na medida em que a
pessoa amadurece, sua vontade de aprender
se orienta para responder aos papéis sociais
que tem a desempenhar;
d) Orientação para a aprendizagem – quando
uma pessoa amadurece, sua perspectiva de
tempo muda, assim, o conhecimento deve
ter aplicação imediata a fim de resolver seus
problemas quotidianos;
e) Motivação para aprender – a motivação de
uma pessoa adulta para aprender é interna
(SMITH, s. n, 1996; 1999, tradução nossa).
De acordo com Smith (1996, 1999), essas premissas,
bem como as diferenças apontadas entre a andragogia e a
pedagogia, são objetos de consideráveis debates. Essas
críticas, segundo o supracitado autor, podem ser encontradas
nos escritos de Davenport (1993), Jarvis (1977), Tennant
(1996), dentre outros estudiosos.
Vejamos a seguir os postulados desses dois modelos,
segundo Knowles (1984, 1990).
3.1 O modelo pedagógico segundo Knowles
(1984, 1990)
Nesse modelo, ao professor é outorgada a decisão
sobre o que será ensinado, qual conteúdo deverá ser
ministrado, como o fará e se este foi assimilado. É uma
formação conduzida pelo professor, ao estudante cabe
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segui-la. Para funcionar esse sistema, Knowles (1980, p. 5256, tradução nossa) assinala os seguintes postulados:
a) Necessidade de saber – se os estudantes visam
progredir, devem aprender o que o professor lhes
ensina. O professor desempenha o papel central,
o qual assume a completa responsabilidade sobre
as decisões que dizem respeito ao que deve ser
ensinado, como e quando deve ser ensinado.
Nesse contexto, não está presente a necessidade,
por parte dos estudantes, em saber como poderão
empregar o que foi adquirido nas suas vidas.
para conhecer
Unidade
3
Malcolm Knowles Shepherd nasceu em 24 de agosto de 1913,
americano, educador de adultos, influenciou significativamente o estudo da Teoria da Aprendizagem dos adultos e da utilização de contratos de aprendiz construídos ou planos para
guiar experiências de aprendizagem.
Nascido em Montana, Knowles foi um ávido escoteiro em sua
juventude. A família se mudou para West Palm Beach, Flórida
e, Knowles, graduou-se na Palm Beach High School em 1930.
Ele ganhou uma bolsa para a Universidade de Harvard, onde
se graduou com um Bachelor of Arts em 1934. Pouco depois,
trabalhou com a Administração Nacional da Juventude, em
Massachusetts. Casou-se com Hulda Fornell que ele conheceu
enquanto estudava na Harvard. Em 1940, assumiu o cargo de
Figura 3.2. Fonte: http://wwwDiretor de Educação de Adultos no YMCA de Boston até sua
distance.syr.edu/knowles.gif
convocação para a Marinha dos Estados Unidos em 1943. Em
1946, Knowles se mudou para Chicago para trabalhar como
Diretor de Educação de Adultos no YMCA enquanto trabalhava em seu MA na Universidade
de Chicago, o qual concluiu em 1949. De 1951-1959 Knowles atuou como diretor-executivo
da Associação de Educação de Adultos dos EUA e perseguiu seu PhD na Universidade de
Chicago. Em 1959, ingressou no corpo docente da Universidade de Boston como professor
adjunto de educação de adultos. Atuou nessa Universidade por 14 anos. Tornou-se membro
da Faculdade de Educação da North Carolina State University em 1974, para completar seus
últimos quatro anos de trabalho acadêmico anterior à aposentadoria. Depois de se aposentar,
permaneceu ativo no campo na década de 1990. Lecionou em Fielding Graduate University,
Santa Barbara, CA (que oferece graduação em psicologia clínica e assuntos relacionados) e
na Universidade de Arkansas. Malkcom S. Knowles morreu em Fayetteville, Arkansas, de um
acidente vascular cerebral em 27 de novembro de 1997.
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Malcolm_Knowles
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b) A percepção do estudante sobre si – o
professor enxerga o estudante como um ser
dependente e, por sua vez, o estudante se percebe
da mesma forma. Percepção esta que se modifica
gradativamente e progressivamente na medida
em que este vai amadurecendo.
c) O papel da experiência – a experiência do
estudante é pouco utilizada como recurso no
processo de aprendizagem. Em contrapartida, a
experiência que é considerada é a do professor,
do autor do manual ou do produtor dos recursos
audiovisuais. É por essa razão que os métodos
clássicos de ensino estão no centro do modelo
pedagógico.
d) O desejo de aprender - os estudantes estão
dispostos a aprender o que lhes é dito que deve
aprender a fim de avançar para o nível posterior;
essa prontidão ocorre em função da idade.
e) A orientação para aprendizagem – desenvolvese em torno de um determinado sujeito/
tema/conteúdo. Os estudantes percebem a
aprendizagem como um processo de aquisição
do que está prescrito no índice (geralmente,
disposto no livro) sobre esse sujeito/
tema/conteúdo. Desse modo, o currículo é
consequentemente organizado de acordo com
as unidades e sequência lógica do conteúdo
programático desse sujeito/tema/conteúdo.
f) A motivação para aprender – os estudantes são
motivados por estímulos exteriores, tais como
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notas, aprovação ou reprovação do professor ou
dos pais, pela competição por prêmios, dentre
outros.
3.2 Modelo andragógico segundo Knowles
(1984, 1990)
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Unidade
3
Antes de explicitarmos os postulados considerados
por Knowles sobre a andragogia, observemos como este
define o que é um ser adulto. Para esse autor, um adulto
deve conjugar quatro diferentes dimensões:
A primeira, a pessoa se define pela dimensão biológica
– nós nos tornamos biologicamente adultos quando
atingimos a etapa da reprodução da espécie, isto é, no início
da adolescência, quando o corpo registra a maturidade física;
Segunda, a dimensão jurídica – quando podemos, em
consonância com a Lei, exercer nossos direitos e deveres
constitucionais, quando respondermos por nossos atos e
ações sem solicitar a autorização de outrem;
Terceira, a definição social – sob o olhar da sociedade,
tornamo-nos adultos quando começamos a desempenhar
nossas funções sociais como pessoas adultas, isto é,
trabalhar, casar, votar, dentre outros papéis estabelecidos e
reconhecidos pela sociedade que dizem respeito a autonomia
do indivíduo;
Quarta, a definição psicológica – psicologicamente
nos tornamos adultos quando tomamos consciência que
somos responsáveis por nossas vidas, por conduzirmo-nos
a nós mesmos, que somos responsáveis por nossas decisões.
As premissas basais do modelo andragógico são
distintas daquelas apontadas no modelo pedagógico,
sobretudo no que concerne à metodologia de ensino. São
elas:
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Educação de jovens e adultos
3.2.1 Necessidade de saber
Os adultos precisam saber o motivo, a razão pela qual
devem aprender determinado conteúdo. Tough (1979, apud
KNOWLES, 1990) ressalta que, no momento em que uma
pessoa adulta toma a iniciativa de seguir um curso, ela analisa
os benefícios, as vantagens que essa formação lhe trará, quais
são as suas necessidades, o que lhe impulsiona para realizar
tal formação e refletirá sobre as consequências do abandono
dessa decisão. Para Charlot (1996), é preciso responder a uma
questão primeira, qual seja: “que sentido o fato de ir à escola
tem [...] e de aprender coisas [...]; o que a incita a estudar?” (p.
49).
Nesse contexto, uma das principais funções do
professor consiste em contribuir com a pessoa no processo
de tomada de consciência (aqui na acepção freiriana) acerca da
sua “necessidade de aprender”. O papel do docente será o de
explicar aos estudantes quais são os objetivos, as vantagens,
os benefícios dessa formação, como esta pode colaborar no
trabalho, como pode melhorar a qualidade de vida, de que
forma pode utilizar esses conhecimentos na sua vida.
3.2.2 A percepção do estudante sobre si
O estudante adulto tem consciência de ser responsável
por suas próprias decisões e por sua vida. Dessa forma,
desenvolve uma necessidade psicológica de ser tratado e visto
como indivíduo capaz e autônomo, resistindo e não admitindo
situações nas quais outros lhes imponham sua vontade ou
tomem decisões que as consequências lhes afetem.
Embora os adultos possam totalmente conduzir-se a
si mesmos em várias dimensões da sua vida (tais como: pais,
esposos, filhos, trabalhadores, cidadãos), quando participam de
um curso, um treinamento ou qualquer situação de educação,
trazem de volta o condicionamento adquirido das experiências
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Unidade
3
escolares anteriores, e exercem, nesse momento, o papel de
dependência e solicitam que o professor lhe diga o que deve ser
feito e como deve ser feito.
O equívoco que se pode incorrer é compreendermos
que essa atitude responde a uma necessidade real e, assim,
começarmos a tratá-los como crianças, isto é, dizemos o
que deve ser feito e como se deve fazê-lo. Dessa maneira,
poderemos produzir um conflito entre o modelo intelectual (o
estudante é um ser dependente) e sua necessidade psicológica
mais profunda, de conduzir-se a si mesmo. Quando essa
situação ocorre, por muitas vezes o estudante tentará escapar
dela, provavelmente este pode ser um dos motivos de muitos
decidirem abandonar a formação. Na base dessa decisão
estará a não compreensão do processo, que é essencialmente
psicológico, sobretudo pelo docente.
Nesta perspectiva, o papel a ser desempenhado pelo
docente, que compreende esse processo, será o de contribuir
com os adultos no movimento de passagem da percepção de
estudante dependente para aquele que sabe conduzir-se a si
mesmo no seu processo de aprendizagem.
Compreendemos que a premissa apontada por
Knowles, qual seja: conduzir-se a si mesmo, como característica
determinante que atesta a maturidade, a independência ou
não de um indivíduo adulto, não possa ser empiricamente
comprovada, dada sua subjetividade. Entretanto entendemos
que a essência do argumento posto por esse autor diz respeito
à tendência dos docentes a “infantilizar” as pessoas adultas nas
situações educativas.
Infelizmente, ainda, encontramos professores que
transpõem por muitas vezes
[...] intuitivamente, para a educação de jovens
e adultos, um conhecimento adquirido em
experiências prévias de educação infantil,
que vivera seja no papel quando criança ou
já como professora adulta (RIBEIRO, 1999,
p. 2).
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Educação de jovens e adultos
saiba mais
Para saber mais, leia:
MARANDINO M. Transposição ou recontextualização? Sobre a produção de saberes na
educação em museus
de ciências. Revista
Brasileira de Educação, n. 26, mai./jun./
jul./ago. 2004. Disponível
em
http://www.scielo.br/
pdf/rbedu/n26/n26a07.pdf
Acesso em: 16 jul. 2011.
Por outro lado, a escola como instituição não foi
pensada para essa população, os “currículos, programas e
métodos de ensino foram originalmente concebidos para
crianças e adolescentes que percorreriam o caminho da
escolaridade de forma regular” (OLIVEIRA, 2001, p. 20).
Nesse texto formado por vários tecidos desiguais, devemos
refletir sobre a nossa prática pedagógica com pessoas adultas.
Devemos, também, refletir que nessa situação assimétrica
de ensino-aprendizagem estão adultos (docentes), que
desenvolvem atividades pedagógicas com outros adultos
(estudantes), essa talvez se constitua na essência da premissa
assinalada por Knowles (1990), Freire (1987), dentre outros.
3.2.3 O papel da experiência
leitura recomendada
FREIRE P. Pedagogia
do Oprimido. 22. ed.
Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
Os adultos chegam a uma formação, a uma situação
educativa com uma ampla bagagem de experiências, muito
maior que as dos jovens, ou melhor dizendo, com outros
tipos de experiências. Essas experiências são acumuladas ao
longo da vida, mas, comparadas às dos jovens, são diferentes
daquelas vivenciadas na juventude em outro período. São,
digamos, diferenças geracionais, as quais a educação de
adultos deve considerar.
Por um lado, deve-se compreender que, no interior
de um grupo de adultos, as diferenças individuais são mais
acentuadas que dentro de um grupo de jovens e esses grupos
são heterogêneos. Essa heterogeneidade entre adultos e
jovens concerne ao centro de interesses distintos, à cultura,
às expressões utilizadas, à forma com que estes aprendem,
à motivação e aos objetivos de vida. Essas diferenças
são também produtos do exercício dos vários papéis
desempenhados por esses adultos na sociedade, tais como:
trabalhador, esposo, pai, dentre outros.
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Unidade
3
De outro lado, isso implica que, no decorrer de uma
formação, a experiência dos adultos constitui um rico recurso
disponível para aprendizagem. Isto explica porque, muitas
vezes, os docentes preferem os métodos experimentais e
as atividades interativas (discussão em grupo, exercício de
simulação, exercício de resolução de problemas etc.) aos
métodos clássicos de ensino.
No entanto não podemos esquecer os efeitos negativos
que poderá eventualmente trazer o acúmulo de experiências,
por exemplo, reforçar as tendências a certos hábitos, a
preconceitos, os quais nos tornam herméticos às ideias novas.
Nesse sentido, os professores deverão procurar estratégias
que contribuam à análise desses hábitos e à reflexão sobre a
possibilidade de abertura para novas ideias, à revisão do padrão
de valores, ao desenvolvimento da sensibilidade acerca de
escalas dogmáticas do pensamento.
A utilização da experiência é o cerne da educação de
adultos, uma vez que esta concerne à identidade dos estudantes.
As crianças, os adolescentes, os jovens balizam grande parte
da sua identidade a parâmetros exteriores, que podem ser
a família, a igreja, a escola que frequentam. Na medida em
que amadurecem, estes passam a se definir pelas experiências
vividas.
Para as crianças, os adolescentes e os jovens, a
experiência significa o que lhes chegou. Vejamos como
Knowles (1984,1990) nos exemplifica essa situação: quando se
tem 9 anos, 12 anos, 14 anos, se alguém lhe pergunta quem
você é, você começará a responder que é filho de Maria e
Antônio; no entanto, para nós adultos a experiência define o
que somos. Assim, quando temos 28 anos, 35 anos, se alguém
nos pergunta quem somos, respondemos: meu nome é Pedro,
concluí o ensino médio, trabalho como gerente na empresa X, e,
em 2005, concluí a graduação em Administração de Empresas.
Assim, nossa experiência integra a nossa identidade, posto
que “na atual sociedade capitalista, tal identidade é construída
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Educação de jovens e adultos
atenção
Atente para o texto
sugerido na Unidade
II de autoria de BARRETO, V; J. C. Um sonho que não serve ao
sonhador.
fundamentalmente por meio do trabalho e da identidade
profissional” (PERES, 2006, p. 67).
Desse modo, na educação de adultos, quando
refutamos, ignoramos a experiência ou subestimamos e não
a valorizamos, o adulto poderá ter a impressão que não é tão
somente a sua experiência que recusamos, mas a sua pessoa
na totalidade (KNOWLES, 1990).
Isto posto, observa-se a importância de utilizarmos
a experiência dos estudantes, adultos como recurso para a
aprendizagem. Este princípio é essencial para a valorização
dessas pessoas; as quais, muitas vezes, possuem frágil
percepção sobre as suas capacidades, competências,
potencialidades e dispõem de poucos recursos para sustentar
sua dignidade, a exceção da sua experiência.
3.2.4 O desejo de aprender
O modelo andragógico supõe que os adultos estão
prontos para aprender quando sentem uma necessidade de
saber ou fazer algo eficazmente em alguma dimensão da
sua vida. Os conhecimentos e as competências podem lhes
possibilitar uma maior preparação para enfrentar situações
reais, as quais podem advir do mundo do trabalho, da
educação dos filhos, entre outras. Entretanto não podemos
esperar que isso aconteça espontaneamente; muitas vezes
podemos elaborar estratégias que induzam os estudantes a
avaliarem onde estão, onde querem e precisam chegar como
atores partícipes da sua aprendizagem.
3.2.5 Orientação para aprendizagem
Contrariamente às crianças e aos adolescentes,
para os quais a aprendizagem é orientada em torno de um
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sujeito (na escola, por exemplo), os adultos orientam sua
aprendizagem em torno da vida ou de uma atividade ou de
um problema.
Eles estão dispostos a investir energia para aprender,
quando estimam que essa formação educativa proporcionará
subsídios, os quais os ajudarão a enfrentar e a resolver
problemas que encontram em suas vidas quotidianas.
Os adultos assimilam melhor os conhecimentos, as
competências, os valores e as atitudes quando estas são
apresentadas em um contexto de aplicação, em situações
específicas, aquelas postas pela comunidade, pelo trabalho,
pela congregação religiosa etc. Desse modo, é melhor
organizar as aprendizagens em torno das situações da vida
do que de acordo com as unidades programáticas presentes
nos livros didáticos.
Nesse contexto, para Carl Rogers (1969, apud
KNOWLES, 1990),
Unidade
[...] o papel do professor é, por
conseqüência facilitar a aprendizagem
e, o elemento central para se conseguir
é estabelecer uma relação pessoal com
o estudante. Nessa relação, o professor
deverá possuir três qualidades, quais
sejam: ele deve ser 1) natural e autêntico,
2) atentivo, sem, contudo ser possessivo,
confiante e respeitoso, e 3) compreensivo
e aberto, sensível e sempre estar disponível
à escuta (p. 88-89).
No mesmo sentido de ideias, Freire (1987) afirma
que
[...] o educador já não é o que apenas educa,
mas o que enquanto educa, é educado,
em diálogo com o educando que, ao ser
educado, também educa. Ambos, assim,
se tornam sujeitos do processo em que
crescem juntos e em que os “argumentos
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Educação de jovens e adultos
de autoridade já não valem. Em que, para
ser-se, funcionalmente, autoridade, se
necessita de estar sendo com as liberdades
e não contra elas” (grifo do autor) (p.68).
para conhecer
Para aprofundar o estudo, leia:
FREIRE P. Pedagogia
do Oprimido. 22. ed.
Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
A Unidade intitulada
“Epistemologia da Educação Popular em Paulo
Freire”.
Desse modo, a prática educativa de um educador que
se constitui como mediador da aprendizagem, um educador
problematizador, um
[...]
educador-educando,
dialógico,
problematizador, o conteúdo programático
da educação não é uma doação ou uma
imposição – um conjunto de informes
a ser depositado nos educandos -, mas
a devolução organizada, sistematizada
e acrescentada ao povo daqueles
elementos que este lhe entregou de forma
desestruturada (FREIRE, 1987, p. 83-84).
PINTO A. V. Sete Lições sobre educação
de adultos. 9. ed. São
Paulo: Cortez, 1994.
para conhecer
Sobre
leia:
essa
questão,
ABREU C. B. de M. e
VÓVIO C. L. Perspectivas para o currículo da
Educação de Jovens e
Adultos: dinâmicas entre os conhecimentos
do cotidiano e da ciência. Educação, Santa Maria, v. 35, n. 1,
p. 183-196, jan./abr.
2010. Disponível em
http://www.ufsm.br/
revistaeducacao.
Acesso em 16 jul. 2011.
Para isso, os currículos deveriam ser construídos
em observância às necessidades dos estudantes adultos,
assim como as estratégias educativas, as quais devem estar
voltadas para o desenvolvimento do pensamento crítico
sobre o conteúdo, de modo que o estudante possa fazer as
adequações necessárias em situações reais da vida (PEW,
2007).
3.2.6 A motivação para aprender
Para Brennen (2006), a motivação pode ser definida
como o nível de esforço que a pessoa é capaz de empregar
para a realização de um determinado objetivo.
De acordo com Knowles (1990), os adultos são
sensíveis às motivações exteriores (melhor emprego,
melhores salários, promoções, educação dos filhos, dentre
outros). No entanto são as pressões interiores (internas)
que constituem o maior fator de motivação, tais como: o
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saiba mais
3
Para saber mais sobre
as especificidades da
educação de adultos,
releia a unidade II.
Unidade
desejo de elevar sua satisfação profissional, de melhorar a sua
qualidade de vida, de sentir-se valorizado, de potencializar a
autoestima, dentre outros.
Tough (1979, apud KNOWLES, 1990) ressalta
que toda pessoa, geralmente, é motivada para progredir e
se desenvolver, porém essa motivação é frequentemente
bloqueada por obstáculos, tais como: percepção negativa de
sua potencialidade e capacidade como estudante, ausência
de ocasiões e de recursos, obrigações temporais, bem
como os programas educacionais que não consideram os
princípios fundamentais da educação de adultos tampouco
as especificidades dessa população.
Apesar do que foi exposto até aqui, ao discutirmos
sobre andragogia, faz-se imprescindível destacar que não
sobrepomos as bases pedagógicas àquelas assinaladas por
Knowles no que concerne à andragogia. Tampouco é questão
de valorizar uma em detrimento da outra, como muitas
vezes é mencionado em outros escritos. Se analisarmos
melhor os pressupostos andragógicos, perceberemos que,
quando Konwles aponta os cinco postulados da andragogia,
quatro dentre eles se aplicam igualmente a adultos, jovens
e crianças. O único que podemos dizer que se distingue,
no que diz respeito às crianças, é que estas possuem poucas
experiências e opiniões advindas de vivências sociais diversas
estabelecidas nas suas relações com o mundo.
Canário (2000) enfatiza que
[...] a importância e a fortuna do conceito
de andragogia devem ser entendidas no
contexto da década de sessenta, marcada,
por um lado, pela rápida expansão e
diversificação da oferta educativa dirigida
aos adultos e, por outro lado, pela
procura sistemática das teorias e dos
procedimentos pertinentes e adequados a
esta nova população-alvo da ação educativa
deliberada (p.131).
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Educação de jovens e adultos
Nesse sentido, a procura por estratégias educativas
consentâneas às características e necessidades da população
adulta é a principal contribuição da andragogia, quando esta
preconiza abordagens específicas para cada público (criança,
jovem, adulto).
Para finalizar essa unidade, observemos, no Quadro
1 a seguir como Knowles sintetiza as características e
implicações da Teoria de Aprendizagem dos Adultos.
Ressaltamos, entretanto, que “a saída do impasse a que o
conceito de andragogia acabou por conduzir só se torna
possível e produtivo, no quadro de uma nova epistemologia
da aprendizagem do adulto” (CANÁRIO, 2000, p. 137).
Nessa perspectiva, acreditamos que a epistemologia
da educação popular, a abordagem freiriana sobre a educação
de adultos, poderão contribuir para se compreender a
relação educador-educando, educando-educando, ensinoaprendizagem.
É o que estudaremos na próxima unidade!
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Faz-se necessário fornecer aos estudantes ocasiões nas quais possam
colocar o que aprenderam na prática.
É relevante procurar saber o que os estudantes têm necessidade de
aprender, melhor que elaborar um programa estático, fechado.
A formação do adulto deve ser prática no lugar de ser teórica.
Os adultos reconhecem quais são os momentos em que estão receptivos
e dispostos a aprender.
Os momentos em que os adultos estão disponíveis a aprender e receptivos
a essa aprendizagem são aqueles nos quais eles tomam consciência,
durante a situação educativa, de sua necessidade de saber.
A experiência trazida pelo adulto deve ser considerada por sua
importância no processo de aprendizagem. É preciso lembrar que rejeitar
a experiência do adulto significa rejeitar ele mesmo como pessoa.
Faz-se necessário propiciar aos adultos momentos para reflexão sobre as
competências requeridas ao desempenho das suas funções profissionais
e sociais.
Faz-se necessário aprender com os erros.
É interessante privilegiar os experimentais aos métodos clássicos como
estratégias educativas.
Os adultos têm necessidade de se engajarem no processo de avaliação
da sua aprendizagem em direção aos objetivos que traçaram.
Os adultos gostam de planejar e realizar suas próprias atividades de
aprendizagem.
É interessante se propiciar um clima de receptividade e de respeito
quando se define o que os estudantes desejam aprender e o que eles
precisam aprender.
Implicações da aprendizagem com adultos
Os adultos aprendem melhor quando
participam ativamente das atividades,
tais como: resolução de situaçõesproblemas, estudo de caso, que quando
se privilegia as aulas essencialmente
expositivas.
A aprendizagem significa contribuir com
os estudantes, adultos, a identificarem
as lacunas de seus conhecimentos.
Considerando que o adulto é a somatória
das experiências vividas, então, devemse explorar essas experiências e não
rejeitá-las; pois, assim procedendo,
rejeita-se também o estudante como
indivíduo.
Evitar dirigir-se aos estudantes como se
fossem crianças, pois estes são capazes
de tomarem decisões e iniciativas
quotidianamente em suas vidas.
O educador é uma referência para os
estudantes muito mais que um professor
no sentido tradicional do termo; fazse necessário, então, encorajar os
estudantes a expressarem suas opiniões,
a dizer como podem fazer no lugar de
dizer-lhes o que devem fazer.
Os educadores aceitam a autonomia dos
estudantes e os tratam como pessoas
adultas.
Implicações para os docentes de
adultos
Unidade
3
Fonte: Knowles M. S. L’apprenant adulte: vers um nouvel art de la formation. Les Editions d’Organisation, 1990. (Tradução nossa).
Perspectiva do tempo dirigido
aos
problemas:
os
jovens
consideram a educação como um
acúmulo de conhecimentos que
lhes servirão mais tarde no futuro.
Já os adultos percebem a educação
como um meio de resolver mais
eficazmente seus problemas atuais.
Vontade de aprender:
Envelhecendo, os adultos dirigem sua
aprendizagem para as competências
sociais e profissionais e não mais
físicas como os jovens.
Experiência:
Os adultos chegam numa situação
de aprendizagem com toda sua
experiência, toda sua vivência. Os
jovens têm tendência a perceber
sua experiência como algo que lhe
aconteceu, enquanto que, para
os adultos, a experiência é o que
os torna, é o que os define como
pessoa.
Autoconceito:
O estudante adulto se considera
capaz de conduzir-se a si mesmo,
deseja que os outros também o
façam. Uma das definições da
maturidade
é
efetivamente
a
capacidade de conduzir-se a si
mesmo.
Características dos estudantes
adultos
QUADRO 1 - Características e Implicações da Teoria de Aprendizagem dos Adultos
Fundamentos teóricos-metodológicos da EJA
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Educação de jovens e adultos
ATIVIDADES
A
AT
TIV
VI
ATIVIDADES
1) Canário (1999, p. 134) afirma que “[...] a diferenciação entre
a pedagogia (marcada por modalidades directivas, tal como
são habitualmente propostas às crianças) e a andragogia
(preocupada em respeitar e desenvolver a autonomia dos
adultos) fundamentar-se-ia menos em razões de natureza
teórica ou praxeológica e mais em razões de natureza social
[...]”.
Leia, também, a unidade intitulada “Epistemologia da
Educação Popular em Paulo Freire” e reflita sobre a citação
acima. A seguir, analise criticamente a afirmação feita por
Canário. Nessa análise, posicione-se contra ou a favor em
relação ao que o referido autor anuncia quanto à pedagogia e
à andragogia. Fundamente sua análise à luz do que é discutido
pelos autores ao longo da Unidade III.
A referida análise deve ser entregue ao tutor. Para isso
construa o texto com:
- no mínimo 2 (duas) laudas (as referências devem
constar em folha separada); e, no máximo, 4 laudas;
- fonte Times New Roman ou Arial;
- espaçamento entrelinhas 1,5.
2) Reflita, pesquise e responda.
Reflita
“A aprendizagem, enquanto actividade do sujeito de
construção de uma visão do mundo (isto é, de si próprio,
das relações com os outros e da relação com a realidade
social), consubstancia-se num sistema de representações
que funciona. Simultaneamente, para “ler” a realidade de
um modo confirmatório, ou como ponto de referência para
construir novas “visões do mundo” (ou seja, “aprender”). A
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Fundamentos teóricos-metodológicos da EJA
desvalorização da experiência do aprendente e, portanto dos
seus conhecimentos prévios, é tributária de uma concepção
de ruptura com o senso comum, de raiz Bachelardiana, que
identifica a experiência, essencialmente, como um obstáculo
ao conhecimento. Em contraposição, uma perspectiva, algo
ingénua, encara a aprendizagem como uma dinâmica que
seria espontânea, “natural”, decorrendo linearmente das
experiências anteriores do sujeito” (CANÁRIO, 1999, p.
111).
Pesquise e Responda
Unidade
3
Investigue com docentes que atuam na Educação para
Pessoas Jovens e Adultas - EJA:
a) Quais são os conteúdos trabalhados na EJA nos anos
iniciais e finais do ensino fundamental?
b) Os/as docentes consideram ao planejarem suas
atividades as experiências, os saberes, os conteúdos
trazidos pelos/as estudantes da EJA?
c) E você, qual a sua percepção e análise acerca dessa
temática?
A partir da pesquisa e das respostas às questões acima,
construa um texto com:
- no mínimo 2 (duas) laudas (as referências devem
constar em folha separada); e, no máximo, 4 laudas;
- fonte Times New Roman ou Arial;
- espaçamento entrelinhas 1,5.
Depois, entregue o seu texto ao tutor.
3) Faça um resumo analítico do artigo:
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Volume 3
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Educação de jovens e adultos
ABREU C. B. de M. e VÓVIO C. L. Perspectivas para o
currículo da Educação de Jovens e Adultos: dinâmicas entre
os conhecimentos do cotidiano e da ciência. Educação, Santa
Maria, v. 35, n. 1, p. 183-196, jan./abr. 2010. Disponível em http://www.
ufsm.br/revistaeducacao. Acesso em: 16 jul. 2011.
O resumo analítico deve ser escrito, no mínimo, em 2
(duas) laudas; e, no máximo, 4 (quatro) laudas; fonte: Times
New Roman ou Arial; espaçamento entrelinhas: 1,5.
Depois, entregue o texto ao tutor.
RESUMINDO
R
RE
SU RESUMINDO
SU
Nesta unidade, você estudou que:
1) Desde a antiguidade se preconizava a aprendizagem como
um processo de investigação ativa, que requeria a participação
ativa dos estudantes.
2) A Educação de Adultos começou a ser organizada na Europa
e nos Estados Unidos, após a Primeira Guerra Mundial.
3) De acordo com Knowles (1990) Lindeman, influenciado
por John Dewey, elaborou cinco pressupostos para a educação
de adultos, quais sejam: a) os adultos são motivados a aprender
quando conhecem suas necessidades de aprendizagem e
formação; b) na aprendizagem de adultos, devemos considerar
as situações reais da vida; c) os adultos desejam conduzir-se a
si mesmos no processo de aquisição do conhecimento; d) as
diferenças individuais devem ser consideradas na elaboração de
estratégias educativas destinadas a essa população.
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Fundamentos teóricos-metodológicos da EJA
4) Malcolm Shepherd Knowles influenciou significativamente
o campo da educação de adultos ao construir pressupostos que
devem ser considerados no processo de ensino e aprendizagem
dos adultos.
5) No modelo andragógico formulado por Knowles,
principalmente no que diz respeito à metodologia do ensino
para adultos, consideram-se as seguintes premissas: a) a
necessidade de saber do estudante; b) a percepção do estudante
sobre si mesmo; c) o papel da experiência; d) a orientação para
a aprendizagem; e) motivação para aprender.
Unidade
3
6) A andragogia não se opõe à pedagogia, mas traz à discussão
e reforça a necessidade de se buscar estratégias educativas, bem
como a elaboração de um currículo que atenda as especificidades
desta população.
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Educação de jovens e adultos
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
ABREU C. B. de M. e VÓVIO C. L. Perspectivas para o
currículo da Educação de Jovens e Adultos: dinâmicas entre
os conhecimentos do cotidiano e da ciência. in: Educação,
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____________ . L’apprenant adulte: vers un nouvel art de la
formation. Les Éditions d’Organisation, 1990.
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Fundamentos teóricos-metodológicos da EJA
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Unidade
3
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4ª
unidade
EPISTEMOLOGIA DA
EDUCAÇÃO POPULAR EM
PAULO FREIRE
OBJETIVOS
Ao final desta unidade, o (a) estudante deverá
 refletir sobre o diálogo como fundamento da concepção
libertadora da educação;
 compreender a teoria e o método da educação popular
em Paulo Freire;
 refletir sobre a conscientização como conceito central
da pedagogia libertadora.
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Epistemologia da educação popular em Paulo Freire
1 INTRODUÇÃO
Epistemologia
Nesta unidade, você estudará a teoria e o método da
educação popular em Paulo Freire, isto é, a sua epistemologia.
Estudará também alguns dos conceitos, princípios e
fundamentos que fazem dessa pedagogia popular um marco
na história da educação.
Do grego episteme: ciência, e logos: teoria,
a epistemologia é a
parte da filosofia que
se ocupa da crítica do
conhecimento científico, isto é, o exame dos
princípios, das hipóteses, dos fundamentos e das conclusões
da ciência (JAPIASSU,
2008, p. 88).
2 O QUE É EDUCAÇÃO POPULAR?
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Módulo 6 I
Volume 3
Unidade
4
O movimento Educação Popular foi uma das formas
de mobilização de massas adotadas no Brasil, praticando
procedimentos de natureza política, social e cultural de
mobilização e conscientização dos sujeitos (FREIRE,
1980). A Educação Popular propõe uma pedagogia da
liberdade, cujo objetivo é preparar o sujeito para um juízo
crítico da própria existência e da realidade histórica em que
se encontra.
No trabalho com educação popular, não se pode
prescindir do conhecimento de uma pergunta fundamental:
“quem é este ser com quem irei dialogar, tendo em vista as
três ações basilares dos processos de ensino e aprendizagem,
quais sejam: a ação humana, a ação educativa e a ação
pedagógica?”. Essas ações se fazem presentes na práxis da
educação popular e devem ser corporeificadas pelos seus
sujeitos, educadores e educandos, a fim de que o diálogo
encontre um lugar fértil para a sua efetivação. Essa pergunta
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Educação de jovens e adultos
Anarquia
É o estado de uma sociedade não organizada ou desorganizada e
desprovida de governo capaz de manter
a ordem institucional.
Desorganização
ou
desordem, de fato ou
voluntária, num grupo social, por falta de
uma autoridade ou liderança (Cf. Dicionário
básico de filosofia - JAPIASSÚ, 2008, P. 10).
expressa a necessária relação sujeito/sujeito, isto é, relação
intersubjetiva que aproxima as consciências para atuarem
sobre o objeto cognoscível - aquele passível de ser conhecido
pelo agir da inteligência humana – tendo em vista que a
dialética da educação popular propõe o desenvolvimento
pelo sujeito da consciência de si e da consciência do mundo.
Paulo Freire, como o mais importante idealizador
da Educação Popular, coloca-se na posição do intelectual
que, confiando no poder da educação como ação política
e libertadora e no seu potencial transformador dos seres
humanos e do mundo, acredita na possibilidade de superação
das contradições existentes entre opressor e oprimido. Tais
contradições se expressam, basicamente, pelas desigualdades
sociais existentes entre as elites e as classes populares. A
proposta da educação popular é criar as condições para que
ambos, opressores e oprimidos, juntos, possam superar
as desigualdades sociais e construir uma sociedade mais
igualitária para todos.
Neste sentido, não se trata de mudar de posição,
pretendendo um assumir o lugar do outro, passando da
condição de quem é oprimido para tornar-se opressor;
mas devem juntos, e pelo diálogo, unir forças para eliminar
as condições objetivas, sobretudo aquelas de natureza
histórico-social, que os separam e os colocam em posições
contrárias.
Os oponentes de Paulo Freire (1980) argumentavam
que “a consciência crítica é anárquica e que melhor seria
que a situação concreta de injustiça não se constituísse num
‘percebido’ claro para a consciência dos oprimidos” (p. 2324). Para eles, a conscientização de uma situação existencial
de injustiça poderia levar os homens a um “fanatismo
destrutivo”.
Esta hipótese é refutada por Paulo Freire,
argumentando que “não é a conscientização que pode
levar o povo a “fanatismos destrutivos”. Pelo contrário, a
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Epistemologia da educação popular em Paulo Freire
conscientização é que lhes possibilita inserir-se no processo
histórico como sujeito, evita os fanatismos e o inscreve na
busca de sua afirmação. Neste sentido, a hipótese de Paulo
Freire é conclusiva: “se a tomada de consciência abre o caminho
à expressão das insatisfações sociais, isso se deve ao fato de
que estas são componentes reais de uma situação de opressão.
Eis que se constata logicamente a opressão” (cf. pedagogia do
oprimido, p. 23- 24).
3 A CONCEPÇÃO DE HOMEM NA ONTOLOGIA
FREIRIANA
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Unidade
4
Para Paulo Freire (1980, p. 81), os seres humanos são os
únicos seres, entre os “inconclusos”, capazes de ter a si mesmos
e a própria atividade como objeto de sua consciência. Ele
explica que os seres humanos são criadores e transformadores
que, nas relações com a realidade, produzem bens materiais, as
coisas sensíveis, os objetos, as instituições sociais, suas ideias
e concepções.
Diferente dos outros seres vivos, pela consciência
que têm de si mesmos e do mundo e pela capacidade de
objetivação do real, os seres humanos produzem cultura. Além
de incompleto e inconcluso, em verbete dedicado à ontologia
freiriana, José Eustáquio Romão (cf. Dicionário Paulo Freire,
2010, p. 292) acrescenta às características de incompleto,
inconcluso e inacabado, utilizados por Freire como sinônimos,
um significado singular: “todos os seres são incompletos,
porque necessitam uns dos outros; são inconclusos, porque
estão em evolução; e inacabados, porque são imperfeitos”.
Uma das teses de Freire presente na sua ontologia e
que parece sintetizar a sua concepção de ser humano é a que
afirma: “os homens não somente vivem, mas existem e sua
existência é histórica” (1980, p. 89). Nesta tese está claro que
viver é diferente de existir e, no contexto da ontologia freiriana,
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Educação de jovens e adultos
saiba mais
Situações-limites –
são situações geradoras de necessidades
e se dão na realidade
concreta. Elas se apresentam aos homens
como se fossem determinantes históricas,
em face das quais não
lhes cabe outra alternativa senão adaptar-se.
Implicam a existência
daqueles a quem direta
ou indiretamente servem e daqueles a quem
negam. Nas situaçõeslimites, os homens se
acham quase coisificados. Se os indivíduos
se encontram aderidos
a estas “situações-limites”,
impossibilitados
de separar-se delas, o
tema a eles referidos
será necessariamente
o do fatalismo. Embora as “situações-limites” sejam realidades
objetivas e estejam
provocando necessidades nos indivíduos, se
impõe investigar, com
eles, a consciência que
delas tenham (FREIRE,
1987, p. 91-111).
parece supor que a vida é um fenômeno predominantemente
biológico enquanto que a existência humana é fenômeno
predominantemente histórico, ainda que o ser humano na
sua vivência desfrute dos dois fenômenos.
Os homens ao terem consciência de sua
atividade e do mundo em que estão, ao
atuarem em função de finalidades que se
propõem, ao terem o ponto de decisão de
sua busca em si e em suas relações com o
mundo, e com os outros, ao impregnarem
o mundo de sua presença criadora através
da transformação que realizam nele, na
medida em que dele podem separar-se
e, separando-se, podem com ele ficar, os
homens não somente vivem, mas existem
e sua existência é histórica (FREIRE,
1980, p. 89).
Para Freire, a existência dos seres humanos se dá no
mundo em que eles recriam e transformam historicamente.
Tal transformação se deve ao fato de os seres humanos
terem consciência da existência de si mesmos como sujeitos
e da realidade do mundo no qual eles podem exercer a ação
transformadora e capaz de superar as situações-limites. É
neste sentido que, no contexto da sua obra, Freire (1987,
p.92) conceitua os humanos como “seres da práxis”.
4 A CONSCIENTIZAÇÃO COMO CONCEITO
CENTRAL DA EDUCAÇÃO LIBERTADORA
Conscientização é o conceito central das ideias de
Paulo Freire sobre a teoria e a prática da Educação libertadora.
Na obra Conscientização: teoria e prática da libertação –
uma introdução ao pensamento de Paulo Freire (1980), o
autor atribui a origem do termo à equipe de professores do
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Epistemologia da educação popular em Paulo Freire
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) no ano de
1964. Freire percebe a profundidade do termo conscientização
que alcança, na sua teoria da educação, o status de um conceito
estruturante.
Na concepção de Freire, a Educação como prática
da liberdade é um ato de conhecimento e uma aproximação
crítica da realidade (FREIRE, 1980, p. 25). Para ele, uma das
características dos seres humanos é a capacidade de distanciarse do objeto para objetivá-lo - o que implica refletir e agir
sobre o mesmo - e por consequência exercer a ação consciente
sobre a realidade objetivada. Tal capacidade significa, na teoria
freiriana, a própria práxis humana, que o autor define como
uma unidade indissolúvel entre ação e reflexão sobre o mundo.
A conscientização sugere uma mudança de atitude do sujeito
frente à realidade e impõe como condição a sua inserção na
práxis:
Unidade
4
A conscientização implica, pois, que
ultrapassemos a esfera espontânea de
apreensão da realidade, para chegarmos
a uma esfera crítica na qual a realidade se
dá como objeto cognoscível e na qual o
homem assume uma posição epistemológica.
Quanto mais conscientização, mais se “desvela” a realidade, mais se penetra na essência
fenomênica do objeto, frente ao qual nos
encontramos para analisá-lo. Por esta mesma
razão, a conscientização não consiste em “estar
frente à realidade” assumindo uma posição
falsamente intelectual. A conscientização
não pode existir fora da práxis, ou melhor,
sem o ato ação/reflexão. Esta unidade
dialética constitui, de maneira permanente,
o modo de ser ou de transformar o mundo
que caracteriza os homens (FREIRE, 1980,
p. 26).
A conscientização requer compromisso, consciência
e inserção crítica na história. “Ela implica que os seres
humanos assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o
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Educação de jovens e adultos
mundo e exige que os mesmos criem sua existência com um
material que a vida lhes oferece, pois está baseada na relação
consciência-mundo” (FREIRE, 1980, p. 26). Freire concebe
a conscientização como um processo contínuo na história,
necessário aos seres humanos, para escaparem da aderência a um
mundo estático que nos possa submeter a novas obscuridades.
4.1 Conscientização, utopia e realidade
Conscientização é um conceito que dialoga com
a utopia, os quais, na visão de Freire, estão ligados entre si.
Ele afirma que a conscientização nos convida a assumir uma
posição utópica frente ao mundo (FREIRE, 1980). Todavia não
se trata de entender utopia como o irrealizável, pelo contrário,
o conceito de utopia no contexto da obra de Freire se expressa
pela ação concreta de “anunciar e denunciar a prática histórica”.
O compromisso fundamental da utopia no pensamento
de Freire é histórico porque se compromete em denunciar a
estrutura desumanizante – aquela que reduz o ser humano à
condição de objeto e anunciar a estrutura humanizante que
promove o ser humano à condição de sujeito, respeitando a sua
liberdade e dignidade. É neste sentido que o autor conceitua
utopia como a “dialetização dos atos de denunciar e anunciar”
e conclui que a utopia é um ato de conhecimento que exige
conhecimento crítico e que não é possível denunciar a estrutura
desumanizante quando não se penetra nesta para conhecê-la.
A conscientização está evidentemente ligada
à utopia [...] se deixarmos de ser utópicos nos
burocratizamos; é o perigo das revoluções
quando deixam de ser permanentes. A
conscientização produz a desmitologização.
É o olhar mais crítico possível da realidade,
que a “des-vela” para conhecê-la e para
conhecer os mitos que enganam e que ajudam
a manter a realidade da estrutura dominante
(FREIRE, 1987, p. 28-29).
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Epistemologia da educação popular em Paulo Freire
É precisamente esta uma das premissas de uma educação
libertadora: criar as condições para que os seres humanos
desvelem o real na sua verdade e o conheçam criticamente,
superando a consciência ingênua impregnada no modo como o
sujeito se dirige ao objeto. Isso vale para todos, tendo em vista
que a consciência ingênua não é uma característica exclusiva
dos oprimidos, pois os opressores também são acometidos
de ingenuidade, quando se pensam gestores da realidade e da
existência do outro nas bases dos seus interesses particulares.
Paulo Freire se opõe a esta ideologia, na medida em
que coloca a realidade como o objeto a ser conhecido pela
consciência crítica de ambos, opressores e oprimidos, isto é, a
realidade é apenas um objeto cognoscível e não um instrumento
sob o controle de uma determinada classe social. A realidade,
na perspectiva da educação libertadora, é o campo próprio no
qual se dá a relação consciência-mundo que, segundo Freire
(1980, p. 26) “é esta o objeto da reflexão crítica dos sujeitos”.
Ele conclui afirmando que:
Unidade
4
Num primeiro momento a realidade não
se dá aos homens como objeto cognoscível
por sua consciência crítica. Na aproximação
espontânea que o homem faz do mundo,
a posição normal fundamental não é uma
posição crítica, mas uma posição ingênua
(FREIRE, 1987, p. 26).
Entre as finalidades últimas da educação libertadora,
inscritas no seu campo ontológico-existencial, situa-se a
preocupação de Freire com um ideal de ser humano dialógico
e criador de cultura. Essa perspectiva do sujeito criador de
cultura marca a passagem para a ação libertadora na medida em
que criar cultura significa produzir um modo de libertação, de
luta e de identidade cultural. A busca de Freire se aproxima do
ideal clássico da educação de formação do homem livre e capaz
de conduzir a própria existência e transformar a realidade social
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Educação de jovens e adultos
em favor da humanização que ele define como “vocação
histórica dos seres humanos” (FREIRE, 1980, P. 74).
4.2 Conclusões de Freire acerca da concepção
libertadora da educação
a) Para ser válida, toda educação e toda ação educativa
devem necessariamente estar precedidas de uma
reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de
vida do homem concreto a quem queremos ajudar a
educar-se. Faltando tal reflexão sobre o homem, correse o risco de adotar métodos educativos e maneiras de
atuar que o reduzem à condição de objeto (FREIRE,
1980, p.34).
b) O homem chega a ser sujeito por uma reflexão sobre
sua situação e sobre o seu ambiente concreto. Quanto
mais refletir sobre a realidade, sobre sua situação
concreta, tanto mais emerge plenamente consciente,
comprometido e pronto a intervir na realidade para
mudá-la (FREIRE, 1980, p.35).
c) Na medida em que o homem, integrado em seu
contexto, reflete sobre este e se compromete, constrói
a si mesmo e chega a ser sujeito (FREIRE, 1980, p.
36).
d) Na medida em que o homem, integrando-se nas
condições de seu contexto de vida, reflete sobre estas
e responde aos desafios que se lhe apresentam, cria
cultura (FREIRE, 1980, p. 38).
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Epistemologia da educação popular em Paulo Freire
5 A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO COMO
INSTRUMENTO DE LIBERTAÇÃO
5.1 Entre a sectarização e a radicalização
Na concepção de Paulo Freire (1980), o opressor
possui uma visão humanitária do oprimido, não humanista.
A postura humanitarista não liberta o sujeito porque o seu
foco objetivo é o socorro imediato e o auxílio a uma situação
existencial de emergência. A postura humanista pressupõe uma
visão libertadora que exige do próprio sujeito consciência de
si, ou seja, que ele próprio possa superar com o outro, pelo
diálogo e pela consciência crítica a situação de oprimido. A
condição primeira para a efetivação do diálogo é a superação
do sectarismo, definido por Paulo Freire como uma postura
fechada, irracional, intolerante e partidarista que deve ser
combatida pela radicalização, definida pelo autor como uma
postura crítica. Veja, no Quadro 2, algumas das características
das duas posturas discutidas por Freire (1987, p. 25-35).
4
Quadro 2

Mítica;

Nutre-se do fanatismo
absoluto e ingênuo;

Castradora;

Transforma a realidade
numa falsa realidade;

Obstáculo à emancipação
Radicalização

Crítica;

Criadora e crítica;

Libertadora;

Busca desvelar a realidade
e apresentar o estado que
ele se encontra;

Oposta à dinâmica da
realidade.
Luta contra os obstáculos
impostos à libertação dos
dos seres humanos;

Unidade
Sectarização
seres humanos;

Opõe-se à realidade
estática.
Fonte: Elaborado a partir dos capítulos I, II e III da obra Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1987)
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Volume 3
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Educação de jovens e adultos
A radicalização é a postura proposta por Freire como
alternativa de combate à sectarização e convoca a todos
que se pretendem progressistas a assumirem este dever.
Este combate com os instrumentos da crítica, próprios da
postura progressista, impõe-se como condição necessária
para impulsionar o processo de libertação daqueles que se
encontram tanto na posição de opressor quanto na posição
de oprimido, tendo em vista que a radicalização não é
privilégio apenas do oprimido, mas também do opressor. A
proposta fundamental desta ideia é desmitificar a realidade
pelo recurso à crítica. Neste sentido, Freire explicita que:
A sectarização transforma a realidade
numa falsa realidade, ela é um obstáculo à
emancipação dos homens. O sectário não
percebe ou não pode perceber a dinâmica
da realidade ou a percebe equivocadamente.
Até quando se pensa dialético, a sua
é uma dialética domesticada. Tanto o
homem de esquerda, quanto o homem
de direita, ao sectarizar-se, se equivoca na
sua interpretação “dialética” da realidade,
da história, deixando-se cair em posições
fundamentalmente fatalistas (FREIRE,
1987, p. 26).
Fatalismo
É um termo adotado
não para designar uma
doutrina filosófica, mas
a atitude de quem se
entrega aos acontecimentos sem procurar
alterá-los nem reagir.
Outro significado diz
respeito à “fatalidade
maometana” segundo
a qual os efeitos aconteceriam mesmo se a
causa fosse evitada,
pois são dotados de necessidade absoluta (Cf.
Dicionário de filosofia,
ABBAGNANO, 2002, p.
429).
Paulo Freire distingue as duas formas de sectarismo:
o de direita e o de esquerda. O primeiro pretende domesticar
o presente para que o futuro repita o presente domesticado,
ou seja, para este a realidade é algo dado e imutável. O
segundo transforma o futuro em algo preestabelecido, no
qual as possibilidades são pré-dadas e nada há o que se fazer
senão cumprir o que foi destinado. A conclusão de Freire
é que, em ambos os casos, as formas de sectarismos são
reacionárias porque, uma e outra, apropriando-se do tempo,
de cujo saber se sentem igualmente proprietários, excluem
o povo e isso se constitui uma maneira de estar contra o
mesmo.
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5.2 A dicotomia entre objetividade e
subjetividade e sua superação pela
unidade dialética
A radicalização não existiria sem a figura que pudesse
dar expressão concreta a este conceito e, para este fim,
Freire define o radical como aquele que, “comprometido
com a libertação dos seres humanos, não teme o diálogo
com o povo e se inscreve na realidade para conhecê-la e
transformá-la” (FREIRE 1980, p. 290). Ao se inscrever na
UESC
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Módulo 6 I
Volume 3
Diálogo
Quando
adentramos
no diálogo como fenômeno humano, se
nos revela algo que já
podemos dizer ser ele
mesmo: a palavra. Mas
ao encontrarmos a palavra, na análise do diálogo, como algo mais
que um meio para que
ele se faça, se nos impõe buscar, também,
seus elementos constitutivos. Esta busca
nos leva a surpreender
nela, duas dimensões:
a ação e a reflexão.
Não há palavra verdadeira que não seja
práxis e dizer a palavra
verdadeira é transformar o mundo. A autosuficiência é incompatível com o diálogo. O
homem que não tem
humildade não pode
aproximar-se do povo.
Não pode ser seu companheiro de pronúncia
do mundo. Se alguém
não é capaz de sentirse e saber-se tão homem quanto os outros,
é que lhe falta ainda
muito o que caminhar,
para chegar ao lugar
de encontro com eles.
Neste lugar de encontro, não há ignorantes
absolutos, nem sábios
absolutos: há homens
que, em comunhão,
buscam saber mais
(FREIRE, 1987, p. 7781).
4
[...] o aspecto subjetivo toma corpo
numa unidade dialética com a dimensão
objetiva da própria idéia, isto é, com
os conteúdos concretos da realidade
sobre a qual exerce o ato cognoscente.
Subjetividade e objetividade se encontram
na unidade dialética que gera um atuar e
um pensar certos na e sobre a realidade
para transformá-la (FREIRE, 1987, p. 2627).
saiba mais
Unidade
A exclusão do povo do processo histórico configurase uma forma de objetivismo; assim como o distanciamento
entre a realidade histórica e o povo, cujo mundo lhes parece
alheio à sua consciência, configura-se em subjetivismo.
A opção de Freire (1987) para o propósito da
superação da dicotomia objetividade/subjetividade é
que ambas as posições empreendem uma permanente
dialeticidade em busca da superação das contradições
geradoras das dicotomias existentes, pois não se pode pensar
em objetividade sem subjetividade na análise da realidade,
considerando-se que esta interação orienta a ação humana
no conhecimento do mundo. Freire desenvolve o conceito
de unidade dialética, cujo objetivo é solucionar teoricamente
esta dicotomia entre subjetividade e objetividade,
explicitando que:
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Educação de jovens e adultos
saiba mais
Humanismo - Freire
classifica a si mesmo
como um educador humanista e direcionou
seu trabalho e toda
uma obra pedagógica
em prol de um mundo mais humanizado.
Nessa perspectiva, entendemos que a pedagogia freiriana assume
posição radicalmente
comprometida com as
lutas por humanização
e resistência contra
toda e qualquer forma
de desumanização em
relação à vida concreta das pessoas. Além
disso, Freire expressa
em seus principais escritos uma preocupação em fundamentar
uma antropologia que
seja anúncio de sua
forma de ver a humanidade, a história e o
mundo sócio-culturalmente construído por
nós. A vocação para a
humanização, segundo a pedagogia freiriana, é uma marca
da natureza humana
que se expressa na
própria busca do ser
mais, através da qual
o ser humano está em
permanente procura,
aventurando-se curiosamente no conhecimento de si mesmo
e do mundo, além de
lutar para ir além de
suas
próprias
conquistas (Cf. Dicionário
Paulo Freire, 2010, p.
210. Verbete elaborado por José Jaime Zitkoski).
realidade, o radical livra-se do subjetivismo e coloca-se no
mundo como parte integrante deste; eis que os seres humanos
problematizam a própria existência e olham criticamente para
si mesmos, objetivando a sua condição existencial.
5.3 O si mesmo como problema na ontologia
freiriana
No contexto da obra de Paulo Freire, é notória a sua
preocupação com a existência do ser humano no mundo,
resultante de seu profundo humanismo. Sua ontologia propõe
que o ser humano tome-se a si mesmo como problema, o que
fatalmente o conduzirá a descobrir que pouco sabe sobre si
mesmo, e esta constatação poderá sugerir uma inquietação em
face da ignorância sobre a própria existência.
Conhecer o ser humano nesta ontologia significa saber
o que o sujeito pensa sobre si mesmo e sobre o mundo que o
desafia cotidianamente; logo, no “reconhecimento do pouco
saber de si está uma das razões da sua procura” (FREIRE,
1987, p. 26). Esta constatação de Freire apresenta uma das
justificativas filosóficas fundamentais da sua pedagogia, pois
parece óbvio que esta é a investigação primeira que o ser
humano deve empreender durante toda a vida, considerando
que decorrem daí todas as outras investigações humanas.
O impacto desta ontologia na educação é sem
precedentes, tendo em vista que a educação assume como
objeto o desenvolvimento integral do ser humano para a
condução da própria vida e para o exercício da cidadania. É
justamente neste contexto que uma “educação como prática
da liberdade” alcança o seu sentido pleno.
Embora esta perspectiva possa parecer subjetivista
por conta da sua centralidade no sujeito que investiga a si
mesmo, não o é na medida em que Paulo Freire propõe que
este sujeito dialogue com outros sujeitos intersubjetivamente,
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Epistemologia da educação popular em Paulo Freire
tendo o mundo, a realidade como objeto de mediação que se
expressa da seguinte forma: sujeito → objeto ← sujeito. Em
termos pedagógicos, significa que o sujeito (professor), que
estabelece uma relação intersubjetiva com outro sujeito (aluno)
e ambos atuam sobre o objeto do conhecimento (o mundo e
a sua realidade, a vida e as suas vivências, as ciências e os seus
saberes).
5.4 Humanização e desumanização: viabilidade
ontológica ou realidade histórica?
Ao constatar a necessidade da busca do conhecimento
de si e do mundo, Freire reconhece a desumanização não apenas
como viabilidade ontológica inerente à natureza humana, mas
como realidade histórica. E, se é uma realidade histórica, é
possível combater a desumanização porque, sendo produção
do homem histórico, ele mesmo conhece as causas e possui
os instrumentos suficientes para revertê-la em humanização. É
neste sentido que Freire explicita que:
Unidade
4
Humanização e desumanização dentro da
história são possibilidades dos homens
como seres inconclusos e conscientes de sua
inconclusão. Mas se ambas são possibilidades,
só a primeira é a vocação dos homens, negada,
mas também afirmada na própria negação.
Vocação negada na injustiça dos opressores,
mas afirmada no anseio de liberdade, de justiça
e de luta dos oprimidos pela recuperação de
sua humanidade (FREIRE, 1987 p. 30).
Ao conceber a desumanização como uma possibilidade
na história, Freire combate o fatalismo - “aquelas situações
onde os sujeitos encontram-se aderidos às situações-limites e
são impossibilitados de separar delas” (FREIRE, 1987, p. 107).
No fatalismo, nada resta senão a desesperança e a aceitação
irremediável do destino absoluto e imutável. Por isso, para
Freire, a desumanização é distorção da vocação ontológica que
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Educação de jovens e adultos
saiba mais
Oprimidos - Os oprimidos
sofrem
uma
dualidade. Eles são
oprimidos e ao mesmo
tempo portadores da
referência do opressor,
pois este é o modelo de ser humano que
lhe é imposto. A luta
do oprimido, segundo
Freire, é decidir entre
serem eles mesmos ou
serem duplos, entre
expulsarem ou não o
opressor de “dentro de
si’. O oprimido caracteriza-se pela consciência servil em relação à
consciência do seu senhor que lhe faz quase
coisa, transformando-o
em consciência para o
outro, e sua luta deve
buscar a transformação da realidade objetiva que os faz este ser
para o outro (FREIRE,
1987, p.36).
ele denomina “vocação do ser mais”.
Se a desumanização é a distorção da “vocação do ser
mais” na história, sendo distorção, é possível corrigi-la. A
correção se inicia pela identificação das causas concretas e
dos agentes que distorcem a realidade, criando uma falsa
realidade na história e se beneficiando destas para fins
particulares. Para Freire, “a luta pela humanização se efetiva
através da busca pelo trabalho livre para todos, pela afirmação
dos homens como pessoas e como seres para si” (FREIRE,
1980, p. 30). O que torna a humanização uma possibilidade
na história é exatamente o fato de a desumanização ser um
dado concreto, resultante de uma “ordem injusta”, que
impõe aos oprimidos o ser menos, que Freire define como
distorção do ser mais. Num verbete dedicado a esta categoria
“ser mais”, Jaime José Zitkoski (2010, p. 369) explica que:
A categoria “ser mais” encontra-se
situada na obra de Paulo Freire como um
conceito chave para a sua compreensão
de ser humano. Como tal, articula-se
com outros conceitos definidores da
visão antropológica, sócio-política e
histórica de Freire, tais como “inédito
viável”, “inacabamento” e “possibilidade
histórica”. Na obra Pedagogia do oprimido,
Freire concebe “ser mais” como desafio
da libertação dos oprimidos como busca
de humanização. A partir do diálogo
crítico e problematizador, será possível
aos oprimidos construírem caminhos
concretos para a realização de seu ser
mais. Já na Pedagogia da esperança, Freire
retoma a concepção de ser humano como
possibilidade e projeto, articulando com a
perspectiva histórica da humanidade.
Na visão de Freire (1987, p. 31), “a luta dos oprimidos
não deverá conduzi-los a oprimirem os seus opressores;
pois, como restauradores da humanidade de si mesmos
como oprimidos e dos seus opressores, a tarefa humanista e
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Epistemologia da educação popular em Paulo Freire
histórica dos oprimidos é libertar-se a si e aos opressores”.
Esta dupla tarefa é o desafio dos oprimidos que, uma vez
libertos de si mesmos, poderão ser vistos como livres pelos
seus opressores. Libertar a si mesmo significa, no contexto
da obra de Freire, deixar de ser “hospedeiro da consciência
do opressor”, de sua referência e do desejo de querer ser igual
a ele, como se esta fosse a única forma de ser.
5.5 Generosidade opressora
Unidade
4
Paulo Freire acusa os opressores de praticarem uma
“falsa generosidade” porque se realizam com a permanência
da injustiça.
Na crítica à falsa generosidade, vê-se
claramente, de acordo com Freire, a origem e os agentes
que cultuam a opressão em todas as suas dimensões, ou seja,
a falsa generosidade é apenas uma das suas manifestações
subjetivistas, mas alcançam dimensões objetivas na realidade
histórica. Entre as muitas tarefas dos oprimidos Freire lhes
atribui a de restaurar a generosidade verdadeira que possa
livrá-los do servilismo imposto pelo estado de opressão.
Neste sentido, Freire afirma que:
A verdadeira generosidade está em lutar
para que desapareçam as razões que
alimentam o falso amor [...], está em lutar
para que as mãos, sejam de homens ou de
povos, se estendam menos em gestos de
súplica de humildes a poderosos e se vão
fazendo, mãos humanas, que trabalhem e
transformem o mundo. Este ensinamento
e este aprendizado têm de partir dos
oprimidos e dos que com eles realmente
se solidarizem. Lutando pela restauração
de sua humanidade estarão, sejam homens
ou povos, tentando a restauração da
generosidade verdadeira (FREIRE, 1987
p. 31).
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Educação de jovens e adultos
saiba mais
Pensar crítico – Não há
o diálogo verdadeiro se
não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crítico diz do
pensar que, não aceitando a dicotomia mundohomens, reconhece entre
eles uma inquebrantável
solidariedade. Este é um
pensar que percebe a realidade como processo,
que a capta como um
constante devenir e não
como algo estático. Não
se dicotomiza a si mesmo na ação. Opõe-se ao
pensar ingênuo. Pensar
ingênuo – diz do pensar
que vê o tempo histórico como um peso, como
uma estratificação das
aquisições e experiências
do passado de que resulta
dever ser o presente algo
normalizado e bem comportado. Para o pensar
ingênuo, o importante é
a acomodação a este hoje
normalizado. A sua meta
é agarrar-se a este espaço garantido, ajustandose a ele e, negando a
temporalidade, negar-se
a si mesmo. Para o pensar crítico o importante é
a transformação permanente da realidade, para
a permanente humanização dos homens. Somente o diálogo, que implica
um pensar crítico, é capaz
também de gerá-lo. Sem
ele não há comunicação
e sem esta não há verdadeira educação. A que,
superando a contradição
educador/educandos, se
instaura como situação
gnosiológica, em que os
sujeitos incidem seu ato
cognoscente sobre o objeto cognoscível que os
mediatiza (FREIRE, 1987,
p. 83).
A verdadeira generosidade pressupõe uma
transformação interior no modo como o sujeito lida com
a sua subjetividade, e isso significa comprometer-se com
um princípio que é o amor aos seres humanos e à justiça,
a fim de combater a ordem social injusta que, segundo
Freire, é fonte geradora da “falsa generosidade” e da
miséria humana.
5.6 O que é a pedagogia do oprimido?
No interior da pedagogia do oprimido, residem
os dois polos de um embate social, a saber, o opressor
e o oprimido. Esse dois polos precisam dialogar entre si
na tentativa de superar as dicotomias e as contradições
existentes entre ambos, que os fazem antagônicos no
processo histórico. Esse antagonismo conduz ambos
a adotarem posturas dogmáticas e fatalistas; na medida
que cada polo, ao seu modo, aceita as circunstâncias
históricas como destino dado e inabalável nas suas
condições objetivas. Realizar a aproximação entre
dois polos é uma das tarefas da pedagogia do oprimido
somente possível pelo diálogo fundamentado no pensar
crítico. Esta problemática nos ajuda a entender alguns
dos desdobramentos da pedagogia do oprimido e em que
bases lógicas se assentam parte de sua teoria e de seus
conceitos estruturantes.
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A pedagogia do oprimido é aquela que
tem de ser forjada com ele e não para
ele, enquanto homens ou povos, na
luta incessante de recuperação de sua
humanidade. Pedagogia que faça da
opressão e de suas causas objeto da
reflexão dos oprimidos, de que resultará
o seu engajamento necessário na luta por
sua libertação, em que esta pedagogia se
fará e refará. A pedagogia do oprimido,
que não pode ser elaborada pelos
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Epistemologia da educação popular em Paulo Freire
opressores, é um dos instrumentos para
esta descoberta crítica: a dos oprimidos
por si mesmos e a dos opressores pelos
oprimidos, como manifestações da
desumanização (FREIRE, 1987, p. 32).
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Unidade
4
Uma das características dos oprimidos, segundo
Freire, é que estes “hospedam” o opressor em si e isso os
coloca na condição de seres duplos e inautênticos, pois sua
referência mais imediata é o opressor. Para participar da
elaboração da pedagogia de sua libertação, os oprimidos
precisam descobrir-se “hospedeiros” do opressor e,
somente assim, poderão contribuir para o partejamento
de sua pedagogia libertadora. Vivendo a dualidade de ser
oprimido e se parecer com o opressor é impossível fazer a sua
pedagogia. “Num primeiro momento deste descobrimento,
os oprimidos, em vez de buscar a libertação na luta e por
ela, tendem a ser opressores também, ou subopressores”
(FREIRE, 1987, p. 32). Num verbete dedicado às categorias
opressor/oprimido, Avelino da Rosa Oliveira (cf. Dicionário
Paulo Freire, 2010, p. 294) argumenta que estas categorias
são polos opostos das relações sociais de antagonismo e
acrescenta que, fundamentalmente, oprimidos e opressores
são classes sociais antagônicas e em luta.
Admite, no entanto, que é possível que se instaurem
relações de opressão entre os próprios oprimidos; pois
enquanto seres envoltos em relação de dominação, tanto
opressores quanto oprimidos têm sua vocação ontológica
negada pela realidade histórica de opressão que funda suas
existências. A conclusão apresentada por Avelino da Rosa
Oliveira retoma umas das teses amplamente discutidas em
toda a obra de Paulo Freire, qual seja: “só a práxis libertadora
do oprimido é capaz de superar a opressão e restaurar a
humanidade de ambos”.
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Educação de jovens e adultos
5.7 A aderência ao opressor
Os oprimidos encontram-se aderidos ao modelo
do opressor. Esta aderência, no contexto da pedagogia do
oprimido, significa repeti-lo nas suas ideologias, culturas e
práticas, pois este é o único referencial que lhes é permitido
conhecer. A razão pela qual essa aderência se afirma está
no fato de que “a estrutura de pensamento do oprimido
encontra-se condicionada pela contradição vivida na situação
em que se formam” (FREIRE, 1987, p. 32). Embora o ideal
dos oprimidos seja exercer a sua liberdade, serem homens
livres na contradição em que sempre estiveram é ser opressor,
pois este é o seu testemunho de liberdade.
Os oprimidos assumem uma postura
de “aderência ao opressor” [...]. O
seu conhecimento de si mesmo, como
oprimidos, se encontra prejudicado pela
“imersão” em que se acham na realidade
opressora. Reconhecerem-se contrários
aos opressores, não significa ainda lutar
pela superação da contradição. É o
oprimido pretendendo a identificação com
o seu contrário. Para ele, o novo homem,
é ele mesmo, tornando-se opressor de
outro. A sua visão de homem novo é uma
visão individualista. A sua aderência ao
opressor não lhes possibilita a consciência
de si como pessoa, nem a consciência de
classe oprimida (FREIRE, 1987, p. 33).
O nível da identificação com o seu contrário significa
apenas uma espécie de “ascensão” da condição de oprimido
para opressor, o que em nada mudaria em termos de
superação da contradição entre as classes e, por sua vez, não
se efetivaria a transformação social e a libertação de todos.
A aderência ao opressor é o que teoricamente sustenta
a prescrição que Freire define como “um dos elementos
básicos na mediação opressores/oprimidos. Toda prescrição
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é a imposição da opção de uma consciência sobre outra. Por
isso o comportamento do oprimido é um comportamento
prescrito” (FREIRE, 1987, p. 34).
6 A CONCEPÇÃO BANCÁRIA DA EDUCAÇÃO
Paulo Freire afirma que a “concepção bancária da
educação” é um instrumento de opressão. Ao defender
esta tese, Freire critica os pressupostos desta concepção,
mostrando o seu efeito domesticador das formas de pensar,
sentir e agir dos sujeitos. Em oposição a este paradigma,
Freire propõe a concepção libertadora da educação cujo
pressuposto é servir à libertação dos sujeitos. Daí as suas
implicações com uma educação como prática da liberdade.
Veja, no Quadro 3, a distinção básica entre as duas
concepções:
Quadro 3
Concepção libertadora da
educação
 Crítica
 Mistifica a realidade
 Desmistifica a realidade
 Serve à dominação
 Serve à libertação
 Inibe a criatividade
 Funda-se na criatividade
 Domestica
 Estimula a reflexão e a ação
verdadeiras do homem
sobre a realidade.
 Nega os homens na sua
vocação
ontológica
e
histórica de humanizar-se.
 Responde à vocação dos
homens como seres que
não podem autenticarse fora da busca e da
transformação criadora.
 Imobilista, fixista
 Parte do caráter histórico
e da historicidade dos
homens.
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4
 Assistencialista
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educação
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 Desconhece os homens
como seres históricos.
 Reconhece
os
homens
como seres que estão
sendo.
 Ênfase na permanência
 Ênfase na mudança
 Reacionária
 Revolucionária
Fonte: Elaborado a partir dos capítulos I, II e III da obra Pedagogia do oprimido (FREIRE,
1987)
A concepção libertadora da educação, defendida por
Paulo Freire, tem como pressupostos a compreensão de que os
homens são seres de busca e que sua vocação é humanizar-se,
ação inspirada na profunda crença nos seres humanos e no seu
poder criador. Tais pressupostos funcionam como premissas
que reforçam a natureza ontológica desta concepção, cuja
finalidade última é o ser do homem e sua relação transformadora
e livre consigo mesmo, com os outros e com a realidade.
Para que esta concepção se efetive, faz-se necessária
uma pedagogia que possa dar corpo, fundamento e movimento
às suas ideias. Assim, a pedagogia do oprimido finca suas raízes
mais profundas, quais sejam: dialogar com as massas sobre suas
ações, exigência da inserção crítica das massas na sua realidade
através da práxis, convicção de que nenhuma realidade se
transforma a si mesma e ter nos oprimidos os seus sujeitos
(FREIRE, 1987). O movimento da pedagogia do oprimido
dar-se-á na medida em que os oprimidos desvelam o mundo de
opressão e comprometem-se com a práxis libertadora.
7 OS TEMAS GERADORES
Os temas geradores dão sentido à experiência cotidiana
dos sujeitos, na medida em que os assuntos que lhes são
costumeiros podem ser tematizados e estudados a partir dos
critérios do senso crítico, isto é, em termos freirianos, da
curiosidade epistemológica. Segundo Freire, “esses temas
geradores podem ser localizados em círculos concêntricos que
partem do mais geral ao mais particular” (FREIRE, 1987, p.
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Epistemologia da educação popular em Paulo Freire
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94). Para ele, procurar o tema gerador é procurar o pensamento
do homem sobre a realidade e a sua ação sobre esta que está em
sua práxis. Pensamento e ação do ser humano sobre a realidade
já indica a perspectiva dialética da práxis freiriana, isto é, pensar
e agir.
Essa dialética, também expressa no esquema ação/
reflexão/ação, demonstra o caráter dialógico da pedagogia
libertadora. Uma pedagogia que escapa ao idealismo subjetivista
e também ao realismo objetivista e encontra um caminho
metodológico que faz interagir sem sobreposição de um ou
outro polo, mesmo que antagônicos na tradição filosófica.
A investigação do tema gerador deve se realizar por
meio de uma metodologia que nos possibilita a sua apreensão
e começa a inserir os seres humanos no mundo criticamente,
para que possam pensar sobre si mesmos, sobre sua realidade.
Essa metodologia, na perspectiva da educação libertadora, exige
que, no fluxo da investigação, os pesquisadores e os homens do
povo se façam ambos sujeitos da mesma, ou seja, o povo não é
objeto de investigação, pelo contrário, é sujeito de investigação.
E Freire conclui que “se na etapa da alfabetização a educação
problematizadora busca investigar a palavra geradora, na pósalfabetização busca e investiga o tema gerador” (FREIRE,
1987, p. 102).
Notadamente, a preocupação de Freire com o
investigador na procura do tema gerador deve-se ao perigo de
se repetir os modelos tradicionais mecanicistas, que reduzem o
sujeito ao estado de coisas. A coisificação do humano é superada
já nas primeiras etapas da metodologia conscientizadora, tendo
em vista que pesquisador e pessoa do povo participam como
sujeitos, cada uma ao seu modo e na medida do seu alcance
cognitivo, pensando e agindo sobre o objeto de investigação
que são os temas que se lhes apresentam à consciência e ao
mundo da vida dos sujeitos.
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8 TESES ESSENCIAIS DA EDUCAÇÃO POPULAR
LIBERTADORA
Na pedagogia do oprimido, Freire (1987) apresenta
algumas das teses que sustentam o edifício de sua filosofia
da educação. Vejamos:
a) O diálogo é este encontro dos homens mediatizados
pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando,
portanto, na relação eu-tu (p. 78).
b) O diálogo é uma exigência existencial (p. 79).
c) Não há diálogo se não há uma intensa fé nos
homens, no seu poder de fazer e refazer, de criar
e recriar, na sua vocação de ser mais, que não é
privilégio de alguns, mas direitos de todos (p. 81).
d) Ao fundar-se no amor, na humildade, na confiança
nos homens, o diálogo se faz horizontal, em que
a confiança de um polo no outro é consequência
(p. 81).
e) O papel dos homens no mundo e com o mundo
é o de serem sujeitos da transformação e não da
adaptação (p. 116).
f) O importante do ponto de vista de uma educação
libertadora é que os homens se sintam sujeitos
de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua
própria visão de mundo, manifestada implícita ou
explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus
companheiros (p. 120).
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9 ALGUNS CONCEITOS ESTRUTURANTES DA
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9.1 Totalidade
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A Totalidade, na perspectiva de Freire, somente
pode ser conhecida a partir de uma compreensão crítica dos
seres humanos, que seja capaz de perceber os elementos
constituintes da mesma totalidade e as suas interações.
Neste sentido, conhecer é saber das inter-relações do todo
e de suas partes.
Na sua concepção analítica da totalidade, Freire
afirma que é “indispensável ter antes a visão totalizada
do contexto para, em seguida, separarem os elementos
deste contexto, através de cuja separação voltariam mais
claramente à totalidade analisada” (FREIRE, 1987, p. 97).
Na medida que a totalidade se apresenta parcialmente
distante da compreensão dos seres humanos, e estes são
envolvidos, mas não se percebem imersos na realidade,
faz-se indispensável a abstração que, de acordo com o
próprio Freire (1987), não significa reduzir o concreto ao
abstrato, mas manter ambos em oposição e em permanente
dialeticidade no ato de pensar.
9.2 Dimensões significativas da realidade
Na pedagogia do oprimido, Freire diz da dimensão
constituída de partes em interação que, ao serem analisadas
criticamente, devem ser percebidas pelos indivíduos como
dimensão da totalidade. Trata-se de exercer a crítica não
apenas da dimensão subjetiva da existência; mas, também,
dos limites impostos pelas condições objetivas que se
expressam nas situações-limites. É neste sentido que, tanto
o pensamento analítico quanto a crítica fundamentada na
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razão e na experiência histórica ganham, na obra de Freire,
o status de pressuposto para a crítica das contradições da
realidade existencial. Ele explica que:
A análise crítica de uma dimensão significativoexistencial possibilita aos indivíduos uma
nova postura, também crítica, em face das
situações-limites. A captação e a compreensão
da realidade se refazem, ganhando um nível
que até então não tinham. Os homens tendem
a perceber que sua compreensão e a “razão”
da realidade não estão fora dela, como por
sua vez, ela não se encontra dicotomizada,
como se fosse um mundo à parte, misterioso
e estranho que o esmagasse (FREIRE, 1987,
p. 96).
As dimensões estão na extensão da totalidade e,
portanto, podem ser decompostas e recompostas ao todo num
exercício de análise e síntese, do geral para o particular e deste
para o geral. Essas dimensões isoladas da totalidade facilitam
o conhecimento, mas só adquirem sentido verdadeiro, no
contexto geral, em termos lógicos e, no mundo da vida, em
termo de realidade histórica.
9.3 Codificação
A codificação em Freire (1987, p. 97) “é a representação
de uma situação existencial com alguns de seus elementos
constitutivos em interação”. Isso significa que, uma
representação não dá conta de expressar todos os elementos
de uma situação existencial, mas apenas aqueles que na
intencionalidade dos seus agentes lhes parecem possíveis
representá-los ou, até mesmo ideologicamente convenientes
para os codificadores. O sujeito somente se reconhecerá na
representação de uma “situação existencial codificada” se esta
tornar-se objeto de sua reflexão crítica. Mas o que faz o sujeito
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frente a uma situação existencial codificada? Freire (1987)
explica que:
Dois são os tipos de codificações:
essencial e auxiliares; a essencial é aquela
que representa o núcleo básico e que,
abrindo-se em leque temático terminativo,
se estenderá nas codificações auxiliares.
Depois de descodificada a codificação
essencial, mantendo-a projetada como um
suporte referencial para as consciências
a ela intencionadas vai, sucessivamente,
projetando a seu lado as codificações
auxiliares. Na codificação se procura
re-totalizar o tema fragmentado na
representação de situações existenciais
(FREIRE, 1987, p. 110-116).
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Descodificação - A
descodificação da situação existencial provoca esta postura normal
que implica um partir
abstratamente até o
concreto; que implica
uma ida das parte ao
todo e uma volta deste
às partes; que implica um reconhecimento
do sujeito no objeto –
a situação existencial
concreta – e do objeto
como situação em que
está o sujeito. Em todas as etapas da descodificação estarão os
seres humanos exteriorizando sua visão
de mundo, sua forma
de pensá-lo, sua percepção fatalista das
situações-limites, sua
percepção estática ou
dinâmica da realidade.
Na descodificação os
indivíduos, separando
a codificação como totalidade, apreendem os
temas nela implícitos
ou a ela referidos. Este
processo de descodificação [...] se completa
na retotalização da totalidade separada [...]
e nas relações com outras situações codificadas, todas elas representações de situações
existenciais
(FREIRE,
1987, p. 97-116).
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Está claro aqui o aspecto metodológico da
codificação que, primeiramente, cumpre dividir para
descrever separadamente as partes do todo. Esta tendência
identificada por Freire demonstra que o sujeito opera com o
método científico, isto é: fragmentar e descrever, presentes
nas tradições: cartesiana e fenomenológica.
O que são as codificações e de que tipo elas são?
Freire (1987) explica que as codificações são mediações
entre o contexto concreto em que se dão os fatos e o
contexto teórico em que estes são analisados. São também
o objeto cognoscível sobre o que educador e educando,
como sujeitos que conhecem, exercem a reflexão crítica.
As codificações são tipificadas por Freire como essenciais
e auxiliares. Vejamos como o autor define cada uma delas:
saiba mais
Unidade
Em face de uma situação existencial
codificada, a tendência dos indivíduos
é realizar uma espécie de fragmentação
na situação que se lhes apresenta. Esta
fragmentação na prática da descodificação
corresponde à etapa de descrição da
situação. A fragmentação da situação
figurada possibilita descobrir as partes do
todo (p.97).
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Como objetos cognoscíveis, as codificações podem
ser estudadas e desvendadas na sua realidade pelos sujeitos.
O processo de reconhecê-las enquanto objeto já constituem
um ato de conhecimento que significa o primeiro passo para
a descodificação, possível graças às várias possibilidades de
análise que uma situação codificada permite que lhes seja
realizada. Essas análises consistem na decomposição, pelo
sujeito cognoscente, das suas partes constituintes, a fim de
serem conhecidas separadamente e, depois de conhecidas,
recompostas à totalidade.
saiba mais
Positivismo - Este termo foi empregado pela
primeira vez por SaintSimon em 1830, para
designar o método exato das ciências e sua
extensão para a filosofia. Foi adotado por Augusto Comte para a sua
filosofia e, graças a ele,
passou a designar uma
grande corrente filosófica que, na segunda
metade do século XIX,
teve numerosíssimas e
variadas manifestações
em todos os países do
mundo ocidental. A característica do positivismo é a romantização
da ciência, sua devoção
como único guia da vida
individual e social do
homem, único conhecimento, única moral,
única religião possível.
O positivismo acompanha e estimula o nascimento e a afirmação
da organização técnicoindustrial da sociedade
moderna e expressa a
exaltação otimista que
acompanhou a origem
do industrialismo (cf.
Dicionário de filosofia.
ABBAGNANO, 2003, p.
776).
9.4 Investigação temática
A investigação na perspectiva freiriana é coerente
com a educação libertadora dialógica. Isso significa que
investigar não se trata de uma relação sujeito-objeto, na
qual o sujeito cognoscente exerce sobre o objeto cognoscível
a ação investigadora. Para Freire (1987, p. 88), o que se
pretende investigar “é o pensamento-linguagem dos seres
humanos referido à realidade, os níveis de sua percepção
sobre esta realidade e a sua visão de mundo em que se
encontram envolvidos os seus temas geradores”. Sendo
a realidade histórica o campo próprio da práxis humana,
Freire concebe a investigação como um procedimento
distinto do que se é praticado na investigação de base
positivista, cuja sistematização dos modos de pensar, sentir
e agir dos sujeitos resulta na padronização das maneiras dos
indivíduos exercerem a reflexão sobre o real. Mas o que é a
investigação temática, como esta se realiza e qual a função
do investigador? Freire (1987) explicita que:
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A investigação temática se faz um esforço
comum de consciência da realidade e de
autoconsciência, que a inscreve como ponto
de partida do processo educativo ou da
ação cultural libertadora. A investigação se
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fará pedagógica quanto mais crítica ela for,
e se fará mais crítica quanto mais se fixe na
compreensão da totalidade. A investigação
temática envolve a investigação do próprio
pensar do povo. Pensar que não se dá fora
dos homens, nem num homem só, nem no
vazio, mas nos homens e entre os homens,
e sempre referido à realidade (p. 100-101).
4
Neste sentido, Paulo Freire (1987, p. 101) adverte
que “o investigador da temática significativa que, em
nome da objetividade científica, transforma o orgânico em
inorgânico [...] teme a transformação”. Isso significa que, ao
investigar o pensamento do sujeito sobre a realidade que o
envolve, o investigador em educação não deve reduzir o ser
humano à condição de um objeto inorgânico, sem vida, pois
se trata de investigar um ser que produz cultura e é capaz de
realizar transformações em si mesmo e na realidade em que
se encontra. O investigador deve considerar que, quando se
trata de seres humanos, não é possível “pensar pelos outros,
nem para os outros e nem sem os outros, mas com ele como
sujeito de seu pensar” (FREIRE, 1987, p. 101).
Unidade
9.5 O conteúdo programático
Na perspectiva da educação problematizadora, o
conhecimento científico relaciona-se horizontalmente
com o saber popular, a fim de conhecer as suas demandas
e estruturar este saber, elevando-o à condição de saber
sistematizado. O conteúdo programático é resultante de
uma demanda da realidade em que o sujeito está situado,
e esta demanda levanta temáticas que dialogam com o
conhecimento científico.
Trata-se de um entendimento que concebe o
conhecimento científico e o saber popular como distintos e,
na mesma medida, importantes para o contexto da realidade
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popular e da tradição científica. Porém esta concepção
propõe que o sujeito avance da “curiosidade ingênua para
a curiosidade epistemológica”. Em sentido aristotélico,
significa avançar da doxa (opinião) para a episteme
(conhecimento). A educação libertadora propõe o diálogo
com o senso comum mas, diferente do que às vezes se
pode pensar, ela propõe a superação deste pela razão crítica.
O diálogo entre o senso comum e a razão crítica gera o
conteúdo programático da educação problematizadora, pois
é desse diálogo que as demandas de conteúdo se apresentam.
Freire (1980, p. 83-84) explica que:
[...] para o educador dialógico o conteúdo
programático da educação não é uma
doação ou uma imposição, mas a devolução
organizada e acrescentada ao povo
daqueles elementos que este lhe entregou
de forma desestruturada.
Uma das teses fundamentais da educação
problematizadora é a de que “a educação autêntica não se faz
de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados
pelo mundo, originando pontos de vista sobre ele” (FREIRE,
1987, p. 84). Isso significa que a educação não se faz para o
outro nem sem o outro, mas com o outro. É processo que
envolve alteridade, a exigência de reconhecer que eu não sou
sem o outro; ou seja, de admitir a incompletude humana
como aquilo que nos faz necessários e dependentes uns dos
outros.
Coerente com este princípio, a educação
problematizadora opõe-se à prática da educação bancária,
cujo conteúdo programático da educação é uma imposição,
segundo Freire, de quem sabe mais sobre quem menos sabe
sobre a ciência. Neste sentido, Freire (1980, p. 84) explica:
Simplesmente não posso chegar aos
operários [...] estes quase umbilicalmente
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ligados ao mundo da natureza de que se
sentem mais partes que transformadores
para, à maneira da concepção bancária
entregar-lhes conhecimentos ou imporlhes um modelo [...] contido no programa
cujo conteúdo nós mesmos organizamos.
Para Freire (1987), o momento desta busca do
conteúdo programático é o que inaugura o diálogo da
educação como prática da liberdade, pois é aí que se
realiza a investigação do universo temático do povo, isto
é, dos seus temas geradores. Esta investigação implica uma
metodologia que deve ser coerente com a finalidade da
educação libertadora, a saber, de ter nos homens o sujeito
da investigação.
ATIVIDADES
ATIVIDADES
Unidade
4
1) Quais as implicações do conceito de conscientização
no contexto da educação libertadora?
2) Identifique as características da concepção bancária
da educação e da concepção problematizadora; depois
explique, com base na sua observação, que elementos
de uma e outra estão presentes na prática educativa
atual.
3) Fundamentando-se no estudo da epistemologia da
educação popular em Paulo Freire, elabore um texto
dissertativo, interpretando algumas teses essenciais da
educação libertadora e sua relação com o conceito de
pedagogia do oprimido.
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O texto dissertativo deve ser escrito, no mínimo, em
duas laudas; e, no máximo, em quatro laudas; fonte: Times
New Roman ou arial; espaçamento entrelinhas: 1,5. Depois
entregue o texto ao tutor.
RESUMINDO
RESUMINDO
Você estudou, nesta unidade:
1. Alguns dos problemas em torno da concepção
freiriana da educação, sua teoria e o seu método.
2. As implicações da educação como prática da
liberdade e a distinção entre a concepção bancária de
educação e a concepção libertadora.
3. Os pressupostos da concepção libertadora da
educação e sua ontologia, fundamentada na ideia de
ser humano como seres inacabados, inconclusos e
imperfeitos e em permanente processo de busca.
4. A educação popular como um movimento de
mobilização de massas e os seus procedimentos de
natureza política, social, cultural, tendo em vista a
conscientização dos sujeitos.
5. A conscientização como o conceito central da
educação libertadora, que implica na transformação
do pensar ingênuo para o pensar crítico.
REFERÊNCIAS
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Epistemologia da educação popular em Paulo Freire
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da
libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire.
3. ed. São Paulo: Moraes, 1980.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.
HILTON, Japiassú; MARCONDES, Danilo. Dicionário
básico de filosofia. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
Unidade
4
STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI,
José Jaime (Orgs). Dicionário Paulo Freire. 2. ed. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2010.
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Suas anotações
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