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O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS ELEMENTARES PARA
ADULTOS NA CIDADE DE CURITIBA (1876-1882).
Eliane Mimesse Prado
Faculdade Internacional de Curitiba
RESUMO
Este estudo integra uma pesquisa sobre as práticas escolares e a instrução elementar paranaense, balizada
entre o ano de 1853, quando da instalação da Província e 1889, ano da proclamação da República. Pretendese neste recorte analisar a necessidade de criação e implantação das escolas provinciais e municipais de
ensino elementar para adultos do sexo masculino na cidade de Curitiba. Como também, identificar as
práticas desenvolvidas pelos professores dessas escolas. As práticas serão analisadas como conhecimentos
transmitidos e incorporados a partir das normas, que por sua vez, definem os conhecimentos e as condutas de
ensino, decorrentes das finalidades de determinadas épocas, para assim compor a cultura escolar. O período
estabelecido para tal pesquisa centra-se entre os anos de 1876, quando ocorre a criação e efetivo
estabelecimento da escola provincial e o ano de 1882, momento em que o município organiza sua escola. No
intervalo que compreende estes seis anos, três escolas para alunos do sexo masculino foram criadas, quais
sejam: escola provincial noturna, escola diurna da cadeia e escola noturna da Câmara Municipal. No ano de
1876, o Presidente da Província em relatório à Assembléia Legislativa argumenta sobre a necessária
expansão do ensino para os adultos, a partir desta exposição decorrem discussões sobre a viabilidade de
criação de escolas noturnas para adultos na cidade. No segundo semestre, deste mesmo ano, foi criada e
instalada uma cadeira pública noturna de instrução primária para adultos do sexo masculino. A manutenção e
permanência desta cadeira foi tênue, apesar da existência de professor e de instalações físicas. Pode-se
explicar as várias supressões e reaberturas desta escola noturna, especificamente, a medida em que, verificase o número de Presidentes e vice-Presidentes da Província, nestes poucos anos estudados. O cargo foi
ocupado por sete Presidentes e quatro vice-Presidentes, possibilitando, conseqüentemente interpretações
diferenciadas sobre a necessidade de manutenção desta cadeira noturna pelo Tesouro Provincial. No ano de
1880, teve início o funcionamento da escola diurna para os adultos que estavam privados de liberdade. Os
alunos desta escola foram escolhidos entre os que não apresentavam conhecimentos mínimos da instrução
elementar. E por fim, em 1882, foi instalada em uma das salas da Câmara Municipal uma escola de instrução
primária para o sexo masculino. Esta escola apresenta diferenciais com relação às outras, mesmo sendo
noturna e voltada à alfabetização de adultos aceitou meninos a partir de oito anos de idade e, ainda, adultos
cativos. As fontes utilizadas nesta pesquisa são compostas principalmente por documentos oficiais, mais
especificamente relatórios, requerimentos, ofícios e atas de reuniões, que podem ser encontrados no acervo
do Arquivo Público do Paraná. Os relatórios selecionados foram os dos Presidentes da Província endereçados
à Assembléia Legislativa; os requerimentos e ofícios escritos pelos professores das escolas públicas ao
Presidente da Província ou ao Diretor Geral da Instrução Pública; os ofícios redigidos pelo Diretor Geral da
Instrução Pública ao Presidente da Província e as atas das reuniões da Câmara Municipal. As atas relatavam
os debates decorrentes da urgência na criação e posterior implantação da escola noturna para os moradores
da cidade. A documentação analisada compreende ainda regulamentos da Instrução Pública e o regulamento
da escola da cadeia. Os resultados deste estudo ainda são esparsos, a medida que o levantamento dos
documentos avançar, as vinculações entre os dados irão preencher as lacunas. Já foram identificados nas
fontes, relatos sobre os recursos utilizados nas aulas e os materiais didáticos necessários ao desenvolvimento
das mesmas, mas ainda, existem apenas hipóteses sobre a aplicação na prática de métodos de ensino, formas
de avaliações e apresentação dos conteúdos. Os regulamentos de ensino listavam as normas e os
conhecimentos a serem ensinados. Por outro lado, os conteúdos estabelecidos para o ensino nas escolas
elementares eram únicos, como também a utilização de determinado método, mas somente o levantamento e
análise das fontes poderá responder como ocorreram as práticas dos professores nas salas de aulas.
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TRABALHO COMPLETO
As primeiras salas de alfabetização de adultos foram instaladas no final da década de setenta do
século XIX, e até a década de oitenta continuaram a ser criadas. As iniciativas aqui estudadas tratam apenas
das escolas públicas abertas nos anos que compreendem essa pesquisa. Faz-se necessário esclarecer que
nesta época as salas de aulas recebiam a denominação de escolas, já que na mesma sala conviviam alunos de
séries e idades diferentes. De acordo com Paiva (1983)
... por volta de 1870 – verifica-se um surto de progresso na economia brasileira, com
conseqüências sobre sua organização social, e começam a se introduzir idéias liberais,
aparecem também os primeiros pronunciamentos em favor da educação do povo num sentido
semelhante àquele encontrado com vigor a partir de 1915. Paulino de Souza, por exemplo,
defende em 1869 a idéia de ensinar 'o mais possível ao maior número possível', antecipando
algumas das reivindicações dos futuros 'entusiastas'. Não se trata, entretanto, neste momento,
de um movimento, mas de pronunciamentos isolados de alguns indivíduos mais interessados
no problema. Mesmo o otimismo pedagógico pode tentar encontrar suas raízes nas
preocupações que deram origem às reuniões pedagógicas realizadas na década dos 70 e das
quais nasceu a idéia de um Congresso de Instrução; se não era possível, em virtude da lei,
termos um sistema nacional de ensino elementar, talvez se pudesse tentar uma uniformização
de métodos. programas e currículos. (Paiva, 1983, p. 53)
Efetuou-se um levantamento sobre a instrução primária elementar de adultos na cidade de Curitiba,
no período compreendido entre os anos de 1853, data de instalação da Província do Paraná e 1889, ano da
proclamação da República, momento da criação do Estado do Paraná. As fontes utilizadas nesta pesquisa são
compostas principalmente por documentos oficiais, mais especificamente relatórios, requerimentos, ofícios,
atas de reuniões, leis e decretos, que podem ser encontrados no acervo do Arquivo Público do Paraná. A
análise pretendida para tal documentação seguirá os ditames explorados pela cultura escolar e pela prática
dos professores nas escolas estudadas. Os ofícios e os requerimentos escritos pelos professores apresentam
resquícios de suas práticas cotidianas, além dos ofícios assinados pelos inspetores de ensino.
... poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem
conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a
transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e
práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades
religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser
analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a
obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de
facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores. Mas, para
além dos limites da escola, pode-se buscar identificar, em um sentido mais amplo, modos de
pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que não
concebem a aquisição de conhecimentos e de habilidades senão por intermédio de processos
formais de escolarização, ... (Julia, 2001, p. 10)
Constatou-se, até este momento, que a criação das aulas de alfabetização de adultos na cidade
ocorreram principalmente em um intervalo de seis anos. Consequentemente este é o período estabelecido
para tal pesquisa, centrado entre os anos de 1876, quando ocorre a criação e efetivo estabelecimento da
escola provincial e o ano de 1882, momento em que o município organiza sua escola. Neste intervalo três
escolas para alunos do sexo masculino foram criadas, quais sejam: escola provincial noturna, escola diurna
da cadeia e escola noturna municipal.
Beisiegel (1974) afirma que a necessidade de escolarização obrigatória em pauta no período imperial
estava associada a outras reivindicações, porque era um modo de
... formação de uma consciência popular esclarecida, meio de valorização do trabalho livre,
estava na raiz do processo de emancipação da mulher e, sobretudo, era condição básica de
realização do progresso. A educação, neste período, com efeito, já era entendida, em largos
círculos das elites cultas do país como a "mola propulsora" da evolução da sociedade. Tudo
se esperava obter a partir da elevação do nível educacional dos brasileiros. É crença
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generalizada, no período, que um país é o que sua educação o faz ser ... "Espera-se que da
reforma do ensino, do aperfeiçoamento da instrução, surja uma mentalidade nova, integrada
nas exigências do tempo. A meta visada é a colocação do país ao nível do século. Para que o
país cumpra o seu destino é preciso, por assim dizer, superar-se o seu atraso cultural, acelerar
sua marcha para alcançar a parte mais progressiva da humanidade.(Beisiegel, 1974, p. 55)
Nas discussões para a elaboração do projeto de Constituição de 1823 apareceram as idéias sobre a
instrução do povo. Esses debates influenciaram outras discussões sobre o assunto nas assembléias
legislativas das várias províncias brasileiras, disseminando-o. Nos anos que se seguiram à proclamação da
independência, o discurso sobre a educação era o da necessidade de alfabetização da população adulta.
Destas discussões nascem as escolas nas cadeias públicas e as escolas noturnas para adultos, livres ou
cativos. Um dos artigos da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (1949) efetua uma análise do
desenvolvimento do ensino nas províncias do Império.
No Paraná houve projeto dos mais interessantes, revelador de uma nova mentalidade, que
se formava, e que já sentia a relação necessária entre a cultura do povo e a capacidade de
deliberar em casos de significação social e política. Estabelecia esse projeto que aos 21
amos, os que não tivessem sido alfabetizados não gozariam de direitos políticos. Ainda no
Paraná, observou-se uma inovação progressista, que foi a de dar instrução à raça negra, com
o estabelecimento de escolas noturnas "para adultos e escravos". (Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, 1949, p. 145)
No ano de 1876, o Presidente da Província do Paraná Adolpho Lamenha Lins, em relatório à
Assembléia Legislativa Provincial argumenta sobre a necessária expansão do ensino para os adultos, a partir
desta exposição decorrem discussões sobre a viabilidade de criação de escolas noturnas para adultos na
Capital, porque já existiam outras iniciativas em cidades mais populosas como Paranaguá1. No segundo
semestre, deste mesmo ano de 1876, foi criada e instalada uma cadeira pública noturna de instrução primária
para adultos do sexo masculino na cidade de Curitiba.
A manutenção e permanência desta cadeira foi tênue, apesar da existência de professor público
"vitalício e formado pela Escola Normal" e, ainda, contasse com instalações físicas adequadas. O professor
nomeado para reger a aula noturna foi o mesmo professor da segunda escola masculina de Curitiba, Miguel
José Lourenço Schleder. Neste ano funcionavam três escolas masculinas de instrução primária elementar na
cidade. Esse professor ministrava aulas para o ensino elementar durante o dia e no período noturno passou a
lecionar para os adultos. As aulas eram ministradas em dias alternados, no horário das 7 às 9 horas da noite e
utilizava uma das salas do Instituto Paranaense2. Tornou-se uma prática no Império a utilização das
instalações das escolas diurnas para o funcionamento das escolas noturnas, e a nomeação do professor desta
mesma escola diurna para lecionar para os adultos. Como esclarece o artigo da Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos (1949, p. 147) "... tratava-se de organizar esses cursos que, atendendo a razões de ordem
econômica, deveriam funcionar nos próprios edifícios das escolas primárias e com os mesmos professores,
mediante, uma gratificação pro labore".
Mas a escola foi várias vezes fechada e em seguida reaberta. A hipótese para tal situação centra-se na
substituição dos Presidentes da Província. O número de Presidentes e vice-Presidentes da Província nestes
poucos anos estudados é relevante, a medida que nem todos consideravam a educação noturna primordial
para os cofres do Tesouro Provincial. O cargo foi ocupado por sete Presidentes e dois vice-Presidentes3.
1
A cidade contava com escolas noturnas de alfabetização de adultos, que tinham como alunos operários e escravos, e
ainda com uma escola fundada por um colono alemão para o ensino de língua portuguesa. (Beisiegel, 1974, p. 63)
2
No Instituto Paranaense eram ministradas as aulas de ensino secundário público da Província, a Escola Normal
encontrava-se anexada à este Instituto. O Instituto recebeu esta denominação a partir do ano de 1876, nas duas décadas
anteriores o extinto Lycêo de Curitiba ministrava as aulas do ensino secundário.
3
Adolpho Lamenha Lins – presidente (maio de 1875 a julho de 1877), Manoel Antonio Guimarães – vice-presidente
(julho a agosto de 1877), Joaquim Bento de Oliveira e Sá – presidente (agosto de 1877 a fevereiro de 1878), Jesuíno
Marcondes de Oliveira – vice-presidente (fevereiro a março de 1878), Rodrigo Octávio de Oliveira Menezes presidente (março de 1878 a março de 1879), Jesuíno Marcondes de Oliveira – vice-presidente (março de 1879 a abril
de 1879), Manuel Pinto de Souza Dantas – presidente (abril de 1879 a agosto de 1880), João José Pedrosa – presidente
(agosto de 1880 a maio de 1881), Sancho de Barros Pimentel – presidente (maio de 1881 a janeiro de 1882), Jesuíno
Marcondes de Oliveira – vice-presidente (janeiro de 1882 a março de 1882) e Carlos Augusto de Carvalho – presidente
(março de 1882 a maio de 1883).
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Esta escola provincial foi criada pelo Regulamento Orgânico da Instrução Pública da Província do
Paraná, datado de 16 de julho de 1876, como segue:
Artigo 158 – Fica creada na Capital uma aula nocturna do ensino primário para adultos do
sexo masculino, a qual funccionará n'um dos salões do Instituto Paranaense, e será provida
por um dos professores primários da Capital com a gratificação de 300$000 annuaes. As
secções dessa escola serão em dias alternados. (Regulamento de 16/07/1876)
As aulas tiveram início em 12 de agosto do mesmo ano, mas foram suprimidas, juntamente com
outras cinqüenta escolas pelo mesmo regulamento em 26 de setembro de 1877. Um abaixo assinado –
composto por duas assinaturas - endereçado ao presidente da província, reivindicava o restabelecimento da
escola noturna, justificando seu pedido pelos alunos por estes encontrarem-se
... profundamente pezarosos por terem sido privados daquelle importante estabelecimento,
inda depois de fatigados de trabalho diario, nas horas de descanso, procuraram como
primeira satisfação, beber as noções da historia patria, ... e tendo o infimo infortunio de
serem privados na infancia dos bancos de primeiras letras. (Arquivo Público do Paraná –
Apontamentos 586)
A escola foi reaberta em 10 de abril de 1882, pelo professor Schleder, que em ofício ao presidente da
província comunica que seus serviços serão prestados gratuitamente, a fim de não onerar os cofres públicos,
e não tendo outro interesse senão o "empenho em prol do adiantamento moral e intellectual desta provincia".
O professor Schleder foi o primeiro a ministrar aulas na escola noturna provincial quando de sua criação na
Capital.
Instituiu-se a prática dos professores ministrarem as aulas noturnas gratuitamente, como propõe o
professor de Curitiba, mesmo com a Reforma Leôncio de Carvalho estabelecendo "... uma gratificação pro
labore". Esta prática oficializa-se a medida que passa a ser estabelecida nos Regimentos das Escolas de
Instrução Primária das Províncias. Como exemplo pode-se citar o Regimento das Escolas de Instrução
Primária da Província de Pernambuco, este previa para as aulas de adultos "... ser[em] estabelecidas por
professores que, gratuitamente, a isso se propusessem, mediante autorização do presidente da província
funcionariam na casa e com os móveis da escola diurna." (Soares & Galvão, 2005, p.17)
No ano de 1880, teve início o funcionamento da escola diurna para os adultos que estavam privados
de liberdade. A Capital da Província acompanhava os debates sobre a educação de adultos que
desenvolviam-se nas outras Províncias, tem-se notícia apenas da criação de duas outras escolas para presos
na década de 1870, uma na Bahia e outra em Mato Grosso, como relata Beisiegel (1974). A prontidão para a
implantação de uma escola na cadeia pública da cidade pode ser explicada pela origem dos presidentes da
província. A maior parte destes presidentes que governaram a província do Paraná já haviam governado
outras províncias do Império, muitos dos projetos de educação discutidos na Assembléia Legislativa eram de
outras províncias, e ainda hoje podem ser manuseados no acervo do Arquivo Público. Pode-se levantar a
hipótese de que a experiência destes presidentes, bem sucedida em outras províncias, levou à rápida
aprovação de um projeto para a criação e implantação de uma escola para os presos.
A Escola da Cadeia entrou em funcionamento no mês de abril de 1880, segundo o ofício do
professor Pedro de Freitas Saldanha, que assumiu as aulas. Esta escola seguia o Regulamento Orgânico da
Instrução Pública e um regulamento provisório da escola para presos elaborado pelo Chefe de Polícia. O
Regulamento Interno Definitivo da Escola da Cadeia foi finalizado e aprovado em abril de 1881, o horário de
funcionamento da escola foi o item que mais criou controvérsias.
Não podendo o horario da escola publica da cadêa desta Capital, que já se acha
funccionando, reger-lhe pelo Regulamento da Instrucção Publica pelos inconvenientes que
há, como sejão fachina e outros serviços externos e internos que ali são feitos e sendo da
maior conveniencia, a bem da disciplina dos presos, estabelecer-se certo regimem na mesma
escola. (Arquivo Público do Paraná – Apontamentos 596)
O horário para o funcionamento das escolas públicas para adultos, segundo o Regulamento Orgânico
da Instrução Pública deveria ser das 7 às 9 horas da noite. Esse era o horário estipulado pela escola noturna
provincial que funcionava no Instituto Paranaense e pela escola municipal que funcionava na Câmara
Municipal. A necessidade de elaboração de um regulamento próprio para os alunos da cadeia centrou-se no
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perigo da fuga, no momento em que os presos deveriam deslocar-se das celas para a sala de aula. O Chefe de
Polícia, encarregado da Cadeia Pública, reelaborou o Regulamento provisório e apresentou o definitivo com
onze artigos. Tratando do horário de funcionamento das aulas na escola da cadeia, que seriam ministradas
entre o meio dia e as três horas da tarde, de segunda a sábado, "a bem da disciplina dos presos". Os
procedimentos do professor e do carcereiro durante as aulas também foi regulamentado. É interessante notar
que os presos tinham aulas seis dias da semana, e os alunos que freqüentavam a escola noturna provincial,
assistiam aulas em dias alternados, ou seja, em três dias da semana.
Destacam-se dois artigos do regulamento interno desta escola quando trata da disciplina para a
entrada e saída na aula, e da necessidade de manter-se em silêncio.
Artigo 6 – Logo que compareça o professor e os alunnos tiverem entrado para a sala da
escola, observadas a ordem e cautelas do Regulamento interno da cadêa. O carcereiro
fechará a porta a qual somente se abrirá á hora em que for terminado o estudo do dia, salvo
ordem em contrário do Inspector das prisões e requisição á este professor.
Artigo 7 – Nenhuma pessoa a excepção do carcereiro em serviço, poderá encostar-se nas
grades da sala da escola, fallar ou comunicar-se com os presos, durante o exercício escolar,
observando-se ali o mais religiosos silencio. (Regulamento Interno da Escola da Cadêa –
Apontamentos 596)
Os alunos desta escola foram escolhidos entre os que não apresentavam conhecimentos mínimos da
instrução elementar. A sala aberta na cadeia era composta por dezessete presos segundo a relação de alunos
datada de abril de 1880. O número de indivíduos encarcerados era maior que o número de alunos da escola.
O que ocorria neste caso, em especial, era que as pessoas ficavam presas por alguns dias, na maior parte das
vezes entre três e quinze dias. Como as penas eram de poucos dias esses indivíduos não assistiam as aulas,
assim explica-se o número reduzido de alunos. Seguem três artigos, identificados em dois decretos
diferentes, como exemplo dessas penas:
• Ferir ou matar qualquer animal de estimação ou utilidade, multa de 20$000 e cinco dias de
prisão, revertendo metade da multa ao denunciante;
• Deitar timbó ou outra madeira venenosa nos rios, lagoas ou mar para matar peixes – multa
de três mil réis ou três dias de prisão;
• O que descobrir os aqueductos, arruinar os bicames, paredes ou partícula dellas incorre na
multa de 10$000 ou 10 dias de prisão, sendo escravos e a fazerem os reparos precisos a sua
custa à de seus senhores; (Decreto n. 430 de 24/04/1875 e Decreto n. 519 de 13/06/1878)
Com o passar dos anos a cidade foi recebendo novos moradores. O número de imigrantes, moradores
nas colônias instaladas nos arredores da cidade, aumentou consideravelmente, o comércio desenvolve-se
atraindo novos habitantes para a Capital, e consequentemente aumentando o número de infrações e prisões.
As penas compreendiam períodos mais longos de reclusão e contribuíram para o aumento dos alunos
freqüentes na Escola da Cadeia. Em um mapa sobre o estado do ensino obrigatório na circunscrição da
Capital datado de 1884, a escola pública do professor Saldanha aparece na listagem com sessenta e cinco
alunos. É um aumento considerável para um período tão curto de tempo, existe a possibilidade do
regulamento interno da Escola da Cadeia ter recebido adentos e passado a aceitar como alunos todos os
indivíduos que lá se encontrassem. Outras pesquisas serão necessárias para comprovar esta e outras hipóteses
sobre este assunto.
E por fim, em 1882, foi instalada em uma das salas da Câmara Municipal uma escola noturna de
instrução primária para o sexo masculino. Esta escola apresenta diferenciais com relação às outras, mesmo
sendo noturna e voltada à alfabetização de adultos, aceitou meninos a partir de oito anos de idade e adultos
cativos. Segundo o Artigo 39 do Regulamento Orgânico da Instrução Pública da Província do Paraná, datado
de 1876, que trata dos impedimentos para os indivíduos que não poderiam efetuar matrícula nas escolas
públicas constam:
1º Aos que soffrerem molestias contagiosas,
2º Aos escravos,
3º Aos menores de 5 annos e maiores de 16,
4º Aos que tiverem sido expulsos segundo a Lei.
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(Regulamento Orgânico da Instrução Pública, 1876)
A idade estipulada para freqüência nas escolas públicas, como citado pelo Regulamento era entre 5 e
16 anos, considera-se assim que apenas os indivíduos maiores de 16 anos deveriam constar nas listas de
freqüência desta escola noturna, o que não ocorre na prática, já que são vários os alunos com oito anos de
idade.
Não existe na história a educação estudo mais tradicional que o das normas que regem as
escolas ou os colégios, pois nós atingimos mais facilmente os textos reguladores e os
projetos pedagógicos que as próprias realidades. Gostaria de insistir somente sobre dois
pontos: os textos normativos devem sempre nos reenviar às práticas; mais que nos tempos de
calmaria, é nos tempos de crise e de conflitos que podemos captar melhor o funcionamento
real das finalidades atribuídas à escola. (Julia, 2001, p. 19)
Foi a Reforma do ensino primário e secundário organizada por Leôncio de Carvalho, datada de 1879,
que complementou o projeto de educação de adultos. A partir desta Reforma o ensino tornou-se obrigatório
para a faixa etária composta dos 7 aos 14 anos e eliminou a proibição da freqüência de escravos nas escolas
públicas. Nas palavras do próprio Ministro
Não é lícito ao Estado cruzar os braços e ver, impassível crescer na ignorância, sem o
mais elementar aprendizado, privadas da mais ligeira noção de seus direitos e deveres,
milhares de crianças a quem mais tarde está reservado um papel na vida social e política da
Nação. (Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 1949, p. 147)
Na prática a escola da Câmara Municipal recebeu alunos de idades das mais diversas, existiam
alunos desde 8 até 50 anos de idade. Este fato demonstra que a Reforma de 1879, no que tange à educação de
cativos já havia sido colocada em prática, mas a faixa etária dos alunos não correspondia a estabelecida pela
legislação. As hipóteses para tal situação podem ser levantadas em decorrência do número elevado de
indivíduos trabalhadores interessados nas aulas de alfabetização, e a escola provincial contar com poucas
vagas, além de funcionar em dias da semana alternados e manter-se fechada por longos períodos.
O professor Antônio José Ferreira Ribas foi nomeado para reger as aulas na escola noturna da
Câmara e não faz em seus ofícios nenhum tipo de referência a faixa etária variada de seus alunos.
Analisando os quadros de freqüência dos alunos identifica-se que dos 51 alunos matriculados, apenas
29 eram freqüentes, entre os freqüentes 13 eram menores de 16 anos. Existiam 10 cativos matriculados, mas
apenas três deles freqüentavam efetivamente as aulas. E somente os maiores de 16 anos aparecem no quadro
com uma profissão. Essas profissões citadas eram voltadas aos trabalhos domésticos ou aos serviços
manuais, como sapateiro, carpinteiro e pedreiro. Peres (2002) esclarece que os alunos freqüentes da escola
noturna da Biblioteca Pública da cidade de Pelotas na Província do Rio Grande do Sul na década de 1870,
eram meninos e homens entre 9 e 48 anos, e o que havia de comum entre eles, além da condição de classe e o
gênero masculino era o trabalho.
... era comum que muitas destas atividades (manuais) fossem desempenhadas por crianças, a
partir de 7 ou 8 anos de idade. ... Pelo registro nos Livros de Matrículas das profissões dos
alunos – de artistas ou de serviços domésticos, em grande número -, das idades e dos nomes
dos homens que se responsabilizam por esses alunos menores, suponho que esta fosse a
realidade de um número significativo de crianças que freqüentavam as aulas da Biblioteca
Pública Pelotense. Não há dúvida de que havia menores aprendizes de ofícios e crianças que
se ocupavam dos serviços domésticos; trabalho, porém, com a hipótese de que algumas
dessas crianças eram negros nascidos depois da Lei do Ventre Livre (1871), que viviam sob
o tutelamento de alguma família de posses, desempenhando trabalhos no âmbito doméstico.
(Peres, 2002, p. 89)
O que ocorria também de modo similar entre os alunos da escola municipal de Curitiba e os da
Biblioteca Pública Pelotense era o tutelamento de seus patrões, que deveriam fazer a matrícula de seus
empregados. No caso de Curitiba, pode-se identificar essa situação apenas depois da instituição do
Regulamento da Instrução Pública de 1883, que tornou o ensino primário obrigatório.
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... [este foi] o caso da instauração da instrução primária obrigatória que foi realizada em
diferentes países da Europa, em diferentes momentos do século XIX: esta constituiu-se mais
freqüentemente ligada a um projeto político que visava a associar cada cidadão ao destino da
nação à qual pertencia. Não se trata somente de alfabetizar, trata-se de forjar uma nova
consciência cívica por meio da cultura nacional e por meio da inculcação de saberes
associados à noção de "progresso". (Julia, 2001, p. 23)
Os superintendentes dos distritos passaram a enviar mapas da população escolar para a Inspetoria da
Instrução Pública. Nestas listagens constavam a relação nominal das crianças de ambos os sexos que
deveriam freqüentar alguma das escolas da Capital, como também a profissão do seu responsável, nome do
responsável, idade da criança, naturalidade, escola em que deveria ser matriculado, distância da escola até a
residência, endereço da moradia da criança e relação de parentesco ou de subordinação com o chefe da
família.
Nas listagens foi possível identificar a matrícula de criados de pessoas da elite na escola noturna.
Outro fator a ser levado em conta, na análise comparativa da escola da cidade de Pelotas com a escola
municipal de Curitiba, segundo Peres (2002)
... é que os cursos noturnos foram projetados não exclusivamente, mas principalmente, para
os trabalhadores pelotenses. E era sobretudo na condição de trabalhadores que crianças do
sexo masculino podiam freqüentar as aulas, visto que o trabalho infanto-juvenil era uma
realidade em Pelotas. Para ser aceito no curso, a condição de trabalhadores sobrepunha-se à
faixa etária, ou seja, ao fato de serem crianças. Tratava-se de indivíduos das classes
populares, já inseridos no mercado de trabalho e vivenciando relações de trabalho concretas.
Era como trabalhadores, e não como crianças, que estes sujeitos tinham acesso aos cursos.
Ser trabalhador, porém, era antes uma justificativa que uma exigência. (Peres, 2002, p. 88)
Pode-se considerar que a situação das crianças matriculadas nesta escola municipal se apresenta-se
similar aos das crianças citadas pela autora. As iniciativas educacionais, de certo modo inovadoras, da
Câmara Municipal da Capital receberam influências e também influenciaram outras municipalidades.
Durante o levantamento das fontes notou-se que outras cidades da província do Paraná também instituíram
escolas para adultos nas Câmaras Municipais e nas cadeias públicas. A documentação sobre o processo de
implantação e desenvolvimento posterior das aulas apresentou-se similar ao que ocorria na cidade de
Curitiba, porque como narra Costa (1993)
A Câmara Municipal de Curitiba, até a instalação da Província do Paraná (1853), dirigiu a
vida administrativa da Comarca de Curitiba e continuou a exercer ainda por longo tempo a
sua liderança histórica. Suas ordens eram ouvidas e acatadas em todas as freguesias, desde as
mais próximas, São José, Campo Largo, Palmeira, Iguaçu, Votuverava, Lapa, Ponta Grossa,
Castro, até as mais afastadas, como Guarapuava e Palmas. A sua ação políticoadministrativa, vinculada à conjuntura econômico-social e mental que completa o quadro e
lhe dá a configuração histórica, traduzia-se, entre outras atividades, pela eleição de
vereadores e juizes; posse de autoridades, com o respectivo termo de juramento e posse;
translado de documentos oficiais para serem cumpridos; discussão e deliberação de pedidos
diversos, inclusive concessão de terrenos foreiros, alvarás de licenças e termos de fianças;
abertura de concurso e provimento de cargos; atestação do exercício de cargos ligados a
funções judiciárias, religiosas e de magistério; aprovação e aplicação de posturas municipais
e realização de obras públicas em geral, inclusive nas outras freguesias. (Costa, 1993, p. 163)
As três escolas públicas para alfabetização de adultos criadas na Capital da província do Paraná e
aqui analisadas, podem ser identificadas como as bases para a escolarização de adultos na cidade. As escolas
apresentam trajetórias diferentes, a carga horária da escola provincial era reduzida a três dias de aulas por
semana, quando as escolas da Cadeia e a da Câmara funcionavam todos os dias úteis, isto é, de segunda à
sábado. Os alunos que freqüentavam a escola provincial permaneceram longos períodos sem a possibilidade
de assistir aulas, porque esta manteve-se fechada, as outras duas permaneceram abertas e em funcionamento
durante todo o período analisado. A quantidade de indivíduos interessados em aprender os rudimentos da
leitura e da escrita nas escolas noturnas era maior que o número de vagas das escolas públicas, o que
possibilitou a criação de escolas noturnas privadas para a alfabetização de adultos.
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Os professores das três escolas estudadas conviviam com realidades diferentes, o professor Schleder
da escola provincial sempre teve um grupo de alunos fiéis aos seus ensinamentos que enviaram vários
requerimentos ao presidente da província pedindo a retomada das atividades na escola e a nomeação do
mesmo professor para reger as aulas; o professor Ribas da escola da Câmara conviveu com uma sala de
alunos das mais diferentes idades e por fim, o professor Saldanha da escola da Cadeia envolveu-se em uma
rede de regras estabelecidas pelo regulamento interno e pelo regulamento orgânico da Instrução Pública. As
ações cotidianas destes professores ainda não foram plenamente esclarecidas, a medida que a pesquisa
avançar a documentação trará à tona os indícios das suas práticas em sala de aula. Como explica Julia (2001)
... os professores dispõem de uma ampla liberdade de manobra: a escola não é o lugar da
rotina e da coação e o professor não é o agente de uma didática que lhe seria imposta de fora.
Mesmo se a corporação à qual pertence exerce uma pressão – quer se trate de visitantes de
uma congregação, ou de inspetores de diversas ordens de ensino -, ele sempre tem a
possibilidade de questionar a natureza de seu ensino; sendo a liberdade evidentemente muito
maior nas margens do sistema (nos internatos ou junto ao preceptorado que pode ser
exercido depois da aula). De fato, a única restrição exercida sobre o professor é o grupo de
alunos que tem diante de si, isto é, os saberes que funcionam e os que "não funcionam"
diante deste público. (Julia, 2001, p. 33)
Referências Bibliográficas
BEISIEGEL, Celso de Rui. Estado e educação popular: um estudo sobre a educação de adultos. São Paulo:
Pioneira, 1974.
COSTA, Odah Regina Guimarães. Câmara municipal de Curitiba 1850-1900. Boletim do Instituto histórico,
geográfico e etnográfico paranaense, Comemoração dos 300 anos de Curitiba, Curitiba, volume XLVIII,
1993, p. 161-171.
JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação.
Campinas: Autores Associados, n. 1, 2001, p. 9-44
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1983.
PERES, Eliane. Sob(re) o silêncio das fontes... A trajetória de uma pesquisa em história da educação e o
tratamento das questões étnico-raciais. Revista Brasileira de História da Educação, Dossiê Negros e
Educação, Campinas, SP: Autores Associados, n. 4, p.75-102, jul./dez. 2002.
REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos – Ministério da Educação e Saúde, volume XIII, set./dez. 1949, n. 37.
SOARES, Leôncio & GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. Uma história da alfabetização de adultos no Brasil.
In: STEPHANOU, MARIA & BASTOS, Maria Helena Camara (orgs.) História e memórias da educação no
Brasil: século XX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. vol. III.
Fontes:
Relatório do Presidente da Província Adolpho Lamenha Lins à Assembléia Legislativa Provincial, 15 de
fevereiro de 1876.
Ofícios diversos do Diretor Geral da Instrução Pública ao Presidente da Província do Paraná.
Ofícios diversos do Inspetor Geral da Instrução Pública ao Presidente da Província do Paraná.
Ofícios da Câmara Municipal de Curitiba ao Presidente da Província do Paraná.
Ofícios do Professor Público ao Inspetor Geral da Instrução Pública da Província do Paraná.
Ofício da Secretaria de Polícia do Paraná para o Presidente da Província do Paraná.
Requerimentos dos Professores Públicos ao Presidente da Província do Paraná.
3761
Mapas sobre a situação do ensino obrigatório na circunscrição da Capital da Província do Paraná.
Regulamento de 16 de julho de 1876, aprova o regulamento orgânico da Instrução Pública da Província do
Paraná. Leis, decretos e regulamentos da Província do Paraná, 1876, v. 23.
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